Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2048/16.4T8STR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
MULTA
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – A multa prevista no n.º 3 do artigo 570.º do Código de Processo Civil, consubstancia uma segunda oportunidade de pagamento da taxa de justiça, embora penalizada em termos monetários, mas pressupõe ou subentende, sempre, uma primeira possibilidade de, sem qualquer penalização, a parte processual comprovar o pagamento da taxa de justiça devida ou do seu complemento.
II – Aquele que pretende beneficiar a interrupção da prescrição prevista no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil tem que cumprir duas condições: requerer a citação da ré cinco dias antes do termo do prazo prescricional e evitar que o retardamento da citação lhe seja imputável.
III – A citação prévia só deve ser requerida se a petição inicial for apresentada sem respeitar os cinco dias a que se refere o artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil.
IV – Tendo a petição inicial, por via da qual se interpôs ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo comum, sido apresentada durante as férias judiciais e o autor ter de saber que estando a citação dependente de prévio despacho judicial - artigo 54.º do Código de Processo do Trabalho - que só poderia ser proferido após as férias judiciais de Verão, face à natureza não urgente do processo, e, como tal, a citação só poderia ocorrer depois do termo do prazo prescricional de um ano, tal circunstancialismo não afasta a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, por se tratar de condicionalismo diretamente relacionado com a orgânica judiciária e com a tramitação processual, não sendo, por isso, imputável ao autor.
V – Ainda que a petição inicial tenha sido interposta em tribunal territorialmente incompetente e a mesma tenha sido apresentada de forma incompleta, não constituindo estas duas situações a razão para que a citação da ré não tenha sido feita dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, não se pode considerar que a citação tardia resultou de causa objetiva imputável ao autor.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.2048/16.4T8STR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB (A.), em 29 de julho de 2016, apresentou na Comarca de Santarém- Santarém- Instrução Central- 1.ª Secção do Trabalho, petição inicial, dando inicio à ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC, Lda. (R.), pedindo a condenação da R. a liquidar-lhe:
a) A título de pagamento por trabalho prestado em dias de feriado ou descanso semanal, o montante global de 40.927,32€ (Quarenta Mil Novecentos e Vinte e Sete Euros e Trinta e Dois Cêntimos), e igual valor a título de descansos compensatórios.
Em 15 de setembro de 2016, foi proferido despacho que julgou a 1.ª Secção do Trabalho da Comarca de Santarém territorialmente incompetente para a ação, atendendo ao domicílio do A., e ordenou a remessa do processo à 2.ª Secção do Trabalho da Comarca de Santarém.
Remetidos os autos para este último tribunal, foi designada data para a realização da audiência de partes, tendo-se ordenado a citação da R., ao abrigo do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho.
O aviso de receção relativo ao ato de citação foi assinado em 31 de outubro de 2016.
Realizada a diligência agendada, na mesma não se logrou obter uma solução conciliatória para o litígio.
Constatada a incompletude da petição inicial digitalizada e constante da plataforma Citius, veio o A., em 25 de novembro de 2016, juntar a petição inicial completa, constando da mesma o pedido de condenação da R. a pagar-lhe:
a) A título de pagamento por trabalho prestado em dias de feriado ou descanso semanal, o montante global de 40.927,32€ (Quarenta Mil Novecentos e Vinte e Sete Euros e Trinta e Dois Cêntimos), e igual valor a título de descansos compensatórios;
b) A título de retribuições em atraso o montante global de 4.427,38€ (Quatro Mil Quatrocentos e Vinte e Sete Euros e Trinta e Oito Cêntimos), sendo 3.855€ (Três Mil Oitocentos e Cinquenta e Cinco Euros) e 572,38€ (Quinhentos e Setenta e Dois Euros e Trinta e Oito Cêntimos) de juros de mora vencidos até à apresentação da presente petição inicial;
c) A titulo de Retribuições denominadas "prémio TIR", o montante global de 14.022€ (Catorze Mil e Vinte e Dois Euros);
d) A título de Cláusula 74º/7 da CCTV nos Subsídios de Férias e Natal o montante global de 4.887,45€ (Quatro Mil Oitocentos e Oitenta e Sete Euros e Quarenta e Cinco Cêntimos), sendo 4132,50€ de capital e 754,95€ de juros de mora calculados até apresentação da petição inicial);
e) A título de montantes devidos por falta de pagamento de diuturnidades o montante global de 1.378€ (Mil trezentos e Setenta e Oito Euros);
f) A título de Crédito de horas de formação o montante global de 1.127,70€ (Mil Cento e Vinte e Sete Euros e Setenta Cêntimos);
g) A título de indemnização por danos morais o montante de 10.000€ (Dez Mil Euros);
h) Deve ainda ser condenada em juros de mora calculados desde a data de vencimento de cada um dos montantes em dívida até efetivo e integral pagamento.
Através da notificação elaborada na plataforma Citius em 30 de novembro de 2016, foi a R. notificada do teor da petição inicial integral e para contestar a ação, no prazo legal.
Contestou a R., invocando, para o que agora nos interessa, a prescrição dos créditos peticionados, uma vez que à data da sua regular citação, já havia decorrido o prazo de um ano e três meses desde a cessação do contrato de trabalho que vigorou entre as partes, não sendo de considerar, no caso concreto, que tenha ocorrido a interrupção da prescrição prevista no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil.
O A. respondeu impugnando a invocada exceção da prescrição, em virtude da contagem do prazo prescricional ter sido interrompida logo que decorreram cinco dias sobre a propositura da ação.
A R. veio então salientar que embora tenha tomado conhecimento da ação em 31 de outubro de 2016, a sua citação apenas ocorreu em 5 de dezembro de 2016, pois até essa data a petição inicial que havia sido apresentada em juízo estava incompleta, pelo que não cumpria as formalidades legalmente exigidas.
O tribunal de 1.ª instância dispensou a realização da audiência preliminar.
Foi fixado à ação o valor de € 117.697, 17.
De seguida proferiu-se despacho saneador/sentença, em relação ao qual se transcrevem dois segmentos relevantes:
A.
«Das exceções dilatórias:
Face ao valor fixado à ação e tendo em conta a taxa de justiça paga pelas partes, verifica-se uma omissão parcial do pagamento devido a título de taxa de justiça, o que consubstancia uma exceção dilatória inominada que, caso não seja sanada, determina o desentranhamento das respetivas peças processuais apresentadas pelas partes.
Assim, e com vista à sanação dessa exceção dilatória determino a notificação das partes para, em 10 dias, procederem ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC, por aplicação do disposto no artigo 570.º, n.º 3 do CPC, sendo, quanto ao autor, por analogia.
Notifique.»

B.
«Da prescrição dos créditos do Autor invocada pela Ré:
(…)
Apreciando:
A presente ação foi proposta pelo autor em 29/07/2016, mediante o envio de petição inicial incompleta.
Posteriormente o juízo do trabalho de Santarém declarou a sua incompetência territorial e remeteu os autos para este juízo.
Foi designada data para a audiência de partes tendo a ré sido citada em 31/10/2016 (fls. 1098 e 1099).
Está aceite pelas partes que por carta datada de 28/08/2016 o autor denunciou o contrato de trabalho com a ré.
Nos termos do artigo 323.º do CC:
“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
Do transcrito preceito resulta que se exige ao titular do direito que o venha exercer através da via judicial, ficando interrompida a prescrição decorridos cinco dias após ter requerido a citação ou notificação, ainda que esses atos judiciais ocorram posteriormente, desde que a causa não lhe seja imputável.
No caso dos autos, depois de designada a audiência de partes foi a ré citada em 31/10/2016, nos termos do artigo 54.º, n.º 3 do CPT. Foi nessa data que teve conhecimento da intenção de o autor exercer o seu direito reclamando da mesma o pagamento de créditos que entende que lhe são devidos e emergentes do contrato de trabalho que existiu entre ambas.
Invoca a ré que a sua citação ocorreu depois do prazo de um ano previsto no artigo 337.º, n.º 1 do CT, por culpa do autor, por ter enviado aos autos uma petição inicial inepta e por ter proposto a ação em tribunal incompetente. Defende-se o autor que apenas tinha de propor a ação com 5 dias de antecedência antes do decurso do prazo de prescrição, o que fez, não tendo relevo a incompetência territorial do tribunal. Será assim?
Do artigo 323.º, n.º 1 do CC resulta que a citação ou notificação judicial em resultado da propositura de uma ação, independentemente do tipo de processo, consubstanciando a intenção da parte em exercer o seu direito, determina a interrupção da prescrição, ainda que o tribunal seja incompetente. Porquanto, proposta a ação e realizada a citação ou notificação, ainda que o tribunal seja incompetente, a prescrição fica interrompida. E, acrescenta o n.º 2 do citado preceito que, depois de requerida, se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias, por causa não imputável ao requerente, a prescrição fica interrompida.
In casu, a ação foi proposta pelo autor em 29/07/2016, porquanto em férias judiciais. Sendo uma ação de processo comum, não era alheio ao autor o facto de a mesma apenas ir a despacho liminar em setembro de 2016 (cfr. artigos 137.º do CPC e 26.º e 54.º do CPT) e apenas após essa apreciação haveria lugar à citação do réu, nos termos do artigo 54.º, n.º 3 do CPT. Não obstante saber que a prescrição dos seus invocados créditos ocorreria ainda em férias judiciais, antes da apreciação liminar da petição inicial, uma vez que a ação foi proposta durante as férias judiciais e não era urgente e que a citação da ré apenas ocorreria depois desse prazo, não cuidou o autor de requerer a citação urgente, nos termos do artigo 561.º do CPC. Acresce que, em apreciação liminar da ação, foi declarada a incompetência territorial do juízo do trabalho no qual o autor propôs a ação.
Não obstante o exposto, defende o autor que tendo proposto a ação com a antecedência de um mês em relação à verificação da prescrição, o prazo desta interrompeu-se decorrido 5 dias depois de ter proposto a ação, posição esta que não se considera assertiva pelas razões que se indicam. Por um lado, o autor não requereu a citação, como impõe o artigo 323.º, n.º 2 do CC, pois a ação que propôs nem sequer estava completa quanto à petição inicial e o citado normativo exige que a citação seja requerida e não se faça dentro dos cinco dias seguintes por causa não imputável ao requerente e só nestas circunstâncias ocorrerá a interrupção da prescrição decorridos os cinco dias. E, por outro lado, entende-se que face ao tipo de ação e momento da sua propositura necessariamente sabia o autor que a citação da ré apenas ocorreria depois do fim das férias judiciais e, como tal, já depois de prescritos os seus créditos, nos termos do artigo 337.º, n.º 1 do CT. Impunha-se ao autor, sendo conhecedor desses factos, que peticionasse a citação urgente da ré nos termos do artigo 561.º do CPC pois, propondo uma ação de processo comum, ou seja, um processo de natureza não urgente, cujos termos não correm em período de férias judicias e cuja citação da ré apenas ocorreria depois da apreciação liminar da petição, nos termos do artigo 54.º, n.º 1 do CPT, naturalmente sabia o autor que o conhecimento daquela da sua intenção em exercer o seu direito apenas se verificaria em momento posterior ao da prescrição dos seus créditos. E, sendo certo que a incompetência territorial não invalida a citação ou notificação que ocorrem no âmbito de um processo judicial, como evola do artigo 323.º, n.º 1 do CC, verdade é que, no caso dos autos, esse erro do autor retardou ainda mais a citação da ré, não se podendo afirmar que a falta de citação da ré decorridos 5 dias depois de proposta a ação se deveu a causa não imputável ao autor pois, in casu, esse atraso é-lhe imputável e não à organização judiciária. Efetivamente, se o autor, como podia e devia, tivesse requerido a citação urgente e se não tivesse proposto a ação em juízo territorialmente incompetente, não teria ocorrido um atraso na prática normal dos atos processuais.
De tudo o exposto resulta que se entende que a citação da ré ocorreu depois de prescritos os créditos do autor, sendo que a demora da citação apenas ao autor é imputável, que tendo ao seu dispor a possibilidade de requerer a citação urgente o não fez, apesar de saber que dado o tipo de ação que propunha, sujeita a despacho liminar apenas após o decurso das férias judicias, por ser um processo não urgente, necessariamente determinava que essa apreciação ocorreria já depois de prescritos os créditos do autor, com a consequente citação da ré muito depois de ocorrer a prescrição, que aliás se verificava ainda em período de férias judiciais. Acresce que, apresentado o processo a apreciação liminar, por o autor ter proposto a ação em juízo do trabalho incompetente, foi declarada a incompetência territorial e apenas após a remessa desse processo é que foi designada audiência de partes e citada a ré, sendo que, quando esse chamamento ocorreu, há cerca de 2 meses que já estavam prescritos os créditos do autor, afirmando-se que o retardamento da citação desta apenas a si é imputável e não ao tribunal, que em nada contribuiu para a declaração de incompetência, sem qualquer oposição do autor.
A jurisprudência tem sido unânime no sentido de entender que a prescrição dos créditos não se verifica quando a demora na citação é imputável à organização judiciária e não a qualquer ato do autor que fizesse atrasar a prática normal dos atos processuais1. No entanto, caso dos autos, face aos motivos já aduzidos, urge concluir-se que a citação da ré não se concretizou antes da prescrição dos créditos do autor por motivos só ao mesmo imputáveis pelo que, in casu, tendo o mesmo denunciado o contrato de trabalho com a ré por comunicação datada de 28/08/2015, sido declarada a incompetência territorial em 15/09/2016 e citada a ré tão só em 31/10/2016, nos termos do artigo 54.º, n.º 3 do CPT, a citação não interrompeu a prescrição, pois a mesma já tinha ocorrido pelo menos em 30/08/2016, não se tendo concretizado em momento anterior, não por motivos imputáveis à organização judiciária, mas ao autor.
Nesta conformidade e por tudo o exposto, tendo sido invocada a prescrição dos créditos do autor pela ré, nos termos do artigo 337.º, n.º 1 do CT, e por essa exceção perentória se verificar, declaro a prescrição dos créditos invocados pelo autor sobre a ré, absolvendo-a em consequência de todos os pedidos pelo mesmo invocados nestes autos.»
Inconformado, veio o A. interpor recurso, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
para não se verificar a interrupção da prescrição a que faz referência no artigo 323º, n.º2 do C. Civil, é necessário que a falta de citação seja objetivamente imputável, em exclusivo ao Autor, o que não é manifestamente o caso dos presentes autos.
Termos em que deve o presente Recurso obter provimento e, em consequência deve o despacho em crise ser revogado,
a) proferindo-se douto Acórdão decidindo que o Tribunal “a quo” deve, antes de ordenar o cumprimento do disposto no artigo 570º, n.º3 do C.P.C., mandar a secretaria notificar as partes para que no prazo de 10 (dez) dias, considerando o novo valor da ação, liquidem o complemento de taxa de justiça em falta;
b) proferindo-se douto Acórdão que declare improcedente a exceção de prescrição invocada pela Ré, prosseguindo os presentes autos para julgamento.»
Contra-alegou a recorrida, concluindo no final:
(…)
XLI. Constitui entendimento pacífico e unânime da Jurisprudência que ao requerente da citação (ora Apelante) não aproveita a interrupção prevista no art. 323.°, n.º 2 do CC se não cumprir objetivamente a lei, em qualquer prazo processual, até à respetiva citação.
POR CONSEGUINTE,
XLII. no caso dos presentes autos, não se pode concluir que estão verificados os pressupostos do nº 2 do artigo 323º do C.C., para efeitos de interrupção da prescrição, ou seja, que a citação se tenha concretizado nos cinco dias depois de ter sido requerida (entendendo-se aqui como tacitamente
requerida a partir do momento em que a petição deu entrada em Tribunal) uma vez que a falta de uma regular citação em prazo razoável apenas ocorreu por facto exclusivamente imputável ao Apelante.
Assim, confirmando o despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, que determinou “a prescrição dos créditos invocados pelo Apelante sobre a Apelada, absolvendo-a em consequência de todos os pedidos pelo mesmo invocados nestes autos” farão V. Ex.ªs inteira e sã JUSTIÇA!»
Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação, tendo-se dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela total procedência do recurso.
A recorrida respondeu, manifestando a sua discordância com o parecer emitido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
1.ª Saber se não há fundamento para a aplicação da multa prevista no n.º 3 do artigo 570.º do Código de Processo Civil.
2.ª Saber se foi interrompido o prazo prescricional dos créditos laborais reclamados.
*
III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.
*
IV. Direito
Anteriormente enunciadas as duas questões que constituem o objeto do recurso e que versam duas matérias distintas, incidindo a primeira sobre a parte do despacho saneador que determinou o pagamento da multa prevista no n.º 3 do artigo 570.º do Código de Processo Civil e a segunda, sobre a decisão que julgou procedente a exceção perentória da prescrição invocada na contestação, passemos ao conhecimento das duas matérias pela ordem indicada.

1. Multa prevista no n.º 3 do artigo 570.º do Código de Processo Civil
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 296.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo laboral por força da remissão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido.
Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes – artigo 306.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Na concreta situação dos autos, a Meritíssima Juíza a quo fixou o valor da causa em € 117.697,17, tendo alterado o valor que resultava dos articulados apresentados pelas partes, aumentando-o.
Na sequência de tal alteração, determinou a notificação das partes processuais para procederem ao pagamento do complemento da taxa de justiça resultante da diferença do valor inicialmente pago.
Quanto a este segmento decisório, não foi interposto recurso, pelo que tomaremos como definitivo o decidido.
A reação processual do A., através da interposição do recurso, cinge-se à aplicação da multa prevista no n.º 3 do mencionado artigo 570.º.
Entende o apelante que tal multa apenas se justificaria se as partes não comprovassem o pagamento do complemento da taxa, no prazo legal de dez dias, sobre a notificação do despacho.
Concordamos com a posição sustentada pelo apelante.
Efetivamente a multa prevista no aludido preceito legal consubstancia uma segunda oportunidade de pagamento da taxa de justiça, embora penalizada em termos monetários, mas pressupõe ou subentende, sempre, uma primeira possibilidade de, sem qualquer penalização, a parte processual comprovar o pagamento da taxa de justiça devida ou do seu complemento, por força, como é o caso, da alteração do valor da ação.
Neste sentido, v.g. os seguintes acórdãos da Relação de Guimarães, dos quais transcrevemos os excertos mais relevantes:
- «Dispõe o referido art.º 570.º (epigrafado documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça): “3 - Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. 4 - Após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo referido no n.º 2, sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao processo, a secretaria notifica o réu para os efeitos previstos no número anterior. 5 - Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa por parte do réu, ou não tiver sido efetuada a comprovação desse pagamento, o juiz profere despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 590.º, convidando o réu a proceder, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC. 6 - Se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação.”
É, aliás, para tal regime (embora ressalve as regras próprias aplicáveis à petição inicial) que remete o art.° 145.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos dez dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos arts. 570.º e 642.º.”
Ora, se no prazo legal para o efeito, faltar a apresentação de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou a comprovação desse pagamento, a secretaria deve notificar o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

Se, após esta notificação e findo o prazo para pagamento da taxa acrescida de multa de igual valor, o juiz, findos os articulados, deve ainda proferir despacho nos termos da alínea c) do n.º 2 e do n.º 3 do art.º 590.º, convidando, no prazo de 10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC, de acordo com o previsto no art.º 570.º, n.º 5.
Deste modo, havendo omissão do pagamento da taxa de justiça devida ou da comprovação deste, é sempre dada à parte faltosa a oportunidade de juntar o documento comprovativo desse pagamento, ainda que acrescida da competente multa» - P.3/15.0T8BGC.G1, de 30/11/2016;
- «Sendo aplicável à contestação, por força do nº 1, do artº 570º, as regras dos nºs 3 e 4, do artº 552º, segundo os quais deve ao articulado (no caso de contestação) juntar a parte respetiva o “documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida” ou comprovar este eletronicamente nos termos que estão regulamentados, ou seja, através do envio simultâneo com a peça, do ficheiro digital anexo do documento comprovativo de ter feito a autoliquidação, não há dúvida que, no meio de outras facilidades concedidas pelo legislador às partes e aos seus mandatários, subsiste para eles um sério e importante ónus no cumprimento esmerado e demonstração expedita das obrigações tributárias associadas à prática de atos do processo sujeita a taxa de justiça.
O próprio artº 14º, do RCP (em sintonia, aliás, com o disposto nos nºs 2, do artº 529º, e nº 1, do artº 530º, do CPC), é, quanto a isso, muito claro: o pagamento faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito e comprova-se pelo modo e na ocasião descritos.
Apesar de todo este rigor aparente, diversas normas conduzem a dificuldades interpretativas, logo de complicada observância na prática, pelos hoje chamados “operadores judiciários” e sobretudo pelas partes interessadas, dos seus pretendidos comandos.
Do seu cruzamento, resulta que, afinal, o legislador, no fundo, é mais complacente do que parece.

Tal sucede, desde logo, quanto à contestação, e em face do nº 3 do mesmo artº 570º, que estabelece:
“Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5UC”.
Todavia:
- O complemento circunstancial de tempo “no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação” refere-se à “falta de junção” ou de “comprovação”, significando, assim, que a sua verificação e tolerância pela Secretaria, não obstante aquele ónus, pode e deve ainda protelar-se por esse prazo e que, portanto, o faltoso ainda pode sanar a falha sem ser sancionado?
- Ou refere-se impositivamente à dita Secretaria delimitando-lhe o prazo imediato para ela proceder à notificação a seguir prevista aplicando a multa?

A redação não é clara. É o velho problema das vírgulas!
O artº 145º, do CPC, que parece ter querido, no nº 1, definir, como regra geral, o mesmo procedimento (maxime de comprovação) quanto a qualquer outro ato processual que, não sendo petição, contestação ou alegações de recurso, todavia também exija o pagamento prévio de taxa de justiça, estabelece, no nº 2, que:
“A junção de documento comprovativo do pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, equivale à falta de junção, devendo o mesmo ser devolvido ao apresentante”.
Ou seja: mesmo que a parte efetue, como deve, previamente, o pagamento, se não for feita, nos termos estabelecidos, a comprovação deste ou ele tiver sido inferior ao devido, considera-se falta de junção.
Não obstante, o nº 3, do mesmo artigo 145º, parece abrir pistas para se desvendar o que terá estado na mente do legislador e inspirado as diversas normas reguladoras da matéria em causa, nas diversas hipóteses.
E é isso que, para cumprirmos o disposto no artº 8º, do Código Civil, temos de descobrir, atendendo às regras traçadas no seu artº 9º.
Desde logo, tal norma ressalva as disposições relativas à petição inicial, em que, avultando embora a de a Secretaria dever liminarmente recusar recebê-la se não for feita a comprovação do prévio pagamento da taxa (artº 558º, alínea f), no entanto, contemporizando, possibilita que o autor ainda junte o documento em falta dentro dos 10 dias subsequentes à recusa, obstaculizando assim o efeito desta e as consequências fulminantes para o exercício do direito de ação.
Além disso, prevê, como regra geral, a impossibilidade de recusa imediata da peça processual pretendida apresentar quando não comprovado o pagamento da taxa de justiça de que dependa.
Para tal, claramente, admite a possibilidade de o interessado ainda cumprir o seu ónus sem sanções em prazo suplementar: “devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual”.
Só depois de esgotada esta oportunidade, operam as penalizações: “sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º” (no caso da contestação, multa pela Secretaria, novo convite e multa pelo Juiz e, finalmente, desentranhamento).
É este o espírito do legislador.
Outro não terá sido o que norteou a redação do nº 3, do artº 570º.
Com efeito, atendendo a que os prazos para a secretaria executar o seu expediente estão já consignados no artº 162º, CPC, não faz sentido que a norma tenha querido estabelecer, para o caso, um outro, diverso e tão dilatado, com nefastas consequências.
Faz mais sentido que o legislador também naquela tenha querido deixar impregnado o seu espírito de tolerância para com a parte, na tarefa de demonstrar no processo o cumprimento da sua obrigação tributária que o Estado sempre recebe de bom grado, sem prejudicar gravemente o que, para o andamento daquele, é essencial.
É, aliás, curioso notar a propósito do artº 642º, relativo às alegações de recurso, que parecendo literalmente impor com certeza a imediata atuação da Secretaria, no entanto esta também aparece condicionada na parte final do nº 3, do artº 145º, por forma que a sanção naquele prevista só é aplicável após a concessão à parte do tal prazo suplementar de 10 dias subsequente à prática do ato, para juntar o documento comprovativo em falta.
Aquele espírito é o que melhor se harmoniza e confere coerência sistemática às diversas normas implicadas.
Tudo indica, pois, que, em cumprimento do nº 3, do artº 570º, “a secretaria – só – notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante” caso “no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação” a parte obrigada o não faça espontaneamente.» - P. 2185/15.2T8GMR-D.G1, de 15/3/2016[12].
Concordando em absoluto com a jurisprudência citada, conforme deixámos antever pela posição manifestada anteriormente às duas transcrições e acolhendo os argumentos que se desenvolvem nos dois acórdãos citados, sem necessidade de mais delongas, importa concluir que no seguimento do despacho que fixou o valor da ação, há que conceder às partes a primeira oportunidade de proceder ao pagamento do complemento da taxa de justiça devido, inexistindo fundamento legal para a aplicação da multa prevista no n.º 3 do artigo 570.º da lei processual civil.
Nestes termos, mostra-se procedente o recurso quanto à questão analisada, pelo que terá de ser revogado o despacho recorrido, ficando sem efeito a multa aplicada às partes processuais.
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2. Interrupção do prazo prescricional
Pugna o apelante para que se considere que o prazo prescricional dos créditos laborais peticionados se interrompeu nos termos previstos no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.
Quid júris?
Dispõe o normativo inserto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, que o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
A prescrição constitui uma forma extintiva de direitos pelo seu não exercício por um dado lapso de tempo fixado na lei.
Nos contratos de trabalho, todos os créditos resultantes da sua execução, violação ou cessação se não forem reclamados no prazo de um ano contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o vínculo contratual, os mesmos extinguem-se por efeito da prescrição.
No caso vertente, dos elementos dos autos resulta que o contrato de trabalho que vigorou entre as partes processuais cessou em 28 de agosto de 2015, pelo que o prazo prescricional previsto na norma anteriormente referida terminaria em 29 de agosto de 2016.
O A. e agora apelante apresentou a sua petição inicial em tribunal, no dia 29 de julho de 2016, ou seja, um mês antes do decurso do prazo prescricional.
Estipula o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Por sua vez, o n.º 2 do normativo estipula que se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Assim sendo, para que o apelante pudesse beneficiar do regime consagrado no n.º 2 do preceito teria que cumprir duas condições: requerer a citação da ré cinco dias antes do termo do prazo prescricional e evitar que o retardamento da citação lhe fosse imputável (cfr., a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-04-2002, P. 01S4423; de 14-05-2002, P. 1159/02; e, de 30-04-96, P. 087981; Acórdão da Relação do Porto, de 27-11-2008, P. 0836327; e Acórdão da Relação de Lisboa, de 29-06-2006, P. 5202/2006-6[13]).
No que concerne ao primeiro pressuposto, tendo em consideração que a petição inicial foi intentada um mês antes do termo do prazo prescricional, o mesmo mostra-se verificado, sendo que o pedido para citação urgente prevista no artigo 561.º do Código de Processo Civil, apenas se justificaria se o apelante tivesse apresentado a petição inicial, sem respeitar os cinco dias a que se refere o artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil – cfr., Acórdãos desta Secção Social de 2/12/2003, P. 2161/03.2 e de 18/9/2007, P. 1785/07.2[14].
A circunstância da petição inicial ter dado entrada durante as férias judiciais e o apelante ter de saber que estando a citação dependente de prévio despacho judicial - artigo 54.º do Código de Processo do Trabalho - que só poderia ser proferido após as férias judiciais de Verão, face à natureza não urgente do processo, e, como tal, a citação só poder ocorrer depois de 29 de agosto de 2016, é absolutamente irrelevante, por se tratar de condicionalismo diretamente relacionado com a orgânica judiciária e com a tramitação processual, não sendo, por isso, imputável ao apelante.
Sobre esta questão escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2012, P. 3134/07.7TTLSB.L1.S1[15]:
«Como vem sendo a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, «O efeito interruptivo da prescrição, estabelecido no n.º 2, do art. 323.º do CC, pressupõe a concorrência de três requisitos: (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; (ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; (iii) que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao autor. Este último requisito deve ser interpretado em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação». (cf. acórdão de 03-10-2007, (Proc. n.º 07S359), relatado pelo Conselheiro Sousa Grandão).
No mesmo sentido se orienta o acórdão de 20-06-2012: «O prazo de prescrição interrompe-se pela citação, mas se a citação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (art. 323.º/2 do CC); A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida no falado art.º 323º n.º 2, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação» (cf. acórdão de 20-06-2012 (Proc. n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Sampaio Gomes).
Concretizando este conceito de imputabilidade, como causalidade objetiva, e rejeitando a sua aplicação ao atraso decorrente da interposição das férias judiciais, afirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-01-2009 (Recurso n.º 2060/08), relatado pelo Conselheiro Vasques Dinis, que «O juízo de culpa tem de ser formulado mediante a imputação ao requerente de atos ou omissões — que não devia ter cometido —, que se apresentem como condição necessária e adequada à produção do resultado traduzido na citação ou notificação mais de cinco dias depois de requerida.»
A doutrina processualista orienta-se, também, neste sentido, defendendo que “não é imputável ao autor a prática, dentro dos prazos legais, dos atos processuais entre a propositura da ação e a citação, que não necessita para tanto de ser requerida como urgente, só lhe sendo imputável a conduta, posterior à apresentação da petição inicial, que, violando a lei, tenha o resultado de atrasar o ato de citação”.
[7]
Com efeito, a jurisprudência, na concretização do conceito de «motivo imputável ao requerente», revela um entendimento protetor dos credores, desde que a ação seja proposta cinco dias antes de terminar o prazo de prescrição, não relevando, para a determinação do conceito de motivo imputável ao requerente, o retardamento da citação causado por motivos de ordem processual ou de organização judiciária.
Esta solução é a que resulta da interpretação teleológica do art. 323.º, n.º 2 do C.C. A ratio legis ou finalidade da norma, como tem salientado a doutrina, visa «(…) defender o credor contra a negligência do tribunal ou do funcionário, o dolo do devedor, a acumulação de serviço, a entrada em férias judiciais, ou outras circunstâncias anómalas do juízo.»[8]
No presente caso, o facto de a citação não se ter efetuado nos cinco dias após ter sido requerida, em virtude de durante as férias judiciais não se praticarem atos judiciais, não é imputável à Autora, que não cometeu qualquer infração à lei, mas resulta das regras da orgânica judiciária.».
Esta Secção Social, desde há muito, segue esta linha jurisprudencial, como se pode aferir pela leitura dos acórdãos supra identificados a propósito da questão da citação prévia, onde a temática relacionada com a relevância da ação ter sido intentada nas férias judiciais também é abordada.
Não vislumbramos qualquer razão para alterar o entendimento que vem sendo seguido, o que significa que, na concreta situação dos autos, embora a ação tenha sido intentada nas férias judiciais, a presumível não realização da citação nesse período, dada a natureza não urgente do processo, está relacionada com razões de índole judiciária e de índole processual e não com qualquer causa imputável ao apelante.
Existem, ainda, duas situações específicas do caso, que importa apreciar, no sentido de verificar se o retardamento da citação é atribuível ao apelante.
Uma dessas situações está relacionada com o facto de a ação ter sido intentada em tribunal territorialmente incompetente e, a outra, com a circunstância da petição inicial apresentada se mostrar incompleta.
Ora, face às concretas circunstâncias do caso, ainda que a ação tivesse dado entrada no juízo de trabalho territorialmente competente, a citação não se teria feito dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, o que nos leva a considerar que o retardamento da citação é alheio à propositura da ação em tribunal territorialmente incompetente.
Também a incompletude da petição inicial apresentada, não constituiu a causa objetivamente adequada para que a citação não se tenha feito no prazo de cinco dias depois da apresentação da petição inicial.
Em suma, tendo o apelante interposto a ação um mês antes do decurso do prazo prescricional, a citação da apelada não foi realizada dentro do prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por questões de índole processual e de orgânica judiciária, ou seja, a citação tardia não resultou de causa imputável ao apelante, pelo que o apelante beneficia da interrupção da prescrição prevista no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil.
Destarte, no caso concreto, apesar de a R./apelada apenas ter sido citada, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 54.º do Código de Processo do Trabalho, no dia 31 de outubro de 2016, a prescrição interrompeu-se antes de decorrido o prazo prescricional.
Nesta conformidade, o recurso mostra-se procedente, pelo que o despacho recorrido terá de ser revogado e ordenar-se, também, o normal prosseguimento dos autos.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogam a decisão recorrida, ficando sem efeito a multa prevista no n.º 3 do artigo 570.º do Código de Processo Civil aplicada às partes processuais, e, por improcedência da exceção da prescrição, devem os autos seguir os seus normais termos.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

Évora, 15 de fevereiro de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes
__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes
[2] Sendo certo que, como já se disse, apenas foi regularmente citada a 05 de Dezembro de 2016.
[3] Acórdão de 24 de Novembro de 2008, proferido no âmbito do processo nº SJ20081126025684, disponível em www.dgsi.pt
[4] Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 31-05-2006, processo n.º 901/06 - 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt
[5] Despacho com data de elaboração de 30/11/2016, sob a referência 73867211.
[6] Acórdão da Relação de Coimbra de 24/04/2012, no âmbito do processo n.º1952/10.8T2AVR.C1, disponível em www.dgsi.pt
[7] Acórdão de 12 de Janeiro de 2016, proferido no âmbito do processo nº 1656/13.0TBCTB-A.C1, disponível em www.dgsi.pt
[8] Proferido no âmbito do processo n.º 2568/08 -4.ª Secção, datado de 26-11-2008, disponível em www.dgsi.pt
[9] Uma vez que ali estava em causa a falta de pagamento da taxa de justiça inicial e aqui está em causa uma petição inicial inepta
[10] Acórdão de 09/02/1995, disponível em www.dgsi.pt
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-2012, Processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[12] Ambos os acórdãos estão acessíveis em www.dgsi.pt
[13] Todos disponíveis em www.dgsi.pt
[14] Acessíveis na base de dados anteriormente identificada.
[15] Publicado idem.