Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1132/23.2GBLLE-A.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - As declarações para memória futura da vítima de crime de violência doméstica, sendo meio de proteção da vítima e meio de prova, podem ser prestadas no processo antes da constituição como arguido do denunciado, tendo como objetivo evitar pressões (com perturbação para a aquisição e para a conservação da prova) e, ainda, visando prevenir a vitimização secundária da declarante.
II - Nesse caso, a prestação de declarações para memória futura deverá, apenas, ser precedida da nomeação de defensor ao denunciado (e respetiva notificação para comparência à diligência), a fim de ser salvaguardado o princípio do contraditório (assegurando-se, desse modo, a possibilidade de defesa e de contrainterrogatório).
III - Compete ao Ministério Público (enquanto titular da ação penal), e não ao Juiz de Instrução Criminal, determinar qual o momento adequado para a constituição do denunciado como arguido.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de inquérito n.º 1132/23.2GBLLE, que correm termos na Procuradoria da República da Comarca de Faro – DIAP – 1.ª Secção de Loulé, estando em investigação factos suscetíveis de integrarem a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), do Código Penal, tendo o Ministério Público requerido – ao abrigo do disposto dos artigos 2º alíneas a) e b) e 33º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, 26º, n.º 2 e 28º, n.º 2 da Lei n.º 93/99, de 14 de julho, 271º n.º 1, 67º-A n.º 1 al. b) e 3 do CPP e 20º n.º 1 da Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro –, a tomada de declarações para memória futura da vítima, tal requerimento foi objeto de indeferimento pela Exm.ª Juiz de Instrução Criminal, por despacho proferido em 24/11/2023, com fundamento, além do mais, em que o denunciado ainda não foi constituído arguido nos autos.
1.2. Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso é interposto do douto despacho judicial de 24.11.2023, referência no CITIUS 130229822, que, na sequência do requerimento para prestação de declarações para memória, por parte de vitima de violência doméstica, ao abrigo do disposto dos artigos 2º al. a) e b) e 33º da Lei 112/2009, de 16.09, dos artigos 26º nº2 e 28º nº 2 da Lei da Protecção das testemunhas, aprovada pela Lei 93/99, de 14.07, 271º nº 1, 67º-A nº 1 al. b) e 3 do CPP e do artigo 20º nº 1 da Lei 130/2015, de 04.09 (que aprova o estatuto da vítima), prolatou o douto despacho judicial de indeferimento, de que ora se recorre, com fundamento no facto de o denunciado ainda não ter sido previamente constituído arguido, impossibilitando, com a realização da diligência promovida, a efectivação do contraditório.
2. No presente inquérito investigam-se factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, alínea a) do Código Penal, em que é vítima (A), e denunciado/suspeito, o seu filho (B) que com ela coabita.
3. Das diligências de investigação já efectuadas, verifica-se que a ofendida padece de graves problemas crónicos de saúde, tendo inclusivamente sido internada no Hospital de Faro, a fim de realizar um tratamento. O denunciado, aproveitando-se da especial debilidade e vulnerabilidade da vítima, que com ela coabita, tem a agredido física e psicologicamente.
4. Na ausência de testemunhas presenciais, já que somente os dois residem na mesma casa, a inquirição desta testemunha que a lei considera vitima especialmente vulnerável, em sede de declarações parta memória futura, para evitar uma futura revitimização em sede de eventual e futuro julgamento, é que é possível recolher elementos de prova não só dos factos denunciados, como da intensidade do perigo que o denunciado pode representar para a ofendida, de forma a se ponderar a aplicação de medidas de coacção que a protejam;
5. Por outro lado, a realização de declarações para memória futura protege a própria vítima, porque realizada próxima da data dos factos, e evita que o denunciado possa, de algum modo, coagi-la a não prestar declarações, de forma a não se recolher prova contra si.
6. De salientar, ainda que o contraditório do denunciado não é colocado em causa, já que as declarações para memória futura são gravadas e nessa diligência, o denunciado é representado por advogado que intervém com formulação de perguntas à testemunha, não diferindo muito das situações em que o arguido é julgado na ausência, devidamente representado por defensor.
7. Quer num caso, quer no outro, o exercício do contraditório é plenamente exercido e eficaz.
8. Assim, e em cumprimento do disposto no artigo 28.º da Lei de Protecção de Testemunhas, que prevê que as declarações de vítima especialmente vulnerável deverá ser efectuada no mais curto espaço de tempo após a ocorrência dos factos ilícitos e sempre que possível deverá ser evitada a repetição da sua audição - obstando dessa forma à revitimização - em conjugação com o disposto nos artigos 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, 24.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro e 271.º do Código de Processo Penal, in casu, foi requerida a tomada de declarações para memória futura da vítima (A).
9. De igual forma, o Ministério Público como titular da acção penal e a quem cabe a direcção do inquérito, por razões de discricionariedade táctica na investigação, requereu à Mma. Juiz de Instrução a quo, a tomada de declarações para memória futura da vítima (A), em momento anterior ao da constituição como arguido do denunciado/suspeito (B).
10. A Mma. Juiz de Instrução, por despacho datado de 24.11.2023, indeferiu a realização das declarações para memória futura, por entender, em síntese, que não sendo constituído arguido, estando o suspeito identificado nos autos e de forma a não contender com o seu direito de exercício pleno do seu direito ao contraditório, que não é concretizado no âmbito da realização de prova pré-constituída, em consequência, indeferiu a tomada de declarações para memória futura de (A).
11. Na verdade, inexiste qualquer base legal para que, em primeiro lugar, se constitua alguém como arguido, para posteriormente, serem requeridas e tomadas as declarações para memória futura da vítima.
12. De salientar que, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal se exige que recaia sobre determinada pessoa uma fundada suspeita de crime, para que seja constituída arguida, o que, regra geral, com um auto de denúncia/notícia/participação, não se verifica.
13. De facto, a tomada de declarações para memória futura, por si só, não protege a vítima, mas permite obter um depoimento mais "fresco" e recente da factualidade em investigação, evitando a revitimização e potenciando uma efectiva responsabilização penal do denunciado, caso se verifiquem indícios da prática de crime, de forma a melhor sustentar uma condenação, cumprindo e garantindo, escrupulosamente, o direito do contraditório.
14. É evidente que, a ausência do arguido constituído dificultará o exercício da defesa. Mas isso não é diferente do que acontece naquelas situações em que o defensor é nomeado para representar um arguido ausente que não conhece e que nunca prestou declarações no processo, ou um arguido não presente no momento da produção da prova (nas situações dos artigos 325º, n.º 5, 332º, n.ºs 5 e 6 e 334.º, n.º 4 do Código de Processo Penal).
15. Em nosso entendimento, o douto despacho recorrido, violou os artigos 2º al. a) e b) e 33º da Lei 112/2009, de 16.09, dos artigos 26º nº2 e 28º nº 2 da Lei da Protecção das testemunhas, aprovada pela Lei 93/99, de 14.07, 271º nº 1, 67º-A nº 1 al. b) e 3 do CPP e do artigo 20º nº 1 da Lei 130/2015, de 04.09 (que aprova o estatuto da vítima).
16. Razão pela qual o despacho ora em crise, deve ser substituído por outro, onde se determine a nomeação de defensor ao denunciado/suspeito (B), e a designação de data para a tomada de declarações para memória futura de (A), vitima especialmente vulnerável, em função de doença, que a torna incapaz de se defender, por si própria, do denunciado, seu filho que com ela coabita.
Termos em que, o Ministério Público pugna pela procedência do presente recurso e, em consequência, devendo
– Ser revogado o douto despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro em que o Tribunal a quo defira o requerido pelo MP e designe data para tomada de declarações para memória futura à ofendida.
Vossas Excelências, porém, decidindo farão, como sempre, JUSTIÇA!»

1.3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exm.ª Procuradora–Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso dever merecer provimento.
1.4. Não foi cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, em virtude de não haver arguido constituído nos autos.
1.5. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP –, sem prejuízo do conhecimento dos vícios e nulidades principais, como tal tipificadas na lei, de conhecimento oficioso.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, a questão suscitada é a de saber se, estando em investigação nos autos de inquérito, um crime de violência doméstica e não tendo, ainda, havido lugar à constituição de arguido, se estão verificados os pressupostos legais para a tomada de declarações para memória futura, à vítima.

2.2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Por despacho exarado em 13.11.2023, sob a ref.ª citius 130152768, requer o Digno Magistrado do Ministério Público que “… sejam tomadas declarações para memória futura à aqui ofendida (A)”.
Para o efeito - e para o que ora releva - refere o Digno Magistrado do Ministério Público, no seu douto despacho, o seguinte:
“Investigam-se no presente inquérito os factos denunciados por, sendo vítima com problemas crónicos e graves de saúde (A), abstractamente susceptíveis de integrar a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e d), e n.º 2, do Código Penal.
Das diligências de inquérito realizadas, indicia-se que o suspeito (B) terá reiteradamente insultado, ameaçado e agredido, a vítima (A), sua mãe, com graves problemas de saúde crónicos, no interior do domicílio desta e que com ela coabita.
Conforme decorre do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, para efeitos do disposto nesse diploma considera-se vítima quem sofre um dano, nomeadamente um atentado à integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou uma perda material, causada por acção ou omissão no âmbito do crime de violência doméstica. Por outro lado, e de acordo com o artigo 2.º, alínea b), do mesmo diploma, considera-se vítima especialmente vulnerável a vítima especialmente frágil, designadamente em razão do estado de saúde, ou do facto de o tipo, grau, e duração da vitimação lhe terem provocado lesões graves no equilíbrio psicológico ou nas condições de interacção social.
Preceitua ainda o artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09, que “O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.”
Mais dispõe o artigo 28.º da Lei de Protecção de Testemunhas, aprovada pela Lei 93/99, de 14.07, no seu n.º 2 que “sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do disposto no artigo 271º do Código de Processo Penal.”
Ora, atendendo à gravidade dos factos em causa nos autos, a vítima (C) atenta a sua avançada idade e relação de parentalidade com o denunciado, terá de considerar-se necessariamente testemunha especialmente vulnerável, nos termos conjugados do disposto nos artigos 67º-A, 1 al. b) e 3 do CPP, 20º 1, da Lei 130/2015, de 04.09 e ainda do artigo 26º, 2 da Lei 93/99 supra referida.
Assim, em face das vulnerabilidades apresentadas pela ofendida, demonstradas, pela inquirição da testemunha que presenciou o acto de violência perpetrado pelo arguido na vitima, sua avó, bem como os problemas de mobilidade física atenta a sua provecta idade - 80 anos de idade -, indiciando-se especial subserviência perante o ascendente exercido sobre si pelo neto, ora denunciado, importa, pois, proceder à inquirição da ofendida, ouvir a sua versão dos factos, pelo que nos termos dos referidos preceitos legais e ainda do disposto no artigo 271.º n.º 1 do CPP, o Ministério Público requer que, em face do exposto, sejam tomadas declarações para memória futura à aqui ofendida (C).
Consigna-se que o denunciado ainda não foi constituído arguido.
Vejamos.
Compulsados os presentes autos verifica-se que os mesmos tiveram início por conta de factos alegadamente ocorridos em 28.09.2023, tal como descritos, nomeadamente, no auto de notícia de fls. 5 e ss. e nos autos de inquirição de fls. 8 e ss.; ou seja, nos autos de inquirição de (A), isto é, da aqui ofendida, e de (B), o aqui denunciado.
Conforme resulta da leitura do despacho supra transcrito, entende o Ministério que a factualidade denunciada é passível, em abstrato, de consubstanciar a prática - pelo denunciado contra a ofendida - de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e d) e n.º 2 do Código Penal.
Dispõe este normativo que “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; (…) d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
Em específico, quanto às supra transcritas alíneas a) e d), do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal, com efeito, pese embora o Ministério Público refira que entre a ofendida e o denunciado existe uma “relação de parentalidade” - caso em que, de resto, não se compreende por que razão é trazida à colação a alínea a), do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal, relativa “Ao cônjuge ou ex-cônjuge” -, certo é que não se encontra junta aos autos a certidão de nascimento referente ao próprio denunciado, mas tão-somente aquela respeitante à ofendida (cf. fls. 47), sem que com recurso à mesma seja possível aquilatar da existência (ou não) entre um e outro da sobredita “relação de parentalidade”.
Ademais, alude o Digno Magistrado do Ministério Público, na sua aliás douta promoção, à “provecta idade (da ofendida) - 80 anos de idade…”, bem como à circunstância de a mesma padecer de “problemas crónicos e graves de saúde”, razão pela qual deverá considera-se uma “…vítima especialmente vulnerável (…), designadamente em razão do estado de saúde…”, desde logo, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09, 28.º da Lei n.º 93/99, de 14.07, e 271.º do Código de Processo Penal.
Contudo, o que se retira da leitura do sobredito assento de nascimento da ofendida, de fls. 47, é que a mesma nasceu em 26.04.1965, contando, atualmente, com 58 anos de idade.
Outrossim, desconhecem-se quais sejam os “problemas crónicos e graves de saúde” de que a ofendida alegadamente padece, pois, para além de no auto de notícia ser referido que, de acordo com o denunciado, aquela tem problemas relacionados com o consumo de álcool e cirrose (cf. fls. 6), a própria tão-somente referiu que “iria ser internada no Hospital de Faro, por problemas de saúde crónicos que tem…” (cf. fls. 42), sem que, em momento algum, essa informação tivesse sido confirmada, nomeadamente, junto da entidade competente para o efeito.
Doutra parte, pese embora se admita que se possa tratar de mero lapso, certo é que, a final, requer o Ministério Público que sejam tomadas declarações para memória futura à ofendida (C), desconhecendo-se, contudo, em absoluto, quem seja a mesma.
O que, porém, não se tratará de mero lapso é a simples afirmação efetuada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, igualmente no final do despacho que antecede, tal como acima transcrito: “Consigna-se que o denunciado ainda não foi constituído arguido”.
E, assim sendo, este Tribunal, mais concretamente, este Juiz de Instrução Criminal, nomeadamente, na qualidade de Juiz dos Direitos, Liberdades e Garantias, questiona porquê?, já que o Ministério Público nada esclarece a esse propósito.
Efetivamente, é ao Ministério Público que cabe exclusivamente a direção do inquérito (cf. artigo 263.º do Código de Processo Penal), devendo, v.g., dirigir a investigação, ordenar a recolha de meios de prova necessários à recolha de indícios, determinar os agentes de um crime e as respetivas responsabilidades, tudo com vista à formulação do libelo acusatório ou ao arquivamento da investigação/ inquérito.
No entanto, em toda esta atividade de investigação cabe ao Juiz de Instrução Criminal zelar e velar para que os direitos, liberdades e garantias dos envolvidos nos processos sejam protegidos/observados, como revela uma rápida leitura dos artigos 268.º e 269.º do Código de Processo Penal, sem esquecer o artigo 17.º do Código de Processo Penal e a própria Lei Fundamental.
E, precisamente, o direito a ser constituído arguido encontra expressa consagração legal, entre outros nos artigos 58.º e 59.º do Código de Processo Penal. Sendo que, in casu, mais a mais, o denunciado já foi inquirido na qualidade de testemunha, perante OPC, não se afigurando, pois, possível afirmar que aquele não está identificado ou não se logrou, até ao momento, a sua constituição como arguido.
Ora, “… devem ser tomadas declarações para memória futura sem que haja arguido constituído (nomeando-se então defensor para tal efeito) quando o suspeito não está identificado, ou não tenha sido possível constituí-lo arguido, ou ainda quando o Ministério Público opte por retardar o interrogatório e constituição de arguido, por razões de tática na investigação. E se nos dois primeiros casos é intuitiva a razão de ser e a justeza da solução, nesta última circunstância tratar-se-á de situação muito excecional, a analisar casuisticamente, quando for aceitável “sacrificar o respeito pelo princípio do contraditório pleno aos interesses da realização da justiça e descoberta da verdade material” (Ac. RP de 23.11.2016, proc.º 382/15.0T9MTS.P1). Assim, Se é certo que cabe ao Ministério Público determinar o momento da constituição do suspeito como arguido, menos certo não é que a compressão dos respetivos direitos, por tal circunstância, tem de ser justificada (…) verdadeiramente o Ministério Público vem entendendo que deve haver (sempre) lugar à tomada de declarações para memória futura, independentemente da existência ou não de fundada suspeita (pois esta permite e reclama a constituição como arguido) transmutandoas, amiúde, em mera diligência de inquérito/investigação. Ora, salvo o devido respeito, tal entendimento, inequivocamente banalizador, para além do mais, defrauda a real natureza da tomada de declarações para memória futura (pois que, como é sabido, está em causa, tendencialmente, prova pré-constituída). (sublinhado nosso).
Transpôs-se, parcialmente, o texto do Ac. do TRL, de 11.04.2023, proc. n.º 813/22.2SXLSB-A.L1-5, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos na íntegra e cujo sumário, para maior clareza de explicação, ora se transcreve: A possibilidade de tomada de declarações para memória futura sem que haja arguido constituído, é exceção às correspondentes regras, designadamente à que prevê o contraditório pleno. Como assim, o requerimento da respetiva diligência terá de ser, sob pena de indeferimento, fundamentado caso a caso e com factos concretos que justifiquem a necessidade e proporcionalidade do procedimento. Por isso é inadmissível que, seja por que forma for, se constitua em regra geral nos processos por crime de violência doméstica, ou em qualquer outro, tal como a obrigatoriedade de tomada de declarações para memória futura. Nesta conformidade e quanto a esta matéria, a Diretiva 5/2019 da PGR é ilegal. (sublinhado nosso).
Termos em que, pelos motivos e fundamentos supra expostos, indefere-se o requerido pelo Ministério Público, não se tomando declarações para memória futura à ofendida nos presentes autos.
Notifique e devolva.»

2.3. Apreciação do mérito do recurso
Estando em investigação nos supra referenciados autos de inquérito, factos suscetíveis de integrar a prática, pelo denunciado (B), ainda não constituído arguido, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a), do Código Penal, requereu o Ministério Público, à Exm.ª Juiz de Instrução Criminal, a tomada de declarações à vítima (A), ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º alíneas a) e b) e 33º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas), 26º, n.º 2 e 28º, n.º 2 da Lei n.º 93/99, de 14 de julho (Regulamento da Lei de proteção de testemunhas), 271º, n.º 1, 67º-A, n.º 1, al. b) e 3 do CPP e 20º, n.º 1, da Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro (que aprovou o Estatuto da vítima).
A Mm.ª Juiz de Instrução Criminal a quo indeferiu a requerida tomada de declarações para memória futura, com fundamento, essencialmente, em que:
- A ofendida tem 58 anos de idade (e não 80 como é referido no requerimento do MP), desconhecendo-se quais sejam os “problemas crónicos e graves de saúde” de que alegadamente padece, não estando, por isso, devidamente sustentada a alegação do MP de tratar-se de “…vítima especialmente vulnerável (…), designadamente em razão do estado de saúde…”;
- Não ter ainda o denunciado sido constituído arguido e nada esclarecer o MP a sobre as razões por que o não foi, o que se impunha que fizesse, não devendo, nessa situação, ser admitida a tomada de declarações para memória futura, dado não permitir o pleno exercício do contraditório.
Vejamos:
O regime geral da prestação de declarações para memória futura encontra-se previsto no artigo 271º do CPP, o qual, na parte que aqui releva, dispõe:
«1. Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2. (...)
3. Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
(...)
Na Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro – que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas –, prevê-se um regime especial para a prestação de declarações para memória futura das vítimas de violência doméstica.
Estatui o artigo 33º da referenciada Lei n.º 112/2009, que:
«1 - O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
(...)
7 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar
Por sua vez, a Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro – que aprovou o Estatuto da vítima – estabelece, no artigo 24º, um regime autónomo para a prestação de declarações para memória futura da vítima especialmente vulnerável.
Dispõe o mencionado artigo 24º:
«1 - O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.
2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas.
4 - A tomada de declarações é efetuada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto.
5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado pelo tribunal.
6 - Nos casos previstos neste artigo só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar
O artigo 20º da Lei n.º 130/2015, sob a epígrafe “Atribuição do estatuto de vítima especialmente vulnerável”, dispõe:
«1 - Apresentada a denúncia de um crime, não existindo fortes indícios de que a mesma é infundada, as autoridades judiciárias ou os órgãos de polícia criminal competentes podem, após avaliação individual da vítima, atribuir-lhe o estatuto de vítima especialmente vulnerável.
2 - No mesmo ato é entregue à vítima documento comprovativo do referido estatuto, compreendendo os seus direitos e deveres
Neste quadro legal, crê-se ser evidente que o artigo 24º da Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro, consagra um regime específico, para a prestação/tomada de declarações para memória futura da vítima especialmente vulnerável, sendo os pressupostos exigidos menos restritivos do que aqueles que o são no regime geral, estabelecido no artigo 271º, n.º 1, do CPP.
De harmonia com o disposto no artigo 67º-A, n.º 3, do CPP, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1[1].
Considerando a definição de criminalidade de violenta plasmada na alínea j) do artigo 1º do CPP – «as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos» – e o disposto no n.º 3 do artigo 67º-A, as vítimas do crime violência doméstica são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis.
Este entendimento é consensual e está expresso no preâmbulo da Portaria n.º 138-E/2021, de 1 de julho – que aprova os modelos dos documentos comprovativos da atribuição do estatuto de vítima e do estatuto de vítima especialmente vulnerável, incluindo por crime de violência doméstica –, onde se refere que: «Com a consagração formal, em 2015, da vítima como sujeito processual e a publicação do referido Estatuto da Vítima, as vítimas do crime de violência doméstica, crime que integra a criminalidade violenta, passaram a ser sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis. Por essa via, passou a ser atribuído às vítimas de violência doméstica, de forma autónoma e especial, de acordo com o previsto na Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, e no n.º 3 do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua atual redação, um estatuto de vítima especialmente vulnerável».
A vítima de violência doméstica, é, pois, sempre considerada vítima especialmente vulnerável.
Decorre do disposto no artigo 33º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e no artigo 24º, n.º 1, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, que a tomada de declarações para memória futura, à vítima de violência doméstica, sendo como tal sempre considerada vítima especialmente vulnerável, é uma decisão que cabe ao juiz de instrução.
Essa decisão terá por base a análise do caso concreto, havendo que aferir do interesse, necessidade e oportunidade na realização de tal diligência, tendo em vista a descoberta da verdade material e a proteção da vítima, designadamente, prevenindo situações de vitimização secundária.
Como se refere no Acórdão da Relação do Lisboa, de 11/01/2012[2], a critério a atender para determinar os acasos em que deve ter lugar a prestação de declarações para memória futura «há de resultar de uma ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável à consecução das finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça.»
Relativamente às vítimas de violência doméstica, a orientação jurisprudencial que se vem afirmando como maioritária é no sentido de que, sendo requerida, pelo Ministério Público ou pela vítima, a prestação de declarações para memória futura, a regra deverá ser a de deferir a realização de tal diligência e só em casos de, objetiva e manifesta, irrelevância ou total desnecessidade na recolha antecipada de prova, o juiz poderá indeferir esse requerimento[3].
Perfilhamos deste entendimento.
Aplicando estas considerações ao caso dos autos, tendo em conta os factos denunciados, dos quais resulta que a vítima (A) vem sofrendo agressões físicas e psicológicas, perpetradas pelo denunciado/suspeito, seu filho, que com ela coabita, padecendo a vítima, atualmente com 58 anos de idade, de problemas crónicos de saúde, sendo, nessa situação, a sua debilidade e fragilidade ainda mais acentuada, do que a já inerente ao estatuto de vítima especialmente vulnerável que lhe foi atribuído, sem esquecer que, na avaliação de risco para situações de violência doméstica, inicialmente efetuada, o risco foi considerado elevado (cf. ficha a fls. 25 destes autos), tendo em vista a proteção, imediata e a médio/longo prazo, da vítima, atenta a sua especial vulnerabilidade, salvaguardando, designadamente, a preservação da sua memória, tão próxima quanto possível, da ocorrência dos factos e prevenindo que possa vir a ser alvo de eventuais pressões – que como é sabido são bastantes frequentes, neste tipo de criminalidade, mormente, quando existe coabitação entre a vítima e o agressor –, exercidas pelo denunciado, no sentido de não prestar declarações contra si, em fase de julgamento, no caso de vir a ter lugar, leva-nos a concluir que, no caso, é perfeitamente justificado e aconselhada a tomada de declarações para memória futura, à vítima (A).
Aqui chegados coloca-se a questão se saber se a circunstância de não ter havido ainda a constituição de arguido, estando o denunciado identificado e sendo o seu paradeiro conhecido, constitui impedimento legal a que sejam tomadas declarações para memória futura à vítima.
Relativamente a esta questão, pese embora, a jurisprudência e a doutrina[4] se encontrem divididas quanto à solução a adotar, o entendimento jurisprudencial que se vem afirmando como maioritário, é no sentido de que a tomada de declarações para memória futura não está condicionada à prévia constituição como arguido do denunciado/a suspeito[5].
Acompanhamos esta orientação, entendendo-se que a prestação de declarações para memória futura não supõe a prévia constituição de arguido. Apenas se exige, a nomeação de defensor e que este esteja presente na diligência, atento o disposto nos artigos 271º, nºs 3 e 5 e 64º, n.º 1, al. f), ambos do CPP, a fim de ser assegurado o princípio do contraditório.
A este propósito e reportando-se à interpretação do artigo 271º do CPP, escreve o Desembargador Cruz Bucho[6]: Em primeiro lugar, «De entre os pressupostos para a prestação de declarações para memória futura mencionados no artigo 271.º não consta, por conseguinte, a exigência de que já tenha havido lugar à constituição de arguido ou sequer de que o inquérito corra contra pessoa determinada.
Em segundo lugar e quanto ao elemento sistemático, importa referir que do n.º 3 do art.º 271.º do Cód. Proc. Penal não decorre que aprestação de declarações para memória futura depende da existência de arguidos constituídos no processo para que possam estar presentes no acto e exercer, logo aí, o contraditório, mas sim que, havendo arguidos constituídos, os respectivos defensores (tal como o Ministério Público) têm de estar presentes no acto.
Por outras palavras, o facto de o art. 271.º do C. P. Penal, nos seus n.ºs 2 e 3, impor que aos arguidos sejam comunicados o dia, a hora e o local do depoimento, para que possam estar presentes e de poderem formular perguntas adicionais, não significa que as declarações para memória futura não possam ser tomadas mesmo que não haja arguidos constituídos.»
Quanto à objeção levantada no despacho recorrido de não ter o Ministério Público aduzido qualquer razão para que ainda não tivesse havido lugar à constituição de arguido do denunciado, sufragamos inteiramente as considerações expendidas no Acórdão da Relação do Porto de 06/12/2023[7] e que seguidamente se transcrevem:
«Tendo presentes os conceitos enunciados e o disposto no art.º 271º nº1 do CPP, entendemos que estando em causa a investigação pelo Ministério Público de crime de crime de violência doméstica, cujas vítimas são consideradas especialmente vulneráveis, a tomada de declarações é pertinente, cabendo ao titular do inquérito determinar o momento em que em função da estratégia da investigação, procede a tal diligência, em conformidade com o que resulta dos artºs 53º nº 2 al. b), 263º nº 1 do CPP. Como também escreve António Gama, “não se pode esquecer que a intervenção do juiz na fase de inquérito do actual processo penal e no concreto caso de declarações para memória futura caracteriza-se pela tutela das liberdades, alheando-se da actividade de investigação.”[8]
(...)
A recolha de elementos probatórios através da tomada de declarações à ofendida identificada na denúncia, poderá também habilitar o titular do inquérito, precisamente a estabelecer, ou não, a existência de «suspeita fundada» para efeitos do disposto no art.º 58º nº1 al. a) do CPP.
À realização da diligência requerida não obsta não estar ainda constituído Arguido a pessoa denunciada, nem a lei, no artº 271º do CPP, o exige.
Tal não belisca o princípio do contraditório, com consagração Constitucional no art.º 32º nº 5 da CR, desde que seja nomeado defensor ao suspeito[9] e seja posteriormente assegurada, como será sempre a possibilidade de contraditar um depoimento já conhecido.»
Em conclusão e citando o sumário do Acórdão da RL de 22/05/2023[10], entendemos que:
«I - A prestação de declarações para memória futura não está condicionada à prévia constituição como arguido do denunciado/suspeito.
II - Neste caso, a prestação de declarações para memória futura deverá, apenas ser precedida da nomeação de defensor e respectiva notificação para comparência à diligência, a fim de ser salvaguardado o princípio do contraditório.
III - Permite-se, com a nomeação do defensor, assegurar o exercício dos direitos que estão atribuídos ao arguido, e neste caso ao suspeito/denunciado que pode vir a assumir essa qualidade.
II - O “timing” no que tange à constituição do arguido é inerente à competência exclusiva do MP enquanto titular da acção penal, e responsável pela melhor estratégia aplicada à investigação, no âmbito do princípio que genericamente se apelida de acusatório, sendo que o sistema processual penal não atribui quaisquer poderes de ingerência nesta área ao JIC, com excepção de zelar pela salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias.»
Por todo o exposto, não pode subsistir o despacho recorrido, devendo ser revogado e substituído por outro, onde deferindo o requerimento do Ministério Público, se designe data para a tomada de declarações para memória futura, à vitima (A) e se diligencie pela nomeação de defensor oficioso ao denunciado/suspeito (B), para que esteja presente na diligência, sendo, desse modo, assegurado o contraditório.
Procede pois o recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência:
- Revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que determine a tomada de declarações para memória futura em causa à vítima (A) e se diligencie pela nomeação de defensor oficioso ao denunciado/suspeito (B), nos termos sobreditos.

Sem tributação

Notifique.

Évora, 06 de fevereiro de 2024
Fátima Bernardes
Renato Barroso
Carlos de Campos Lobo
__________________________________________________
[1] Que contém a definição de “Vítima especialmente vulnerável”, considerando-se como tal, «a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social»
[2] Proferido no proc. n.º 689/11.5PBPDL-A.L1–3, in www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, cf., entre outros, Acórdãos da RL de 09/11/2016, proc. n.º 5687/15.7T9AMD-A.L1, de 05/03/2020, proc. n.º 779/19.6PARGR.A.L1, de 04/06/2020, proc. n.º 382/19.0PASXL.A.L1 e de 07/03/2023, proc. n.º 658/22.0T9LRS-A.L1-5; Acórdãos da RC de 07/04/2021, proc. n.º 86/20.1T90FR-A.C1, de 10/04/2022, proc. n.º 201/21.8GACNF-A.C1 e de 19/01/2024, proc. n.º 260/23.9GAPNI-A.C1, in www.dgsi.pt; Acórdãos da RP de 06/12/2023, proc. n.º 561/23.6GBAMT-A.P1 e de 19/12/2023, proc. n.º 1592/22.9T9PRD-A.P1; Ac. desta RE de 24/10/2023, proc. 970/23.0GBABF-A.E1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[4] Defendem a necessidade de prévia constituição de arguido, entre outros, José Damião da Cunha, “O regime de leitura de declarações na audiência de julgamento (arts. 356.º e 357.º do CPP)”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 3.º, Julho-Setembro, págs.405 e 406 e Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2ª edição, 2011, pág. 724. Em sentido contrário pronunciam-se, entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 3ª edição, 2009, pág. 704 e Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, 2ª edição, 2016, Almedina, pág. 920.
[5] Neste sentido, cf., entre outros, Acórdãos da RL de 03/02/2022, proc. n.º 876/21.8JAPDL-A.L1-9, de 07/02/2023, proc. n.º 726/22.8SXLSB-A.L15, de 22/05/2023, proc. n.º 220/23.0XLSB-AL1.3 e de 25705/2023, proc. n.º 108/23.4PXLSB-A.L1-9; Acórdãos da RP de 26/02/2020, proc. n.º 3844/16.8JAPRT.P1, de 23/11/2016, proc. n.º 382/15.0T9MTS.P1, de 24/03/2021, proc. n.º 132/20.9PHVNG-C.P1 e de 19/12/2023, proc. n.º 1592/22.9T9PRD-A.P1; Ac. da RG de 31/10/2023, proc. n.º 330/21.8JAVRL.G1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[6] In “Declarações para Memória Futura (elementos de estudo)”, 2012, páginas 59 e 60, acessível in
www.trg.pt/ficheiros/estudos/declaracoes_para_memoria_futura.pdf;
[7] Proferido no proc. n.º 561/23.6GBAMT-A.P1, in www.dgsi.pt.
[8] In Código de Processo Penal, Comentado, Almedina 2014, pág. 963.
[9] Cf. António Gama, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 19, n.º 3 Julho-Setembro, Coimbra Editora, pág. 401.
[10] Proferido no proc. n.º 220/23.0SXLSB.L1-3, in www.dgsi.pt