Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3689/15.2T8STB-B.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONSTITUTO POSSESSÓRIO
POSSE PRECÁRIA
INVERSÃO DE TÍTULO
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Estabelece o art.º 1264º do CC - constituto possessório – que se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer motivo, aquele continue a deter a coisa.
II - Significa isto que o transmitente, se ficar materialmente com a coisa, passa a ser um mero detentor em nome alheio ou seja passa a ser um possuidor precário.
III - Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse (“interversio possessionis”) – art. 1263º d) do Código Civil – ou seja, se, a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção, agora, de que o oponente actua, inequivocamente, como titular daquele direito.
IV - Para que a inversão por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía aconteça, importa que o detentor torne, directamente, conhecida da pessoa em cujo nome possuía, quer judicial, quer extra-judicialmente, a sua intenção de actuar como titular do direito, sendo uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem, e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem”.
V - Tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que não deixa de ser pública, quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado directo ou indirecto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º n.º 3689/15.2T8STB-B.E1
Apelação
1ª Secção

Recorrente:
AA e BB.
Recorrido:
CC, SA.
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Relatório[1]

«Os Autores AA e BB, residentes em Rua …, …, …, Palmela, instauraram a presente acção contra a Ré CC, SA, com sede em …, …, …, Freguesia de Almancil, Loulé, com vista a obterem o reconhecimento da qualidade de proprietários do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº …/…, da Freguesia do Poceirão, e inscrito na matriz com o nº ….
Para fundamentarem a pretensão alegaram, em síntese, que, no dia 11/05/1994, os pais da Autora doaram-lhe uma parcela de terreno, na qual erigiu uma construção para habitação, posteriormente, por razões fiscais e financeiras, vendeu esse prédio a DD, que depois o vendeu a EE e, esta por sua vez, vendeu-o à Ré.
Em 2014, a Autora, foi surpreendida com a presença de uma agente de execução que mudou as fechaduras do prédio mas deixou as janelas encostadas e, por isso, através destas tiveram acesso imediato à moradia e continuaram a viver nesta e a fazer toda a sua vida como sempre fizeram.
Os sucessivos compradores nunca exerceram poderes de facto sobre o prédio, sendo os Autores que sempre estiveram na posse do bem de forma ininterrupta desde 1996, o que fizeram de forma pacífica e continua à vista de todos como donos, tendo adquirido por usucapião a propriedade do prédio.
A Ré devidamente citado contestou a acção defendendo-se por excepção e impugnação pronunciando pela improcedência da acção. Por excepção, sustenta a ineptidão da petição inicial, a caducidade do direito e a falta de interesse em agir.
Deduziu reconvenção pedindo a condenação dos Autores/reconvindos a pagar-lhe determinada quantia pelos prejuízos decorrentes da ilegítima ocupação e recusa na entrega do prédio.
Pedem ainda a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
Os Autores apresentaram réplica nos autos, na qual pugnam pela improcedência das excepções, bem como, impugnaram os factos vertidos pela Réu em sede de reconvenção».
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No despacho saneador a Sr.ª Juíza, conheceu das excepções e bem assim do pedido formulado pelos AA., concluindo pela sua improcedência e absolvendo a R. do mesmo. Ordenou o prosseguimento dos autos para julgamento para conhecer do pedido reconvencional.
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Inconformados com a decisão, vieram os AA., interpor recurso de apelação, em separado, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

«A - Constituindo a usucapião o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, vêm os Autores requerer que lhe seja atribuída a propriedade do imóvel objecto do litigio.
B - Não esquecendo que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião.
C - Consideram os Autores que se encontram alegados e documentados todos os requisitos da usucapião.
D – Desde o requisito da posse, por entenderem que o imóvel nunca saiu da posse dos requerentes, desde que foi doado pelos pais da Recorrente AA – há pelo menos 19 anos. A posse, para ter virtualidade usucapiente, exige não só a materialidade correspondente ao exercício do direito de propriedade, ou outro direito real, que integra o denominado “corpus” mas exige também um elemento psicológico, consistente na convicção de exercício do direito correspondente à materialidade dos atos praticados e na intenção de o exercer, o que integra o denominado “animus”.
E – A posse diferentemente do direito de propriedade não sofreu transferência, não sendo detida pela titular inscrita no registo.
F – Não tendo os Autores em momento algum vivido no imóvel por complacência das duas anteriores proprietárias, já que estas sabiam que a propriedade que estava em seu nome tinha sido adquirida pela impossibilidade do imóvel continuar na esfera patrimonial dos Recorrentes e não por qualquer outro motivo. Pelo que não se verifica apossamento ilegítimo.
G – Bem como sabemos que o registo do direito de propriedade junto da Conservatória do Registo Predial, constitui uma presunção da existência desse direito pertencer ao titular inscrito, presunção júris tanto que permite prova em contrário.
H -Em que não basta ser alegada nos autos mas tem que ser provada em audiência de julgamento (execeto se for junto aos autos prova documental suficiente, que no caso não foi).
I – Nunca se verificou a tradição do imóvel com entrega de chave, contratação de energia em nome da Ré, ou conhecimento por parte desta se o imóvel era ou não habitável, se se encontrava habitada, por quem e em que condições, se era abastecida de água, (por ser uma moradia do meio do campo e isolada), provido de esgotos, se tinha que dar passagem a algum vizinho, se entretanto foi sofrendo ampliações que chegaram ao prédio confinante, se estas ampliações aumentaram e melhoraram estrutural ou substancialmente o imóvel utilizado pelos A.A. como sua habitação.
J - Transcendendo claramente e de forma inquestionável o plano da utilização e fruição de um imóvel no quadro de um simples direito pessoal de gozo ou de complacência, ao aumentarem o valor do prédio por constituírem benfeitorias úteis.
L – Consequentemente aumentaram o valor do prédio a nível patrimonial e comercial.
M- Com efeito; perante tal factualidade, constatamos que os Autores sempre se comportaram como verdadeiros titulares do imóvel, exercendo continuadamente a sua posse, como se donos se tratassem, de forma pública e pacífica.
N - Efetivamente, desde a data da doação do terreno pela progenitora da Autora e construção da respetiva moradia até à propositura da ação, os mesmos atuam na convicção de não lesar direitos alheios e à vista de toda a gente.
O – A Ré não alegou nem se apurou que tenha questionado o uso do imóvel pelos autores antes da entrega judicial do imóvel em Abril de 2014, pelo que se verifica a interversio possessionis.
P - A sua posse não se baseou na mera tolerância dos proprietários. Os A.A. sempre agiram e se consideraram proprietários, não uns meros utilizadores precários até que surgissem os proprietários e viessem a reclamar o imóvel.
Q - O fato de a Ré constar do registo predial como proprietária do imóvel, em nada colide com o direito dos autores.
R – Já que a função do registo é definir a situação jurídica dos prédios e a presunção instituída no art. 7°. do Código de Registo Predial, significa que o direito registado existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, podendo esta presunção ser ilidível, diferentemente da publicidade registal é a publicidade dos atos possessórios praticados publicamente.
S - Bem como não podemos esquecer que a regra, no nosso sistema jurídico é a de que o registo não tem eficácia constitutiva ou extintiva de direitos.
T – Verifica-se que a verdade material não substitui a registal ou tabular, mantendo-se as duas, cada uma com o seu regime e esferas específicas. Dirigindo-se o registo mais à publicidade do que à plenitude da garantia.
U – Alegaram os Autores que o imóvel é usado por eles há mais de 19 anos, à vista de todas as pessoas, recebendo amigos, dormindo, confecionando e tomando as suas refeições, circulando livremente, restaurando sempre que necessário, efectuando obras de conservação e de transformação, estando, assim, na posse, desde então, do mesmo.
Concluir se tem, face ao prescrito no mencionado art. 1268.º do Codigo Civil, que tais Autores gozam da presunção da titularidade do direito de propriedade respectivo.
V - Sendo certo que o arrogado direito da Ré, apesar de constar no registo predial, e, assim, fundado neste, é posterior ao início daquela posse.
X - Resultando do art. 1268.º do CC que a presunção derivada do registo apenas prevalecerá se for anterior ao início da posse, pois, de contrário, será a presunção a favor do possuidor que prevalecerá.
Y – Como se consta no caso em apreço pelos documentos juntos aos autos, logo gozando estes de presunção de titularidade do direito e não a Ré por ser posterior o seu registo.
Z – Tal como defendido pela jurisprudência em que tal posse é protegida por lei por se presumir que por detrás dela existe na titularidade do possuidor o direito real correspondente”( O Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de Guimarães, Proc: 74/07.3TGMR.G1.S1, 2º Secção).
AA – Consideram os A.A. que alegaram e ilidiram a presunção do registo, assim como demonstraram a factualidade em que assentava a sua aquisição por usucapião, contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo
BB – Alegando no seu articulado e juntando documento comprovativo da Junta de Freguesia, que toda a gente da zona/ local e fora dela sabe que estes vivem há mais de 19 anos no imóvel e que ninguém conhece a Ré nem a consideram como dona ou proprietária.
CC - Ocupando o imóvel de forma contínua e ininterrupta, com o conhecimento de todos (seja, de forma pública), sem oposição de ninguém, até 24 de Abril de 2014 e de forma pacífica.
DD – A usucapião dá-se, conforme o disposto no Art.1296º do C. Civil por os Autores não possuírem registo do título nem da mera posse, logo não titulada, no termo de 15 anos, dado ser de boa fé, e estes ignorem que ao adquiri-la lesavam o direito de outrem, contrariamente ao considerado pelo Tribunal a quo.
EE – Que se desenvolveu à vista de todos e sem oposição de ninguém, pública e pacífica.
FF – Podemos concluir que o fato de a Ré ter outorgado uma escritura de compra e venda e a ter registado o prédio em litígio, (e com o momento da venda se operar subordinadamente a transmissão da posse), tal não significa que seja detentor do bem (prédio) ou tenha exercido em qualquer momento a posse.
GG - A casa sempre esteve na posse dos A.A que a construíram, melhoraram e aumentaram a área habitacional em terrenos confinantes, à vista de todos e com a convicção que o prédio era seu e sem qualquer oposição da Ré ou dos anteriores proprietários.
HH – Os A.A. alegaram e demonstraram que se comportaram em relação à coisa como se proprietários fossem, não só sob o ponto de vista de poder de facto sobre ela, mas também com a intenção de se comportarem como titulares desse direito real.
II - Não se aplica aos fatos alegados na p.i. e prova documental junta aos autos o disposto no Art.1253º, alínea b) do C. Civil, dado que em momento algum os A. A. detiveram o prédio por mera tolerância dos adquirentes ou como detentores precários.
JJ – Pelo que não faz sentido afastar a inexistência de inversão de titulo de posse (Art.1265º) para fundamentar a não aquisição da posse (Art.1263º, alínea d)), já que os Autores sempre atuaram como se proprietários fossem.
LL – Andando mal o Tribunal a quo ao não considerar que não se verificou a inversão do título da posse.
MM – Devendo os autores adquirir o direito de propriedade do prédio por usucapião, nos termos dos artigos 1251°, 1259°, 1260°, 1261°, 1262°, 1263°, 1287°, 1296° e 1316°, todos do Código Civil.
NN – E consequentemente não proceder o pedido subsidiário da Ré, devendo o tribunal ad quem não o admitir e alterar a douta decisão por incorretamente julgada.
OO – Caso V. Exas. assim não entendam em dar como procedente o pedido dos Autores e atribuir-lhes o direito de propriedade sobre o prédio em litigio, devem os autos ser remetidos ao Tribunal “a quo” para a realização da audiência prévia nos termos dos Art.591º, 595º e596º todos do CPCivil.
Nestes termos e com a habitual realização da justiça que V. Exas. ao decidir têm vindo acostumando peticiona-se a revogação da decisão sob censura pugnando pela condenação da CC, S.A. ou caso V. Exas. assim não entendam a remessa dos autos para realização da audiência prévia nos termos do disposto no C.P.Civil nos Art.591º, 595º e 596º».
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Respondeu a recorrida pedindo a improcedência da apelação.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ).
Das conclusões acabadas de transcrever, decorre que a questão a decidir consiste em saber:
-se os factos alegados pelos AA. e considerados provados, são suficientes para usucapir o prédio em disputa;
- se não deve ser admitida reconvenção;
- se, admitindo-a, deve haver lugar à realização de audiência prévia.
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Dos factos
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
«1 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o n.º … da dita freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União de Freguesias de Poceirão e Marateca, o prédio urbano destinado a habitação, denominado F…, sito na freguesia de Poceirão, concelho de Palmela.
2 - Pela Apresentação … de 2008/10/20 foi registada a aquisição do referido prédio rústico a favor da Ré CC, SA.
3 – A referida inscrição teve por base a escritura pública de compra e venda, datada de 10/11/2008, nos termos da qual a Ré adquiriu a propriedade sobre o referido prédio, à anterior proprietária EE.
4 – Por escritura pública de 17/12/2003, lavrada no Cartório Notarial de Palmela, AA e marido BB, declararam vender, a CC, que declarou comprar, o prédio identificado em 1) pelo preço de quarenta mil euros, que já receberam.
5 - Por escritura pública de 11/05/1994, lavrada no Cartório Notarial de Palmela, FF e mulher GG doaram a AA uma parcela de terreno, destinada a construção, com a área de mil metros quadrados, situada no lugar do F…, freguesia da Marateca que se encontra actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº …/…, da Freguesia do Poceirão, sob a matriz nº ….
6 - Nessa porção de terreno aos Autores edificaram uma casa de habitação que obteve o alvará de utilização nº …/96, concedido em 14-02-1996 pela Câmara Municipal Palmela.
7 - No dia 9/09/2014, a União das Freguesias de Marateca e Poceirão, lavrou o documento nº 9 junta com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta, além do mais, o seguinte: “ (…) declara que AA, reside na Rua …, em …, Poceirão, há 19 anos.
8 - No dia 10/11/2008, a CC, SA, na qualidade de promitente vendedora, e a EE na qualidade de promitente compradora celebraram um acordo escrito denominado contrato promessa de compra e venda.
9 - Nos termos desse acordo, a CC, SA, prometeu vender à EE, que prometeu comprar, o prédio urbano sito na Quinta da …, constituído por r/c, destinado à habitação, nº. …, no lugar do F…, Poceirão, freguesia do Poceirão, Concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o nº. … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da referida freguesia.
10 - No dia 7/03/2013, no âmbito do processo n.º 1828/11.1YXLSB, que correu seus termos pela então Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, foi proferida sentença que declarou resolvido, por incumprimento definitivo da promitente compradora, o contrato promessa celebrado entre a CC, SA, e a EE.
11 - A EE não procedeu à entrega voluntária do prédio e, por isso, a ora Ré teve de instaurou uma acção executiva para entrega de coisa certa que correu seus termos sob o nº. 2188/14.4T8STB, na Instância Central de Setúbal, na Secção de Execução - J 2.
12 – No dia 24/04/2014, no âmbito dessa execução, por diligência levada a cabo por agente de execução, foi realizada a diligência de entrega do imóvel a ora Ré, ali exequente, além disso, mudaram-se as fechaduras das portas. Ficou a constar do acto que, no local encontrava-se a AA, e a mesma saiu voluntariamente do imóvel.
13 – No dia 1 de Maio de 2014, os Autores introduziram-se no prédio que ocupam e utilizam contra a vontade da Ré».
Do Direito

Pretendem os recorrentes que se reconheça que, por se terem mantido no uso e fruição do imóvel referido sob o nº 1, mesmo depois de o terem vendido em 17/12/2003, a DD e de esta posteriormente o ter vendido a EE, adquiriram o referido prédio por usucapião. Alegam que o facto de haver registo a favor da R. em nada invalida a sua pretensão porquanto entendem ter ilidido a presunção derivada do registo, não só por a sua posse ser anterior mas também por, sendo contínua, publica e pacífica, seria de boa-fé, apesar de não titulada e consequentemente a sua manutenção por mais de 15 anos determinaria a aquisição por usucapião (art.º 1296º do CC).
Como já afirmámos no ac. deste Tribunal, proferido no processo nº 1629/03.2, disponível in www.dgsi.pt «é pacífico na doutrina e jurisprudência nacionais o entendimento de que o Registo Predial no nosso ordenamento jurídico tem natureza meramente declarativa e não constitutiva. O registo destina-se a dar «publicidade à situação jurídica dos prédios tendo em vista a segurança do comércio imobiliário» - art.º 1º do Cod. Reg. Predial.
As regras atinentes à publicidade registral não têm função constitutiva, mas antes declarativa, o que é traduzido na gíria forense pela afirmação de que o registo não dá nem tira direitos (Prof. Oliveira Ascensão; Reais; pág. 359 )[4] .
É certo que do registo decorrem presunções designadamente de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define – art.º 7º do CRP. Porém tal presunção derivada do registo é ilidível e não abrange os elementos identificadores do prédio (cfr. Ac. citado infra, nota 3). É também certo que o art. 5º do C. Reg. Pred. no seu n.º 1 estabelece a regra da eficácia contra terceiros dos factos sujeitos a registo, depois da data deste mesmo registo. Porém no seu n.º 2 contempla um regime excepcional, exceptuando da regra anterior a aquisição por usucapião, no que toca aos direitos referidos na al. a) do n. 1 do art. 2, isto é, os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão. Deste preceito, decorre, como ensina o Prof. Oliveira Ascensão, (Direitos Reais, 5ª ed p. 382), que a usucapião "em nada é prejudicada pelas vicissitudes registais, vale por si, como resulta cabalmente do art. 5 n.º 2 al. a) do CRP. Por isso, o que se fiou no registo ... nada pode contra a usucapião". O que se compreende, já que é uma forma de aquisição originária. Assim é evidente que a existência de registo de propriedade do imóvel a favor da ré não impede o reconhecimento da propriedade dos AA., contrária ao registo, com fundamento na usucapião[5], verificados que sejam os requisitos legais.
Vejamos agora se esses requisitos se verificam in casu.
Os AA. alegaram, que construíram o prédio referido sob o nº 1 em terreno que lhes fora doado pelos pais da A.. Posteriormente, por necessidade fiscais e financeiras, venderam em 17/12/2003, o referido prédio a DD, que por sua vez o vendeu a EE e esta vendeu-o à R. em 10/11/2008. Alegam ainda que sempre se mantiveram a habitar o referido prédio, apesar das sucessivas vendas e dai reclamarem a sua aquisição por usucapião.
Refere-se na sentença que «de harmonia com o artigo 1316º do Código Civil, o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
Dispõe o artigo 408º., nº1 do Código Civil que “ a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”.
Por sua vez, como resulta do disposto do artigo 874º alínea a) do Código Civil, um dos efeitos essenciais da compra e venda é a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.
A transmissão da propriedade aparece assim ligada à celebração do contrato, da qual depende como efeito automático.
Do acervo fáctico provado temos que se encontra a aquisição da propriedade do prédio identificado em 1) registada a favor da Ré por o ter adquirido, no dia 10/11/2008, por contrato de compra e venda.
Nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.
Assim, a presunção registral actua relevantemente em relação ao facto inscrito e aos sujeitos e objecto da relação jurídica dela emergente.
O objecto do registo inclui a realidade material do prédio sobre que recai a inscrição, configurada através da descrição predial».
Os AA. não questionam a validade das sucessivas transmissões, nem tão pouco os registos respectivos. Na verdade em parte alguma do petitório alegam a existência de qualquer vicio da vontade que eivasse a sua declaração constante no contrato de compra e venda que celebraram com a DD, nem vícios dos negócios jurídicos aquisitivos apoiados nas transmissões desde a DD até à Ré, nem, em bom rigor, questionam a titularidade do direito de propriedade da DD e da EE nem que o imóvel foi vendido à Ré por quem era titular do direito de direito de propriedade.
É verdade que, vistos os articulados, ressumbra que há ou houve qualquer coisa de menos lícita nestes negócios, mas que nenhuma das partes pretende revelar ao Tribunal!! Estão no seu direito. Mas uma vez feita esta opção, nenhuma delas pode imputar ao Tribunal qualquer responsabilidade por não ter sido feita justiça, uma vez que lhe está vedado apurar factos essenciais que não tenham sido alegados ou conhecer de pedidos que não foram formulados.
Vem provado que os Autores não obstante os sucessivos contratos de compra e venda sobre o prédio, continuaram a ocupá-lo pelo que, no seu entender, por terem exercido actos de posse adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre o imóvel. Ora esta conclusão não é legítima. Na verdade o legislador previu este tipo de situação e regulou os seus efeitos no art.º 1264º do CC através do chamado constituto possessório. Aí se dispõe que “se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer motivo, aquele continue a deter a coisa”, ou seja, a tradição deixou assim de ser um elemento necessário para a transferência do direito real.
Sendo assim e como bem observa na sentença, «no momento da venda opera-se, também, subordinadamente, a transmissão da posse. Tal significa que não passando embora a ter a detenção da coisa, o adquirente do direito real em causa é tido como seu possuidor. Se a posse existia no alienante, este passa a mero detentor, em nome do adquirente; se a detenção existir em terceiro, este mantém a detenção, mas passa a exercê-la em nome do adquirente.
Assim, desde a outorga do contrato de compra e venda não só os Autores transferiram a propriedade do prédio dos autos, como também se transferiu a posse sobre o mesmo, nos termos do disposto no artigo 1264º Código Civil».
Mas apesar dos sucessivos compradores terem adquirido a posse sobre o imóvel por força dos contratos de compra e venda e consequentemente os AA. a terem perdido, o certo é que poderia ter ocorrido uma posterior aquisição da posse por parte dos Autores/alienantes conducente à aquisição da propriedade do imóvel por usucapião. Mas para isso mister será que se demonstre ter havido inversão do título por parte dos AA., ou seja que haja prova de que, a partir de certo momento, posterior àquela transmissão, os AA. decidiram passar a agir e a deter a coisa em nome próprio e não como simples detentores em nome alheio.
Na verdade e como resulta do constituto possessório, a partir do momento da venda do bem a terceiros, os Autores/alienantes passaram a detê-lo por mera tolerância dos adquirentes e, consequentemente, a ser havidos como detentores ou possuidores precários - (artigo 1253º, alínea b) do Código Civil ) -, não significando, portanto, a afirmação de um direito próprio.
Quem exerce a posse em nome de outrem, ou por mera condescendência do dono, é um detentor precário – art. 1253º do Código Civil – já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) – art. 1251º do Código Civil.
O Código Civil perfilha, como é dominantemente entendido, o conceito subjectivo de posse.
A posse pode ser exercida em nome próprio ou em nome alheio – art. 1252º do Código Civil. Em caso de dúvida, presume-se a posse em quem exercer o poder de facto – nº2 do citado artigo.
Sobre este normativo escreveu o Professor Mota Pinto, in “Direitos Reais”, 1970, 191: “Como a prova do “animus” poderá ser muito difícil, para facilitar as coisas, ao possuidor a lei estabelece uma presunção.
Diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. Daqui decorre que, sendo necessário o corpus e o animus, o exercício daquele faz presumir a existência deste”.


Discorrendo sobre esta problemática a Sr. Juíza, faz uma judiciosa resenha dos ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais, salientando que «os actos de mera tolerância nunca poderão dar origem a uma situação possessória, uma vez que lhes falta o animus possidendi, artigo 1290 do Código Civil» pelo que, «estando os Autores investidos numa posse precária, sendo, por isso, meros detentores, apenas poderiam transformar-se em possuidores, caso tivesse havido inversão do título de posse, isto é, seria preciso a conversão dessa posse precária numa posse em nome próprio – artigo 1263º., alínea d) do Código Civil -, juntando a partir daí à mera detenção o animus possidendi.
Trata-se, portanto, de conversão duma situação de posse precária numa verdadeira posse, de forma que o detentor da coisa passa a exteriorizar um direito próprio sobre ela ou, como outros preferem, a afirmar uma posse em nome próprio.
Quem exerce a posse em nome de outrem, ou por mera condescendência do dono, é um detentor precário – art. 1253º do Código Civil – já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) – art. 1251º do Código Civil.
O Código Civil perfilha, como é dominantemente entendido, o conceito subjectivo de posse.
A posse pode ser exercida em nome próprio ou em nome alheio – art. 1252º do Código Civil. Em caso de dúvida, presume-se a posse em quem exercer o poder de facto – nº2 do citado artigo.
Sobre este normativo escreveu o Professor Mota Pinto, in “Direitos Reais”, 1970, 191: “Como a prova do “animus” poderá ser muito difícil, para facilitar as coisas, ao possuidor a lei estabelece uma presunção.
Diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. Daqui decorre que, sendo necessário o corpus e o animus, o exercício daquele faz presumir a existência deste”.

Como já escrevemos no ac. desta relação, proferido no processo nº 433/09.7TBSLV.E1 de 27 de Março de 2014, relatado pelo aqui relator e subscrito também pelo 1º adjunto, disponível in www.dgsi.pt.. «A usucapião, que é uma forma de constituição de direitos reais e não de transmissão, baseia-se numa situação de posse – corpus e animus – exercida em nome próprio, durante os períodos estabelecidos na lei e revestindo os caracteres que a lei lhe fixa, pública, contínua, pacífica, titulada e de boa fé” – Ac. deste STJ, de 14.12.1994, in CJSTJ, 1994, III, 183.
Quem exerce a posse em nome de outrem, ou por mera condescendência do dono, é um detentor precário – art. 1253º do Código Civil – já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) – art. 1251º do Código Civil.
O Código Civil perfilha, como é dominantemente entendido, o conceito subjectivo de posse.
A posse pode ser exercida em nome próprio ou em nome alheio – art. 1252º do Código Civil. Em caso de dúvida, presume-se a posse em quem exercer o poder de facto – nº2 do citado artigo.
Sobre este normativo escreveu o Professor Mota Pinto, in “Direitos Reais”, 1970, 191: “Como a prova do “animus” poderá ser muito difícil, para facilitar as coisas, ao possuidor a lei estabelece uma presunção. Diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. Daqui decorre que, sendo necessário o corpus e o animus, o exercício daquele faz presumir a existência deste”.
Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse (“interversio possessionis”) – art. 1263º d) do Código Civil – ou seja, se, a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção, agora, de que o oponente actua, inequivocamente, como titular daquele direito.
Tal inversão também pode ocorrer por acto de terceiro, hábil para transferir a posse.
“A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse” – art. 1265º do Código Civil. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 30 ensinam:
“A inversão do título da posse (a chamada interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio. A uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais.
A inversão pode dar-se por dois meios: por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. O caso mais corrente é o do arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar as rendas com o fundamento de que o prédio é seu. Torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía. Nesse sentido pode dizer-se que ainda se mantém a regra nemo sibi causam possessionis mutare potest. Não basta sequer que a detenção se prolongue para além do termo do título (depósito, mandato, usufruto a termo, etc.) que lhe servia de base. O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial quer extrajudicialmente) a sua intenção de actuar como titular do direito”. Não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título de posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na actuação dos detentores precários; importa, isso sim, que essa “inversão”, inequivocamente, seja direccionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de actos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal actuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa proclamada inversão do título possessório, o que seria de todo violador das regras da boa-fé. Como ensina Henrique Mesquita:“ […] A oposição tem de traduzir-se em actos positivos materiais ou jurídicos, inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a que os actos se opõem. Além disso, é necessário que a oposição não seja repelida pelo possuidor através de actos que traduzam o exercício do direito que a este pertence”. “Direitos Reais”, Coimbra – 1967, págs. 98-99».
Mas como bem se observa na sentença, «tais actos só alcançam relevância modificativa quando por via judicial ou extrajudicial são levados ao conhecimento do possuidor. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume III, página 30. “o detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía a sua intenção de actuar como titular do direito.
Também Orlando de Carvalho, in Introdução à Posse, RLJ, ano 124, n.º 3810, página 263 ensina que “a declaração tem que ser levada ao conhecimento do possuidor (ainda que com funcionamento da teoria da recepção), e não apenas para que a posse do inversor seja pública, mas para que a própria inversão se verifique e, por conseguinte, se adquira a posse.
Também a este propósito escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/04/2011, em www.dgsi.pt “ para que a inversão por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía aconteça, importa que o detentor torne, directamente, conhecida da pessoa em cujo nome possuía, quer judicial, quer extra-judicialmente, a sua intenção de actuar como titular do direito, sendo uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem, e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem”.
Meneses Cordeiro, in a Posse, 2º. Ed., pág.106 faz-nos notar que não basta o mero controlo da coisa pelo interessado para que se possa falar de inversão do título, pois “temos de presenciar uma actuação efectiva contra o possuidor (…) de tal modo que, com a publicidade, que também aqui será exigida – seja cognoscível, pelos interessados, a verdadeira posse do próprio”».
Na verdade, tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que, como observa Orlando de Carvalho, in “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 123°, nº3792 (1990-1991), a respeito da posse pública, esta não deixa de ser pública quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado directo ou indirecto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”».
Considerando toda a factualidade alegada e provada, na sua globalidade, o certo é que, não se vislumbra qualquer actuação dos Autores contra os proprietários que permita afirmar que aqueles exteriorizaram a vontade de opor uma posse própria à posse em nome de quem eram detentores, sendo certo que a partir da venda por si feita àDD, em 17/12/2003, passaram a ser meros detentores em nome daquela. Assim sendo o pedido não poderia deixar de improceder, como improcedeu, por manifesta falta de suporte factual suceptível de fazer os AA. usucapir o prédio em causa.
Por outro lado e como bem realça na sentença, a acção sempre improcederia, mesmo que, «por mera hipótese, se aceitasse a posse dos Autores, a partir da aquisição levada a cabo pela DD - (17/12/2003)», porquanto a partir desse momento tal “posse” « deixou de ser titulada, passando a ser de má-fé (não só pelo efeito da presunção derivada da falta de título – artigo 1260º, nº2 do Código Civil, mas também porque não podiam desconhecer que, ao fazê-lo, prejudicavam os direitos do proprietário adquirente – artigo 1260º, nº. nº 1 do Código Civil -,)» e por isso « a usucapião só poderia dar-se ao fim de 20 anos e, assim, a alegada posse não teria durado o tempo necessário à aquisição por usucapião.
Quanto à questão da improcedência da acção, a sentença não merece o mínimo reparo, sendo por isso de confirmar.
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Quanto à decisão relativa à admissão da reconvenção, também não assiste qualquer razão aos recorrentes, porquanto o pedido enquadra-se na previsão do artigo 266º nº. 2 al. a) do Cód. Proc. Civil, sendo, por isso legalmente admissível.
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Quanto à questão da necessidade de haver lugar à realização de audiência prévia, também mingua fundamento a tal pretensão. Na verdade a Sr.ª Juíza dispensou a sua realização com os seguinte fundamento:
«Tendo em consideração que a marcação de uma data para realização da audiência prévia a que alude o artigo 591º do actual C.P.C., apenas teria como fim proferir despacho-saneador nos termos do artigo 595º nº. 1 do C.P.C. e identificar o objecto do litígio e enunciação dos temas da prova nos termos do artigo 596º do C.P.C., nos termos do disposto no artigo 593º nº. 1 do mesmo Código, dispensa-se a realização da audiência prévia».
O artigo 593º do CPC, dispõe que:
1. Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine aos fins indicados nas alíneas d) e) e f) do nº 1 do artigo 591º.”
Sendo que o fim indicado na alínea d) do nº 1 do artigo 591º é “ Proferir despacho saneador, nos termos do nº1 do artigo 595º”
E, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 595º do C.P.C., o despacho saneador destina-se a:
a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes doa autos, deva apreciar oficiosamente;
b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
No despacho saneador recorrido, o tribunal “ a quo” conheceu não só das matérias referidas na al. a) do nº 1 do art.º 595, como também do pedido dos AA, por certo por entender que as partes já se haviam pronunciado sobre as matérias de que iria conhecer, sendo desnecessária nova audição das partes com essa finalidade. Na verdade, analisando os articulados e em particular a resposta às contestações, facilmente se conclui que a autora se pronunciou sobre todas as questões de facto e de direito suscitadas, exercendo cabalmente o contraditório no tocante às excepções.
A realização da audiência prévia neste circunstancialismo e na óptica da Sr.ª juíza, era desnecessária. A dispensa da audiência prévia está pois perfeitamente justificada e é legal pelo que, nesta parte improcede também a apelação.
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Em síntese:

I - Estabelece o art.º 1264º do CC - constituto possessório – que “se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer motivo, aquele continue a deter a coisa”,
II – Significa isto que o transmitente, se ficar materialmente com a coisa, passa a ser um mero detentor em nome alheio ou seja passa a ser um possuidor precário.
III - - Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse (“interversio possessionis”) – art. 1263º d) do Código Civil – ou seja, se, a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção, agora, de que o oponente actua, inequivocamente, como titular daquele direito.
IV - Para que a inversão por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía aconteça, importa que o detentor torne, directamente, conhecida da pessoa em cujo nome possuía, quer judicial, quer extra-judicialmente, a sua intenção de actuar como titular do direito, sendo uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem, e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem”.
V - Tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que não deixa de ser pública, quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado directo ou indirecto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.
Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da apelação e confirmam-se as decisões recorridas.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
Évora, em 17 de Novembro de 2016.
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(Bernardo Domingos – Relator)

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(Silva Rato – 1º Adjunto)

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(Mata Ribeiro – 2º Adjunto)


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[1] Transcrito da sentença.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[4] Cfr. Ac. do STJ de 11/5/95, in CJ, 1995, tomo II, pag. 77 .
[5] «A usucapião em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais - conf. a excepção da al. a) do n. 2 do art 5 do CRP84. É assim ineficaz em relação aos respectivos adquirentes não só a venda judicial do prédio adquirido por essa via originária, ainda que essa transmissão por via judicial (aquisição derivada) haja sido objecto de registo anterior, como também as penhoras de tal prédio que hajam sido registadas. Ac. do STJ de 3/2/99, in www.dgsi.pt .