Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
597/11.0TMSTB-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, tem legitimidade para exigir judicialmente ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação desses filhos, nos mesmos termos em que o podia fazer para os filhos menores, ou seja, exigindo-lhe o pagamento de uma nova prestação alimentar, a alteração da prestação já fixada ou a cobrança coerciva de qualquer delas.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Proc. nº 597/11.0TMSTB-A.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA instaurou ação de alimentos a filho maior, contra BB, pedindo que este seja condenado no pagamento: i) dos valores referentes à pensão de alimentos, que se encontram em atraso, no valor total de € 5.700,00, acrescido de juros, até pagamento integral; ii) no valor de € 150,00 mensais, a atualizar anualmente, até que o jovem e filho da requerente e requerido conclua a sua formação superior.
Para tanto alega que Requerente e Requerido foram casados até ao ano de 2011, e do casamento nasceram dois filhos, o CC e o DD, atualmente maiores de idade.
O casal divorciou-se no ano de 2011 e à data foram reguladas as responsabilidades parentais tendo o requerido ficado obrigado a pagar uma pensão de alimentos no montante de € 150,00 a cada um dos filhos, sendo que o mesmo deixou de pagar a pensão de alimentos ao filho DD desde setembro de 2019, ascendendo a sua dívida € 5.700,00.
O jovem DD tem 21 anos de idade, é estudante do 2.º ano do Curso ... no ..., em ..., não trabalha, dedicando-se exclusivamente aos estudos, não tendo ainda possibilidade de se sustentar, dependendo dos seus progenitores.
Apensada a ação aos autos onde, na sequência do divórcio dos progenitores, foram reguladas as responsabilidades parentais do jovem DD, foram os autos com vista ao Ministério Público que, na respetiva promoção exarou nada ter a promover ou requerer, por o DD ter já atingido a maioridade e no requerimento inicial não serem indicados quaisquer valores em dívida, relativos à menoridade do jovem.
De seguida foi proferido o despacho que se transcreve:
«Considerando que o Jovem DD já atingiu a maioridade, porque nascido a ../../2001.
Mais sendo certo, que, a ora Requerente sua Mãe, não vem peticionar quaisquer despesas/valores atinentes à fase da sua menoridade, necessariamente, cumpre indeferir liminarmente o ora requerido, por ausência de fundamente legal que sustente legitimidade à Mãe para pedir em nome e representação do seu filho maior de idade.
Face ao exposto, e, em conformidade, declara-se a impossibilidade superveniente da lide nos termos e para os efeitos do disposto na al. e) do artº 277º do CPC, com a consequente extinção da instância e o seu subsequente arquivamento.
Registe, Deposite e Notifique.
Custas devidas pela Requerente
Dê baixa da presente decisão no Citius
Inconformada, a Requerente apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. O objeto do recurso é a sentença proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu, liminarmente, a petição inicial, por falta de legitimidade por parte da requerente, ora apelante.
B. Ora, o Tribunal a quo andou mal ao proferir tal decisão, tendo em conta a legislação atual e o entendimento da jurisprudência.
C. Em novembro de 2022, a requerente, ora apelante deu entrada de um processo de incumprimento, porquanto o pai do seu filho deixou de pagar a pensão de alimentos, fixada ainda na menoridade, assim que o jovem atingiu a maioridade.
D. O jovem DD tem 21 anos de idade e é estudante do 2.º ano do Curso ... no ..., em ....
E. O jovem não trabalha, dedicando-se exclusivamente aos estudos, não tendo ainda possibilidade de se sustentar, dependendo dos seus progenitores.
F. Ora, dispõe o n.º 2, do art.º 1905.º do CC que: “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.».
G. O jovem em causa mantém o direito à pensão de alimentos fixada ainda na sua menoridade, porquanto tem menos de 25 anos e ainda está a concluir o seu processo de formação.
H. Por outro lado, o titular do direito a alimentos é o descendente, sendo que durante a menoridade é representado pelo progenitor e após a maioridade compete ao filho maior acionar os mecanismos para a cobrança dos alimentos.
I. Mas a reforma da Lei n.º 122/2015, de 01/09 veio estabelecer uma nova regra, conferindo legitimidade ao progenitor que suporta as despesas do filho, para que possa agir judicialmente contra o devedor.
J. Nos termos conjugados do n.º 2, do artigo 1905.º e artigo1880.º, ambos do CC, al. d), do n.º 1 do artigo 3.º do RGPTC e n. 2, 3 e 4 do artigo 989.º do CPC, quer o jovem alimentando, quer o progenitor com quem o mesmo vive e que assume o pagamento das despesas inerentes à sua vida diária têm legitimidade para intentar este tipo de ações.
Nestes termos, e nos melhores de direito que Vossas Excelências se dignarem suprir, deve ser julgado procedente, por provado, a presente apelação, devendo ser revogado a douta decisão, seguindo a ação os seus ulteriores termos.
Fazendo-se assim Justiça!»

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão a decidir consubstancia-se em saber se assiste legitimidade à Requerente para instaurar a presente ação de alimentos a filho maior por incumprimento do progenitor.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra.

O DIREITO
Está em causa, como dissemos, saber se a recorrente, ao invés do que se concluiu na decisão recorrida, tem legitimidade para a presente demanda, ou seja, para vir a juízo pedir que o recorrido contribua para os alimentos do filho de ambos, sabendo que este já é maior de idade e alegadamente ainda não completou a sua formação profissional.
Até à alteração da redação dos n.ºs 1, 3 e 4, do art. 989º do CPC, pela Lei nº 122/2015, de 1 de setembro, o regime dos alimentos a filho que, tendo atingido a maioridade, permanecia numa situação de dependência financeira, era ambíguo, proporcionando diferentes interpretações, não tendo a redação original do CPC de 2013 eliminado as dúvidas que já se colocavam na vigência do CPC pré-vigente.
Com essa alteração passou a dispor aquele art. 989º:
«1- Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880º e 1905º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2- Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3- O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4- O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.»
Atenta a redação do nº 3 deste preceito, perdeu interesse a discussão acerca da legitimidade do progenitor com quem o filho vive, fazendo face às despesas deste, de exigir do outro progenitor uma contribuição deste no pagamento dessas despesas.
Era esse, aliás, um dos principais objetivos da alteração promovida, como se podia ler na exposição de motivos do Projeto Lei do Partido Socialista que esteve na origem desta reforma legislativa (Projeto Lei n.º 975/XII/4.ª):
«A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor.»
Como se sumariou no acórdão da Relação do Porto de 11.05.2021[1]:
«O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, tem legitimidade para exigir judicialmente ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação desses filhos, nos mesmos termos em que o podia fazer para os filhos menores. Isto é, exigindo-lhe o pagamento de uma nova prestação alimentar, a alteração da prestação já fixada ou a cobrança coerciva de qualquer delas. E isso, nos dois primeiros casos, quer a título cautelar, quer definitivo.»
Volvendo ao caso concreto, estando a contribuição de alimentos já fixada na menoridade do filho DD por decisão judicial, e pretendendo-se o seu cumprimento relativamente a todo o tempo da maioridade daquele, previsto no art. 1905º, nº 2, do CC[2], é fora de qualquer dúvida que a Requerente tem legitimidade para exigir ao Requerido o seu pagamento, até porque não há notícia de que o filho da recorrente já se tenha proposto exercer judicialmente o seu direito a alimentos contra o seu pai, ora recorrido.
Tendo a decisão recorrida decidido em sentido inverso, impõe-se a sua revogação, procedendo na íntegra o presente recurso.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus regulares termos.
Sem custas.
*
Évora, 20 de fevereiro de 2024
Manuel Bargado (relator)
Maria João Sousa e Faro (1ª adjunta)
Francisco Xavier (2º adjunto)
(documento com assinaturas eletrónicas)
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[1] Proc. nº 108/17.3T8VCD-G.P2, in www.dgsi.pt.
[2] Cujo teor é o seguinte: «Para efeitos do disposto no artigo 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»