Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1715/15.4T8SLV-C.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
MORA
INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
No âmbito do contrato de empreitada, o pedido de indemnização decorrente do atraso no cumprimento do prazo de entrega da obra, em consonância com o estipulado, não está sujeito às regras da caducidade a que alude o artº 1224º do CC, mas às regras gerais da prescrição.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

AA, LDA. com sede em Ferrarias, …-… Algoz intentou ação declarativa comum contra, BB, sociedade irregular, com sede na Rua …, n.º … – …º D , …-… Tavira, e CC, residente na Praça …, Edifício …, n.º … – ...º Dto., … Faro, e DD, residente na Praça …, Edifício …, n.º … – ...º Dto., … Faro e EE, residente na Urbanização …, n.º … – …º Dto., Algueirão, … Mem Martins, alegando factos, relativos à falta de pagamento de parte do preço dos trabalhos realizados no âmbito de um contrato de empreitada que celebrou com os Réus, tendentes a peticionar a condenação destes na quantia de €34.026,63 acrescida dos juros moratórios legais vencidos até - 22 de Julho de 2013, 19 de Abril de 2014, 07 de Outubro de 2014 e 11 de Outubro de 2014 que importam em €13.778,37.
A Autora, na sua réplica, na sequência do pedido reconvencional deduzido pelos Réus, em que peticionam o pagamento da quantia de € 130.881,92 relativa à indemnização contratual fixada pelo atraso de 208 dias na entrega da obra, veio excecionar a caducidade desse direito porque o mesmo não foi exercício dentro do prazo a que alude o artº 1224º do CC
Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador tendo-se entendido que era possível conhecer de imediato da exceção da caducidade do direito à sanção pecuniária compulsória por alegado atraso na entrega da obra relativa ao contrato de empreitada celebrado entre as partes, por estar em causa apenas a aplicação e a interpretação de normas jurídicas já debatidas pelas partes, uma vez que os factos já eram dado adquirido e nessa sequência proferiu-se sentença a julgar improcedente a exceção perentória de caducidade invocada pela autora.
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Irresignada com a decisão, veio a autora interpor o presente recurso de apelação, pugnando pela sua revogação, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões, que se transcrevem:
A) Realizada a Audiência Prévia, o tribunal a quo, conheceu do mérito e julgou improcedente a exceção perentória de caducidade do direito à indemnização por atraso na entrega de obra, invocada pela Recorrente na sua Réplica;
B) Salvo devido respeito e melhor entendimento, tendo em conta os fundamentos de facto e de direito da respetiva sentença judicial, proferida no Despacho Saneador, não pode a ora Recorrente conformar-se com a presente decisão de mérito, pelo que da mesma, interpõe o presente Recurso de Apelação e sua Conclusões;
C) As partes convencionaram a conclusão da obra e com base no projeto inicial, objeto do contrato de empreitada, para o dia 13 de Junho de 2008;
D) Do referido contrato de empreitada, não foram tidos em consideração as alterações introduzidas ao projeto inicial e a execução dos diversos trabalhos extra, cuja execução foi mandada executar pelos Recorridos no decurso da obra;
E) Tal execução, obrigou ao protelamento do prazo de execução da obra, pelo que, a eventual responsabilidade pelo atraso verificado nunca poderá ser imputada à aqui Recorrente;
F) Pelo que, não assiste aos Recorridos o direito de reclamar o pagamento da cláusula penal;
G) Ainda que assim não fosse, sem prejuízo da decisão de mérito quanto à restante matéria da causa, o direito de reclamar o pagamento indemnizatório decorrente da cláusula penal moratória, há muito que havia caducado;
H) Em conformidade, resulta da Ata da Audiência Prévia que, os Recorridos entendem que a obra em causa, estava concluída em 7 de Janeiro de 2009;
I) O contrato de empreitada previa efetivamente o pagamento de uma multa no valor de 0,02 % por cada dia de atraso na entrega da obra, o que consubstancia uma cláusula penal moratória destinada a sancionar a mora ou cumprimento do contrato;
J) A fixação desta cláusula no contrato de empreitada visava acautelar o atraso na entrega da obra, revestindo assim, a natureza da indemnização prevista no Art. 1223.º e Art. 1224.º n.º 1, ambos do Código Civil, a favor do dono da obra em caso de mora do empreiteiro na entrega dessa obra concluída;
k) A mesma cláusula moratória não deixa de estar sujeita ao prazo de caducidade do referido direito de correção dos defeitos, redução do preço ou indemnização a que se reporta o n.º 1 do citado Art. 1224.º;
L) Por conseguinte, também o direito consagrado nesta cláusula deveria ter sido judicialmente exercido pelo dono da obra, tal como os outros direitos previstos no Art. 1224.º n.º 1 do Código Civil;
M) Como resulta da Ata da Audiência Prévia, o pedido reconvencional dos Recorridos entrou em juízo em 9 de Julho de 2015,
N) Pelo que, salvo devido respeito e melhor entendimento, o direito dos Réus, ora Recorridos, a exigirem em juízo nessa data a indemnização moratória por atraso na entrega da obra, já caducou;
O) Salvo o devido respeito e melhor entendimento, a decisão ora recorrida viola a norma jurídica da caducidade consagrada no Art. 1224.º n.º 1 do Código Civil, tendo sido feito, desta disposição legal, uma errada interpretação e aplicação ao caso sub judice;
P) Com acolhimento jurisprudencial cita-se : Acórdão TRL Proc. n.º 1798/2008-6 de 10 de Abril de 2008 e Acordão do TRL Proc. n.º 3420/05TVLSB.L1-1 de 2 de Novembro de 2010, todos publicados www.dgsi.pt.
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Apreciando e decidindo

Como se sabe o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, a questão a apreciar, consubstancia-se em saber se perante o circunstancialismo factual alegado pelos réus, se verifica, ou não, a exceção perentória da caducidade do direito de ação reconvencional.
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Na 1ª instância para apreciar e decidir da exceção da caducidade foi tida em conta a seguinte matéria factual:
- Os réus invocam que a obra em causa nos autos estava concluída em 7 de Janeiro de 2009;
- O pedido reconvencional é referente ao pagamento da quantia de € 130.881,92 a título de penalização indemnizatória pelo incumprimento do contrato quanto ao prazo de entrega da obra e emerge da cláusula XIII na qual se prevê que “a Empresa AA fica obrigada ao pagamento de multa de 0,2% por dia de atraso, calculado sobre o valor global do orçamento adjudicado”.
- O pedido reconvencional foi deduzido em 09/07/2015.
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Conhecendo da questão
Sustenta a autora recorrente que estando em causa o pagamento de uma indemnização por incumprimento do prazo de entrega da obra, decorrente de uma cláusula moratória constante do contrato de empreitada, o prazo de caducidade a aplicar é o consagrado legalmente para a indemnização que vem referenciado no artº 1224º n.º 1 do CC (prazo de um ano a contar da aceitação da obra) e não o prazo ordinário de 20 anos, como foi entendido na decisão recorrida.
O artigo 1220º, n.º 1 do CC dispõe que “o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento” e, por sua vez, no artigo 1224º, n.º 1 do CC consagra-se que “os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no artigo 1220º”.
O legislador optou, relativamente ao contrato de empreitada, por prazos de caducidade e não de prescrição por entender que os institutos da suspensão e da interrupção da prescrição não se harmonizam com as razões que justificam o estabelecimento de prazos curtos para o exercício dos direitos resultantes da descoberta dos defeitos.[1]
Tais prazos curtos de que dispõe o dono da obra para fazer valer os seus direitos, “são sobretudo destinados a evitar dificuldades de prova relativamente à origem do defeito (no sentido de saber se o defeito é imputável ao empreiteiro ou, pelo contrário ao uso dado pelo dono, a deficiente manutenção por este, a caso fortuito posterior à entrega da obra)”.[2]
Pelo que, “já não há razão para se fixarem prazos curtos, se os direitos invocados pelo dono da obra não se fundarem em defeitos desta, mas em qualquer outro facto, como a mora ou o não cumprimento da obrigação”.[3]
A enumeração, dos direitos sujeitos a caducidade, a que alude o artº 1224º do CC é taxativa e a indemnização a que nele se faz referência é a prevista no artº 1223º e não outra,[4] sendo que a mesma “se limita aos danos não eliminados pelo exercício dos direitos anteriormente referidos” previstos nos artºs 1220º a 1222º do CC.[5]
A estipulação vertida na cláusula XIII do contrato de empreitada configura uma cláusula penal que não está relacionada com eventuais defeitos na obra, mas, tão-somente, com o atraso na sua entrega, visando, certamente, por um lado, ressarcir o dano resultante do eventual não cumprimento ou não cumprimento no prazo acordado e, por outro lado, pressionar o empreiteiro a realizar e a realizar no prazo estabelecido a obra a que se propôs.
Por isso, não perfilhamos da posição da recorrente, nem da jurisprudência por ela referida, uma vez que a indemnização decorrente de estipulação contratual, pelo não cumprimento do prazo de estipulado para a conclusão das obras não cabe na aplicação da norma específica relativa à caducidade dos direitos do dono da obra, mas antes é-lhe aplicável as regras gerais em matéria de prescrição.[6]
A fixação de cláusula penal tendo como finalidade obstar ao atraso do cumprimento da obrigação, independentemente do enquadramento dogmático que se lhe possa atribuir (designadamente indemnizatória ou compulsória), está, quanto a nós, fora do âmbito de aplicação do preceituado no artº 1224º do CC.
Ou seja, “se as partes estipularem, como é frequente, cláusulas penais para o atraso no cumprimento ou execução da obra, por parte do empreiteiro, as quantias devidas ao abrigo dessas cláusulas, por nada terem a ver com os defeitos da obra, mas estarem sim e apenas ligadas à realização tardia da empreitada, não estão sujeitas aos prazos de caducidade mencionados” no aludido dispositivo, mas antes, como é salientado na decisão impugnada ao prazo geral da prescrição (artº 309º do CC).[7]
Nestes termos, irrelevam as conclusões da apelante, não se mostrando violada a norma legal cuja violação foi invocada, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida, havendo que julgar-se a apelação improcedente.
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Para efeitos do n.º 7 do artº 663º do Cód. Processo Civil, em conclusão:
1 – No âmbito do contrato de empreitada, o pedido de indemnização decorrente do atraso no cumprimento do prazo de entrega da obra, em consonância com o estipulado, não está sujeito às regras da caducidade a que alude o artº 1224º do CC, mas às regras gerais da prescrição.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 17 de Novembro de 2016
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura

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[1] - v. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, 2ª edição, vol. II, 737; João Cura Mariano in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª edição, 132.
[2] - v. Pedro de Albuquerque e Miguel Raimundo in Direito das Obrigações, vol. II, 2012, 435.
[3] - v. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, 2ª edição, vol. II, 737; Pedro Romano Martinez in Direito das Obrigações (parte Especial) Contratos, 2ª edição, 493
[4] - v. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, 2ª edição, vol. II, 737.
[5] - Menezes Leitão in Direito das Obrigações, vol. III, 5ª edição, 552.
[6] - v. Ac. do STJ de 25/07/1985 in BMJ, 349º, 512.
[7] - v. Pedro de Albuquerque e Miguel Raimundo in Direito das Obrigações, vol. II, 2012, 437.