Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2246/15.8T8LLE-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
PENHORA
LIMITES
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - A ideia, que se reconduz ao princípio da proporcionalidade da penhora, está enunciada no artigo 735º, nº 3, do CPC: «[a] penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução».
II – O princípio da proporcionalidade tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (art. 62º da CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações jurídicas ativas privadas.
III - Dado que o ónus da prova do excesso de penhora vincula o executado, deve ser-lhe reconhecido um direito à prova, exceto se, de harmonia com o princípio da utilidade dos atos processuais, for possível, independentemente do exercício da prova, a formulação de um juízo seguro e consciencioso, sobre a proporcionalidade da penhora.
IV - Ignorando-se o valor atual de mercado dos imóveis penhorados, é inadmissível, por recurso a uma simples presunção judicial, concluir pela proporcionalidade daquela diligência executiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Nos presentes autos de execução sumária que BB move a CC, veio o executado deduzir oposição à penhora, alegando, em síntese, que os bens penhorados excedem o necessário para satisfação da quantia exequenda e, em consequência, formulou o pedido de redução das penhoras incidentes sobre os três imóveis em causa apenas à penhora do imóvel constante da verba nº 1 do respetivo auto de penhora.
A exequente opôs-se, concluindo pela improcedência da oposição.
O Sr. Juiz a quo entendeu, que apesar de ter sido requerida produção de prova, atenta a natureza «das questões colocadas e dos documentos constantes do processo», os autos estavam prontos a ser decididos, pelo que proferiu decisão a julgar improcedente a oposição à penhora.
Inconformado, vem o executado interpor recurso para este Tribunal da Relação de Évora, formulando as seguintes conclusões:
«1. Recorre da douta sentença que decidiu julgar a oposição à penhora improcedente e condenar o executado em custas, sem a realização de audiência de julgamento e em preterição da junção de documentos de prova supervenientes.
2. A douta sentença em recurso contém a decisão de não realizar a produção da prova requerida, e sem que tal decisão, venha devida e cabalmente fundamentado de facto e de direito
3. No requerimento inicial o aqui apelante requereu o depoimento e prova testemunhal que alegou sobre matéria de facto que o douto tribunal requerido não conheceu e determinante para julgar da procedência ou improcedência das questões suscitadas para conhecimento e decisão do tribunal A quo, como sejam a do valor real e do mercado dos bens penhorados, o mesmo quanto à extensão material relativamente ao valor dos bens na relação com a divida exequenda, e ainda quanto à divisibilidade dos mesmos na perspectiva de unitariamente satisfazerem o pagamento da quantia exequenda e ainda quanto ao desconhecimento material da prevalência das garantias privilegiadas, sobre os bens por créditos fiscais.
4. Ou seja, relativamente à matéria de facto alegada no requerimento inicial susceptivel de prova testemunhal em audiência de julgamento.
5. Bem como o caso das penhoras relativas aos créditos da AT cujas impugnações do aqui apelante tiveram ganho de causa nos tribunais superiores, e que a douta sentença recorrida não conheceu, nem foi dada a oportunidade de conhecer não permitindo juntar aos autos tal documento por força da decisão surpresa de não realizar a audiência de julgamento e dessa forma impedindo a respectiva junção do documento de prova a influenciar na então questão decidenda, em preterição do disposto no artigo 423º n.º2 do CPC.
6. Decidindo o douto juiz A quo não proceder sem explicar consistentemente a razão porque entende não ser necessário produzir prova verifica-se a preterição de uma formalidade essencial à descoberta da verdade que determina a anulação da sentença nos termos do disposto nos artigos 154º n.º1 do CPC que foi violado e artigo 615º n.º1 al. b) do CPC.
7. Não basta considerar que as questões colocadas nos autos estão prontas a ser decididas face aos documentos constantes do processo sem as especificar para decidir proferir sentença sem realização de audiência de julgamento.
8. E tanto mais assim é que a douta sentença em recurso não se pronunciou sobre todos os temas que foram apresentados em tribunal.
9. A omissão de fundamentação consistente da decisão de não proceder à audiência de julgamento conduz a douta sentença ao vício da ausência total de fundamentação de facto dos factos sujeitos a contraditório e decisão que o apelante pretendia - e o tribunal requerido impediu – de provar e que se reputa indispensáveis para a descoberta da verdade material, impedindo dessa forma que na sentença tenham sido descriminados os factos assentes e conduzindo a que a fundamentação de direito na douta sentença assente ela própria numa realidade factual virtual em total desrespeito e violação do disposto no artigo 607º n.º3 e 4 do CPC, como nesse sentido se pronunciou o douto Tribunal da Relação de Coimbra - processo n.º 3309/16.8T8VIS-A C1.
10. O douto tribunal recorrido não se pronunciou sobre o requerimento apresentado em 35 do requerimento inicial quanto à questão das vicissitudes que sofre sobre a casa de morada de família referida em 26 daquele nos termos do disposto no artigo 785º n.º4 e artigo 733º n.º5 do CPC em omissão de pronuncia em violação do disposto no artigo 608º n.º2 e 615º n.º1 al. d) do CPC que determina a nulidade da douta sentença.
11. O apelante junta o documento de prova referido aqui em 5 das conclusões que não teve a oportunidade de juntar e ora faz nos termos do disposto no artigo 680º n.º1 do CPC
Termos em que, se requer a anulação/reforma da douta sentença recorrida com as demais consequências legais
Assim o decidindo se fará a costumada JUSTIÇA!»

Não se mostra que tenham sido apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se é nula a decisão recorrida;
- se os bens imóveis penhorados nos autos excedem o necessário para garantir a satisfação da quantia exequenda.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1 - A Exequente interpôs a acção executiva principal contra o Executado para pagamento da quantia certa de € 66.785,75, dando à execução duas livranças subscritas pela Sociedade Executada e avalizadas pelos demais Executados, incluindo os ora Opoentes.
2 - A 31.08.2015 foram penhorados os seguintes imóveis, pertencentes ao Executado:
i) Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o nº …/…09, composto por uma morada de casas térreas, com a área de 521m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, com o valor tributário de € 25.000,00;
ii) Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o nº …/…09, composto por uma morada de casas térreas, com a área coberta de 94 m2 e descoberta de 26 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, com o valor tributário de € 45.000,00; e
iii) Prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o nº …/…27, composto por cultura arvense com a área de 4670 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, com o valor tributário de € 5.000,00.
3 - Sobre o prédio referido em 2.i) recai:
a) uma hipoteca voluntária a favor do Banco Comercial Português, S.A. para garantia do montante máximo de € 64.600,00;
b) uma penhora anterior à realizada nos autos, a favor da Fazenda Nacional, para garantia de uma dívida fiscal no valor de € 19.277,07.
4 - Sobre o prédio referido em 2.ii) recai:
a) uma hipoteca voluntária a favor do Banco Comercial Português, S.A. para garantia do montante máximo de € 186.718,70;
b) uma penhora anterior à realizada nos autos, a favor da Fazenda Nacional, para garantia de uma dívida fiscal no valor de € 1.551,19.
Na decisão recorrida consignou-se que «[n]ão ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a decisão da causa».

O DIREITO
Da nulidade da decisão recorrida.
Diz o recorrente que o Sr. Juiz a quo não explicou consistentemente a razão por que entende não ser necessário produzir prova sobre vários das questões invocadas na oposição à execução, nomeadamente o valor real e de mercado dos bens penhorados, a extensão material relativamente ao valor dos bens na relação com a divida exequenda, a divisibilidade dos mesmos bens na perspetiva de unitariamente satisfazerem o pagamento da quantia exequenda, verificando-se assim «a preterição de uma formalidade essencial à descoberta da verdade que determina a anulação da sentença nos termos do disposto nos artigos 154º n.º1 do CPC que foi violado e artigo 615º n.º1 al. b) do CPC».
Vejamos.
O art. 615º, nº 1, al. b), do CPC prevê a nulidade da sentença que “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A nulidade prevista na citada al. b), tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente[1].
Constitui também jurisprudência absolutamente dominante que a falta de motivação, a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC (anterior artigo 668º), é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não a sua motivação deficiente, errada ou incompleta, sendo certo, outrossim, que uma fundamentação, apenas, incompleta ou insuficiente, não afeta o valor legal da sentença ou do acórdão[2].
Ora, no caso em apreço a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, sucedendo apenas que antes de proferir a mesma, o Sr. Juiz a quo entendeu dispensar a realização da prova por considerar que, «em face das questões colocadas e dos documentos constantes do processo, os autos estão prontos a ser decididos».
Se assim é ou não, tem já ver com o mérito da decisão proferida – o que será apreciado infra – não constituindo qualquer nulidade da decisão que, como se sabe, é um vício intrínseco da mesma e não se confunde com um hipotético erro de julgamento, de facto ou de direito.
Imputa também o recorrente à decisão recorrida a falta de omissão de pronúncia sobre o requerido no ponto 35 da oposição à penhora, isto é, que a venda do imóvel que alegadamente constitui a casa de morada de família do seu agregado familiar aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre aquela oposição, nos termos do art. 773º, nº 5, ex vi do art. 785º, nº 4, ambos do CPC.
É verdade que na decisão recorrida o Sr. Juiz a quo não se pronunciou sobre tal requerimento, nem tinha de o fazer, pois o incidente ficou decidido em 1ª instância com a prolação daquela decisão deixando de haver fundamento legal para que a venda aguardasse uma decisão (já proferida), sem prejuízo do que vier a ser decido infra sobre o mérito do recurso.
Em suma, a decisão recorrida não enferma das nulidades invocadas.

Do caráter excessivo da penhora.
A decisão impugnada, sem que tenham sido produzidas as provas constituendas propostas pelo executado, ordenadas para a demonstração do valor dos três prédios atingidos pela diligência executiva de penhora, indeferiu o pedido deste de levantamento da penhora sobre dois desses prédios, com fundamento em que a garantia patrimonial constituída sobre aqueles prédios presumivelmente não será suficiente para satisfazer o crédito da exequente, considerando a existência de um crédito hipotecário e de um crédito fiscal relativamente a cada um dos dois prédios urbanos supra identificados, e o presumível pequeno valor do prédio rústico também ele objeto de penhora.
O recorrente discorda e pede, no recuso, que se revogue esta decisão e se julgue a oposição procedente, com o deferimento da «pretensão de redução das penhoras a uma só verba penhorada, expressa como verba 1 no auto e de levantamento das restantes».
Nestas condições, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se deve ou não ordenar-se o levantamento da penhora sobre os prédios constantes das verbas 2 e 3 do auto de penhora, mas não só, pois tendo em conta o teor das conclusões e a dispensa de produção de prova que antecedeu a decisão recorrida, se deve determinar-se o prosseguimento do incidente, com a produção das provas propostas pelo opoente, de modo a que aquela questão só seja decidida, depois de produzidas estas provas.
A resolução deste problema convoca ao exame, ainda que breve, de um dos princípios estruturantes da penhora - o princípio da proporcionalidade[3] - e do processo civil - o do direito à prova.

A ideia, que se reconduz ao princípio da proporcionalidade da penhora, está enunciada no art. 735º, nº 3, do CPC: «[a] penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução».
Este princípio tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (cfr. art. 62º da CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações jurídicas ativas privadas.
Na jurisprudência, tem-se defendido que a “natureza gravosa” da penhora limita-se àquilo que seja necessário para a satisfação do crédito exequendo e das custas[4].
Havendo, porém, lugar à intervenção dos credores do executado, embora só daqueles que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados ou do exequente que tenha obtido uma segunda penhora sobre esses bens numa outra execução, a suficiência – rectior, a proporcionalidade - da penhora para a satisfação da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução deve, evidentemente, ser aferida tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes (arts. 751º, nº 4, alíneas a) e b), 786º, nº 1, alínea b), 788º, nºs 1 e 5 e 794º, nº 1, do CPC)[5].
O princípio da proporcionalidade não se projeta, exclusivamente, na constituição da garantia patrimonial, isto é, na efetivação da penhora. Ele vale, igualmente, para o momento da satisfação dos créditos, designadamente através da venda executiva.
Com efeito, é o princípio da proporcionalidade que justifica que, no processo executivo, não devam ser vendidos mais bens dos que os estritamente necessários para proceder à liquidação das despesas da execução, da dívida do executado e dos credores com garantia real sobre os bens já vendidos – princípio da instrumentalidade da venda (art. 813º, nº 1, do CPC). A mesma razão justifica que, tendo havido fracionamento do prédio penhorado, o executado possa requerer que a venda se inicie por alguns dos prédios resultantes da divisão, cujo valor seja suficiente para o pagamento (art. 813º, nº 3, do CPC).

Vejamos agora o direito à prova.
Escreveu-se no citado Acórdão da Relação de Coimbra de 16.04.2013:
«A prova é, consabidamente, a atividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos, atividade que incumbe à parte onerada, que não obterá uma decisão favorável se não satisfizer esse ónus (arts. 341º, 342º e 346º do Código Civil e 414º do CPC).
Para cumprir um tal ónus, a parte tem de utilizar um dos meios de prova legalmente ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes (art. 345º do Código Civil).
Dada a importância do cumprimento do ónus de prova para o proferimento de uma decisão favorável – e acentuando os deveres correlativos que decorrem desse ónus – fala-se de um direito à prova, que constitui uma dimensão ineliminável do direito constitucional a um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP). Como é claro, o direito à prova não se esgota no direito à sua proposição – antes se concretiza, sobretudo no tocante às provas constituendas, no direito à sua produção.
Todavia, os atos relativos à produção da prova, como qualquer outro ato processual, estão submetidos, por inteiro, a um princípio da utilidade ou de economia: no processo não podem ser praticados, pelas partes ou pelo tribunal, atos inúteis, isto é, que sejam desnecessários para a tutela da situação jurídica invocada em juízo (arts. 130º e 534º, nº 1, 1ª parte, e 2, do CPC). Assim, no incidente da oposição à penhora não haverá lugar ao exercício da prova se, independentemente desse exercício for possível, a formulação de um juízo seguro e consciencioso, sobre a proporcionalidade da penhora».
Foi precisamente este o entendimento do Tribunal a quo, quando fez consignar que apesar de ter sido requerida produção de prova, atenta a natureza das questões colocadas e dos documentos constantes do processo, os autos estavam prontos a ser decididos.
Mas será assim? É o que veremos de seguida.
A decisão recorrida começa por admitir «que o valor de mercado dos prédios penhorados seja superior ao valor tributário que serviu de referência no auto de penhora», o qual, recorde-se, é de € 25.000,00 quanto ao prédio constante da verba 1, € 45.000,00 relativamente ao prédio da verba 2, e € 5.000,00 quanto ao prédio da verba 3.
Não obstante, escreveu-se na decisão recorrida:
«(…), tal não permite por si só concluir pelo excesso de penhora.
É que, para além do valor devido na execução, já referido, os bens penhorados destinam-se a satisfazer outros créditos, com prioridade de satisfação relativamente à obrigação exequenda.
O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o nº …/…09 (verba nº 1 do auto de penhora), destina-se a satisfazer um crédito hipotecário com valor até € 64.600,00 e um crédito fiscal com o valor de € 19.277,07, sendo que ambos estes créditos – pela natureza e força das suas garantias - serão sempre satisfeitos com prioridade relativamente ao crédito exequendo.
Ou seja, o produto da venda deste imóvel servirá para satisfazer em primeiro lugar esses créditos, com o valor global de € 83.827,07, e só depois a obrigação exequenda de € 66.785,75, acrescida de juros entretanto vencidos, juros compulsórios e honorários, encargos e despesas do agente de execução.
Por outro lado, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o nº …/…09 (verba nº 2 do auto de penhora), aquele que tem maior valor, destina-se a satisfazer um crédito hipotecário com valor até € 186.718,70 e um crédito fiscal com o valor de € 1.551,19, sendo que ambos estes créditos – pela natureza e força das suas garantias - serão sempre satisfeitos com prioridade relativamente ao crédito exequendo.
Ou seja, o produto da venda deste imóvel servirá para satisfazer em primeiro lugar esses créditos, com o valor global de € 188.269,88, e só depois a obrigação exequenda de € 66.785,75, acrescida de juros entretanto vencidos, juros compulsórios e honorários, encargos e despesas do agente de execução.
Finalmente, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o nº …/…27, terá sempre um valor muito inferior, dado a sua inaptidão construtiva.
Para além de que nada garante que os prédios sejam vendidos pelo seu valor de mercado, pois, regra geral, em sede de venda executiva os imóveis são vendidos por um valor 15% inferior ao seu valor de mercado (valor base).
O que significa que, considerando apenas os bens penhorados, o crédito exequendo poderá nem sequer ser satisfeito através dos três prédios penhorados.
O que, só por si, revela que as penhoras realizadas não são excessivas para garantia a quantia exequenda, podendo até nem ser suficientes para o efeito.»
Vimos já que havendo lugar à intervenção dos credores do executado – embora só daqueles que sejam titulares de uma garantia real sobre os bens penhorados -, a suficiência da penhora para a satisfação da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução deve, evidentemente, ser aferida tendo em conta as causas de preferência no pagamento de que beneficiam os credores reclamantes.
Está provado que sobre o prédio referido em 2.i) supra recai uma hipoteca voluntária a favor do Banco Comercial Português, S.A. para garantia do montante máximo de € 64.600,00 e uma penhora anterior à realizada nos autos a favor da Fazenda Nacional para garantia de uma dívida fiscal no valor de € 19.277,07; e que sobre o prédio referido em 2.ii) recai uma hipoteca voluntária a favor da mesma entidade bancária para garantia do montante máximo de € 186.718,70, e uma penhora anterior à realizada nos autos, a favor da Fazenda Nacional, para garantia de uma dívida fiscal no valor de € 1.551,19.
Sucede, porém, que o opoente/recorrente alegou, relativamente a tais prédios melhoramentos que, no seu entender, lhe conferem um valor de mercado superior a € 100.000,00 no caso do prédio da verba nº 1 [2.i) supra], e de 285.000,00 no caso do prédio da verba nº 2 [2.ii) supra].
Resulta igualmente da matéria de facto dada como provada na sentença que constitui o título executivo desta execução, nomeadamente dos pontos 12 a 16, que aqueles imóveis, e bem assim o prédio rústico da verba nº 3, foram colocados à venda em imobiliárias por valores substancialmente mais elevados do que a soma dos respetivos valores tributários.
O recorrente, por sua vez, alegou no artigo 23 da oposição, que as hipotecas que incidem sobre os prédios a favor do BCP estão reduzidas ao valor em dívida de € 33.430,32, tendo junto um documento para prova do alegado.
Toda esta alegação foi desconsiderada, sem justificação, na decisão recorrida, sendo certo que o recorrente arrolou prova testemunhal.
Diz-se também na decisão recorrida que «o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o nº …/…27, terá sempre um valor muito inferior, dado a sua inaptidão construtiva», mas o certo é que não se vislumbra nos autos qualquer elemento que corrobore essa “inaptidão construtiva”, nem a ela faz alusão a decisão recorrida.
Ponderosas são, sim, as considerações feitas na decisão recorrida relativas à venda dos imóveis por um valor inferior ao valor de mercado, aquilo que nas sugestivas palavras do citado Acórdão da Relação de Coimbra de 16.04.2013, se pode designar como o «caráter ruinoso da venda executiva».
Com efeito, como mostra a simples observação do quotidiano judiciário, a venda executiva é, em regra, ruinosa, ou seja, é realizada por um preço muito aquém do valor real dos bens. Simplesmente, estas considerações – em si mesmas exatas – não são suficientes para inculcar, para além de qualquer dúvida que se tenha por razoável, que, realmente, é altamente improvável que o produto da venda executiva de apenas um dos prédios penhorados se mostre suficiente para solver o crédito exequendo e as despesas da execução e, portanto, para presumir que a penhora desse mesmo prédio não irá satisfazer o crédito exequendo, o mesmo é dizer, que a penhora de bens do recorrente não foi realizada com infração do indicado princípio da proporcionalidade.
Importa, outrossim, considerar o documento junto com as alegações de recurso relativo à decisão do Tribunal Central Administrativo Sul proferida em 24.11.2016, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que o mesmo deduziu contra as liquidações oficiosas de IVA e juros compensatórios, relativas aos períodos dos exercícios de 2007, 2008 e 2009, no valor de € 14.262,74.
Esta situação poderá demandar, caso se venha a revelar necessário, o apuramento da concreta situação fiscal do recorrente e do montante atual em dívida.
A conclusão do carácter excessivo – ou não - da penhora exige, portanto e antes de mais, a prova do valor de mercado do imóvel que, segundo o recorrente, é suficiente para garantir a satisfação da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, assim como do valor dos demais imóveis penhorados.
Ora, este facto – que é controvertido – pode ser estabelecido através da produção da prova testemunhal proposta pela recorrente, mas também e sobretudo, através de uma diligência de avaliação, na qual o perito não deixará de entrar em linha de conta, na determinação do valor real dos imóveis penhorados, com a conjuntura atual do mercado imobiliário, e com a circunstância de aqueles bens se destinarem a ser vendidos executivamente.
Diligência que deve e pode ser determinada oficiosamente (art. 467º-1, CPC).
De resto, a manutenção da penhora cujo levantamento é pedido pela recorrente – nomeadamente a do imóvel da verba nº 2 do auto de penhora -, de pouco servirá, eventualmente, à exequente, dada a existência de um credor graduado antes dela, por um crédito de valor idêntico, e que, portanto, o preferirá no pagamento pelo produto da respetiva venda executiva.
Nestas condições, há que reconhecer razão ao recorrente, devendo, por isso, revogar-se a decisão recorrida e ordenar a sua substituição por outra que ordene a realização da diligência pericial referida, sem prejuízo, se tal se vier a revelar necessário, da inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente e da aferição junto da Autoridade Tributária da atual situação fiscal do mesmo.

Sumário:
I - A ideia, que se reconduz ao princípio da proporcionalidade da penhora, está enunciada no artigo 735º, nº 3, do CPC: «[a] penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução».
II – O princípio da proporcionalidade tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (art. 62º da CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações jurídicas ativas privadas.
III - Dado que o ónus da prova do excesso de penhora vincula o executado, deve ser-lhe reconhecido um direito à prova, exceto se, de harmonia com o princípio da utilidade dos atos processuais, for possível, independentemente do exercício da prova, a formulação de um juízo seguro e consciencioso, sobre a proporcionalidade da penhora.
IV - Ignorando-se o valor atual de mercado dos imóveis penhorados, é inadmissível, por recurso a uma simples presunção judicial, concluir pela proporcionalidade daquela diligência executiva.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida determinando a sua substituição por outra que ordene a produção da prova acima indicada.
As custas deste recurso serão satisfeitas pela parte que, a final do incidente, nele sucumba.
*
Évora, 31 de Janeiro de 2019
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião
__________________________________________________
[1] Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, em anotação ao art. 668º do CPC revogado.
[2] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 04.05.2010, proc. 2990/06.0TBACB.C1.S1.
[3] Também denominado princípio da adequação da penhora. Assim, Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, 2003, p. 341 e Acórdão da Relação de Évora, de 24.05.2007, proc. 732/07.3, in www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do STJ de 26.03.1987, BMJ 365, p. 584.
[5] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 16.04.2013, proc. 3234/09.9T2AGD-C.C1, in www.dgsi.pt.