Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
435/17.0T8ORM-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
RECURSO PARA A RELAÇÃO
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 11/26/2018
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - O processo expropriativo é aquele que está a jusante do procedimento administrativo podendo desenvolver-se numa fase administrativa, a primeira, e numa fase judicial, a última.
II - O presente processo de expropriação ainda não está na dita fase judicial, que só se inicia se e quando existir recurso do acórdão arbitral, não significando a remessa do processo ao tribunal para os fins previstos no artigo 51.º do CE, o início da instância de uma acção declarativa, mas tão-somente e ainda o cumprimento pela entidade expropriante do dever legal que sobre si impende de o fazer no prazo assinalado na lei, sob pena de operar a caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação, só se transmutando esta em litigiosa caso os expropriados interponham recurso por discordarem do valor depositado.
III - A extinção da instância expropriativa, por deserção, precisamente por não estarem identificados os sucessores do expropriado que havia já falecido, na fase pré-judicial do processo de expropriação, impede a sua chamada ao processo para assegurar o respectivo direito à atribuição da indemnização devida pela expropriação do seu direito de propriedade, que constitui o escopo da remessa do processo pela entidade beneficiária da expropriação ao tribunal, para com a chamada dos expropriados à acção seja definitivamente fixado aquele que venha a ser considerado o valor da justa indemnização devida pela expropriação por utilidade pública, de harmonia com o preceituado nos artigos 62.º da Constituição da República Portuguesa e 1310.º do Código Civil.
IV - A interpretação do regime efectuada numa decisão como a reclamada, que considerou o valor provisório da indemnização constante do laudo arbitral e indicada no requerimento de remessa do processo de expropriação ao tribunal competente, como definindo o valor da alçada dentro do qual o tribunal decidiria sem recurso, é passível de violar o direito dos expropriados a um processo justo e equitativo, nos termos consagrados no artigo 20.º da CRP e, por isso, não pode ser mantida, devendo admitir-se o recurso.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 435/17.0T8ORM-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]

Decisão sumária nos termos do artigo 643.º, n.º 4, do Código de Processo Civil[2].
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I - RELATÓRIO
1. (…) – Auto-Estradas do Litoral (…), S.A., expropriante nos autos supra referenciados, não se conformando com o despacho proferido em 28-09-2018, que não admitiu o recurso que havia interposto do despacho que declarou deserta a instância, nos termos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Civil, veio Reclamar do mesmo para este Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPC, pedindo que a decisão reclamada seja revogada, substituindo-se a mesma por outra que admita o recurso.

2. Os Expropriados não se pronunciaram.
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II. Apreciação da reclamação
1. Na presente reclamação a questão que importa sindicar é tão só a de saber se o despacho de indeferimento do recurso apresentado pela entidade expropriante deve ou não ser mantido, não estando neste momento em causa a apreciação do mérito da decisão recorrida, independentemente da bondade da mesma[3].

2. A presente reclamação vem interposta do despacho do Senhor Juiz que tem o seguinte teor:
«Compulsados os autos, constata-se que o valor da presente acção de expropriação (…) é de 1.359,68 euros. Aliás, refira-se que foi este o valor que foi atribuído à acção pela própria entidade expropriante e agora recorrente, (…).
Determina o artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que apenas é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da Lei nº 62/2013, de 26-8, a alçada do tribunal de 1.ª instância, que é o recorrido na presente situação, está actualmente fixada no valor de 5.000 euros
Tendo em conta o disposto naquele artigo 629º, nº1, ter-se-á que concluir que a decisão de que a entidade expropriante agora pretende recorrer é irrecorrível, na medida em que a presente acção de expropriação tem um valor inferior ao da alçada do Tribunal de 1ª instância. Deste modo, ela não pode recorrer da mesma, na medida em que tal não é legalmente admissível.
Além disso, a decisão recorrida agora em causa não integra a previsão de nenhuma das situações que se encontram referidas no nº2 ou no nº3, do artigo 629º, do Código de Processo Civil, que permitem o recurso independentemente do valor da causa.
Por todo o exposto, por inadmissibilidade legal, não se admite o recurso interposto pela entidade expropriante (…), na medida em que não é possível recorrer da sentença proferida nos presentes autos.».

3. Este despacho foi proferido na sequência de requerimento de interposição de recurso apresentado pelo ora reclamante em 21.09.2018, do despacho proferido em 04.07.2018, e que lhe foi notificado em 06.07.2018, com o seguinte teor:
«Compulsados os autos constata-se que a presente acção encontra-se parada há mais de 6 meses por falta de impulso da entidade expropriante. Deste modo, já ocorreu a deserção da instância nos termos do artigo 281º, nº1, do novo Código de Processo Civil.
Em conformidade, declara-se extinta a presente acção por deserção da instância, de acordo com o disposto no artigo 277º, alínea c), do Código de Processo Civil».

4. Em conclusão da deduzida reclamação a Expropriante pretende que o despacho em apreço admite recurso:
«(…) porque se trata de processo de expropriação, o valor da alçada só é fixado após a apresentação do recurso da arbitragem, nos termos do artigo 58.º do Código das Expropriações.
3. Só então, e com base nos critérios indicados no artigo 38.º do Código das Expropriações, é fixado o valor da alçada.
4. O processo remetido ao Tribunal pela entidade expropriante não tem valor fixado, nem, consequentemente, está sujeito a Taxa de Justiça.
5. Não pode, portanto, ser recusado o recurso com o fundamento num valor inexistente.
6. Aliás, a subsequente própria marcha do processo pode vir a revelar um valor bem superior ao fixado para a respetiva alçada.
7. Acresce que a natureza publicista do processo de expropriação aconselha o seu prosseguimento, sob pena de serem preteridos interesses constitucionalmente protegidos».

Apreciando e decidindo.
5. Conforme ressalta da fundamentação exposta no despacho reproduzido em 2., o Senhor Juiz entendeu que o recurso da decisão que julgou extinta a instância, por deserção, não seria admissível, em virtude de a Expropriante ter atribuído à acção um valor que se contém dentro da alçada do tribunal de primeira instância, em face dos normativos que indicou.
Porém, salvo o devido respeito, não será esta a melhor interpretação da situação em presença, desde logo porque tal significaria uma intolerável limitação do acesso ao direito constitucionalmente consagrado, conforme já foi desenvolvidamente tratado na decisão sumária proferida em 08.11.2018[4], em situação em tudo semelhante à presente, na qual impressivamente se salientou que «a fim de compatibilizar a situação concreta aqui exposta com o comando constitucional impresso no artigo 20º da Lei Fundamental, é obrigação do intérprete decidir que, nos casos em que ainda não esteja definido o valor da acção, quando processualmente se verifique a impossibilidade de tal vir a acontecer, deve ser admitido o recurso, a fim de perfectibilizar o acesso ao direito».
Em tal decisão considerou-se existir uma lacuna a integrar nos termos do artigo 10.º do Código Civil, pelo que, «a fim de não esvaziar ou inutilizar esse direito, entende-se que, excepcionalmente, por ausência de possibilidade de fixação do valor à causa, ao abrigo dos direitos constitucionais acima convocados, deve ser admitido o recurso interposto».
Cremos que tal é a única solução que harmoniza com aquele preceito constitucional as disposições do Código das Expropriações[5] e ainda as relativas ao valor da causa constantes do Código de Processo Civil.
Senão, vejamos.
Conforme resulta do disposto no artigo 296.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, «[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido», sendo que o valor da causa tem influência directa para determinar «a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal», sabido que a alçada estabelece «o limite de valor até ao qual o tribunal decide sem recurso».
Assim, «o critério fundamental que a lei nos fornece é o da utilidade económica imediata que com a acção se pretende obter, ou seja, a expressão monetária do benefício que pela acção se quer assegurar. Ora, em rigor, o benefício a que a acção visa é dado, não pelo pedido isoladamente considerado, mas pelo pedido combinado com a causa de pedir. (…) De maneira que, em última análise, o critério fundamental para a determinação do valor da acção é a pretensão do autor, designando-se pela palavra pretensão o pedido combinado com a causa de pedir»[6].
Seguidamente a lei estabelece critérios gerais e especiais[7] a que deve obedecer a fixação do valor da acção, previstos, respectivamente nos artigos 297.º a 304.º do CPC, relevando para a situação em presença o disposto no artigo 302.º, n.º 1, de acordo com cuja estatuição «se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa».
Não obstante estabeleça os critérios gerais e especiais para fixação do valor da acção, a lei atribuiu poderes às partes quanto à indicação do valor - artigo 305.º do CPC -, sendo certo, como sublinhou o Senhor Juiz, que no caso dos autos a Expropriante indicou na petição inicial o valor de 1.359,68€, e sendo igualmente verdade que, em regra, o momento em que a acção é proposta é legalmente considerado como aquele a atender para a determinação do valor processual da causa – artigo 299.º, n.º 1, do CPC.
Porém, as indicadas regras relativas à determinação e fixação do valor da acção no momento da propositura da acção, admitem excepções, que o legislador processual civil logo indicou no n.º 4 do mesmo preceito.
Ora, a excepção legalmente consagrada quanto ao momento para fixação do valor da causa[8], refere-se aos processos de liquidação ou a outros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, situação em que o valor inicialmente indicado será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários para o efeito.
De facto, a excepção prevista no n.º 4 do artigo 299.º, aplica-se «aos processos especiais de liquidação de patrimónios (liquidação judicial de sociedades – arts. 1122 e ss.; liquidação de herança vaga em benefício do Estado – arts. 1132 e ss.; processo de insolvência – cf. art. 15 CIRE), a outros cuja natureza implique que a utilidade económica do pedido só se defina na sequência da acção (inventário – arts. 1326 e ss.; prestação de contas provocada – arts. 1014 a 1017) e às acções em que tem lugar incidente de liquidação de pedido genérico»[9].
Assim sendo, e atenta a sua especificidade, pensamos que o processo de expropriação por utilidade pública é enquadrável precisamente naqueles processos especiais a que alude o referido preceito, cuja natureza implica que a utilidade económica do pedido - critério primeiro para a determinação do valor da acção, como acima já referimos -, só se defina na sequência da acção.

6. Conforme refere o Conselheiro SALVADOR DA COSTA[10], o processo expropriativo é aquele que está a jusante do procedimento administrativo podendo desenvolver-se numa fase administrativa, a primeira, e numa fase judicial, a última.
«O referido procedimento, de natureza administrativa, envolve, em regra, a resolução de expropriar, a tentativa de aquisição por via do direito privado, a declaração da utilidade pública da expropriação, a posse administrativa dos bens expropriados e a expropriação amigável.
A fase judicial do processo expropriativo começa, em regra, com o primeiro despacho judicial subsequente à sua remessa ao tribunal pela entidade que o impulsionou, ou seja, aquando do termo da fase administrativa do processo».
Na situação em apreço, conforme alegado na petição inicial, tendo sido atingida a posse administrativa, não foi possível a aquisição das parcelas de terreno em causa através de acordo amigável, pelo que a entidade Expropriante solicitou a indicação de árbitros, os quais lavraram os laudos arbitrais que foram juntos, indicando para cada uma das parcelas o valor parcelar que, somado, atinge o valor que foi indicado na petição inicial, valor esse que foi depositado e, por isso, indicado como valor das parcelas a adquirir.
No despacho de adjudicação foi determinada a notificação dos expropriados, consignando-se expressamente que a mesma «deverá ser efectuada com a indicação do montante depositado, que será no total o de 1.359,68 euros, ou seja aquele que foi definido nos laudos da arbitragem, e ainda da faculdade de interposição de recurso da decisão arbitral, no prazo de 20 dias, e nos termos dos artigos 51º, nº5 e 52º, do Código das Expropriações».
Foi precisamente aquando do cumprimento deste despacho que veio aos autos a informação de que um dos expropriados havia falecido, o que determinou a suspensão da instância para a habilitação dos respectivos herdeiros e levou posteriormente à prolação do despacho recorrido.
Portanto, não subsistem dúvidas que neste momento do processo expropriativo, pese embora o processo se encontre pendente no tribunal, ainda não atingiu a denominada fase judicial, porquanto a remessa ao tribunal dos autos de expropriação para a adjudicação da propriedade e para notificação às partes do laudo de arbitragem não significa ainda a existência de qualquer litígio acerca do valor da indemnização devida.
Efectivamente, se no prazo assinalado para o recurso do acórdão arbitral os expropriados não recorrerem do valor atribuído pelos árbitros à parcela, tal montante fixa-se, e corresponderá à indemnização devida pela aquisição originária do direito de propriedade, por esta via. Dito de outro modo, não havendo recurso quanto à atribuição da indemnização aos interessados, o juiz observa o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 37.º, ex vi artigo 52.º, n.º 2, do CE.
Caso, porém, os expropriados não concordem com o montante indemnizatório fixado pelos árbitros, têm então a possibilidade de recorrerem do acórdão arbitral, atenta a expressa previsão nesse sentido do n.º 3 do artigo 52.º do CE.
Ora, vistos os termos específicos do recurso do acórdão arbitral, concretamente a sua tramitação nos moldes que decorrem dos artigos 58.º a 64.º do CE, verificamos que só então se passa à fase judicial propriamente dita, a qual apenas começa com o recurso da decisão arbitral, que funciona em termos similares à petição inicial de uma acção[11].
Para o efeito, é necessário que os expropriados apresentem requerimento de recurso devidamente fundamentado, pelo qual é devida taxa de justiça, onde aduzam as razões da respectiva discordância relativamente ao valor atribuído no laudo pericial, o qual é objecto de despacho liminar com vista à sua admissão (ou rejeição), seguindo-se a resposta, as diligências instrutórias, e a demais tramitação naqueles preceitos elencada, até à decisão final, no âmbito da qual se visa obter o montante concreto da indemnização a pagar pela(s) parcela(s) expropriada(s), a qual tem de ser justa, e cujos critérios básicos se encontram descritos no artigo 23.º do CE, de cujo n.º 1 logo avulta que a mesma deve ser correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal.
Deste modo, o presente processo de expropriação ainda não está na dita fase judicial, que só se inicia, como vimos, se e quando existir recurso do acórdão arbitral, não significando a remessa do processo ao tribunal para os fins previstos no artigo 51.º do CE, o início da instância de uma acção declarativa, mas tão-somente e ainda o cumprimento pela entidade expropriante do dever legal que sobre si impende de o fazer no prazo assinalado na lei, sob pena de operar a caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação, só se transmutando esta em litigiosa caso os expropriados interponham recurso por discordarem do valor depositado.

7. Significa o que vimos de dizer que, não tendo os expropriados impugnado (ainda) o valor que foi atribuído às parcelas no laudo pericial, tal não significa que o mesmo corresponda à «utilidade económica do pedido», a qual, pela natureza do processo expropriativo só se define na sequência da interposição de recurso do acórdão arbitral, aplicando-se então o disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CE.
Consequentemente, o valor indicado pela entidade expropriante aquando da remessa do processo ao tribunal competente, é um valor provisório, cuja definitividade depende da não interposição de recurso do acórdão arbitral.

8. Revertendo o que vimos de dizer à situação em presença, estamos na espécie em face de um recurso interposto de decisão que colocou termo à causa, sendo paradigma das indicadas decisões aquelas cuja prolação provoque a extinção total da instância, incluindo-se nesta alínea do preceito designadamente as decisões que provocam a extinção da instância, nos termos do 277.º do Código de Processo Civil, entre as quais se inclui o despacho de indeferimento liminar total[12].
Ora, conforme se afirmou na já referida decisão sumária, «a prevalecer a posição da Primeira Instância, aquilo que acontecerá aos expropriados é, na prática, que lhes seja negado o direito a uma indemnização justa e equitativa e, em termos práticos, a sua não chamada à acção tem uma configuração paralela ao do indeferimento liminar da petição da acção. Na verdade, apesar do processo ser impulsionado pela entidade expropriante, a fase de recurso pode assumir a faceta de obtenção de uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, uma pretensão indemnizatória distinta daquela que (foi) proposta na decisão arbitral».
E assim consideramos ser, porquanto a extinção da instância expropriativa, por deserção, precisamente por não estarem identificados os sucessores do expropriado que havia já falecido, na fase pré-judicial do processo de expropriação, impede a sua chamada ao processo para assegurar o respectivo direito à atribuição da indemnização devida pela expropriação do seu direito de propriedade, que constitui o escopo da remessa do processo pela entidade beneficiária da expropriação ao tribunal, para que com a chamada dos expropriados à acção seja definitivamente fixado aquele que venha a ser considerado o valor da justa indemnização devida pela expropriação por utilidade pública, de harmonia com o preceituado nos artigos 62.º da Constituição da República Portuguesa e 1310.º do Código Civil.
Assim, a interpretação do regime efectuada numa decisão como a reclamada, que considerou o valor provisório da indemnização constante do laudo arbitral e indicada no requerimento de remessa do processo de expropriação ao tribunal competente, como definindo o valor da alçada dentro do qual o tribunal decidiria sem recurso, é passível de violar o direito dos expropriados a um processo justo e equitativo, nos termos consagrados no artigo 20.º da CRP e, por isso, não pode ser mantida, devendo admitir-se o recurso.

9. Concluindo, como na citada decisão sumária, «a fim de não esvaziar ou inutilizar esse direito, entende-se que, excepcionalmente, por ausência de possibilidade de fixação do valor à causa, ao abrigo dos direitos constitucionais acima convocados, deve ser admitido o recurso interposto», porquanto, constituindo o despacho recorrido uma decisão que colocou termo à causa, tem o seu enquadramento no n.º 1 do artigo 644.º do CPC, pelo que, não revestindo nesta parte o processo em causa natureza urgente e não se enquadrando nas situações previstas no n.º 2 do mesmo preceito, rege quanto ao respectivo prazo o artigo 638.º, n.º 1, do CPC, de acordo com cuja previsão o recurso da decisão deve ser interposto no prazo de 30 dias.
Termos em que, procede a presente reclamação, admitindo-se o recurso interposto do despacho que decretou a extinção do processo de expropriação, por deserção, e determinando-se a subida dos autos a este tribunal superior para apreciação do respetivo mérito.
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III.3 – Síntese conclusiva:
I - O processo expropriativo é aquele que está a jusante do procedimento administrativo podendo desenvolver-se numa fase administrativa, a primeira, e numa fase judicial, a última.
II - O presente processo de expropriação ainda não está na dita fase judicial, que só se inicia se e quando existir recurso do acórdão arbitral, não significando a remessa do processo ao tribunal para os fins previstos no artigo 51.º do CE, o início da instância de uma acção declarativa, mas tão-somente e ainda o cumprimento pela entidade expropriante do dever legal que sobre si impende de o fazer no prazo assinalado na lei, sob pena de operar a caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação, só se transmutando esta em litigiosa caso os expropriados interponham recurso por discordarem do valor depositado.
III - A extinção da instância expropriativa, por deserção, precisamente por não estarem identificados os sucessores do expropriado que havia já falecido, na fase pré-judicial do processo de expropriação, impede a sua chamada ao processo para assegurar o respectivo direito à atribuição da indemnização devida pela expropriação do seu direito de propriedade, que constitui o escopo da remessa do processo pela entidade beneficiária da expropriação ao tribunal, para com a chamada dos expropriados à acção seja definitivamente fixado aquele que venha a ser considerado o valor da justa indemnização devida pela expropriação por utilidade pública, de harmonia com o preceituado nos artigos 62.º da Constituição da República Portuguesa e 1310.º do Código Civil.
IV - A interpretação do regime efectuada numa decisão como a reclamada, que considerou o valor provisório da indemnização constante do laudo arbitral e indicada no requerimento de remessa do processo de expropriação ao tribunal competente, como definindo o valor da alçada dentro do qual o tribunal decidiria sem recurso, é passível de violar o direito dos expropriados a um processo justo e equitativo, nos termos consagrados no artigo 20.º da CRP e, por isso, não pode ser mantida, devendo admitir-se o recurso.
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IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação, substituindo-se o despacho proferido pelo Mm.º Juiz de primeira instância, e admitindo-se o recurso de apelação interposto pela Expropriante, por ser tempestivo, e estarem preenchidos os demais pressupostos de recorribilidade.
Em consequência, determina-se que o processo suba a este Tribunal da Relação.
Sem custas – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC a contrario.
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Évora, 26 de Novembro de 2018
Albertina Pedroso [13]


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[1] Juízo Local Cível de Ourém.
[2] Doravante abreviadamente designado CPC.
[3] Na verdade, “[p]or mais clamoroso ou gritante que possa ser o erro da decisão em causa, nada justifica, no silêncio da lei a tal respeito, que esta «queixa» se transmute numa antecipada reponderação da decisão de mérito” – cfr. Decisão sumária de 16-10-2009, proferida no TRL, processo 224298/08.4YIPRT-B.L1-8, disponível em www.dgsi.pt.
[4] No processo n.º 412/17.0T8ORM-A.E1, disponível em www.dgsi.pt, para cuja fundamentação remetemos.
[5] Doravante abreviadamente designado CE.
[6] Cfr. ALBERTO DOS REIS, in Comentário ao Código do Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora 1946, págs. 584, 593 e 594.
[7] Quanto às disposições especiais expressamente referidas as mesmas representam a “concretização e adaptação deste critério geral, em função da modalidade do pedido formulado” – cfr. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, Coimbra Editora 2008, pág. 588.
[8] Única que aqui importa apreciar porquanto não existem outras modificações relevantes, como sejam a dedução de reconvenção, a intervenção principal ou a dedução de incidente de valor.
[9] Cfr. LEBRE DE FREITAS, In Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 594.
[10] In Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina 2010, págs. 23 e 24.
[11] Cfr. SALVADOR DA COSTA, obra citada, pág. 264.
[12] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, ob. e loc. cit., pág. 190, e o recente Acórdão deste TRE de 08.06.2017, proferido no processo n.º 652/15.7TBABF-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Texto elaborado, revisto e assinado electronicamente pela ora Relatora.