Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA ISABEL CALHEIROS | ||
| Descritores: | PLANO DE RECUPERAÇÃO CONSENTIMENTO CREDOR QUESTÕES NOVAS INVOCADAS EM FASE DE RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I – O plano de recuperação homologado em sede de Procedimento Especial de Revitalização converte-se num instrumento contratual atípico, que substitui a regra do consentimento individual pela regra do consentimento colectivo. II – A vinculação dos credores ao plano de recuperação aprovado e homologado nos termos definidos no artigo 17.º-F do CIRE, mesmo para os que votaram contra ou não participaram nas negociações, “constitui precisamente um dos casos em que a lei permite a modificação do contrato, independentemente do acordo das partes, tal como é consentido no n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil”. III – Os recursos destinam-se, por natureza, à reponderação de questões que hajam sido apreciadas pelo tribunal a quo, e consequente alteração e/ou revogação da decisão, e não a um novo reexame da causa, não podendo o tribunal de recurso conhecer de questões novas. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação 1673/25.7T8STB.E1 SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora) (…) * Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ÉvoraI – RELATÓRIO 1.1. (…) – Reboques e (…), Unipessoal, Lda. veio ao abrigo do disposto no artigo 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) intentar Processo Especial de Revitalização com vista à promoção da respectiva revitalização através da aprovação de plano de recuperação. 1.2. Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 5, do CIRE, que apresentou a lista provisória de créditos a que alude o artigo 17.º- D do CIRE. 1.3. Concluídas as negociações a requerente apresentou plano de recuperação que foi objeto de alterações e cuja versão final foi publicada em 28.07.2025, não tendo sido solicitada a sua não homologação por qualquer credor nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º (artigo 17.º-F, n.º 3, do CIRE). 1.4. O administrador judicial provisório apresentou documento contendo o resultado da votação, bem como dos votos emitidos: votaram favoravelmente credores representando 58,61% dos créditos reconhecidos na lista provisória, que ascendem ao total de € 1.125.839,93; destes, € 138.296,58 votaram contra a aprovação do plano, correspondendo a 12,28%. 1.5. Desse documento resulta que a Recorrente se absteve na votação do plano de recuperação com vista à revitalização da devedora. 1.6. Em 10.09.2025 foi proferida decisão com o seguinte segmento decisório: «Homologo por sentença, nos termos do artigo 17.º-F, n.ºs 5, alínea a), ii), n.º 7, e 11, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, o plano de revitalização da devedora (…) – Reboques e (…), Unipessoal, Lda., NIPC (…), com sede na Estrada Nacional (…), Km 8, s/n, Pinhal Novo, Palmela, aprovado pelos credores indicados na listagem com voto favorável. * A presente decisão vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi constituída a decisão proferida no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do Tribunal – artigo 17.º- F, n.º 11, do CIRE».1.7. Inconformada com a sentença proferida, a credora (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A., interpôs o presente recurso de apelação, pedindo pronúncia quanto à não aplicação do plano à Recorrente. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (que aqui se reproduz): 1ª A ora credora e a devedora, ora Recorrida, celebraram dois Contratos de Mútuo com os n.º (…) e (…); 2ª Os objectos dos contratos consistiram no financiamento de dois veículos um de marca Mitsubishi, matrícula (…), no âmbito do contrato com o n.º (…) e outro de marca Mitsubishi, matrícula (…), no âmbito do contrato (…); 3ª Mediante o referido contrato a devedora obrigou-se ao pagamento de uma prestação mensal por cada veículo; 4ª Sobre os referidos veículos incide registada reserva de propriedade a favor da ora Recorrente; 5ª A Recorrida apresentou plano de recuperação; 6ª O plano prevê o pagamento num período superior de tempo por referência ao contratado, e nomeadamente carência de capital durante os primeiros 12 meses; 7ª Foi apresentado voto contra pela Recorrente referente ao plano apresentado o Sr. Administrador; 8ª A ora Recorrente é detentora de reserva de propriedade sob os bens e pretende a entrega dos mesmos para amortização do crédito; 9ª Os créditos emergentes de obrigações de contratos bilaterais, não podem ser alterados através de um plano de recuperação sem o acordo de ambas as partes; 10ª O plano apresentado é altamente lesivo os interesses da ora credora que manifestou o seu desacordo com o mesmo; 11ª Perante o Plano a credora ficaria numa situação previsivelmente mais desfavorável do que aquela que ocorreria na ausência do Plano; 12ª A modificação unilateral dos contratos consubstanciaria a imposição ao credor, contra a sua vontade, de uma diferente relação jurídica e posição contratual, o que é uma afronta grave e injustificável aos seus direitos; 13ª A Recorrente votou contra o plano, porquanto o mesmo prevê a modificação de contratos em curso o que, por um lado, é legalmente inadmissível; 14ª Perante o plano a Recorrente fica numa situação previsivelmente mais desfavorável do que aquela que ocorreria na ausência do plano; 15ª No âmbito de contratos, portanto negócios bilaterais, não é possível à Recorrida, alterar unilateralmente, sem o consentimento da contraparte, as condições contratuais 16ª Desde logo porque o plano prevê uma alteração das condições negociais iniciais que não podem ser unilateralmente impostas à Recorrente, porque implicam a liquidação num prazo muito superior ao inicialmente contratado, i.e., 108 meses, e caso não estivesse obrigada a tal não seriam termos negociais aceites pela Recorrente. 17ª A imposição do plano apresentado à ora Recorrente viola o princípio da segurança jurídica, por impor unilateralmente condições negociais não acordadas de forma voluntária entre as partes, pelo que, a ora Recorrente votou desfavoravelmente à sua aprovação; 18ª A Recorrente não deu a sua anuência, fundamentou essa recusa, logo é legalmente inadmissível, violando os princípios que norteiam o Direito Civil, principalmente o princípio da liberdade contratual (artigo 406.º do CC) a sua sujeição a este plano; 19ª A modificação dos contratos apenas é possível nos termos do artigo 437.º do Código Civil, não pode o plano introduzir modificações contratuais contra a vontade das contrapartes, pois também no processo de insolvência isso não pode suceder. 1.8. Não foram apresentadas contra-alegações. * Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.* II – OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser as de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do NCPC). Tendo, então, em atenção as conclusões da Recorrente é a seguinte a única questão submetida à apreciação deste Tribunal: . se o plano de revitalização não é aplicável à recorrente por traduzir uma alteração unilateral ao contrato celebrado com a devedora e porque a sua aprovação é menos favorável do que a que resultaria sem a sua existência. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos pertinentes para a apreciação do recurso são os descritos no relatório que antecede, acrescentando-se ainda que: 1 – A recorrente consta na lista provisória de créditos com o seguinte descritivo: Montante do crédito: € 13.857,00 / Natureza do crédito: comum / Percentagem de voto: 1,23% / Fundamento: Contrato mútuo n.º (…), Contrato mútuo n.º (…) 2 – Do plano de recuperação homologado consta o seguinte quanto aos créditos comuns: . Consolidação da totalidade da dívida à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização; . Pagamento de 100% da divida em 108 prestações mensais, sucessivas e constantes, vencendo-se a primeira prestação 13 meses após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização; . Carência de capital durante os primeiros 12 meses; . Durante toda a vigência do plano haverá dever de pagamento de juros, os quais serão pagos a uma taxa com spread fixo de 1,5% + Euribor 6M; . Caso a componente variável da taxa de juro (o indexante) seja inferior a zero, considera-se, para determinação da taxa nominal aplicável, que o valor daquele indexante corresponde a zero; . Periodicidade prestação mensal; . Manutenção de todas as garantias existentes; . Contagem do prazo a partir da sentença do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de revitalização; . Salvo regresso de melhor fortuna. * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Questão a decidir: se o plano de revitalização não é aplicável à recorrente por traduzir uma alteração unilateral ao contrato celebrado com a devedora e porque a sua aprovação é menos favorável do que a que resultaria sem a sua existência. Sustenta a Recorrente que os créditos emergentes de obrigações de contratos bilaterais não podem ser alterados através de um plano de recuperação sem o acordo de ambas as partes e que o plano em causa prevê uma alteração das condições negociais iniciais que não lhe podem ser unilateralmente impostas, porque implicam a liquidação num prazo muito superior ao inicialmente contratado, que não foram por si acordadas, violando o princípio da liberdade contratual (artigo 406.º do CC), sendo que a modificação dos contratos apenas é possível nos termos do artigo 437.º do Código Civil, não podendo o plano introduzir modificações contratuais contra a vontade das contrapartes. Acrescenta que perante o plano de recuperação fica numa situação previsivelmente mais desfavorável do que aquela que ocorreria na ausência do plano. O processo especial de revitalização, introduzido no CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, destina-se, conforme resulta do disposto no artigo 17.º-A, n.º 1, «a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização». O conceito situação económica difícil está definido no artigo 17.º-B: «para efeitos do presente Código, encontra-se em situação económica difícil a empresa que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito». Pretende-se com o processo especial de revitalização (PER) evitar a insolvência de empresas através de um acordo com os credores, aprovado por uma maioria qualificada, em ordem a garantir a eficácia do plano aprovado, que, por essa via, se torna vinculativo para os restantes. O plano de recuperação visa, então, conciliar a satisfação dos direitos dos credores com a menor afectação possível do devedor. Lê-se, com revelo para a questão a apreciar, no artigo 17.º-F do CIRE, com a epígrafe “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa”, que: «1 - Até ao último dia do prazo de negociações, a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de recuperação, contendo, pelo menos, as seguintes informações, e sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito: (…) 2 - No prazo de cinco dias subsequente à publicação, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior. 3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações. 4 - Concluindo-se a votação com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, em que intervenham todos os seus credores, este é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz nos termos do n.º 7, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, e do seu parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos. 5 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados, se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) No caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, seja votado favoravelmente em cada uma das categorias por mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções, obtendo desta forma: i) O voto favorável de todas as categorias formadas; ii) O voto favorável da maioria das categorias formadas, desde que pelo menos uma dessas categorias seja uma categoria de credores garantidos; iii) Caso não existam categorias de credores garantidos, o voto favorável de uma maioria das categorias formadas, desde que pelo menos uma das categorias seja de credores não subordinados; iv) Em caso de empate, o voto favorável de pelo menos uma categoria de credores não subordinados; b) Nos demais casos, sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente: i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos; ii) O voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D; ou c) Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções: i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D; ii) O voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 a 6 do artigo 17.º-D. 6 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º, com as necessárias adaptações, e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com a empresa e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal, acompanhado do seu parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma. 7 - Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo: a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5; b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos; c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior; d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos; e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento; f) Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores; g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma. (…) 11 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.». No caso dos autos verifica-se, contrariamente ao afirmado, que do documento (não impugnado) apresentado pelo administrador provisório contendo o resultado da votação, bem como os votos emitidos, a Recorrente absteve-se na votação do plano de recuperação com vista à revitalização da devedora (conforme decorre do n.º 6 do citado artigo 17.º-F, a votação efectua-se por escrito). Por outro lado, a requerente tão pouco manifestou nos autos a sua oposição à homologação do plano de recuperação (anteriormente à sua aprovação conforme previsto no artigo 216.º do CIRE, segundo o qual «1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor … cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas»). Seja como for, avulta aqui o comando contido no n.º 11 do citado artigo 17.º-F, que, como vimos, estabelece que «a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal». Por isso se afirma que «o plano de recuperação converte-se, …, num instrumento contratual atípico, dotado de características que não estão ao alcance da autonomia privada – num contrato com “eficácia reforçada”. É a lei que opera esta transformação: ela restringe a liberdade individual e subordina-a à vontade colectiva ou da maioria ou, por outras palavras, substitui a regra do consentimento individual, típica dos contratos, pela regra do consentimento colectivo» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 3.ª edição, págs. 586-587). Logo, não há aqui negócio celebrado em violação do princípio da liberdade contratual, consagrado no citado artigo 405.º CC, nem em violação da eficácia dos contratos consagrado no artigo 406.º CC, ao contrário do defendido pela recorrente. «Como se refere no Acórdão do STJ, de 03/03/2015, Processo n.º 1480/13.0TYLS.L1.S1, disponível no respectivo sítio do ITIJ, o plano de recuperação, que se impõe mesmo aos que o não aprovaram e mesmo aos que não participaram das negociações, cfr. artigo 17.º-F, n.º 6, do CIRE, “não vai deixar tudo na mesma, sob pena de ser inútil. Implicará alterações no que respeita aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor estava vinculado e, porventura, nos montantes pecuniários devidos, seja na sua globalidade, seja quanto ao valor e ao número de prestações parcelares”. Ali se acrescentando que: “É natural que um plano de recuperação implique alterações, designadamente, quanto aos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor esteja vinculado, aos montantes devidos e ao número de prestações parcelares. Assim, o simples facto de não se concordar com tais alterações não justifica o pedido de não homologação do plano em causa. E muito menos se justifica a não homologação oficiosa, a não ser que se verifique algum dos condicionalismos previstos no artigo 215.º”. (…) Como, na mesma senda, se decidiu no Acórdão da Relação do Porto, de 15/12/2016, Processo n.º 1542/16.1T8STS.P1, disponível no respectivo sítio do ITIJ: “Obtido o quórum legalmente exigido de mais de dois terços dos créditos do devedor, podem os credores dissidentes, em condições de paridade, vir a ficar vinculados ao acordo obtido pela maioria dos credores, ainda que a fonte dos créditos dos credores não aderentes ao acordo seja um contrato de locação financeira. Esta vinculação dos credores dissidentes por força do acordo obtido por uma maioria qualificada constitui precisamente um dos casos em que a lei permite a modificação do contrato, independentemente do acordo das partes, tal como é consentido no n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil”» – Ac. do TRC de 23.01.20018, proc. n.º 1923/17.3VIS.C1, disponível em www.dgsi.pt; sublinhado meu. No acórdão do TRP de 15.12.2016, proferido no Proc. n.º 1542/16.1T8STS.P1, citado naquele primeiro, ponderou-se ainda que «Excluir a aplicabilidade … do plano de recuperação das relações negociais duradouras que ainda não se achem integralmente cumpridas, como parece sustentar o recorrente, retiraria a esses instrumentos todo o potencial de alternativa adequada e eficaz à liquidação pura e simples, tanto mais que a generalidade das relações jurídicas donde emergem os créditos insatisfeitos têm fonte contratual. (…) Por isso, discorda-se do entendimento sustentado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de setembro de 2015, proferido no processo n.º 442/14.4T8VFX-A.L1-6, acessível no site da DGSI, concordando-se com a doutrina que emerge do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de março de 2015, proferido no processo n.º 1480/13.0TYLS.L1.S1, também acessível no site da DGSI». E na mesma linha de entendimento decidiu o Ac do TRC de 13.09.2022, proferido no processo 3245/21.6T8LRA-C.C1 (acessível em www.dgsi.pt), segundo o qual «para efeitos de revitalização o que releva, salvaguardados os casos de irrenunciabilidade e indisponibilidade dos créditos (v.g. artigos 30.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária e 129.º, n.º 1, d), do Código do Trabalho), é a obtenção dos necessários consensos e a disponibilidade dos credores para o sacrifício, em menor ou maior grau, dos seus créditos, na expectativa de, ainda assim, ficarem numa situação mais favorável do que ficariam num cenário da liquidação da empresa e que apenas será exequível e oponível erga omnes (mesmo relativamente aos credores que não reclamaram os créditos e ou que não participaram na negociação – artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE) depois da obtenção das maiorias legalmente previstas e da homologação judicial. Nessa medida, o Plano de Revitalização, com vista à obtenção do interesse maior – a recuperação da empresa – pode afetar, e é natural que isso aconteça, todos os contratos bilaterais, de onde emergem as dívidas» (sublinhado meu). Concluindo, no caso vertente não se vislumbra violação do princípio da liberdade contratual, sendo que no campo dos seus efeitos a lei – artigo 17.º-F, n.º 11, do CIRE, «tornada progressivamente mais clara», é inequívoca quanto ao alcance da decisão de homologação do plano de recuperação, que vincula todos os titulares de créditos com direito a participar nas negociações, mesmo que não os tenham reclamados nem nelas tenham participado (e isto porque sendo-lhes dada a oportunidade de participação nas negociações não há impedimento a que o plano de recuperação os afecte), assim se sublinhando «a tão mencionada eficácia universal do plano de recuperação (não é preciso participar nem votar favoravelmente o plano para estar sujeito aos seus efeitos)» (Catarina Serra, ob. cit., pág. 587), mostrando-se o plano de recuperação homologado nos autos plenamente aplicável à recorrente. Veio, ainda, a recorrente sustentar que perante o plano de recuperação fica numa situação previsivelmente mais desfavorável do que aquela que ocorreria na ausência do plano, alegando que é detentora de reserva de propriedade sob os veículos automóveis cuja venda financiou e pretende a entrega dos mesmos para amortização do crédito. A invocação do maior prejuízo com a aprovação do plano de recuperação, constitui questão nova, que não foi submetida ao tribunal a quo, nem é de conhecimento oficioso. Tal questão, aliás, atento o disposto no art. 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, segundo o qual «o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado … por algum credor … cuja oposição haja sido comunicada …, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, …, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas», deveria ter sido suscitada junto do tribunal a quo ao abrigo da citada disposição legal, ex vi do artigo 17.º-F, n.º 7, do CIRE. Ora, os recursos, exceptuando as matérias de conhecimento oficioso, destinam-se, por natureza, à reapreciação/reponderação de questões que hajam sido colocadas ao e apreciadas pelo tribunal a quo, visando a consequente alteração e/ou revogação da decisão, e não um novo reexame da causa, não podendo o tribunal de recurso conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais. Por isso, quanto a este segmento das conclusões, por constituir questão nova, este tribunal abstém-se de conhecer do seu fundamento. Assim sendo, improcede, na sua totalidade, recurso interposto. * V – DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julga-se improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. * Custas da apelação pela Recorrente (conforme artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, por nela ter decaído).* Évora, 27/11/2025Maria Isabel Calheiros (relatora) Maria Emília Melo e Castro (1ª adjunta) Vítor Sequinho dos Santos (2º adjunto) |