Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
27/14.5PTEVR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
DOLO
Data do Acordão: 07/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A confissão dos factos pelo arguido - integral e sem reservas - tem como consequência, por um lado, o reconhecimento, por parte do arguido, da prática dos factos que lhe são imputados (todos os factos), e, por outro lado, que os reconhece tal como lhe são imputados, sem quaisquer condições ou alterações (ou seja, nos precisos termos que são imputados na acusação).
II - Podendo o tribunal decidir, de acordo com a sua livre convicção, se deve aceitar ou não a confissão, aceitando-a - como aceitou, no caso concreto, consignando que não havia necessidade de produção de quaisquer outras provas -, não pode o tribunal vir a dar como provados factos diversos dos confessados, sob pena de incoerência e contradição lógica entre a prova produzida e os factos provados, o que equivale a dizer que não faz qualquer sentido a alegação do arguido/recorrente de que agiu com negligência ou de que não sabia que conduzia em estado de embriaguez.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Évora (Évora, Instância Local, Secção Criminal, J1) correu termos o Proc. Sumário n.º 27/14.5PTEVR, no qual foi julgado o arguido FJOP (……), pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a), ambos do CP.
A final veio a ser condenado, pela prática do mencionado crime (p. e p. pelos art.ºs 292 n.º 1 e 69 n.º 1 al.ª a) do CP):
- na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de sete euros, à qual é descontado um dia, nos termos do disposto no art.º 80 n.º 2 do CP, fixando-se o montante global em 518,00 euros;
- na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses (art.º 69 n.º 1 al.ª a) do CP).
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2. Recorreu o arguido de tal decisão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - O tribunal a quo no momento da receção da acusação deduzida pelo Ministério Público tinha a obrigação legal de decidir pela sua invalidade, pelo que devia ter declarado esta nula, uma vez esta omite a via onde se terá verificado o ilícito criminal.
2 - O tribunal a quo, ao não considerar nulo o libelo acusatório, agiu em violação pelo previsto nos artigos 283 e 311/3 do CPP.
3 - A nulidade da acusação é de conhecimento oficioso, podendo ser conhecida a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da douta sentença.
4 - Uma das consequências da estrutura acusatória do processo criminal é a independência do Ministério Público em relação ao Juiz na formulação da acusação, pelo que não é admissível que o Mm.º Juiz ordene ao MP os termos em que este deve formular a acusação.
5 - A acusação deduzida pelo MP nos presentes autos devia ter sido rejeitada pelo tribunal a quo, uma vez que o auto de notícia que a fundamenta não preenche os requisitos legais, ao omitir a via onde se terá verificado o ilícito criminal de que o arguido foi acusado, o que viola as normas enformadoras da estrutura acusatória do processo.
6 -Tal nulidade não pode ser considerada sanada.
7 - A manutenção de tal vício na acusação deduzida pelo Ministério Público torna-a nula, de tal forma que tudo o que posteriormente a esta está processado nos autos é inválido, devendo o processo ser arquivado, por inexistência de objeto.
8 – Assim não se entendendo, atento ao previsto no artigo 431 al.ª a) do CPP, deve o tribunal ad quem corrigir a douta decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, considerando que nos autos estão todos os elementos essenciais de prova nos quais se fundamenta a douta sentença.
9 - A prova obtida através das declarações do arguido em sede de audiência não sustentam a douta decisão do tribunal a quo na parte que diz respeito à sua culpa, pelo que a douta sentença viola, nomeadamente, o previsto nos artigos 13, 15 e 292, todos do Código Penal.
10 - As declarações do arguido não permitem perceber se este, em qualquer momento, se apercebeu de estar a conduzir ébrio e que, assim, pretendeu efetuar o ato de condução da viatura na via pública.
11 - A condenação do arguido ultrapassa a medida da sua culpa, aferida esta na perspetiva do homem médio, pressuposto pelo direito.
12 - A pena de multa doutamente decidida e o quantitativo diário entendido como aplicável violam o previsto nos artigos 40, 47 e 71, todos do Código Penal, pelo que devem ser ajustadas para valores inferiores.
13 - A pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses viola o previsto nos artigos 40 e 71, ambos do CP.
14 - A douta decisão do tribunal a quo ultrapassa o princípio da livre apreciação da prova, pelo que viola o previsto no artigo 127 do CPP.
15 - Os princípios enformadores da determinação da medida judicial ou concreta da pena foram desrespeitados na douta sentença do tribunal a quo, atento ao previsto no artigo 71 do CP, o qual determina que esta deve ser encontrada em função da culpa, das exigências de prevenção de futuros crimes e das demais circunstâncias previstas no n.º 2 do preceito, as quais, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido.
16 - As exigências de prevenção geral definem o limite mínimo da pena, sendo a culpa o seu limite máximo, dentro das quais se sentirão as exigências de prevenção especial ou de ressocialização; tais pressupostos, estão violados pela douta sentença do tribunal a quo.
17 - Atento ao supra alegado, deve ser declarada nula a acusação deduzida pelo Ministério Público, com as legais consequências.
18 - Ou, a tal não se entender, devem ser reapreciadas as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência, entender-se que a douta sentença do tribunal a quo viola os princípios enformadores na determinação da culpa, com repercussões na fixação da pena de multa e do seu quantitativo diário, face aos rendimentos e encargos declarados pelo arguido, e decidir-se substituir a douta decisão que antecede por outra na qual se entenda manter a condenação em pena de multa em medida não superior a sessenta dias, em montante diário de €5,00 (cinco euro), bem como situar a pena acessória de inibição de conduzir no mínimo legal de três meses.
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3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 – A acusação apresentada pelo Ministério Público, por remissão para o auto de notícia e complementada com os factos relativos ao elemento subjetivo do crime, nos termos permitidos pelo art.º 389 n.ºs 1, 2 e 3 do CPP, contém a narração dos factos, tendo sido omitida apenas a referência ao lugar concreto da prática dos factos, embora constando que ocorreram na via publica, área da comarca de Évora.
2 - A leitura da narração dos factos em nada afetou as garantias de defesa do arguido, pois daquela resultam as ações que, em concreto, lhe são imputadas.
3 - A introdução da expressão “se possível” - relativamente ao lugar, tempo e a motivação da prática dos factos - na redação da alínea b) do n.º 3 do art.º 283 do CPP implica que sejam considerados como tratando-se, assim, de uma circunstância meramente acidental e não de um elemento essencial, até porque não faz parte da ilicitude do tipo legal de crime.
4 - Os factos imputados ao arguido na acusação pública pelo Ministério Público preenchem os elementos objetivos e subjetivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, inexistindo fundamentos para a rejeição da acusação.
5 - O recurso interposto pelo arguido, parecendo visar, para além do mais, a reapreciação da matéria de facto dada como provada, não observa, no entanto, o disposto no artigo 412 n.ºs 3 e 4 do CPP, pelo que está nessa parte votado à improcedência.
6 - Por seu turno, do teor da decisão condenatória não se extrai que tenha ocorrido o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto o tribunal a quo esgotou o tema da prova e a solução de direito encontrada não ultrapassou as premissas de facto nem estas últimas são insuficientes para fundamentar a primeira.
7 - Atento o grau de ilicitude dos factos (que não é particularmente elevado), a culpa - de grau médio - do agente e as fortes exigências de prevenção da prática deste tipo de crime, conclui-se que a operação de dosimetria das penas principal e acessória foi corretamente efetuada, pelo que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter-se a decisão recorrida.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 52 e 53).
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
1 – No dia 9 de maio de 2014, cerca das 16h59m, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…..) no Largo das Alterações, em Évora, com uma taxa de álcool no sangue de 1,45 g/l, depois de deduzido o erro máximo admissível.
2 – O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
3 - O arguido vive sozinho, em casa própria, pela qual paga a prestação mensal de 400,00 euros por mês, e tem um filho de 11 anos, que vive com a mãe e ao qual paga, de prestação de alimentos, a quantia mensal de 380 euros.
4 – O arguido está desempregado, recebendo de subsídio de desemprego 830,00 euros.
5 – Frequentou o 3.º ano de gestão de empresas.
6 – O arguido foi condenado, por sentença de 24.06.2013, transitada em julgado em 12.09.2013, pela prática de um crime de desobediência (em 23.06.2013), p. e p. pelos art.ºs 348 n.º 1 al.ª a) e 69 n.º 1 al.ª a), ambos do CP, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses.
7 – O arguido – consta da ata da audiência de discussão e julgamento – confessou os factos, integralmente e sem reservas.
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7. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 do Código de Processo Penal).
Tais conclusões devem ser claras e precisas, pois que se destinam a habilitar o tribunal superior a conhecer – sem margem para dúvidas - as razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito, e são as questões nelas sintetizadas que delimitam o objeto do recurso (ver art.º 412 n.ºs 1 e 2 e 410 n.ºs 1 a 3, ambos do Código de Processo Penal, e, entre outros, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).
Atentas estas considerações, e tendo em atenção as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, são as seguintes as questões colocadas pelo mesmo à apreciação deste tribunal:
1.ª – A nulidade da acusação, por falta de concretização do lugar onde ocorreram os factos, com a consequente rejeição da mesma;
2.ª – Se a factualidade dada como provada permite concluir que o arguido agiu sem dolo, desconhecendo que estava influenciado pelo álcool;
3.ª – Se as penas aplicadas devem ser reduzidas: a pena de muta para 60 dias, à taxa diária de 5,00 euros, e a pena acessória para o período mínimo legal de três meses.
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7.1. – 1.ª questão
Consta do auto de notícia que o arguido, quando foi fiscalizado, conduzia o veículo supra identificado na “via pública”, em Évora.
O MP requereu o julgamento do arguido – fol.ªs 16 – “apresentando como acusação o auto de notícia”, cujo teor deu como reproduzido, “com adição do seguinte:
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
”.
Dispõe o art.º 283 do CPP que a acusação contém, sob pena de nulidade:
“…
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática…”.
Por outro lado, resulta do art.º 311 n.ºs 2 al.ª a) e 3 al.ªs b) e d) do CPP que o presidente do tribunal, recebido o processo para julgamento, despacha no sentido da rejeição da acusação se a “considerar manifestamente infundada”, entendendo-se como manifestamente infundada a acuação “quando não contenha a narração dos factos” (os factos que integram os elementos típicos objetivos e subjetivos do tipo de crime imputado ao agente) ou os factos “não constituírem crime”, ou seja, não constituírem uma conduta penalmente relevante, punível (veja-se a este propósito Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do código de Processo penal, 2.ª edição, 791).
No caso concreto, a identificação do lugar onde ocorreram os factos – sendo que, como consta da acusação, ocorreram na via pública – não tem qualquer relevância para aferir da prática do crime pelo qual o arguido foi condenado, pois o que releva a este propósito, enquanto elemento objetivo deste tipo de crime, é a condução de veículo “em via pública ou equiparada”, tal como expressamente se dispõe no art.º 292 n.º 1 do CP, facto alegado e dado como provado, aliás, por confissão do próprio arguido.
Acresce que, como bem assinala o Ministério Público na resposta à motivação do recurso, citando o acórdão da RC de 7.07.2010, Proc. 606/08.0GASET.C1, in www.dgsi.pt, “… não deve levar à rejeição da acusação quando… estão preenchidos em tal peça processual os elementos objetivos e subjetivos do crime…”, como no caso – repete-se – estão.
Por outro lado, a lei comina como nulidade a falta da narração dos factos “que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena…” (art.º 283 n.º 3 al.ª b) do CPP), todavia, e independentemente da natureza de tal nulidade, a mesma só ocorrerá – para além do mais que aqui não interessa considerar - quando a acusação for omissa no que respeita à descrição dos factos relevantes para aferir da existência do crime – os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança - ou seja, os factos que integram os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime imputado ao agente, o que no caso não se verifica, pois que a concretização/identificação da via onde os factos ocorrerem é um facto meramente circunstancial, irrelevante para aferir da existência do crime e da responsabilidade do arguido, atento o disposto no art.º 292 n.º 1 do CP, onde apenas se exige que a condução se faça “em via pública ou equiparada” (abra-se aqui um parêntesis para anotar que não se percebe a que propósito vem invocado - na resposta ao parecer do Ministério Público - o acórdão do STJ n.º 1/2015, pois que, se é verdade - como aí se decidiu – que a falta de descrição dos elementos subjetivos do crime não pode ser integrada em julgamento por recurso ao mecanismo do art.º 358 do CPP, também é verdade que no caso em apreço tais elementos constam expressamente descritos na acusação).
Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada.
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7.2. – 2.ª questão
Alega o recorrente que “as declarações do arguido apenas permitem conhecer que o arguido ingeriu alguma bebida com teor de álcool, apenas sendo possível perceber que a sua contribuição para os factos é aquela que decorre da culpabilização penal que é feita a título de um comportamento negligente. O arguido em nenhum momento se apercebeu que poderia estar a conduzir encontrando-se ébrio”.
Constava da acusação, com referência ao auto de notícia e em complemento do mesmo:
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.
Por outro lado, consta da ata da audiência de discussão e julgamento que o arguido confessou os factos que lhe eram imputados, o que fez de livre vontade e fora de qualquer coação, integralmente e sem reservas.
Ora, a confissão dos factos – integral e sem reservas - tem como consequência, por um lado, o reconhecimento, por parte do arguido, da prática dos factos que lhe são imputados (todos os factos), por outro, que os reconhece tal como lhe são imputados, sem quaisquer condições ou alterações (ou seja, nos precisos termos que são imputados na acusação).
Assim, podendo o tribunal decidir, de acordo com a sua livre convicção, se deve aceitar ou não a confissão, aceitando-a – como aceitou, no caso concreto, consignando que não havia necessidade de produção de quaisquer outras provas – não podia o tribunal vir a dar como provados factos diversos dos confessados, sob pena de incoerência e contradição lógica entre a prova produzida e os factos provados, o que equivale a dizer que não faz qualquer sentido a pretensão do recorrente de que agiu com negligência ou de que não sabia que conduzia em estado de embriaguez.
De facto, para se concluir que o agente agiu com dolo, com vontade livremente determinada, consciente da ilicitude da sua conduta – e no caso o arguido confessou tais factos, em termos que ao tribunal não suscitaram quaisquer dúvidas - não é necessário que o arguido tenha consciência do teor exato da taxa de álcool no sangue, taxa essa impossível de quantificação por convencimento pessoal, sendo suficiente que o agente tenha consciência que ingeriu bebidas alcoólicas, que se encontrava sob o efeito do álcool e que, mesmo assim, conduziu, sabendo que a condução sob o efeito do álcool é proibida e punida por lei (vejam-se neste sentido os acórdãos da RL de 12.01.2012, Proc. 83/10.5GBCLD.L1-3, e da RE de 16.12.08, Proc. 2220/08.1 e de 17.03.15, Proc. 182/13.1GTEVR.E1, todos in www.dgsi.pt), factos estes que o arguido confessou, de livre vontade, sem qualquer coação e sem reservas, em termos que ao tribunal não mereceram quaisquer dúvidas.
Acresce que, para além da confissão do arguido, resulta dos autos que o mesmo está habilitado a conduzir veículos automóveis, habilitação que supõe a aprovação em exame teórico-prático para o efeito e, consequentemente, o conhecimento das regras estradais, entre as quais se inclui a proibição de conduzir veículos automóveis em estado de embriaguez, pelo que não faz qualquer sentido – de acordo com as regras da experiência comum e da lógica – que o arguido, enquanto condutor habilitado a conduzir, não saiba que é proibida a condução sob o efeito do álcool e que, naquelas circunstâncias concretas, depois da ingestão de bebidas alcoólicas, não soubesse que estava influenciado pelo álcool.
Improcede, por isso, a 2.ª questão supra enunciada.
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7.3. - 3.ª questão
O arguido foi condenado na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de sete euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de sete meses (art.ºs 292 n.º 1 69 n.º 1 al.ª a) do CP), sendo o crime punível com pena de multa até 120 dias e proibição de conduzir entre três meses e três anos.
Entende o arguido – e esta é a única razão em que baseia a sua divergência quanto ao decidido, no que respeita às penas concretamente aplicadas – que “a pena principal e a pena acessória doutamente decididas, ao ultrapassarem a medida da culpa deste violam os princípios essenciais subjacentes à aplicação das penas, considerando a perspetiva do homem médio pressuposto pelo direito… o arguido encontrava-se em situação de desemprego involuntário, recebendo subsídio de desemprego, sem que, no entanto, tal facto afete a sua integração familiar e social”.
A aplicação das penas e medidas de segurança “visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (art.º 40 do CP), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa (art.º 40 n.º 2 do CP).
A proteção dos bens jurídicos implica, pois, que a pena, sem ultrapassar a medida da culpa, seja adequada e suficiente para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos, incentivar a convicção que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte da comunidade (acórdão do STJ de 14.03.2001, Col. Jur., Ano IX, t. 1, 245).
A medida da pena será encontrada dentro da moldura de prevenção – cujo limite nos é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e o mínimo das exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico – e em função da necessidade de socialização do agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, dissuadindo-o da prática de novos crimes.
É dentro deste quadro que a pena deve ser determinada, tomando em consideração o disposto no art.º 71 n.º 2 do CP, ou seja, todas as circunstâncias – apuradas – que militem contra o agente e a seu favor.
Ora, no caso em apreço, são bem elevadas, quer as exigências de prevenção geral que se fazem sentir - atenta a natureza do crime, o perigo que ele representa para a sociedade e a frequência com que diariamente continua a ocorrer nas estradas portuguesas, não obstante as campanhas de sensibilização para que os condutores, caso bebam, se abstenham de conduzir - quer as exigências de prevenção especial, pois que o arguido, não obstante ter sido anteriormente condenado, em data recente (transitada em julgado em 12.09.2013), por um crime de desobediência relacionado com a condução, não se absteve da prática destes factos – cerca de oito meses depois – o que bem evidencia que as penas aplicadas (50 dias de multa, à taxa diária de sete euros, e quatro meses de proibição de conduzir) não foram suficientes para o dissuadir da prática deste ilícito;
Por outro, importa considerar o grau da ilicitude do facto (atenta a taxa de álcool com que conduzia), o dolo com que o arguido atuou – dolo direto – o grau elevado da culpa (o arguido praticou estes factos em data relativamente próxima da anterior condenação, cuja censura era suposto manter na memória, face ao curto espaço de tempo decorrido, o que bem revela a falta de sensibilidade para ser influenciado pelas penas) e a sua inserção social (que pouco releva, pois que este crime é frequentemente praticado por pessoas social e profissionalmente integradas.
E perante este quadro, as penas aplicadas, ligeiramente mais severas que as anteriormente aplicadas, mas cuja severidade se justifica pelas exigências de prevenção especial a que acima se aludiu, não nos merecem qualquer censura, pois que resulta de uma criteriosa ponderação, quer das exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, quer de todas as circunstâncias que, no caso, depõem contra o agente a seu favor.
Também a taxa diária da pena de multa aplicada não nos merece qualquer censura.
Vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência que esta pena (de multa) não pode deixar de ser vista como uma verdadeira pena e que o seu montante diário – a fixar entre os 5,00 e 500,00 euros, ex vi art.º 47 n.º 2 do CP - deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, “sob pena de se desacreditar esta pena, os próprios tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade” (ver, v.g., o acórdão da RC de 13.07.95, Col. Jur., Ano XX, t. 4, 48), ou seja, ela não deve ser doseada de modo a representar um sacrifício para o condenado que este não possa cumprir sem pôr em risco a sua própria sobrevivência, todavia, deve “constituir um quantum indispensável para que não se coloque irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídicas penais” (acórdão desta Relação de 25.09.2001, Col. Jur., Ano XXVI, t. 4, 283, onde se cita Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, 242); se não se quer que seja “um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido pelo menos algum desconforto se não mesmo um sacrifício económico palpável” – escreve-se no acórdão do STJ de 3.06.2004, in www.dgsi.pt.
Tendo em conta tais considerações, e ponderando a situação económica do arguido, tal como demonstrada ficou nos autos – os seus rendimentos - temos que a taxa diária fixada na sentença recorrida (de sete euros, com a qual se atingirá o montante global de 518,00 euros) se mostra bem ponderada, pois que temos entendido que o limite mínimo está reservado para situações de pobreza extrema – o que no caso não acontece, face à situação económica do arguido demonstrada – sendo certo que para acautelar as situações de maior dificuldade consagrou a lei a possibilidade do alargamento do prazo para o seu pagamento ou o seu pagamento em prestações (art.º 47 do CP).
Improcede, por isso, a 3.ª questão supra enunciada.
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8. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.ºs 523 e 514 do CPP e 8 n.º 5 e tabela III anexa do RCP).
Sem tributação.

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 14-07-2015

Alberto João Borges

Maria Fernanda Pereira Palma