Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
722/18.0T8ABT-B.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA
REGULAÇÃO DE PODER PATERNAL
ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Tendo a criança L… 5 anos de idade, e tendo-se apurado indiciariamente que a mesma reside com o progenitor desde o momento em que a progenitora aí a deixou, residirem os progenitores a cerca de 100 km um do outro, estar a L… já inscrita numa escola da área da residência do progenitor, a solução que melhor defende o superior interesse da mesma é esta continuar a residir com o progenitor, facultando-se os convívios possíveis da criança com a progenitora, até que se conheça melhor a situação desta última, considerando, ademais, está em causa uma decisão provisória sobre a regulação de exercício das responsabilidades parentais. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais, N… instaurou contra A…, ação de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, com pedido de fixação de regime provisório quanto à guarda e confiança, relativamente à filha menor de ambos, L…, nascida a 05.06.2015, alegando, em síntese, que a requerida, no dia 13 de março de 20020, entregou a menor ao requerente, com quem passou a residir desde aquele dia.
Na conferência de pais, não tendo os progenitores chegado a acordo, foram tomados os respetivos depoimentos, nos termos do disposto no artigo 21º, nº 1, al. a), da Lei nº 141/2015, de 8 de setembro.
Dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, a mesma promoveu a fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, com a entrega do menor à guarda e cuidados do progenitor, bem como, no que aqui releva, o seguinte regime de visitas:
«No primeiro fim de semana de cada mês, o pai, no dia de sábado deslocar-se-á à residência da mãe, no período da manhã, aí deixará a criança, recolhendo-a às 16:00 horas.
Num outro fim de semana do mesmo mês a mãe deslocar-se-á à residência do pai da criança e poderá estar com ela todo o dia.»
A mandatária do requerente disse nada ter a apor à regulação promovida, e o mandatário da requerida disse discordar do aludido regime de visitas, propondo que «se fixassem pelo menos dois fins de semana com entrega da menor à sexta feira e ao domingo seria entregue ao pai que a iria buscar ou não sendo possível, a mãe se comprometeria à entrega da menor, até ao final do dia de domingo.»
Seguidamente, pelo Sr. Juiz foi proferida a seguinte decisão:
«Atento o disposto no art. 28º da Lei 141/2015, de 8 de Setembro, sempre que não for possível decidir definitivamente nos autos, o que acontece na presente situação, por o Tribunal não ter elementos especiais para tanto, tem o tribunal de ponderar, ainda que provisoriamente a regulação das responsabilidades parentais da criança em face às concretas situações apuradas.
Assim sendo, nos termos do disposto nos arts. 28º do RGPTC e 1877º; 1878º; 1879º; 1885º; 1886º e 1905º a 1908º e 1909º do C.C., procedo à regulação provisória das responsabilidades parentais de L…, da seguinte forma:
Das diligências levadas a cabo, nos termos do disposto no art. 21º do RGTPC, nomeadamente da audição dos progenitores resultou indiciariamente provado que:
1 - A criança reside com o pai desde 13/03/2020, data em que para aí foi levada pela mãe, tendo esta a expectativa de ficar a residir com esta, posteriormente.
2 - O progenitor vive com uma companheira e com os dois filhos dela, ambos maiores de idade.
3 - O progenitor encontra-se reformado por invalidez, auferindo mensalmente a quantia de 400,00€ de pensão de reforma.
4 - A companheira do pai trabalha no Lar da Santa Casa da Misericórdia ….
5 - A criança atualmente não frequenta nenhum infantário ou creche.
6 - A criança tem problemas de saúde ao nível da tiroide e anemia e toma medicação.
7 - A progenitora reside em … no concelho de Almeirim.
8 - A progenitora reside com a filha mais velha, de 10 anos de idade.
9 - A progenitora não está inscrita no Centro de Emprego e faz alguns biscates na agricultura.
10 - A progenitora não tem carro próprio para se deslocar, afim de visitar a criança.
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Face a tal, e perante tais factos, nos termos doutamente promovidos, impõe-se regular provisoriamente as responsabilidades parentais relativamente à criança L…, nos exatos termos da douta promoção que antecede, o que se determina:
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REGIME PROVISÓRIO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA
1º - A criança L…, nascida em 05/06/2015, passa a ter residência com o pai que será o seu encarregado de educação e cabendo a este o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões do dia a dia.
2º - As questões de particular importância, como sejam, a título de exemplo, deslocações para fora do espaço Shengen, autorizações para tratamentos médicos não urgentes, escolha do credo religioso, serão decididas em comum, por ambos os progenitores.
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CONVÍVIOS
3º - A criança passa a realizar contatos com a mãe através de videochamada, impulsionados por qualquer um dos progenitores, que o outro atenderá, sem prejuízo dos horários de descanso da criança ou trabalho dos progenitores, podendo isto acontecer a qualquer dia da semana, até às 21:00 horas.
4º - A criança passa alternadamente com cada um dos progenitores a véspera de Natal e o dia de Natal, a véspera de Ano Novo e o dia de Ano Novo, passando assim a véspera de Natal com a mãe e o dia de Natal com o pai, a véspera de Ano Novo com a mãe e o dia de Ano Novo com o pai, devendo para o efeito os progenitores articularem entre si a questão das deslocações. Não se articulando, caberá ao pai proceder a essas deslocações.
5º - No primeiro fim de semana de cada mês, o pai, no dia de sábado deslocar-se-á à residência da mãe, no período da manhã, aí deixará a criança, recolhendo-a às 16:00 horas.
Num outro fim de semana do mesmo mês, a mãe deslocar-se-á à residência do pai da criança e poderá estar com ela todo o dia.
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ALIMENTOS
6º - A mãe pagará a título de alimentos devidos à criança, a quantia mensal de € 80,00 (oitenta euros), até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para a conta do pai mãe com o IBAN - PT50 0036 0105 9910 0037 9096 0.
7º- Esta quantia será atualizada anualmente, em janeiro, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo INE.
Notifique e proceda às legais comunicações.»
Inconformada com esta decisão, veio a progenitora/requerida interpor o presente recurso, finalizando as respetivas alegações com prolixas conclusões - que pouco menos são do que um repositório do corpo alegatório -, as quais não satisfazem minimamente a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o disposto no artigo 639º, nº 1, do CPC, e, por isso, não serão aqui transcritas.
Das mesmas conclusões resulta que a recorrente imputa à decisão recorrida a violação do «disposto nos artigos 1906º, nº.s 5 e 7, 1906º-A, do Código Civil e 13º e 36º, nº.s 5 e 6, da Constituição da República», entendendo que a mesma «deveria ter determinado a fixação de uma guarda com residências alternadas da menor L… atenta a sua idade, condições de ambos os progenitores – que foram pelo Tribunal recorrido reconhecidas ao determinar que a menor possa pernoitar com a recorrente, pelo menos nos períodos festivos».

O Ministério Público contra-alegou, sustentando «não dever ser concedido provimento a este Recurso, pois o mesmo carece de suporte legal, tanto porque vem a mãe contra a sua própria posição na Conferência, como porque não tem qualquer fundamento válido, querendo uma decisão que, ainda que provisória, ofende o superior interesse da criança».

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir consubstancia-se em saber se a decisão recorrida, ao não decretar a guarda alternada da criança L…, não acautela devidamente o interesse da mesma.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão do recurso são os enunciados no relatório supra, havendo ainda a considerar o seguinte:
A criança L… está matriculada no ano letivo de 2020-2021 no Agrupamento de Escolas Verde Horizonte, em Mação – cfr. doc. junto com o requerimento de 05.01.2021 (ref.ª 37617029).

O DIREITO
A decisão recorrida foi proferida nos termos processuais previstos no artigo 38º do RGPTC, que dispõe: «[s]e ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos…».
Trata-se de norma especial do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redação diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no artigo 28º, nº 1, do RGPTC, o qual preceitua que «[e]m qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final…”.
Assim, a norma do artigo 38º, «parece impor, obrigatoriamente ao juiz a prolação de decisão provisória sobre a regulação de exercício das responsabilidades parentais, ao estatuir que “o juiz decide provisoriamente” sobre o pedido em função dos elementos já obtidos. Pelo que se trata de um poder/dever atribuído ao juiz, contrariamente ao poder discricionário conferido no nº 1 do art.º 28.º»[1].
Pressuposto necessário é que hajam já “elementos obtidos”, como, aliás, não poderia deixar de ser pelas regras gerais do direito processual civil. Primeiro, a prova dos factos, podendo e devendo o tribunal proceder às diligências necessárias para o efeito, atenta a natureza de jurisdição voluntária (art. 986º, nº 2, do CPC, ex vi art. 12º RGPTC) e, depois, a aplicação do direito, considerando, além do disposto no artigo 1906º ex vi artigo 1911º, nº 2, do CC, o princípio do superior interesse da criança, previsto no artigo 4º, alínea a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei nº 31/2003, de 22.08 e pela Lei nº 142/2015, de 08.09, que procedeu à sua republicação, por força do artigo 4º, nº 1, do RGPTC.
Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida por entender que a mesma não teve em consideração o superior interesse da filha L…, o qual apenas seria acautelado com a fixação de um regime provisório de guarda alternada.
Mas não tem razão a recorrente.
Desde logo, não podemos deixar de ter presente que estamos em sede de regime provisório, destinado a perdurar por dois meses, quando muito até julgamento e decisão com trânsito e que nada existe no plano factual relativamente à progenitora que, como resultou indiciariamente provado, entregou a filha ao progenitor em 13.03.2020, e não a recolheu mais.
Ademais, na conferência de pais, a progenitora concordou com o regime provisório proposto pelo Ministério Público e que veio a ser acolhido pelo Tribunal a quo na íntegra, discordando apenas dos convívios, reclamando dois fins de semana mensais com pernoita.
Não está aqui em causa a problemática da guarda alternada convocada pela recorrente no recurso, sabido que com a recente entrada em vigor da Lei 65/2020 e a nova redação dada ao artigo 1906º do Código Civil, não é já possível defender-se a exigência de necessidade de acordo de ambos os progenitores para ser decretada a residência alternada.
Assim, como já se vinha entendendo, «o interesse superior da criança é o critério orientador essencial que há-de nortear o julgador na resolução das questões atinentes ao exercício das responsabilidades parentais, conforme impõe, aliás, o art.º 3.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças, e que no entender do legislador a partilha de responsabilidades e a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores será, em regra, a solução que melhor serve o seu interesse, não assumindo deste modo qualquer relevância para efeitos decisórios o interesse/vontade individual de cada um dos progenitores»[2].
É evidente que o interesse da L… é partilhar em termos de igualdade o tempo com cada núcleo familiar de pai e mãe, mas, como bem aduz o Ministério Público na resposta ao recurso, «[a] realidade desta criança não pode alterar-se só no ler da letra da lei».
Com efeito, a L.., nascida em 05.06.2015, com 5 anos de idade e a demandar acompanhamento médico[3], tem os pais que residem a 98,3 km um do outro, durando cerca de 1 hora e 25 minutos a percorrer aquela distância, com parte do percurso pela A 23[4].
Ora, uma criança com 5 anos tem que frequentar a creche e não o pode fazer em duas localidades em simultâneo – os 6 anos serão completados em 05.06.21 – sendo que a Luna já está matriculada numa Escola em Mação, onde reside com o pai.
E, no caso em apreço, a L… ficou provisoriamente a residir com o pai porque a mãe também o desejou, já que entregou a filha e nunca mais a reclamou de volta, e só agora, no recurso, vem esgrimir com a residência alternada.
Assim, até que se conheça melhor a situação da progenitora, nomeadamente quanto às suas capacidade e competências parentais, a melhor solução é a L… continuar a residir com o progenitor, facultando-se os convívios possíveis da criança com a progenitora, os quais entendemos estarem devidamente acutelados na decisão recorrida.
Na verdade, os relatórios sociais e a própria Audição Técnica informarão os autos acerca das capacidades e competências parentais de cada progenitor de modo a que se encontre a melhor solução para a L…. Se a criança residirá com o pai ou com a mãe no futuro, a informação social dará a sua resposta.
Como bem aduz o Ministério Público na resposta ao recurso, «[o]nde está a L… melhor no momento da Conferência e atualmente porque nada ocorreu no processo que o altere, é com o pai a figura que se perfilou como cuidadora, acolhedora, com um agregado estável - tem uma companheira que trabalha – com rendimentos certos - a sua pensão de reforma».
Por conseguinte, improcede o recurso, não se mostrando violadas as normas invocadas pela recorrente ou quaisquer outras.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, dado a recorrente beneficiar do apoio judiciário.
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Évora, 11 de março de 2021

(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Tomé Ramião (1º adjunto)

Nos termos do artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, aditado pelo Dec.-Lei n.º 20/20, de 01-05, para os efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPC, atesto que o presente acórdão foi aprovado com o voto de conformidade do Exmo. Desembargador Francisco Xavier (2º Adjunto), que não assina por não se encontrar presente nesta sessão de julgamento a decorrer por teleconferência.
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[1] Cfr. Tomé d’Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 2.ª edição, Quid Juris, p. 120.

[2] Cfr. Acórdão desta Relação de 11.07.2019, proc. 1800/17.8T8PTM.E1, in www.dgsi.pt.

[3] Provou-se indiciariamente que a mesma tem problemas de saúde ao nível da tiroide e anemia e toma medicação.

[4] Cfr. viamichelin.pt.