Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1661/12.3TBSTR-N.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: CONTESTAÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: DECISÃO RELATOR
Texto Integral: S
Sumário: A falta de notificação da contestação ao A., levada a cabo pelo tribunal “a quo” – porque violadora dos princípios do contraditório e da igualdade das partes previstos nos arts. 3º, nº 3 e 4º do C.P.C. e no art. 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa – constitui omissão da prática de um acto processual imposto por lei, o que motiva a nulidade processual ínsita no art. 195º, nº 1, do C.P.C., ademais tempestivamente arguida pelo A., nos termos do art. 199º, nº 1, do C.P.C..
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: P. 1661/12.3TBSTR-N.E1

(…) intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Massa insolvente de Confeitaria (…), S.A. e Administrador de Insolvência de Confeitaria (…), S.A., pedindo que seja decretada a suspensão da liquidação da massa insolvente no que concerne à fracção autónoma designada por “7-E”, correspondente ao sétimo andar esquerdo poente para habitação, do prédio urbano sujeito ao regime da propriedade horizontal, sito em (…), Edifício (…), freguesia de (…), concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº (…), da freguesia de (…) e inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o art.º (…), até que seja proferida sentença com trânsito em julgado no processo de execução específica que corria os seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão sob o nº …/12.3TBPTM, o qual, posteriormente, foi apenso ao processo principal de insolvência (a que estes autos também estão apensos) e veio a dar lugar ao P. 1661/12.3TBSTR-M.E1.
Devidamente citados para o efeito vieram os RR. apresentar a sua contestação, articulado esse que, todavia, não veio a ser notificado ao A.
De seguida, pela M.ma Juiz “a quo” foi proferido, de imediato, saneador-sentença, nos termos do disposto no art. 595º, nº 1, al. b), do C.P.C. – por se ter entendido que o estado do processo permitia conhecer, desde logo, do mérito da causa – decisão essa que julgou improcedente a presente acção e, consequentemente, absolveu os RR. do pedido contra eles deduzido pela A.

Inconformada com tal decisão dela apelou a A. tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso, as quais termina concluindo, em síntese, por levantar e abordar as seguintes questões:
1 - Da nulidade do processado por falta de notificação ao A. da contestação apresentada pelos RR. (da qual aquele só teve conhecimento quando foi notificado da decisão aqui em análise);
2 - Da omissão de pronúncia na sentença recorrida quanto ao prejuízo sofrido por terceiros e pelo A., contrastando com a ausência de prejuízo da massa insolvente, no que se reporta à venda da fracção autónoma identificada nos autos;
3 - Da insuficiência da matéria de facto apurada nos autos e da total inexistência de análise crítica da prova carreada para os autos;
4 - Do registo da acção de execução específica e seus efeitos;
5 - Dos efeitos da presente decisão nas duas acções pendentes e com esta relacionada (acção de execução específica – a que corresponde o apenso M – e acção de impugnação de actos de resolução em benefício da massa insolvente – a que corresponde o apenso H).

Pelos RR. não foram apresentadas contra alegações.

Atenta a não complexidade das questões a dirimir o relator irá fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelas disposições conjugadas dos arts. 652º, nº 1, alínea c) e 656º, ambos do C.P.C., e apreciar essas questões jurídicas mediante decisão singular apenas por si proferida.

Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo A., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das cinco questões por aquele levantadas e que se encontram acima transcritas (isto sem prejuízo da procedência de alguma dessas questões vir a prejudicar o conhecimento das restantes que ainda não tenham sido analisadas).

Assim sendo, apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pelo recorrente – saber se a falta de notificação ao A. da contestação apresentada pelos RR. (da qual aquele só teve conhecimento quando foi notificado da decisão aqui em análise), acarreta a nulidade de todo o processado desde que se verificou tal omissão – importa dizer a tal respeito que, atento o disposto no art. 575º, nº 1, do C.P.C., facilmente se constata que o A. deverá ser notificado da apresentação da contestação.
Por outro lado, tal notificação compete à secretaria do tribunal, pois, como resulta do estipulado no art. 221º, nº 1, do C.P.C., só os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes, após a notificação da contestação do R. ao A., é que são notificados pelo mandatário judicial do apresentante (sublinhado nosso).
Ora, resulta claro do processo que a contestação apresentada pelos RR. não foi – de todo – notificada ao A. (sublinhado nosso).
Deste modo, forçoso é concluir que veio a ser omitida (pela secretaria do tribunal onde estes autos correm termos) a prática de um acto processual imposto pela lei adjectiva, omissão essa que é susceptível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que demonstra uma gritante violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, expressamente consagrados nos arts. 3º, nº 3 e 4º do C.P.C. e também no art. 13º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que às eventuais excepções deduzidas pelos RR. na contestação sempre o A. poderá responder, ao abrigo do disposto no nº 4 do citado art. 3º.
Por isso, foi cometida pela secretaria do tribunal “a quo” a nulidade processual prevista no art. 195º, nº 1, do C.P.C., a qual foi tempestivamente arguida pelo A., já que tomou conhecimento da mesma quando foi notificado da sentença recorrida em 26/8/2015, suscitando a sua apreciação, em requerimento dirigido à 1ª instância, em 5/9/2015, sendo o prazo para tal arguição o prazo geral de 10 dias previsto no art. 149º, nº 1, do C.P.C., prazo que se conta do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – cfr. art. 199º, nº 1, do C.P.C..
O tribunal “a quo” somente apreciou a referida nulidade, indeferindo-a, por despacho proferido em 28/10/2014, ou seja, data em que o A. já havia interposto recurso de apelação da dita sentença para esta Relação, o que fez em 15/9/2014, recurso esse no qual suscitou a arguição da supra referida nulidade processual.
No entanto, sempre se dirá que a questão da tempestividade da arguição de tal nulidade pelo A. é, neste momento, totalmente irrelevante, uma vez que tendo sido feita a notificação da sentença recorrida ao A. em 26/8/2014 se verifica que, desde essa data, todos os prazos processuais que deveriam estar a correr termos estavam suspensos – cfr. art. 5º do D.L. 150/2014, de 13/10.
Assim, atentas as razões e fundamentos supra referidos, torna-se evidente que a sentença recorrida, não se poderá manter, de todo – atenta a nulidade processual cometida e tempestivamente arguida pelo A. – revogando-se a mesma em conformidade, anulando-se ainda todo o processado desde a junção aos autos da contestação apresentada pelos RR., articulado esse que, desde já se determina, deverá ser notificado ao A. pela secretaria do tribunal “a quo” (cfr. nº 1 do art. 221º do C.P.C.).
Em sentido idêntico ou similar ao caso em apreço vejam-se ainda, entre outros, o Ac. desta Relação de 30/9/2009 e o Ac. da R.G. de 12/10/2010, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Finalmente, não será despiciendo salientar que, a fim de evitar decisões contraditórias, é do mais elementar bom senso que, para a justa composição do litígio nestes autos, torna-se fundamental conhecer o teor das decisões finais (que venham a ser) proferidas, quer na acção de execução específica (a que corresponde o apenso M), quer na acção de impugnação de actos de resolução em benefício da massa insolvente (a que corresponde o apenso H) – sublinhado nosso.
Face à procedência desta questão suscitada pelo A. na apelação em análise facilmente se conclui que se mostra prejudicado o conhecimento das restantes questões por aquele levantadas pela presente via recursiva.

Decisão:

Pelo exposto decide-se julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, anulando-se ainda todo o processado desde a junção aos autos da contestação apresentada pelos RR., nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas pela parte vencida a final.

Évora, 30 de Abril de 2015
Rui Manuel Machado e Moura
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).