Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1002/16.0T8ABF-A.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: VENDA DE BENS ALHEIOS
DIREITO DE SEQUELA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O credor pode executar o bem sobre que tem registada hipoteca ainda que o mesmo tenha sido entretanto alienado a terceiro.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1002/16.0T8ABF-A.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório.
(…) e marido (…), residentes na Rua (…), Bloco D, Apart. H, Urbanização as Lagoas, (…), Albufeira, instauraram contra Banco de (…) Imobiliário, S.A., com sede na Rua (…), (…), em Lisboa, providência cautelar não especificada.
Alegam, em síntese, que por escritura pública de 12/6/2000, adquiriram a (…) e mulher, a fração autónoma, identificada pela letra H, do prédio urbano sito em (…), Albufeira, livre de ónus e encargos e não registaram a aquisição.
A referida fração constitui, desde a data da escritura, a sua casa de habitação e não tem outra casa onde viver.
O Requerido, credor dos vendedores (…) e mulher, beneficiava de garantia hipotecária sobre a fração, factos que os Requerentes desconheciam e veio a adquirir a fração no decurso da execução para pagamento de quantia certa que instaurou contra aqueles, sabendo que a fração não pertencia aos executados.
A venda operada na execução traduz uma venda de bens alheios e o Requerido manifesta intenção séria de tomar posse imediata do imóvel.
Os Requerentes instauraram ação destinada a dar sem efeito a venda, visando a presente providência acautelar o seu direito de usufruir o imóvel até à decisão que vier a ser proferida nos autos principais.
Concluem pedindo se ordene ao Requerido que se abstenha de praticar qualquer ato que possa colocar em causa a livre detenção do imóvel por parte dos Requerentes até à decisão dos autos principais.
Opôs-se o Requerido defendendo, em síntese, que adquiriu a fração no decurso de ação executiva que instaurou contra (…) e mulher, em que deu à execução a hipoteca que estes haviam constituído sobre a fração, para garantia de quantias mutuadas que não pagaram.
A hipoteca foi registada em 21/3/1995, mostrava-se vigente à data da alegada aquisição da fração pelos Requerentes, razão pela qual estes não adquiriram o imóvel livre de ónus e encargos como erradamente alegam.
A aquisição a que os Requerentes se arrogam não é oponível à Requerida.
Concluiu pelo indeferimento da providência.

2. Na consideração que os autos reuniam todos os elementos para conhecer do mérito da providência, sem necessidade de mais provas, foi proferida decisão que, a final, julgou improcedente o procedimento cautelar.

3. Recurso.
Os Requerentes recorrem desta decisão, exarando as seguintes conclusões que se reproduzem:
“A) Devem, por confissão, ser indiciariamente dado como provados:

a.1) Nos autos principais os aqui Requerentes pediram:

a) Que fosse declarado os AA proprietários da fração autónoma identificada pela letra "H" que faz parte do prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº (…), inscrito na matriz sob o art. nº (…);

b) Que fosse declarado sem efeito a venda feita à aqui Requerida no âmbito dos autos execução nº 484114.0TBABF-A, pela Inst. Central de Silves -2ª Secção de Execução - J1, da fração autónoma identificada pela letra "H" que faz parte do prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº (…), inscrito na matriz sob o art. nº (…);

c) Que fosse declarado que os AA. se devem manter na posse do imóvel, enquanto legítimos proprietários – art.º 1º do requerimento;

a.2) Que o bem não pertencia aos executados nos autos nº 484/14.0TBABF – art.º 33º do requerimento;

a.3) Mas sim aos aqui Requerentes – art.º 34º do requerimento inicial;

a.4) Venda essa que foi feita à aqui Requerida já depois desta ter conhecimento de que o bem não pertencia aos aí executados – art.º 35º do requerimento;

a.5) Nos Embargos de Executado de que a Requerida tomou conhecimento em 2014, foi afirmado que aqueles tinham vendido o bem a terceiro – art.º 36º do requerimento;

a.6) Quando em 2016 a Requerida pediu a adjudicação a fração autónoma nos autos de execução acima indicados sabia que a fração autónoma não pertencia aos executados – art.º 38º do requerimento.

a.7) Os Requerentes pediram nos autos principais que a venda feita à requerida ficasse sem efeito – arts. 40º e 41º do Requerimento;

a.8) Os Requerentes tomaram conhecimento que a Requerida solicitou ao Tribunal, no âmbito dos autos nº 484/14.0TABF, autorização para arrombar a porta e tomar posse do imóvel supra identificado – art. 43º do requerimento;

a.9) E na porta do imóvel foi colocado um "AVISO" com o seguinte teor:

"Imóvel propriedade do Banco (…) Português qualquer assunto deverá ser tratado através de RCACTIV para o seguinte contacto 220 948 300.

Ferreiras, 24 de Outubro de 2017" – artº 3º do requerimento.

b) A Requerida sabia assim que o bem não pertencia aos executados;

c) Não obstante pediu a adjudicação do bem;

d) Não sendo os Requerentes/Recorrente executados nos autos nº 484/14.0TBABF não podia ter sido penhorado um bem que era seu, violando-se o disposto no art. 735º, nº 2, do CPC;

e) Ou, quando se soube que era seu ter-se-ia de chamá-los à ação;

f) A fração autónoma identificada pela letra "H", que faz parte do prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº (…) é propriedade dos Requerentes/Recorrentes tendo em conta o titulo de aquisição, a compra e venda operada pela escritura de 12.6.2000.

g) A adjudicação do bem feita à Requerida no âmbito da execução nº 0484/14.0TBABF, consubstancia uma alienação de bem alheio.

h) Têm assim os Requerentes o direito de pedirem que essa alienação seja dada sem efeito ao abrigo do art. 839º, nº l, al. d), do CPC;

i) O que aqui fizeram no âmbito dos autos principais.

j) Existe assim a aparência do direito de propriedade e do direito de pedir a anulação da alienação do imóvel à Requerida.

k) Andou mal o Tribunal "a quo" quando considerou não existir a aparência do direito, violando, com a sua decisão de improcedência da Providência, o disposto no art. 362º do Código do Processo Civil.

I) Verifica-se também a existência do segundo pressuposto para decretamento da providência que é o fundado receio de lesão grave do direito ao pretender a Requerida entrar na posse do imóvel da requerente, ao solicitar autorização para arrombar a porta do imóvel;

m) Deve assim ser revogada decisão do Tribunal "a quo" e ser proferida uma outra que declare a providência procedente;

n) Se assim não se entender, considerando-se que há factos ainda dependentes de prova, deve revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se o prosseguimento dos autos para produção de prova e prolação de decisão final;

Nestes termos, deve a presente apelação ser declarada procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por uma outra que declare a providência cautelar procedente.

Caso assim não se entenda, deve revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se o prosseguimento dos autos.”

Respondeu o Requerido por forma a defender a confirmação da decisão recorrida.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artºs. 635º, nº 3, 639º, nº 1 e 608º, nº 2, todos do Código de Processo Civil).
Vistas as conclusões da motivação do recurso, importa decidir (i) se os Requerentes demonstram os pressupostos da providência, (ii) se os autos devem prosseguir para a produção de prova.

III. Fundamentação.
1. Factos.
A decisão recorrida julgou indiciariamente provados os seguintes factos:
Factos indiciariamente provados com relevo para a decisão da causa:

1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…) a fração autónoma identificada pela letra "H" que faz parte do prédio urbano sito em (…), freguesia e concelho de Albufeira

2. Sobre o imóvel referido em 1, pela AP n.º (…) de 1989/02/13 encontrava-se registada a sua aquisição a favor de (…) casado com (…). 3. Sobre o imóvel referido em 1, pela AP n.º (…) de 1995/03/21 encontrava-se registada uma hipoteca voluntária a favor de Banco de (…) Imobiliário, S.A. tendo como sujeitos passivos (…) e (…) como garantia de empréstimo.

4. Sobre o imóvel referido em 1, pela AP n.º (…) de 2014/04/15 encontrava-se registada uma penhora a favor de Banco de (…) Imobiliário, S.A. tendo como sujeitos passivos (…) e (…) no âmbito do processo de execução n.º 484/14.0TBABF do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira.

5. Por acordo denominado "Compra e Venda", celebrado em 12/6/2000, (…) e (…) declararam que "vendem à segunda outorgante (… casada em comunhão de adquiridos com …) pelo preço de dez milhões de escudos, a fração autónoma designada pela letra H, correspondente ao apartamento destinado a habitação, localizado no primeiro andar, do prédio urbano sito em (…), da freguesia e concelho de Albufeira, descrito na conservatória do registo predial de Albufeira, sob o número (…), barra vinte e dois onze oitenta e cinco (. . .)" Mais aí tendo declarado que "Exibiram: certidão de teor atualizada pela referida Conservatória em 23.5.2000".

6. O negócio referido em 5 não foi registado na Conservatória de Registo Predial.

7. No âmbito do processo de execução n.º 484/14.0TBABF da Comarca de Faro - Silves – 2ª Secção de Execução – J1 (antigo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira) foi, por abertura de propostas em carta fechada datada de 7.7.2016, adjudicado o imóvel referido em 1 ao aí Exequente Banco de (…) Imobiliário, S.A..

8. Sobre o imóvel referido em 1, pela AP n.º (…) de 2017/01119 encontra-se registada a sua aquisição por compra em processo de execução a favor de Banco de (…) Imobiliário, S.A..

9. No âmbito do referido processo de execução os ora Requerentes não deduziram embargos de terceiro e solicitaram a nulidade da referida venda o que lhes foi indeferido.


2. Direito
2.1. Se os Requerentes demonstram os pressupostos da providência.
“Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado” – artº 362º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC).
“Com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão” – artº 384º, nº 1, do C.P.C..
“A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” – artº 368º, nº 1, do CPC.
O deferimento do procedimento cautelar não especificado pressupõe, assim, a demonstração pelo requerente da probabilidade séria da existência do direito e do fundado o receio de que alguém venha a praticar atos capazes de lhe causarem lesão grave e de difícil reparação.
A existência do direito satisfaz-se com um juízo de probabilidade, mas o justo receio da prática de atos lesivos não, o requerente da providência tem fazer a sua prova; o que se compreende por constituir este último requisito um pressuposto típico da providência, cuja cabal demonstração se esgota nela enquanto a prova do direito, para além da mera probabilidade, se há-de fazer na ação principal.
A decisão recorrida julgou não verificado o primeiro dos enumerados pressupostos, ou seja, considerou que os Requerentes não demonstram a probabilidade séria da existência do direito e, com este fundamento, indeferiu o procedimento, anotando designadamente o seguinte:
“(…) analisando ainda mais aprofundadamente a posição dos Requerentes chegaremos à mesma conclusão de inexistência de um direito que lhes importe acautelar.

Com efeito, estes, ao contrário do que afirmam, não compraram um imóvel livre de ónus e encargos, o que, aliás, não decorre da respetiva escritura, antes adquiriram um imóvel onerado com uma hipoteca a favor do ora Requerido o que não podiam desconhecer (e se desconheciam para o credor hipotecário ora requerido nada importará). Aliás, resulta até da própria escritura que foi exibida a certidão de teor actualizada pela Conservatória em 23.5.2000, sendo que o registo da hipoteca tal como a aquisição pelos vendedores era anterior a essa data o que constaria da certidão que foi exibida.

A hipoteca – art.º 686.º e ss do Código Civil –, como direito real (de garantia) que é, está dotada das características de sequela e inerência, ou seja, independentemente do concreto titular do bem, pode sempre o credor garantido executá-lo (veja-se, por exemplo, o art.º 54.º do Código de Processo Civil).

Constituindo-se com o registo predial, a hipoteca garante ao seu titular prioridade no pagamento através do bem em relação a qualquer adquirente cujo registo seja posterior.

Qualquer aquisição posterior não é oponível ao titular da hipoteca. Ainda que os ora Requerentes tivessem registado a aquisição aquela não seria oponível ao ora Requerido tanto mais que nem sequer foi interveniente naquele negócio.

Competia aos ora Requerentes, aquando da aquisição do imóvel certificarem-se que não estavam a comprar um imóvel onerado. Veja-se que estabelece o art.º 721.º do Código Civil os modos pelos quais aquele que adquiriu bens hipotecados, registou o título de aquisição e não é pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações garantidas tem o direito de expurgar a hipoteca, sendo que no caso nem sequer alguma vez os ora Requerentes registaram a sua aquisição (sendo irrelevante o motivo pelo qual não o fizeram) o que lhes concederia a aplicação desta norma.

(…)

Assim conclui -se que inexiste qualquer aparência de direito dos Requerentes que possa servir de base à presente providência cautelar que logo por aqui será de julgar improcedente.”

Os Requerentes não divergem, em essência, desta fundamentação; não discutem a existência e validade da hipoteca registada em momento anterior (21/3/1995) ao contrato de compra e venda que celebraram (12/6/2000) com os então donos da fração hipotecada, nem (aparentemente) discutem o direito do Requerido cobrar a dívida que a hipoteca garantia, situando o âmbito da sua discordância na circunstância de haver sido penhorado e vendido um bem pertença dos Requerentes, numa execução que correu à sua revelia, sabendo o Requerido que o bem já não pertencia aos devedores, o que configura um caso de ineficácia da venda.
Argumentação que coloca duas questões distintas: (i) a venda dum bem que pertencia aos Requerentes em execução que correu à sua revelia, (ii) a ineficácia da venda por haver incidido sobre um bem que não pertencia aos executados; a primeira configurada sem recurso a qualquer motivação de direito e a última fundada na previsão da al. d), nº 1, do artº 839º, do CPC.
Apreciando.
Regra geral, as partes nas ações executivas são as pessoas que figuram como credor e devedor no título executivo.
“A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor” (artº 53º, nº 1, do CPC).
Esta regra comporta desvios; mostrando-se a quantia exequenda provida de garantia real sobre bens de terceiro e pretendendo o exequente fazer valer a garantia, a execução segue contra o terceiro titular do bem onerado.
“A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor” (artº 54º, nº 2, do CPC).
Previsão que abarca tanto o caso da garantia real haver incidido ab initio sobre bens de terceiro como a situação da garantia haver incidido sobre bens do devedor que os transmitiu em data posterior à constituição da garantia; em ambas as situações, pretendendo o exequente fazer valer a garantia, o terceiro titular do bem é parte legítima na execução.
Trata-se, na segunda das apontadas situações, duma manifestação do direito de sequela ou de seguimento típica dos direitos reais e, assim, dos direitos reais de garantia; “significa isto que o direito segue a coisa, persegue-a, acompanha-a, podendo fazer-se valer seja qual for a situação em que a coisa se encontre. Daí que o titular do direito real possa sempre exercer os poderes correspondentes ao conteúdo do seu direito, ainda que o objeto entre no domínio material ou na esfera jurídica de outrem.”[1]
As ações executivas destinam-se a realizar coativamente obrigações devidas ao credor (artº 10º, nº 4, do CPC), natureza que supõe a existência das obrigações que visam realizar, documentadas num título que serve de base à execução, pelo qual se determina o seu fim e limites (artº 10º, nº 5, do CPC).
A execução movida contra terceiro titular do bem que garante a divida exequenda não dispensa este título, o exequente, para além de documentar a obrigação exequenda e a garantia, tem que documentar a titularidade do bem onerado, assim, habilitando o terceiro como sujeito passivo na execução.
A aquisição do direito de propriedade está sujeita a registo e os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo [artºs 2º, nº 1, al. a) e 5º, nº 1, do Cód. Reg. Predial].
Os Requerentes adquiriram o imóvel, hipotecado a favor do Requerido, cuja venda judicial visam seja declarada sem efeito, mas não registaram a aquisição; por falta de registo desta aquisição, os Requerentes não tinham legitimidade passiva para a execução em que ocorreu a venda alegadamente ineficaz ou seja, o ora Requerido ali exequente não dispunha de título executivo contra os Requerentes e daqui que a execução haja corrido à sua revelia e não se vê, nem os Requerentes esclarecem, que pudesse ter sido de outro modo.

“A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencente ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo” (artº 686º, nº 1, do Cód. Civil) e a sua eficácia, mesmo entre as próprias partes, está dependente da realização do seu registo (artºs 687º, do Cód. Civil e 4º, nº 2, do Cód. Reg. Predial).
A hipoteca a favor do Requerido foi registada em 21/3/1995 (ponto 3 dos factos provados) e os Requerentes em 12/6/2000 adquiriram a fração hipotecada (ponto 5 dos factos provados); nesta sequência temporal e como se salientou na decisão recorrida, a aquisição dos Requerentes, ainda que houvesse sido registada, não contenderia com o direito do credor hipotecário, seguindo então a execução, como já referido, diretamente contra eles.
“O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes” (artº 6º, nº 1, do Cód. Reg. Predial).
Podendo o credor hipotecário, enquanto titular dum direito real de garantia exercer os poderes correspondentes ao conteúdo do seu direito, ainda que o objeto entre no domínio material ou na esfera jurídica de outrem, não se afigura defensável que a negligência dos Requerentes no registo da aquisição da fração, obste ao exercício deste seu direito como, a final, estes defendem; na sua argumentação o bem, por ser seu, não pode ser vendido em execução instaurada contra o alienante do bem e, como se viu, o credor hipotecário, porque os Requerentes não registaram a aquisição, não tem título para instaurar a ação executiva diretamente contra estes.
Sendo inquestionável – inclusive para os requerentes – o direito do Requerido executar a hipoteca, a questão resolve-se por aplicação das regras do registo; a aquisição dos Requerentes, porquanto não registada, não é oponível ao credor hipotecário (artº 5º, nº 1, do Cód. Reg. Predial), o que significa que, para ele, a fração dada à execução pertencia ao executado e a ineficácia da sua venda, por falta desta pertença, não é, de direito, sustentável.
A pretensão dos Requerentes assenta em factos, a nosso ver, insuscetíveis de configurar a probabilidade séria da existência do direito a que se arrogam e por falência deste primeiro pressuposto a providência não merece proceder.

2.2. Se os autos devem prosseguir para a produção de prova.
A providência improcede por inexistência do direito (e não por ausência de prova), o que já evidencia a inutilidade da sua preconizada prossecução para prova dum direito que, em tese, ou seja, admitindo como verdadeiros (provados) todos os factos alegados pelos Requerentes, não se configura.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

2.3. Custas.
Porque vencidos no recurso, incumbe aos Requerentes o pagamento das custas (artº 527º, nº 1, do CPC), sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à taxa de justiça (artº 539º, nº 2, do CPC).

IV. Decisão:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas, nesta instância, pelos Requerentes.
Évora, 22/3/2018
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
__________________________________________________
[1] Mota Pinto, Direitos Reais, 1972, pág. 47.