Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO INJUNÇÃO CLÁUSULA PENAL CONHECIMENTO OFICIOSO DA EXCEPÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Formado o título executivo advindo de injunção sem que o secretário judicial tenha exercido o controlo sobre o mesmo, não só o executado pode suscitar a questão em sede de embargos de executado, como a mesma pode ser oficiosamente conhecida pelo juiz já em sede de execução. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2870/20.7T8ENT.E1[1] Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 1 I. Relatório “Nos Comunicações, S.A.” instaurou em 4/11/2020 contra (…) a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária do processo comum, visando a cobrança coerciva da quantia de €6 667,36, respeitando €6 162,72 a dívida de capital e o remanescente a juros de mora, apresentando como título executivo requerimento de injunção ao qual havia sido aposta força executiva. No decurso da execução, presentes os autos ao Sr. Juiz e cumprido que foi o contraditório, proferiu decisão que, para o que ora releva, na consideração de que fora “peticionado o montante de € 3.701,20 + IVA, constante de uma das facturas (…), relativo a cláusula penal contratual”, concluiu que “a exequente não está munida de título executivo válido, o que constitui fundamento de extinção da execução, de conhecimento oficioso, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 551.º, n.º 3, 726.º, n.º 2, al. a) e 734.ºm, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil”, assim decidindo “declarar extinta a presente execução, movida pela sociedade “Nos Comunicações, SA contra (…)”. Inconformada, apelou a exequente e, tendo desenvolvido na alegação que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: “1. A decisão recorrida que, oficiosamente e no processo executivo, conheceu do “uso indevido” do procedimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e extinguiu a execução, por ter considerado que a Exequente não estava munida de título executivo válido, é nula e carece de fundamento. 2. A decisão do Tribunal a quo é, desde logo, nula uma vez que não decorre da lei o conhecimento oficioso, na execução, de eventuais exceções dilatórias ou nulidades do processo de injunção. 3. E a decisão recorrida carece de fundamento e oportunidade, uma vez que - não existe falta nem é insuficiente o título executivo, - nem se se verificam exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que pudessem ser causa da rejeição oficiosa da execução. De tudo quanto ficou exposto resulta que, a decisão recorrida: - é nula, por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento [art.º 615.º n.º 1 alínea d)]; - violou, - o artigo 14-A número 2 a) do DL 269/98 de 1 de setembro; - o art.º 726 do Código do Processo Civil”. Com os aludidos fundamentos requereu a revogação da decisão de indeferimento do requerimento executivo, devendo ser ordenado o prosseguimento da execução para cobrança dos valores constantes do título executivo. Não foram oferecidas contra alegações. * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, por ter indevidamente conhecido da excepção do uso indevido do procedimento injuntivo. * II. Fundamentação De facto Relevam para a decisão, para além dos relatados em I., ainda os seguintes factos, que se mostram adquiridos no processo: 1. A exequente apresentou no Balcão Nacional de Injunções em 22-01-2020 requerimento injuntivo, no qual, depois de indicar estar em causa um contrato de fornecimento de bens ou serviços outorgado em 28-06-2019, alegou o seguinte: «Contrato n.º 1.62677908. A Requerente - CRC disponível utilizando o código (…) – celebrou com o Requerido um contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações, na data e a que foi atribuído o número supra indicados. No âmbito do referido contrato, a Requerente obrigou-se a prestar o serviço/equipamentos, no plano tarifário escolhido pelo Requerido, e este obrigou-se a efetuar o pagamento tempestivo das faturas e manter o serviço pelo período fixado no contrato sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à Requerente, a título de cláusula penal e nos termos das condições contratuais, do valor relativo à quebra do vínculo contratual, valor que inclui os encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato. A Requerente ativou os serviços, tendo emitido as faturas correspondentes. Mais, entregou ao Requerido equipamentos no montante de €869.99. Das faturas emitidas e vencidas permanecem em dívida as indicadas na relação abaixo, constando da penúltima fatura o valor da cláusula penal contratual reclamado pela Requerente. Tais faturas foram enviadas ao Requerido, logo após a data de emissão, para a morada por este indicada para o efeito. Pelo facto de não as ter pago, apesar das diligências da Requerente, constituiu-se o Requerido em mora e devedor de juros legais desde o vencimento, calculados à taxa de juro comercial, sucessivamente, em vigor - a qual é de 7,00% à presente data -, juros vencidos que totalizam o valor supra indicado. Relação das faturas em dívida: - Fatura n.º FT 201912/187079, no valor de €197.61, emitida em 07.08.2019 e vencida em 27.08.2019; - Fatura n.º FT 201902/302088, no valor de €228.36, emitida em 06.09.2019 e vencida em 26.09.2019; - Fatura n.º FT 201912/252264, no valor de €261.61, emitida em 07.10.2019 e vencida em 27.10.2019; - Fatura n.º FT 201912/283573, no valor de €4656.17, emitida em 08.11.2019 e vencida em 28.11.2019; - Fatura n.º FT 201912/322873, no valor de €2.5, emitida em 06.12.2019 e vencida em 26.12.2019. É o Requerido, também, devedor do montante peticionado em "outras quantias", a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança. Termos em que requer a condenação do Requerido a pagar a quantia peticionada e juros vincendos». 2. Notificada a requerida no âmbito do procedimento de injunção, nenhuma oposição foi deduzida no prazo assinado para o efeito, tendo sido pelo Sr. Secretário aposta no requerimento apresentado a fórmula executória. * De Direito Da nulidade da decisão por excesso de pronúncia A exequente e aqui apelante imputa à sentença recorrida o vício extremo da nulidade nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), parte final, por ter conhecido de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, estribando-se em douto aresto do TRP, cuja cópia juntou. Assim circunscrito o objecto do recurso, não questiona a apelante que a quantia exequenda engloba o montante de €3.701,20 + IVA relativo a cláusula penal contratual, nem tão pouco desafia o entendimento, francamente maioritário, no sentido de que, como resulta do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, o regime processual ali previsto é aplicável apenas ao incumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contratos, sem virtualidade, portanto, para obter o reconhecimento de indemnização no âmbito da responsabilidade civil contratual ou extracontratual (cf. neste sentido, Salvador da Costa, Injunção e as Conexas Ação e Execução, 7.ª edição, Almedina, 2020, p. 13). O vício do excesso de pronúncia, que é causa da nulidade das sentenças (ou despachos, ex vi da extensão operada pelo n.º 3 do art.º 613.º do CPCiv) prevista na parte final da citada al. d) do n.º 1 do art.º 615.º, sanciona a violação do dever consagrado no n.º 2 do art.º 608.º e aí delimitado. Nos termos do aqui preceituado, o juiz encontra-se obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso. Questões, para efeitos dos citados preceitos, são as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, bem como as excepções invocadas ou aquelas de que o tribunal está oficiosamente vinculado a conhecer. Deste modo, só haverá excesso de pronúncia, conforme defende a apelante, se estiver em causa excepção dependente da arguição da parte a quem aproveita. No caso vertente, como se vê das transcritas conclusões, a apelante defende que a reconhecida excepção não é de conhecimento oficioso. Cremos, porém, antecipando o sentido da decisão, que não lhe assiste razão, pese embora o respeito que sempre é devido a diverso entendimento. Reconhecendo-se que a questão suscitada – e outras com ela conexas – vem suscitando desencontradas decisões, designadamente ao nível dos Tribunais da Relação, afigura-se que estamos perante excepção dilatória de conhecimento oficioso, assim deliberadamente estabelecida pelo legislador. Vejamos porquê, aqui seguindo de perto o acórdão do TRL de 5/12/2024, no processo 5802/24.0T8SNT.L1-2, acessível em www.dgsi.pt). Epigrafado de “procedimentos especiais” o art.º 1.º do DL nº. 269/98, de 01/09 declarou aprovado “o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”. O regime aprovado abrange a acção declarativa de condenação com processo especial a que se reportam os art.ºs 1.º a 5.º do anexo e o procedimento de injunção previsto e regulado nos art.ºs 7.º a 20.º, tendo assim os credores de obrigações pecuniárias decorrentes de contratos à sua disposição um ou outro dos referidos procedimentos especiais se o respectivo valor não exceder os €15 000,00 (não relevando para a decisão da questão colocada no recurso o regime do DL n.º 62/2013, susceptível de abranger créditos de valor superior). O art.º 7.º do regime da injunção define-a como “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro[2]”. Como explica Salvador da Costa “Em rigor, não envolve um pedido de pagamento de determinada quantia em dinheiro, mas sim o de injunção, ou seja, o de atribuição de força executiva ao requerimento que o credor dirigiu ao Banco Nacional de Injunções. Não se trata de um título executivo estritamente administrativo, porque é formado num procedimento sob algum controlo jurisdicional, mas também não é um título executivo judicial, porque se constitui sob a chancela de um oficial de justiça. Em razão da sua natureza e modo de formação, justifica-se qualificá-lo de título executivo judicial impróprio ou, noutra perspectiva, título executivo especial ou atípico”, natureza que não pode, em nosso entender, deixar de ser tida em conta quando se analise o regime da exceção do uso indevido do procedimento de injunção, oficiosamente conhecida na decisão impugnada. A adequação deste procedimento simplificado, e que pode correr inteiramente sem controlo jurisdicional, à pretensão formulada pelo requerente, preocupou o legislador, que sobre este fez recair o ónus de expor sucintamente os factos que a fundamentam e formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas” (als. d) e e) do art.º 10.º), sendo motivo de recusa do requerimento por parte do secretário “o pedido não se ajustar ao montante ou finalidade do procedimento” (cf. al. h) do n.º 1 do art.º 11.º). Tendo falhado este primeiro nível de verificação, se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, ainda assim o secretário pode -deve- recusar a aposição da fórmula executória quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento (cf. n.º 3 do art.º 14.º), sendo esta inadequação o único fundamento de recusa previsto nesta fase, assim erigido em verdadeiro pressuposto processual necessário. Formado, porém, o título executivo sem que o secretário judicial tenha exercido o controlo sobre o título, é nosso entendimento que, não só o executado pode suscitar a questão em sede de embargos de executado, conforme admite a apelante, como a mesma pode ser oficiosamente conhecida pelo juiz, conforme se tinha já antecipado. E compreende-se que assim seja, uma vez que, conforme se referiu, pode o executado ver-se confrontado com diligências executivas em execução promovida com base em título formado sem qualquer controlo judicial. A injunção, enquanto título executivo, inclui-se na previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 703.º do CPCiv. [1] Ex.mºs Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos: 1.º Adjunto: Sr. Juiz Desembargador Canelas Brás; 2.ª Adjunta: Sr.ª Juíza Desembargadora Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite [2] Diploma revogado pelo já identificado no texto DL 62/2013, de 10 de Maio, dele subsistindo apenas, como alerta Salvador da Costa, “Injunção e as Conexas Ação e Execução”, 7.ª edição, Almedina, 2020, pág. 64, “o que este último diploma transitoriamente salvaguardou nos artigos 13.º e 14.º e o previsto nos artigos 6.º e 8.º”. |