Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
266/20.0T8STR.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO
SEGURO OBRIGATÓRIO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A decisão proferida na acção proposta pelo lesado contra o segurado, advogado, onde este foi condenado, por sentença transitada em julgado, a pagar aquele determinada quantia é pressuposto indiscutível da decisão a proferir na acção proposta, desta feita, contra a Seguradora do contrato celebrado com a O.A., já que foi esse o risco que esta cobriu.

II. Não podendo ser questionada nesta acção a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar por parte do senhor advogado não se corre o risco de contradição com o que foi decidido na pretérita ( na qual ele foi condenado). Nesta medida o que aí foi decidido impõe-se logicamente como autoridade positiva nesta acção.

III. A não ser assim, poder-se-ia pôr em causa a efectiva ressarcibilidade do lesado: basta pensar que este não conseguiria fazer (de novo) a prova dos pressupostos da responsabilidade civil do segurado/advogado, o que afrontaria uma das funções “naturais” deste seguro obrigatório.

IV. Apesar do que dispõe a alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice em causa , sob a epígrafe «Exclusões» (Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…) ) a Seguradora não pode ser eximida de responder pelo sinistro perante o lesado ainda que à data de início do período de seguro do contrato o senhor Advogado tivesse já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização perante aquele.
(Sumário pela Relatora)

Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO

1. P.T.R. intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra XL INSURANCE COMPANY SE, SUCURSAL EN ESPANÃ, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 45.979,05, acrescida de juros de mora legais, contados desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Em síntese, alegou para tanto que S.M.M.F., advogado, foi condenado, além do mais, no âmbito da acção declarativa comum que, com o processo n.º 1628/17.5T8STR, correu termos pelo Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, a pagar-lhe a quantia de € 45.979,05 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência de atos praticados por aquele no exercício da advocacia. Mais invocou que a responsabilidade civil pelos atos em causa se acha transferida para a Ré ao abrigo de contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório celebrado entre a demandada e a Ordem dos Advogados.

Regularmente citada, a Ré contestou, excepcionando (a) a ineficácia, quanto a si, do caso julgado das sentenças em que o segurado foi condenado pela prática dos atos descritos; (b) a verificação de causas de exclusão da cobertura da apólice; e (c) a prescrição.

Porque se entendeu que o estado dos autos comportava o conhecimento do mérito no saneador, foi proferida decisão que, julgando improcedentes as excepções deduzidas, condenou a Ré a pagar ao Autor o montante de € 45.979,05 a título de indemnização (sendo € 35.979,05 por danos patrimoniais e € 10.000,00 por danos não patrimoniais), acrescido de juros moratórios, computados à taxa supletiva legal, vencidos desde a data da citação (06.02.2020) até efectivo e integral pagamento.

2. É desta decisão que, desaprazida, recorre a Ré, formulando, na sua apelação as seguintes conclusões:

a. O douto Tribunal a quo assentou, essencialmente, a douta Decisão Condenatória na prova documental, entre a qual se conta “As Condições especiais e gerais do seguro de responsabilidade civil”, conforme foram juntas sob Doc. 1 com a contestação da ora Ré Recorrente e em vigor no ano de 2019.

b. Com todo o devido e merecido respeito, deveria o Douto Tribunal a quo ter considerado também as outras apólices e suas condições gerais e especiais, especificamente, aquela em vigor no ano de 2013 e que se juntou no requerimento apresentado pela Ré em 14.12.2020 sob a referência 37459519.

c. Ou seja, tratando-se o Seguro previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados de várias apólices sucessivas no tempo (anual ou bianual) cujas coberturas funcionam com base de reclamação (e não da verificação do dano), considera-se que a data da primeira reclamação define o âmbito objetivo de aplicação da apólice;

d. Também, resulta no Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais da Apólice, considera-se “Reclamação: qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado (…) como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”.

e. Considerando a apólice vigente em 2013, como “Reclamação”, a existência de procedimento judicial ou administrativo contra um segurado, neste caso o Dr. S.M.M.F.;

f. Uma vez que, nos termos dessa apólice, já teria existido uma reclamação, enquanto procedimento judicial (ação crime e cível) ou administrativo (procedimento disciplinar junto da Ordem dos Advogados).

g. Portanto, não se compreende o motivo pelo qual não consta na matéria de facto provada o clausulado respeitante à apólice em vigor no ano de 2013, tendo sido tal factualidade alegada pela Ré Recorrente em 1 a 31 da sua contestação.

h. Nem porque não consta no ponto 9 da matéria de facto provada a referência ao período temporal da apólice nº ES00013615EO19A, pelo que deverá ser modificado o Ponto 9 da Matéria de facto provada e adicionado um novo ponto 21: nos termos infra em i) e j);

i. Ponto 9 - A Ordem dos Advogados celebrou com a Ré um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional através da apólice n.º AO – ES00013615EO19A, tendo por objeto o risco decorrente de ação ou omissão dos atos e omissões praticados pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, com um limite de € 150.000,00 por sinistro (sem limite por anuidade) e sem prejuízo da cumulação com os valores de gastos de defesa e fianças civis e penais e nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 12 meses, com data de início de 01.01.2019 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2020 (negrito e sublinhado nossos);

j. Ponto 21. A Ordem dos Advogados celebrou com a seguradora Companhia de Seguros Tranquilidade S.A. agora Generali Seguros S.A. um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional através da apólice n.º 002866129, tendo por objeto o risco decorrente de ação ou omissão dos atos e omissões praticados pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, com um limite de € 150.000,00 por sinistro (sem limite por anuidade) e sem prejuízo da cumulação com os valores de gastos de defesa e fianças civis e penais e nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 12 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014.

k. Ainda, considera o douto Tribunal a quo que “a alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice não é oponível ao Autor enquanto terceiro lesado, beneficiário do seguro obrigatório, podendo ser acionada a apólice n.ºAO – ES00013615EO19A à primeira reclamação junto da aqui Ré, apesar de os factos geradores dos danos terem tido lugar em momento anterior, ainda que o segurado ou o tomador do seguro tenham tido conhecimento anterior de tais factos”.

l. Sendo que, encontrando-se o âmbito de cobertura temporal da referida apólice delimitado nos termos previstos no artigo 4.º das Condições Especiais, será a referida apólice de seguro “competente exclusivamente para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificados ao segurador; b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa”(cfr. apólice)

m. Efetivamente, o que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa, razoavelmente, vir a gerar uma reclamação.

n. Prevendo, contudo, expressamente, o aludido artigo 44.º, n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril), que “O segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”.(negrito e sublinhado nossos).

o. A referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da apólice de seguro dedicado às Exclusões, assume a natureza de disposição delimitadora do objeto da apólice.

p. Por outro lado, e como se tem por inequívoco, não poderá a exclusão em causa ser reconduzida a um incumprimento de uma obrigação (quer por parte do segurado, quer pelo tomador de seguro), quando o facto consubstanciador da exclusão é prévio à própria fonte das obrigações assumidas pelas partes, in casu, à própria celebração do contrato de seguro.

q. Âmbito esse que, como se tem por manifesto, não engloba a exclusão prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições das apólices apresentadas nos autos, as quais regulam os “sinistros” conhecidos pelo Segurado em data anterior ao início do período seguro, não impondo ao segurado ou lesado (como, em face do seu objeto, não poderia impor), qualquer ónus de participação do sinistro.

r. De facto, a evidência do distinto âmbito de aplicação das disposições em apreço, resulta, desde logo, da constatação de que, mesmo que os factos e circunstâncias conhecidos do segurado e que já tivessem ou pudessem vir a gerar reclamação, fossem comunicados à seguradora na data do início do período seguro, o sinistro em causa encontrar-se-ia sempre excluído da cobertura da apólice, porque pré-conhecido pelo seu segurado (e neste caso, até pelo tomador do seguro, a Ordem dos Advogados).

s. Entendimento que, tem pleno respaldo no Regime Jurídico Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de Abril), nomeadamente, na norma prevista no citado artigo 44.º, n.º 2.

t. A verdade é que, à data de início do período de seguro do contrato em 01.01.2019, o R. Advogado, Dr. S.M.M.F., tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização e que constituem causa de pedir nos presentes autos.

u. Nomeadamente, na sua participação no processo penal, iniciado em 2013, ou caso assim não se entenda, com a notificação das sentenças nos referidos processos, em 2016 e 2017, conforme resulta das respetivas certidões juntas aos autos de fls. 225 a 239 e 246 a 264;

v. Bem como do despacho acusatório proferido no âmbito do processo disciplinar, desencadeado pelo A. junto da Ordem dos Advogados, em 2013 e notificado às partes em 2017.

w. Pelo que, encontra-se o alegado sinistro excluído das coberturas e garantias previstas na apólice n.º, nos termos expressamente previstos no artigo 3.º, alínea a) das Condições Especiais do DOC. 1 junto com a contestação da aqui Recorrente.

x. Conforme se explicitou supra, o clausulado entre apólices contratadas com a Ordem dos Advogados, nos termos do art. 104º do Estatuto da Ordem dosAdvogados, contém uma provisão idêntica no seu Ponto 7 das Condições Especiais;

y. Provisão esta que considera “Reclamação” como “qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado (…) como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice”.

z. Dispensando neste caso, o de um procedimento judicial ou administrativo em curso, a comunicação à seguradora.

aa. Esta opção justifica-se pela própria natureza do risco, o qual prevê um evento incerto – aqui a efetivação da responsabilidade do segurado pelo terceiro;

bb. No entanto, considerando que, à data da contratação da apólice da Ré Recorrente (em vigor para o ano de 2019), já existiam processos judiciais e administrativos em curso contra o Dr. S.M.M.F., facilmente se alcança que no caso em apreço, o risco coberto e contratado já existia;

cc. Não se podendo ter na ordem jurídica como um “risco” e nessa qualidade não seria um risco segurável nos termos do contrato de seguro contratado com a ora Ré Recorrente.

dd. Pois, existem outras apólices cujo conceito de reclamação – ainda que as seguradoras em causa não tenham sido parte nesses processos judiciais e administrativo - se encontra preenchido e o foi em momento anterior ao da apólice contratada pela R. Recorrente.

ee. Salvo o devido respeito – e é muito - não podemos concordar com o referido entendimento, sendo manifesta a ineficácia e inoponibilidade do referido caso julgado quanto à ora Recorrente.

ff. In casu, a posição jurídica da ora Recorrente, na qualidade de seguradora do Dr. S.M.M.F., com inerente transferência da sua responsabilidade por erro profissional até ao limite máximo coberto, descontada a franquia, é claramente paralela e dependente, considerando que face a uma possível condenação existirá uma condenação solidária entre a ora Recorrente e o segurado em consequência do contrato de seguro nos autos.

gg. A ora Recorrente é assim um terceiro juridicamente interessada que, na qualidade em que se apresenta e face à eventual condenação nos autos e suas consequências jurídicas, não pode ser assim abrangida pelo referido caso julgado o quel lhe é ineficaz e por isso inoponível (v. arts. 3º, 195º, 581º, 619º e 621º do CPC).

hh. Em face do exposto, cremos ser manifesto que a referida Sentença Condenatória do Dr. S.M.M.F., proferida no âmbito do processo nº 1628/17.5T8STR, o qual correu termos pelo Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, é assim absolutamente ineficaz e inoponível relativamente à ora Recorrente quanto aos referidos factos provados e matéria de direito que terá novamente de ser discutida e analisada nos presentes autos, não constituindo aquela decisão quaisquer efeitos jurídicos quanto à ora R. ex vi dos arts. 3º, 195º, 581º, 619º e 621º do CPC.

Como tal, deverá ser revogada a douta Sentença proferida, alterando-se a matéria de facto provada em conformidade com o alegado, absolvendo-se a Ré da totalidade dos pedidos formulados.

Com o que se fará a costumada JUSTIÇA!

3. Contra-alegou o apelado defendendo a manutenção do decidido.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões da apelante (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à apreciação, por ordem lógica, das seguintes questões:

4.1. Se a sentença condenatória do Dr. S.M.M.F., proferida no âmbito do processo nº 1628/17.5T8STR, o qual correu termos pelo Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, é inoponível à recorrente;

4.2. Se é de aditar ao elenco dos Factos Provados os sugeridos pela apelante;

4.3. Se o alegado sinistro está excluído das coberturas e garantias previstas na apólice n.ºAO – ES00013615EO19A por força do disposto na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice.

II. FUNDAMENTAÇÃO

5. É o seguinte o quadro fáctico dado como assente na decisão recorrida:

“1. Por sentença datada de 22.09.2016, transitada em julgado em 24.10.2016, proferida no processo-crime comum que, com o n.º 198/13.8TASTR, correu termos pelo Juízo 1 da Instância Local – Secção Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, S.M.M.F., advogado, portador do bilhete de identidade nº (…), casado, nascido em (…), natural de freguesia de (…), concelho de (…), filho de (…) e de (…), residente na Av. (…), foi condenado pela prática em co-autoria material, de um crime de falsificação, previsto e punido pelo art. 256.º, nº 1, alíneas a), d) e e) do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, perfazendo a pena de multa de € 120,00.

2. Na sentença que antecede consideraram-se provados, designadamente, os factos seguintes:

«1.- No dia 25/01/2011, o Dr. S.M.M.F., após decisão tomada de comum acordo com P.J.B.O. e, na qualidade de advogado, apresentou requerimento, via online, junto da Conservatória do Registo Comercial de Coimbra, através do qual requereu o registo da cessação de funções de membro do órgão social da sociedade “Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda.” do último.

2.- Este requerimento ficou registado na referida Conservatória como correspondendo à Apresentação nº 10/20110125 1:30 UTC Cessação de Funções de membro (s) do (s) Orgão (s) Social (ais) (0n line).

3.- O arguido S.M.M.F., também de comum acordo com P.J.B.O., indicou como causa da referida cessação de funções e respectivo registo a renúncia à gerência, por parte deste último.

4.- E apresentou, também de comum acordo com P.J.B.O., como base para o referido registo referente à Ap.º 10/20110125, documento consubstanciado em comunicação dirigida pelo arguido P.J.B.O. ao gerente da sociedade “Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda.”, subscrita manualmente pelo Dr. S.M.M.F., com excepção da rubrica assinatura, no qual se encontra aposta a data de 04/09/2006 e, bem assim, no canto superior direito, a menção manuscrita “Tomei conhecimento”, seguida de uma assinatura manuscrita e de uma datação, também ela manuscrita, com os algarismos 04.09.2006.

5.- Este documento tem a seguinte redacção: “Sandoeira, 04 de Setembro de 2006. Exmos Senhores: Nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 258 do Código das Sociedade Comerciais, venho, pelo presente, comunicar a Vª Exª a minha decisão de renunciar ao cargo de gerente que desempenho na sociedade em epígrafe identificada. Com os meus melhores cumprimentos, P.J.B.O. (assinatura manuscrita).”.

6.- No dito documento figura como remetente “P.J.B.O.. Rua (…)” e como destinatário “Ao gerente da Sociedade “Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda.” Rua Capelo e Ivens, 57-A 1º 2000-039 Santarém”.

7.- A referida comunicação foi elaborada e assinada em data não concretamente apurada, mas nunca anterior a 2010 e depois do dia 25/01/2011.

8.- Ao contrário do que resulta da mesma, desta comunicação e do respectivo conteúdo não foi dado conhecimento ao ora A., que era sócio e gerente da “Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda.”, na alegada data de elaboração e de tomada de conhecimento aposta na mesma, isto é, no dia 04/09/2006.

9.- Nem lhe foi dado conhecimento posteriormente.

10.- A menção manuscrita aposta no canto superior direito “Tomei conhecimento” e ainda os algarismos da data manuscrita – 04-09-2006 – são da autoria do Dr. S.M.M.F. e foram elaborados com o prévio e comum acordo de P.J.B.O..

11.- O arguido S.M.M.F. e P.J.B.O. sabiam que o referido documento não tinha sido levado ao conhecimento da sociedade “Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda.”, ao arrepio do que consta do mesmo em 04-09-2006, não correspondendo assim à verdade o respectivo conteúdo.

12.- Sabiam também que a menção da tomada de conhecimento e a datação infra tinham sido apostas no mesmo documento pelo arguido S.M.M.F. e não por representante da referida sociedade, designadamente por P.T.R..

13.- Não obstante, quiseram usar e apresentar tal documento, como o fizeram, nos termos descritos em 1) a 6), por forma a criar a convicção, junto da Conservatória do Registo Comercial de Coimbra e junto de terceiros, que a sociedade “Localpresss – Publicações e Comunicação Social, Lda.” tinha tido conhecimento da dita renúncia de P.J.B.O., em 04-09-2006, quando tal facto não era verdadeiro.

14.- E, assim, dar cumprimento ao disposto nos artigos 258º nº 1, do Código das Sociedades Comerciais que estipula, no seu número 1, que a renúncia dos gerentes deve ser comunicada por escrito à sociedade e torna-se efectiva oito dias depois de recebida a comunicação.

15.- Requisito essencial ao registo da cessação de funções de membro do órgão social, que assim, com base neste documento e declaração inverídica, veio a ser publicado no dia 04-02-2011.

16.- Das condutas do arguido S.M.M.F. e de P.J.B.O. resultaram prejuízos para o P.T.R. e sociedade Localpress a quem passou a ser oponível a renúncia por parte de P.J.B.O. oito dias depois de 04-09-2006 data em que supostamente teria sido recebida a comunicação e por nomeadamente P.T.R. se ter visto confrontado com processos de reversão fiscal, na qualidade de único responsável subsidiário pelas dívidas da sociedade “Localpress-Publicações e Comunicação Social, Lda.”.

17.- E bem assim para o Estado, colocando em crise a confiança e a segurança atribuídos ao registo comercial que com base numa renúncia falsamente ocorrida em 04-09-2006 procedeu ao registo da mesma mediante requerimento apresentado em 25-01-2011.

18.- O Arguido com o conhecimento de P.J.B.O. agiu colocando a data de 04-09-2006 como sendo a da tomada de conhecimento da sociedade o que sabia não ser verdadeiro e que assim, ao A. e à sociedade “Localpress-Publicações e Comunicação Social, Lda.”, passou a ser oponível a renúncia por parte de P.J.B.O. oito dias depois de 04-09-2006 data em que supostamente P.T.R. teria recebido a comunicação da mesma.

19.º- A sociedade “Localpress-Publicações e Comunicação Social, Lda.” em 2010 e 2011 passava por grandes dificuldades financeiras com dívidas fiscais do Estado».

3. O processo-crime que antecede teve origem em queixa apresentada pelo aqui Autor em 2013, o qual foi notificado, na qualidade de ofendido e por ofício de 22.01.2016, do despacho acusatório proferido em 21.01.2016.

4. O Autor não deduziu pedido de indemnização civil no processo-crime mencionado supra, tendo antes optado por interpor, em separado, ação declarativa comum contra S.M.M.F. e P.J.B.O., ação essa que, com o processo n.º 1628/17.5T8STR, correu termos pelo Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3.

5. Por sentença proferida em 11.12.2017, transitada em julgado 22.11.2018, no âmbito desta última ação declarativa, S.M.M.F. e P.J.B.O. foram condenados solidariamente a pagar ao Autor «uma indemnização no valor de 45.979,05 €, dos quais 35.979,05 € a título de danos patrimoniais e 10.000,00 a título de danos não patrimoniais».

6. A sentença cível que antecede reputou provada a factualidade seguinte:

«1.º O A. foi sócio e gerente da sociedade por quotas Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda..

2.º O R. P.J.B.O. foi também sócio e gerente da referida sociedade.

3.º O R. S.M.M.F. é advogado e, nessa qualidade, representou P.J.B.O..

4.º A referida sociedade comercial foi constituída em 16/02/2004 com a designação Localpress – Publicações e Comunicação Social Unipessoal Lda. e até 09/12/2005 o A. era único sócio.

5.º Em 09/12/2005, a sociedade passou de sociedade unipessoal por quotas a sociedade por quotas e foram nomeados gerentes o A., o R. P.J.B.O. e, ainda, Henrique Vicente Paixão de Oliveira.

6.º Em 28/09/2006, o R. P.J.B.O. adquiriu à Primelook, Publicidade e Eventos, Lda., uma quota da sociedade mencionada em 1.º no valor de 2.250,00 €.

7.º Em 16/06/2008, o A. renunciou à gerência da sociedade.

8.º Após a renúncia à gerência do A., o R. P.J.B.O. ficou como único gerente da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda..

9.º No dia 25/01/2011, o R. S.M.M.F., após decisão tomada de comum acordo com o R. P.J.B.O. e, na qualidade de advogado, apresentou requerimento, via on line, através do qual requereu o registo da cessação de funções de gerente da Localpress – Publicações e comunicação Social, Lda. de P.J.B.O..

10.º O R. S.M.M.F., também de comum acordo com o R. P.J.B.O., indicou como causa de cessação de funções e respectivo registo a renúncia à gerência por parte de P.J.B.O..

11.º O pedido de registo deu entrada na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra e corresponde à Apresentação nº 10 de 25/01/2011.

12.º Também com o acordo do R. P.J.B.O., o R. S.M.M.F. apresentou para obter o referido registo de cessação das funções o documento que ora se junta como documento 2, junto a fls. 17.

13.º Documento consubstanciado em comunicação dirigida pelo R. P.J.B.O. ao gerente da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda. a comunicar a decisão de renunciar à gerência e subscrita manualmente pelo R. S.M.M.F..

14.º No dito documento figura como remetente o R. P.J.B.O. e como destinatário o gerente da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social.

15.º A referida comunicação foi elaborada e assinada em data que o A. não consegue precisar, mas nunca anterior a 2010 e depois do dia 25/01/2011.

16.º Na referida comunicação encontra-se aposta a data de 04/09/2006 e, bem assim, no canto superior direito, a menção manuscrita “Tomei conhecimento” seguida de uma assinatura manuscrita e de uma datação, também ela subscrita com os algarismos 04/09/2006.

17.º Ao contrário daquilo que resulta da mesma, desta comunicação e do respectivo conteúdo não foi dado conhecimento ao A. que seria o outro gerente da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda., na alegada data de elaboração e tomada de conhecimento aposta na mesma, isto é, no dia 04/09/2006.

18.º Nem lhe foi dado conhecimento posteriormente.

19.º A menção manuscrita aposta no canto superior direito “tomei conhecimento” e ainda os algarismos da data manuscrita – 04/09/2006 – são da autoria do R. S.M.M.F. e foram por este elaborados com prévio e comum acordo do R. P.J.B.O..

20.º Os RR. sabiam que o referido documento não tinha sido levado ao conhecimento da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação, ao arrepio do que consta do mesmo, não correspondendo assim à verdade o conteúdo do mesmo.

21.º Os RR. sabiam também que a menção da tomada de conhecimento e a datação infra tinham sido apostas pelo R. S.M.M.F. e não por representante da sociedade, designadamente o A.

22.º Os RR. usaram e apresentaram tal documento por forma a criar a convicção junto da Conservatória do Registo Comercial e junto de terceiros, que a sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social Lda. tinha tido conhecimento da dita renúncia do aqui R. P.J.B.O..

23.º Com o referido documento, os RR. pretenderam dar cumprimento ao disposto no artigo 258º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, que estipula que a renúncia dos gerentes deve ser comunicada à sociedade e torna-se efectiva oito dias depois de recebida a comunicação, requisito essencial ao registo da cessação de funções de gerente.

24.º Com base no referido documento e declaração inverídica veio o registo da cessação de funções de gerente do aqui R. P.J.B.O. a ser publicado no dia 04/02/2011.

25.º Os RR. agiram colocando a data de 04/09/2006 como sendo a do recebimento da comunicação pelo A. e da, consequente, tomada de conhecimento da sociedade, o que sabiam não ser verdade, da renúncia à gerência do aqui R. P.J.B.O., para que essa renúncia operasse desde essa data.

26.º Os RR. agiram em comunhão de esforços, levando à prática um plano que guisaram, visando a desoneração de P.J.B.O. de dívidas relativas à sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda. e a consequente oneração do A..

27.º Tal plano concebido pelos RR. passava, também, pela cedência de quotas do R. P.J.B.O. ao A..

28.º Sabendo que o A. não aceitava a cessão da quota do R. P.J.B.O. a seu favor, os RR. conceberam outro plano de modo a ocultar as suas intenções.

29.º Para o efeito, no dia 19/01/2011, o R. P.J.B.O. enviou uma mensagem para o telemóvel do A. pedindo que se deslocasse a Fátima ao escritório do seu advogado, o R. S.M.M.F., para uma reunião relacionada com a dissolução e encerramento da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda.

30.º Nesse dia, pelas 17:30 horas, o A. deslocou-se ao escritório do R. S.M.M.F., sito em Fátima, onde se reuniu com os RR.

31.º Nessa reunião, os RR. disseram ao A. que o R. P.J.B.O. estava com muitas dificuldades financeiras e que precisava de ceder a sua quota na Localpress-Publicações e comunicação Social, Unipessoal, Lda..

32.º O R. P.J.B.O. disse, também, que existia uma pessoa, chamada A.C., interessada em adquirir a totalidade das quotas, ou seja, não só a quota de 2.250,00 € de que era titular P.J.B.O. mas também a quota de 2.750,00 de que era titular o A.

33.º O A. concordou em ceder a sua quota àquele interessado na aquisição da totalidade das quotas da sociedade e o R. S.M.M.F. comunicou-lhe que seria necessário elaborar uma ata onde ficasse a constar a declaração dos sócios em ceder as quotas ao terceiro interessado, a cedência e a aceitação da cedência.

34.º O R. S.M.M.F., invocando não ter já aquela hora, cerca das 21 horas, oportunidade para elaborar a referida ata para o A. assinar, pediu-lhe para assinar uma ata em branco que elaboraria posteriormente e daria a assinar quer ao R. P.J.B.O. quer a A.C..

35.º O A. deixou, então, assinada uma folha de ata em branco, apondo a sua assinatura no final da mesma, pois não tinha qualquer motivo para duvidar do R. S.M.M.F..

36.º Na posse da folha de ata assinada em branco, o R. S.M.M.F. elaborou a ata, a que atribuiu o nº 13, de que existe cópia a fls. 28.

37.º Na dita ata consta, entre outras, a deliberação dos sócios P.J.B.O., aqui R. e P.T.R. , aqui A. a autorizar a cessão da quota, no valor nominal de 2.250,00 € de que era titular o primeiro a favor do segundo.

38.º A ata foi elaborada pelo R. S.M.M.F. com prévio e comum acordo do R. P.J.B.O. em data que o A. não consegue precisar, mas nunca anterior a 19/01/2011 e depois do dia 25/01/2011.

39.º Os RR. actuaram visando a colocação da assinatura do A. na folha de ata em branco, de forma a obter aceitação daquele para a cessão da quota de que era titular o R. P.J.B.O., bem sabendo ambos os RR. que o A. não aceitava a cessão de quotas que dela consta.

40.º Os RR. sabiam que o A. tinha aceite, ceder a sua quota na Localpress-Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda. a A.C. e que era para essa cedência que assinou a folha em branco.

41.º Os RR. sabiam que o A. era totalmente alheio à cessão de quotas do R. P.J.B.O. a seu favor.

42.º O conteúdo da referida ata que se junta como documento 3 não corresponde ao que foi acordado entre o A. e os RR. e, por isso, não corresponde à verdade.

43.º No dia 25/01/2011, o R. S.M.M.F., após decisão tomada de comum acordo com o R. P.J.B.O. e, na qualidade de advogado, apresentou requerimento, por empresa online, através do qual procedeu por depósito ao registo de transmissão da quota, no valor nominal de 2.250,00 €, de que era titular o R. P.J.B.O. na Localpress-Publicações e Comunicação Social, Lda. a favor do A.

44.º O pedido de registo corresponde ao depósito 40/2011 do dia 25/01/2011 às 00:44:24 horas.

45.º O R. S.M.M.F., também de comum acordo com o R. P.J.B.O., apresentou para obter o referido registo de transmissão de quota, a ata com o n.º 13.

46.º Os RR. agiram em comunhão de esforços e intenções, levando à prática um plano que guisaram, visando a desoneração do R. P.J.B.O. de dívidas relativas à sociedade Localpress-Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda. e a consequente oneração do A.

47.º Desta maneira, ambos os RR. conseguiram obter o registo da cessação de funções como gerente de P.J.B.O. bem como a transmissão da quota deste a favor do A. prejudicando os interesses deste.

48.º Pelos factos atrás descritos o A. apresentou queixa contra os RR. que deu origem ao supra referido processo criminal que correu termos com Proc. nº 198/13.8TASTR, no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Santarém – Juiz 1 no qual o Dr. S.M.M.F. foi condenado, por sentença já transitada em julgado, pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 256º nº 1 als. a), d) e e) do C. Penal, de que existe cópia a fls. 30 a 34.

49.º Nos anos de 2009 e 2010, a sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda. passava por grandes dificuldades financeiras com, entre outras, avultadas dívidas fiscais.

50.º Para além das dívidas fiscais resultantes do não pagamento de impostos, a sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social Unipessoal Lda. devia a quantia de 68.941,89 € ao IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional por incumprimento do contrato de financiamento celebrado entre a sociedade e aquele instituto.

51.º Por forma a receber o valor que tinha financiado, o IEFP emitiu, em 08/11/2011, certidão de dívida nela figurando como devedores a sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda. e o A. de que existe cópia a fls. 49.

52.º Foi, então, instaurado, em Janeiro de 2012, no Serviço de Finanças de Santarém, o processo de execução fiscal nº 208920120109915, com o valor de 71.321,80 €, contra a sociedade e o A., que devido ao registo da transmissão de quota do R. P.J.B.O. a seu favor, efectuado com base na ata nº 13, figurava à data da dissolução da sociedade como único sócio da sociedade.

53.º No âmbito dessa execução fiscal, no dia 27/03/2013, foi realizada a penhora do imóvel sito em Santarém na Rua (…), que corresponde à fracção autónoma designada pela letra F do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da freguesia de S. Nicolau, concelho de Santarém.

54.º E foi penhorado 30% sobre qualquer pagamento que seja feito ao A. pela empresa METLIFE EUROPE D.A.C. – Sucursal em Portugal para a qual aquele trabalhava, de que existe cópia a fls. 51.

55.º No âmbito dessa execução fiscal, no dia 27.03.2013, foi realizada a penhora do imóvel sito em Santarém, na Rua (…), que corresponde à fração autónoma designada pela letra F do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da freguesia de S. Nicolau, concelho de Santarém,, de que existe cópia a fls. 50.

56.º E foi penhorado 30% sobre qualquer pagamento que seja feito ao A. pela empresa METLIFE EUROPE D.A.C. – SUCURSAL EM PORTUGAL para a qual aquele trabalha, de que existe cópia a fls. 51.

59.º Com os conduta dos RR. o A. tem um prejuízo de 35.660,90 € que corresponde a metade do valor em dívida e da responsabilidade do R. P.J.B.O. por ser também sócio da Localpress – Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda. à data da dissolução.

60.º Face à inexistência de bens da sociedade, o A. viu, também, serem-lhe revertidos vários processos de execução fiscal, relativos a dívidas dos anos de 2009, 2010, cuja proveniência resultou da falta de pagamento de IVA e IRC por parte da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Unipessoal Lda., devido ao registo da cessação de funções de gerente do aqui R. P.J.B.O., publicado no dia 04/02/2011, efectuado com base no documento e declaração inverídica supra referidos, era o único a figurar como gerente na certidão do registo comercial, de que existe cópia a fls. 51 verso a 53.

61.º Num desses processos, n.º 2089200901113461, foram penhorados ao A. várias quantias na sua conta de depósitos à ordem n.º 0003 7658 5720 do Banco Espírito Santo no montante total de 636,30 €, de que existe cópia a fls. 53 verso a 56.

63.º O A. é pessoa considerada no meio social em que vive.

64.º O A. é uma pessoa honesta, trabalhadora e um profissional sério e competente.

65.º O imóvel penhorado atrás referido era a casa de morada de família do A. onde residia com a mulher e os dois filhos.

66.º A penhora da casa de habitação e as demais penhoras provocaram no A. um sentimento de incerteza quanto ao futuro, na medida em que passou a recear não conseguir sustentar a família e passou a viver com medo de perder a casa.

67.º A existência da penhora sobre a sua casa de habitação, que conseguiu comprar com o seu trabalho, foi motivo de grande preocupação.

68.º Em consequência dessa penhora, o A. e a família tiveram de deixar a casa onde viviam.

69.º Esta situação afetou o relacionamento do A. com a mulher e com os filhos na medida em que estes não aceitaram ter de sair da casa onde viviam levando a discussões diárias entre o casal.

70.º O A. viveu tempos de amargura, procurando junto dos seus familiares e amigos explicar a situação em que se encontrava.

71.º O A. sentiu-se enganado, com os actos praticados pelos RR. para o responsabilizarem pelas dívidas da sociedade que sabiam não ser da sua responsabilidade, mas do R. P.J.B.O..

72. Começou a sofrer insónias, resultantes das preocupações que toda a siuação lhe estava a originar, passou a viver de uma forma triste e amargurada.

73.º Ademais, muito embora soubesse que tais dívidas não eram da sua responsabilidade ou não eram apenas da sua responsabilidade, o A. sentia-se profundamente preocupado com a realização das ditas penhoras pois as mesmas tiveram consequências irreparáveis na sua vida familiar, levando ao divórcio do A., de que existe cópia a fls. 56 verso e 57.

74.º O A. sofreu muito com a incerteza do desfecho do processo-crime supra referido em e com as reversões fiscais contra si operadas.

75.º Esse sofrimento foi diário e constante com perturbações do sono, com uma constante inquietação, com a perda de alegria de viver e com a angústia de ver o seu nome sob suspeita perante a sociedade em que estava inserido».

7. Em 25.01.2011, S.M.M.F. estava inscrito na Ordem dos Advogados.

8. Em 08.03.2013, o Autor já havia participado à Ordem dos Advogados a conduta de S.M.M.F. acima descrita em 2 e 6, tendo o Conselho de Deontologia daquela Ordem profissional deduzido despacho de acusação em 13.10.2017 pela prática de infrações disciplinares.

9. A Ordem dos Advogados celebrou com a Ré um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional através da apólice n.º AO – ES00013615EO19A, tendo por objeto o risco decorrente de ação ou omissão dos atos e omissões praticados pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, com um limite de € 150.000,00 por sinistro (sem limite por anuidade) e sem prejuízo da cumulação com os valores de gastos de defesa e fianças civis e penais.

10. Prevê a cláusula 7 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe «Âmbito Temporal»: «O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice».

11. Da mesma cláusula 7 consta ainda o seguinte: «Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes, entre as quais se conta: a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais; b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamentos em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável à luz da apólice; c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida “prima facie” pelo tomador do seguro ou do segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice».

12. Prevê a cláusula 10 das Condições Particulares da apólice, sob a epígrafe «Período de Cobertura»: «Temporário por 12 meses, com data de início às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2019 e termo às 0,00 do dia 01 de janeiro de 2020».

13. Prevê n.º 12 do artigo 1.º das Condições Especiais da apólice, sob a epígrafe «Reclamação»: «Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice; Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa: i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice; ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice».

14. Prevê o n.º 1 do artigo 2.º das Condições Especiais da apólice, sob a epígrafe «Objeto do Seguro»: «Mediante pagamento do prémio, e sujeito aos termos e condições da apólice, a presente apólice tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido(a) pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos advogados.

15. Preveem as alíneas a) e b) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice, sob a epígrafe «Exclusões»: «Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; b) Por impostos, multas, penalizações ou outros danos não compensatórios, bem como as consequências do seu não pagamento, quando referentes ao próprio segurado ou ao pessoal pelo qual deva legalmente responder;».

16. Prevê o artigo 8.º, n.º 1 das Condições Especiais da apólice, sob a epígrafe «Condições Aplicáveis às Reclamações»: «Notificação de Reclamações ou Incidências: O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível: a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice; c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.

17. Prevê o artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 das Condições Especiais da apólice, sob a epígrafe «Convenção de Gestão de Sinistros»: «1. O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. 2. A comunicação referida em 1, dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de tal modo que o conhecimento da reclamação possa chegar ao segurador no prazo improrrogável de oito dias».

18. Por carta datada de 27.02.2019, enviada através de correio eletrónico, o Autor comunicou à Ré os atos praticados por S.M.M.F. acima descritos, pedindo-lhe que pagasse a indemnização em que este fora condenado no âmbito da ação declarativa comum n.º 1628/17.5T8STR.

19. Após a receção da comunicação que antecede, em 11.03.2019, a Ré remeteu email ao Autor com o seguinte teor: 20. P.J.B.O. foi declarado insolvente por sentença de 16.03.2017 no âmbito do processo de insolvência singular n.º 2578/16.8T8STR.

6. Do mérito do recurso

6.1. Da (in)oponibilidade à ora Ré, seguradora, da sentença condenatória do Dr. S.M.M.F., proferida no âmbito do processo nº 1628/17.5T8STR, o qual correu termos pelo Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3.

Malgrado ter demandado o advogado Dr. S.M.M.F. e o seu sócio P.J.B.O. pela prática de actos ilícitos danosos e os mesmos terem sido solidariamente condenados no âmbito do referido processo a pagar ao aí e ora Autor «uma indemnização no valor de 45.979,05 €, dos quais 35.979,05 € a título de danos patrimoniais e 10.000,00 a título de danos não patrimoniais”, tal obrigação não foi, como se provou, até à data, satisfeita por qualquer deles.

Daí ter o mesmo Autor enveredado, desta feita, por accionar a ora Ré com quem a Ordem dos Advogados celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional através da apólice n.º AO – ES00013615EO19A, tendo por objecto o risco decorrente dos actos e omissões praticados pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão.

Não obstante a Ré seguradora ter impugnado a factualidade descrita na petição inicial atinente aos actos ilícitos imputados ao advogado, Dr. S.M.M.F., designadamente que este, no âmbito da sua profissão e na qualidade de mandatário de P.J.B.O. haja falsificado um documento que visava comunicar a sua decisão da renúncia à gerência da sociedade Localpress – Publicações e Comunicação Social, Lda., entendeu-se, na decisão recorrida, que o teor das sentenças condenatórias transitadas em julgado, mormente a sentença cível em apreço, constituíam fundamento bastante da condenação desta seguradora.

E, para tanto, afirmou-se que: “Conforme decorre do disposto no art. 137.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, doravante RJCS), no seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.

Posto isto, afigura-se cristalino que a constituição da obrigação do segurador em relação ao lesado pressupõe, necessariamente, a constituição – repita-se - no património do segurado da obrigação de indemnizar o lesado (terceiro em relação ao contrato de seguro).

Quer dizer: se o segurado estiver obrigado a indemnizar, o segurador também o está na exata medida (e até ao limite estipulado), visto que foi esse o risco contratado.

Ademais, nos termos do art. 147.º, n.º 1 da RJCS, «o segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro». Donde se conclui, a contrario, que o segurador não pode opor ao lesado os meios de defesa relativos à relação jurídica de responsabilidade civil.

Do regime jurídico aplicável ao contrato de seguro vertente decorre, pois, com assaz clareza, que a sentença, transitada em julgado, proferida na ação declarativa comum n.º 1628/17.5T8STR, movida pelo Autor contra o segurado S.M.M.F. e outro, nos termos da qual o segurado foi condenado a pagar ao Autor o montante de € 45.979,05, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por atos praticados no exercício da advocacia é oponível à aqui Ré porquanto tal sentença se apresenta como uma questão prejudicial e pressuposto indiscutível e necessário à decisão de mérito a proferir nesta sentença”.

Esta, foi, aliás, a posição assumida no acórdão do STJ de 8.1.2019[1] no qual se considerou, e a nosso ver bem, que existe uma projecção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial.

E em tal douto aresto se considerou que, à semelhança deste caso, “estamos perante um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que garante a indemnização dos prejuízos causados a terceiros no exercício de uma profissão – advocacia - onde a constituição da obrigação do segurador em relação ao lesado pressupõe, necessariamente, a constituição, no património do segurado, da obrigação de indemnizar o lesado (terceiro em relação ao contrato de seguro).”.

E, por conseguinte, a decisão proferida na acção proposta pelo lesado contra o segurado, onde este foi condenado, por sentença transitada em julgado, a pagar-lhe determinada quantia é pressuposto indiscutível da decisão a proferir na acção proposta contra a Seguradora, já que foi esse o risco que esta cobriu.

É consensual que a força do caso julgado é susceptível de revelar-se “nas vestes de autoridade positiva, quando o que foi decidido a título principal é prejudicial numa segunda acção.

Isto é, se o que foi julgado (e consta do dispositivo) é pressuposto de uma acção consecutiva, o Tribunal, nesta segunda causa, não pode ignorar a indiscutibilidade da decisão primitiva. Esta terá uma repercussão positiva ou negativa[2]”.

Não podendo ser questionada nesta acção a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar por parte do senhor advogado não se corre o risco de contradição[3] com o que foi decidido na pretérita (na qual ele foi condenado). Nesta medida o que aí foi decidido impõe-se logicamente como autoridade positiva nesta acção.

Com efeito, a não ser assim, poder-se-ia pôr em causa a efectiva ressarcibilidade do lesado: basta pensar que este não conseguiria fazer (de novo) a prova dos pressupostos da responsabilidade civil do segurado/advogado, o que afrontaria, como é salientado no Acórdão do STJ de 17.10.2019[4] uma das funções “naturais” do seguro.

Tal função do seguro, como nesse aresto é salientado, mormente no seguro obrigatório imposto a certos profissionais, que, como a do advogado, exercem actividades com risco elevado de produção de danos, é a de assegurar que o lesado não deixará de ser ressarcido, pelo que só em casos muito contados é legítimo a seguradora escusar-se a responder ou limitar a sua responsabilidade perante o lesado.

Em conclusão: O tribunal “a quo” estava vinculado à sentença condenatória do Dr. S.M.M.F., proferida no âmbito do processo nº 1628/17.5T8STR, como, também o está este Tribunal, sendo por isso, ao contrário do que ambicionava, a mesma oponível à apelante.

6.2. Cuidemos agora de apreciar se é de aditar ao elenco dos Factos Provados os sugeridos pela apelante.

Entende a apelante que o Tribunal a quo deveria ter considerado também as outras apólices e suas condições gerais e especiais, especificamente, aquela em vigor no ano de 2013 e que se juntou no requerimento apresentado pela Ré em 14.12.2020 sob a referência 37459519, pretendendo, por isso, que se contemple no elenco dos factos provados o teor de determinadas cláusulas das mesmas.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste a menor razão.

O que se discute neste processo é se o risco em apreço está coberto pela apólice nº ES00013615EO19A referente ao contrato de seguro celebrado entre esta seguradora /Ré e a Ordem dos Advogados e, por conseguinte, se a mesma poderá ser considerada responsável pela indemnização reclamada.

Por conseguinte, só releva para esse desiderato o texto desta apólice e não de outras referentes a contratos de seguro celebrados entre a O.A. e outras seguradoras que não são partes neste processo, nem aqui poderão ser responsabilizadas.

Improcede, por isso, a pretensão da recorrente de ver aditados os correspectivos factos.

Quanto à menção ao período temporal da apólice nº ES00013615EO19A que a apelante pretende seja acrescentada no ponto 9: a mesma consta expressamente do ponto 12. (Prevê a cláusula 10 das Condições Particulares da apólice, sob a epígrafe «Período de Cobertura»: «Temporário por 12 meses, com data de início às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2019 e termo às 0,00 do dia 01 de janeiro de 2020».) o que decerto, por lapso, a apelante não atentou.

Por consequência, improcede, também, esta sua pretensão.

6.3. Da eventual exclusão do sinistro das coberturas e garantias previstas na apólice nos termos expressamente previstos no artigo 3.º, alínea a) das Condições Especiais.

Entende o apelante que perante o que dispõe a alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice, sob a epígrafe «Exclusões» (Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…) ) terá de ser excluída a sua responsabilidade pelo sinistro uma vez que à data de início do período de seguro do contrato em 01.01.2019, o R. Advogado, Dr. S.M.M.F., tinha já conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização perante o lesado.

Mais refere que a referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da apólice de seguro dedicado às Exclusões, assume a natureza de disposição delimitadora do objeto da apólice, mormente por “ser clarificadora da disposição de retroactividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que sejam (ou cujas consequências sejam) ainda desconhecidos pelo segurado aquando da entrada em vigor da apólice de seguro/início do período seguro”.

Vejamos então.

O âmbito do contrato de seguro inclui a definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos[5].

José Vasques[6], salienta, aliás, que: “ na medida em que grande parte dos litígios resultantes do contrato de seguro respeitam à definição do âmbito do contrato , cabe precisar que normalmente as condições contratuais se aproximam do risco coberto nesta tríplice perspectiva (…) sendo da conjugação da definição genérica ( positiva) e da sua articulação com aspectos particulares ( negativos ), as exclusões, que resulta o âmbito do contrato.”.

E assim sendo, impõe-se o cotejo da cláusula 7ªdas Condições particulares da apólice do contrato de seguro em apreço ( «O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice» ) com a citada alínea a) do art.º 3º das Condições Especiais.

Não há dúvida que que os factos praticados pelo segurado S.M.M.F. se acham temporalmente abrangidos pela apólice de seguro em causa, como proficientemente se concluiu na sentença recorrida com argumentação que acompanhamos na íntegra: “Acha-se apurado que apólice n.º AO – ES00013615EO19A entrou em vigor no dia 01.01.2019, terminando em 01.01.2020.

Prevê a cláusula 7 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe «Âmbito Temporal»: «O segurador assume a cobertura da responsabilidade a seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice».

Trata-se, assim, como referido pelo Autor, de uma apólice de reclamação (claims made) em que o acontecimento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, consiste na reclamação e não no facto gerador do dano que está na sua base.

Mas, o que se entende in casu por reclamação para os mencionados efeitos?

A referida cláusula 7 dá a resposta:

«Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes, entre as quais se conta:

a) Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais;

b) Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamentos em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, que haja produzido um dano indemnizável à luz da apólice;

c) Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta, conhecida “prima facie” pelo tomador do seguro ou do segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice».

Ora, daqui decorre com clareza que a participação apresentada pelo Autor junto da Ordem dos Advogados não assume a natureza de reclamação para efeitos do contrato de seguro em causa, já que não é subsumível a nenhuma das alíneas da citada cláusula 7 das Condições Particulares do seguro.

Na verdade, a participação apresentada pelo lesado, aqui Autor, à Ordem dos Advogados só valeria como reclamação para os efeitos previstos naquela cláusula 7ª se a mesma tivesse sido comunicada à então seguradora, o que não foi aqui alegado, nem provado.

Posto isto, forçosamente se conclui que a carta datada de 27.02.2019, enviada através de correio eletrónico, pelo Autor à Ré através da qual comunicou os atos praticados por S.M.M.F., pedindo-lhe que pagasse a indemnização a em que este fora condenado no âmbito do processo n.º 1628/17.5T8STR, essa sim constitui uma (primeira) reclamação na aceção da alínea a) da cláusula sétima, reclamação essa que ocorreu justamente na vigência da apólice n.º AO – ES00013615EO19A.

Quer dizer, pois, que a primeira reclamação e participação do sinistro à Ré, seguradora, foi efetuada pelo lesado (Autor) em plena vigência da apólice n.º AO – ES00013615EO19A, em que a seguradora é a Ré.

Não se olvida que o n.º 12 do artigo 1.º das Condições Especiais da apólice define reclamação do seguinte modo:

«Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;

Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:

i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice;

ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento

iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice».

Todavia, é inequívoco que esta disposição terá de ser concatenada, relacionada e de acordo com as demais normas contratuais, afigurando-se cristalino que, para efeitos de aplicação da apólice no tempo, a reclamação tem de ser reconduzia a uma das três hipóteses previstas na cláusula 7 Condições Particulares (tanto assim que ´texto contratual refere mesma a seguinte expressão: «Para os fins supra indicados, entende-se por reclamação a primeira das seguintes, entre as quais se conta».

Note-se, ademais, que a circunstância de o sinistro não ter sido participado pelo segurado no prazo de 8 dias a contar do sinistro não é oponível ao sinistrado, como decorre do art. 101.º, n.º 4 do RJCS, segundo o qual tal obrigação não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números.

Por conseguinte, forçosamente se conclui que a responsabilidade civil do segurado S.M.M.F., ainda que por actos ocorridos em 2011, se acha abrangida pela apólice n.º AO – ES00013615EO19A, já que a primeira reclamação foi efetuada pelo lesado junto da seguradora no período de vigência desta apólice”.

Estabelecido que “a reclamação” relevante para efeitos de determinação da cobertura temporal do seguro é a efectuada pelo lesado, ora A., em 27.02.2019 e que os factos nela contemplados se inserem no risco previsto no contrato, qual o sentido de fazer excluir da cobertura da apólice as reclamações por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação?

Nenhum.

Basta pensar que na maioria dos casos não há coincidência temporal entre o conhecimento pelo segurado e a reclamação efectuada pelo lesado, já que o período de vigência destas apólices é de um ano.

Isto vale por dizer que a aplicar-se literalmente esta “exclusão”, dificilmente os lesados seriam ressarcidos pela seguradora.

Então qual o sentido a atribuir à norma em apreço?

À semelhança do entendimento da maioria da jurisprudência, estamos no domínio do dever de participação do sinistro que, segundo José Vasques[7], “não é uma obrigação do segurado, antes constitui um ónus jurídico, no sentido em que dele dependerá a obtenção da prestação da seguradora, cuja inobservância a poderá condicionar ou excluir”.

De facto, a violação desse dever pode justificar a consagração contratual da redução da prestação da seguradora e mesmo a perda de cobertura se for doloso ( cfr. nº1 e nº2 do artº101º da LCS) mesma lei.

Porém, o sancionamento deste dever de participação do sinistro nos moldes enunciados, não é oponível aos lesados no caso de seguros obrigatórios de responsabilidade civil, como expressamente resulta do nº4 da mesma norma.

Isto significa que o lesado manterá o direito de acção contra a seguradora que, indemnizando-o, terá direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar.

O contrato de seguro em apreço, de responsabilidade civil, é obrigatório para os advogados portugueses, como se colhe do artº104º, nº1 da Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro(Estatuto da Ordem dos Advogados).

E, assim sendo, a cláusula de “exclusão” em apreço, é, como se bem se decidiu, inoponível ao Autor / lesado.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação totalmente improcedente e em manter integralmente a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Évora, 24 de Março de 2022
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Elisabete Valente
Cristina Dá Mesquita

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[1] Rel. Cons. Roque Nogueira, consultável na Base de dados do IGFEJ.

[2] Maria José Capelo in ónus de reconvir e caso julgado, RLJ, nº4024, pag.61 .

[3] Como se salienta no estudo da RLJ, pag. 62, este ponto é crucial: o critério de prevenção da contraditoriedade só deve actuar naqueles casos em que se submete ao Tribunal a reapreciação da mesma factualidade para dela retirar efeito contrário ou incompatível.

[4] Relatado pela Cons. Catarina Serra e consultável na Base de Dados do IGFEJ.

[5] Assim, José Vasques in do Contrato de Seguro, pag. 355.

[6] In ob.cit.

[7] Ob.cit. pag.300.