Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
599/09.6TAOLH.
Relator: PROENÇA DA COSTA
Descritores: INSTRUÇÃO CRIMINAL
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
DEFENSOR OFICIOSO
Data do Acordão: 09/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - A falta de assistência de Advogado/defensor não justifica a rejeição, sem mais, do requerimento para abertura da instrução, sob pena de ilogismo. É que se a assistência do defensor visa proteger o arguido, a falta daquela não pode justificar sem mais uma agravação da posição processual deste.

II - Estarmos perante uma falta de menor dimensão, a demandar intervenção correctiva ao nível da mera irregularidade do patrocínio, fazendo intervir o estatuído no art.º 40.º, do Cód. Proc. Civil, aplicável, ex vi, do que se dispõe no art.º 4.º, do Cód. Proc. Penal.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

No âmbito dos presentes autos mostra-se deduzida pelo Ministério Público acusação contra o arguido V. imputando-lhe a prática de um crime de usurpação de funções e de Procuradoria ilícita.

Reagindo a esta acusação veio o arguido apresentar e subscrever requerimento de abertura de instrução.

Por despacho judicial, datado de 18 de Janeiro de 2013, veio a ser rejeitado o requerimento, tudo de acordo com o disposto no art.º 287º, n.os 1, al. a) e 3, do Cód. Proc. Pen.

Por se ter entendido que o requerimento dos autos deveria efectivamente ser subscrito pelo defensor do arguido, pelo que, não o estando, e havendo um regular patrocínio judiciário, há que considerar que o requerimento foi apresentado por quem não tinha legitimidade para o fazer, sendo a instrução legalmente inadmissível.

Inconformado como o assim decidido veio o arguido V. interpor o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:

I – O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, imputando-lhe a prática de um crime de usurpações de funções e de procuradoria ilícita.

II – Com o despacho de acusação foi nomeado ao arguido defensor oficioso.

III – O defensor nomeado pediu escusa.

IV - Posteriormente, após sucessivas nomeações e pedidos de escusa, veio a ser nomeada, como defensora oficiosa do arguido a Dra. N (ora subscritora).

V - Nomeação que foi notificada ao arguido, como resulta de fls. 415 e 435.

VI - O requerimento de abertura de instrução foi apresentado e subscrito pelo próprio arguido.

VII - Por despacho de fls. 477 e 478 o Tribunal a quo rejeitou o requerimento de abertura de instrução com o fundamento que o requerimento deveria ser subscrito pelo defensor nomeado.

Concluindo:

a) Há que considerar que o requerimento foi apresentado por quem não tinha legitimidade para o fazer, sendo a instrução inadmissível.

b) b) Ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código de Processo Penal, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido.

VIII - De acordo com o disposto no art.º 98º CPP o arguido pode apresentar memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais.

IX - O arguido goza em especial em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei dos direitos de intervir no inquérito e na instrução oferecendo provas e requerendo diligências que se lhe afigurarem necessárias.

X - De acordo com o disposto no art.º 62º, n.º 1, do C. de Processo Penal, o arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo.

XI - Trata-se de emanação do direito constitucional à escolha de defensor (art.º 32º, n.º 3, da Constituição...), garantia directamente aplicável e cuja limitação, nos termos da Lei Fundamental, apenas pode ocorrer na medida do necessário para tutela de outros direitos análogos salvaguardados na Constituição... (art.º 18º, n.ºs 1 e 2).

XII - De acordo com o disposto no art.º 64º nº 4 do CPP e sem prejuízo do disposto nos nºs anteriores se o arguido não tiver constituído advogado nem defensor nomeado é obrigatória a nomeação de defensor quando contra ele for deduzida acusação devendo a identificação do defensor constar do despacho de encerramento de inquérito.

XIII - Dispõe finalmente e para o que aqui nos interessa, o art.º 287º do CPP no seu nº 4 que, no despacho de abertura de instrução, o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.

XIV - Como sabemos o processo penal num Estado de Direito paralelamente a assegurar ao Estado que cumpra e exerça o seu jus puniendi, deve oferecer as garantias necessárias para proteger os cidadãos contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo.

XV - As garantias de defesa são asseguradas, designadamente, mediante a outorga do direito de assistência de defensor em todos os actos do processo, visando-se assim assegurar que a investigação da verdade seja efectuada de acordo com as normas legais e com justiça, na medida em que favoreça o arguido [V. Figueiredo Dias, ob. Cit., pág. 469].

XVI - Como se salienta no Acórdão do TC de 4.11.87, esta garantia refere-se à participação processual do arguido, de sorte que só faz sentido a assistência quando o arguido deva participar no acto.

XVII - No caso em análise não temos um participar num acto mas num praticar um acto, mais precisamente dar entrada a um requerimento para abertura de instrução.

XVIII - Entendeu o Mmº Juiz a quo que “no caso dos autos, é manifesto que o requerimento de abertura da instrução constitui um acto eminentemente técnico, devendo ser praticado pelo defensor e nunca pelo arguido pelo seu próprio punho e desacompanhado daquele. Nessa medida, entendeu que o requerimento de abertura de instrução junto a fls. 436 é legalmente inadmissível, pelo que o rejeitou.

XIX - No entanto e pela leitura do supra citado art.º 287º do CPP no seu nº 4, no despacho de abertura de instrução, o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado, concluímos que o requerimento entra antes deste despacho, logicamente. E que, entrado o requerimento, declarando o Juiz aberta a audiência, nomeia ao requerente, neste acaso ao arguido defensor caso ele não tenha advogado. Assim sendo, necessário se torna concluir que o próprio arguido pode pelo seu punho dar entrada e elaborar requerimento de abertura de instrução mesmo desacompanhado de advogado ou defensor.

XX - Estamos pois perante um acto que garante a defesa dos direitos do arguido e que só por si, mesmo que não esteja perfeitamente formulado, se justifica pela envolvência que lhe é atribuída pela própria acusação.

XXI - A não ser assim estaríamos a negar ao arguido mais desprotegido, a possibilidade de defender-se numa fase em que poderá ainda não ter quem o represente.

XXII - O Requerimento pode ser apresentado pelo arguido e, ainda que o mesmo não estivesse bem formulado uma vez que, nos termos do disposto no n.º 2 do referido art.º 287.º do CPP o requerimento de abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, devendo apenas ou precisando apenas de conter em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação.

XXIII - Por sua vez, e nos termos do n.º 3, o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do Juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

XXIV - Para além do mais e conforme já supra também referido o artigo 64.º do C.P.P. discrimina quais os actos em que é obrigatória a assistência de defensor, neles não se encontrando o requerimento da abertura de instrução preceituado no artigo 287.º/1 a) do C.P.P. face ao estipulado pelo nº 4 do mesmo dispositivo legal.

XXV - Flui do exposto que o requerimento de abertura de instrução de fls. 436 e seguintes, pode ser apresentado e subscrito pelo arguido desacompanhado do defensor nomeado.

XXVI - Como se explicita na alínea a) do n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, o arguido tem legitimidade para requerer a abertura de instrução por factos constantes da acusação do Ministério Público.

XXVII - Por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito legal, prevê que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

XXVIII - De acordo com o artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, o processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o recurso e a garantia de que se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.

XXIX - Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa”, há “uma orientação do processo penal para a defesa”, que o vincula a assegurar todas as garantias, o que vale por dizer que é um processo que tem nos direitos do arguido “um limite infrangível” (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 32.º,ponto II. e, ainda, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 54/87, 150/87 e 356/91, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

XXX - Ora, consubstanciando o requerimento de abertura de instrução uma manifestação de discordância em relação ao despacho de acusação, e sendo o essencial da fase de instrução o controlo da acusação por parte do juiz, dúvida nenhuma subsiste, que o Tribunal a quo ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução subscrito pelo arguido com o fundamento que o este não tem legitimidade para requerer a abertura de instrução desacompanhado do defensor nomeado, fez uma interpretação contrária às garantias de defesa do arguido, violando dessa forma o artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República.

XXXI - Foram violados os artigos 61.º, 98.º, 287.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, 3, todos do Código de Processo Penal e artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República, entre outros.

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.

Quando assim se não entenda, deve julgar-se inconstitucionais as normas do artigo 287.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código de Processo Penal, na interpretação dada pela decisão recorrida, ou seja, que o arguido não tem legitimidade para requerer a abertura de instrução quando o requerimento não se encontrar subscrito pelo defensor do arguido (nomeado).

Respondeu ao recurso o Magistrado do Ministério Público entendendo que deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida.

Nesta Instância, o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É do seguinte teor o despacho sindicado:

Como resulta dos presentes autos, foi deduzida acusação contra o arguido V, imputando-lhe a prática de um crime de usurpação de funções e de procuradoria ilícita.

Verifica-se também que após sucessivas nomeações e pedidos de escusa, veio a ser nomeada, como defensora oficiosa do arguido, a Dr. N, nomeação que foi notificada ao arguido, como resulta de fls. 415 e 435.

Ora, o requerimento de abertura de instrução que foi apresentado e constante de fls. 436 e seguintes, encontra-se subscrito pelo próprio arguido, não sendo sequer invocada a sua qualidade de advogado (resultando do teor do requerimento que o arguido até entenderá que se pode arrogar de tal título).

É unânime o entendimento, inclusive ao nível do Tribunal Constitucional, que os arguidos, no âmbito do processo penal (e inclusivamente quando possuam título de advogado) têm que estar representados por advogado, estando vedado representar-se por si próprio.

Sendo certo que se o Requerente fosse efectivamente advogado não poderia por si próprio vir requerer a abertura da fase de instrução (como decidido no Ac. TRL de 10-02-2009, CJ, 2009, T1, pág.164), por maioria de razão, também não o poderá fazer quando não invoca tal qualidade nem a mesma se encontra demonstrada nos autos.

Não se podendo olvidar que o requerimento de abertura de instrução não se encontra qualificado como articulado, o certo é que também há muito que foi aceite que também não sendo as alegações de recurso qualificadas como tal, assumirão essa dignidade (vide Ac. do STJ de 21/03/1996, publicado in CJ, ano IV, 1996, Tomo I, pág. 235), tal como se imporá para o requerimento de abertura de instrução, o que levará à imposição de que esteja subscrito por advogado, sendo que, e ademais, é nesse requerimento que se devem suscitar as questões de facto e de direito que podem levar à prolação de uma decisão de não pronúncia.

Assim, entendemos que o requerimento dos autos deveria efectivamente ser subscrito pelo defensor do arguido, pelo que, não o estando, e havendo um regular patrocínio judiciário, há que considerar que o requerimento foi apresentado por quem não tinha legitimidade para o fazer, sendo a instrução legalmente inadmissível.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto no art.º 287º, n.º1, al. a) e n.º3 do Código de Processo Penal, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido V.

Notifique.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.

Das preditas conclusões resulta que a questão a dilucidar se prende em saber se a M.ma Juiz de Instrução, com o fundamento invocado, poderia, ou não, vir a rejeitar o requerimento de abertura de Instrução. Ou dito de outro modo, saber se a falta de subscrição desse requerimento por Advogado conduz, ou pode conduzir, à sua rejeição.

No sentido de se não poder rejeitar o requerimento, in casu, vem-se invocar, entre o mais, o estatuído no art.º 98.º, do Cód. Proc. Pen.

Diz-se no n.º1, do citado preceito legal que o arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integrados nos autos.

Como se vem entendendo, consagra-se em tal preceito legal quer o direito de petição previsto no art.º 52.º, n.º1, da Lei Fundamental, bem como o direito da intervenção probatória previsto no art.º 32.º, n.º 7, da mesma Lei.

Ora, se de tal consagração constitucional – direito de petição - decorre que todos os cidadãos têm direito, individual ou colectivamente, a apresentar às autoridades públicas petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos constitucionalmente consagrados, entende-se o alcance, nessa linha de pensamento do citado preceito legal, ao estender tal direito de petição ao arguido e bem assim aos demais sujeitos processuais que intervenham no processo penal[1].

O que levou o Conselheiro Maia Gonçalves a referir, a respeito, que a apresentação de exposições e memoriais integra-se no direito de petição, que até tem assento constitucional – art.º 52.º, n.º 1, da CRP -, sendo aqui uma incidência no processo penal quanto aos intervenientes processuais. O n.º2 não visou de modo algum restringir esse direito, mas tão só estabelecer a forma que deve revestir a apresentação dos requerimentos dos intervenientes processuais que não sejam arguidos[2].

Se bem entendemos o raciocínio desenvolvido pelo aqui recorrente, permitimos não partilhar do mesmo, atendendo ao caso concreto.

O requerimento de Instrução, até pela sua própria especificidade, deve ser visto para lá do que se diz no art.º 98.º do Cód. Proc. Pen.

E tanto que assim é, que no art.º 287.º, n.º 4, do mesmo diploma adjectivo se vem referir que no despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.

Tudo a inculcar a ideia da necessidade de intervenção de defensor nesta fase processual, aliás de acordo com o preceito constitucional vazado no art.º 32.º, n.º 3, onde se diz que o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.

Querendo-se com tal significar, na lição de Jorge Miranda e de Rui Medeiros, que se concede ao arguido o direito à escolha de defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, remetendo-se para a legislação ordinária a especificação dos casos em que a assistência por advogado é obrigatória.

E que do texto constitucional resulta agora que há um núcleo de actos e fases do processo em que a defesa só pode ser assegurada por advogado, sendo de excluir não só defensores não advogados mas também os advogados estagiários. É a lei ordinária que estabelecerá quais são esses casos e o critério parece dever ser o da gravidade das possíveis consequências para o arguido, o que se determinará em razão da gravidade do crime que lhe era imputado.[3]

Como ver, pois, a intervenção de Advogado nesta fase processual?

Pensamos, atentos os interesses em jogo, ser necessária a sua intervenção, de forma a serem assegurados os mais elementares direitos de defesa do arguido, ver, entre o mais, art.º 32.º, n.º 1, da C.R.P.

Importa, desde logo, reter qual a finalidade a prosseguir com a realização da instrução. Como decorre do art.º 286.º, n.º1, do Cód. Proc. Pen., n.º 1, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Decorrendo do n.º 1, do art.º 290.º, do mesmo diploma legal, que no decurso da instrução e com vista a se poderem levar a cabo os objectivos visados com a realização da instrução, se possam, no seu âmbito, praticar todo um conjunto de actos – v.g., interrogatório de arguido, inquirição de testemunhas, conjunto de diligências e investigações.

Vindo a culminar com a realização de um debate instrutório em que tem de intervir o defensor do arguido, como tudo bem decorre da leitura conjugada, entre outros, dos arts. 300.º, 301.º, 302.º e 303.º, todos do Cód. Proc. Pen.

O que nos leva a concluir que a nossa lei adjectiva penal impõe a defesa técnica (arts. 61.º, 62.º e 64.º, do Cód. Proc. Pen.), não obstante o disposto no art. 6.º, n.º 3, al. c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que tem sido entendido pelo Tribunal Constitucional como perfeitamente harmónico com a Constituição da República, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 14-03-2007.

Se assim se apresenta a intervenção do Advogado/Defensor no desenrolar desta fase processual, não vemos que seja diferente a exigência de intervenção consoante se esteja numa fase inicial da instrução ou numa fase mais adiantada da mesma.

Porquanto nada na lei, nem na sua letra nem no seu espírito, nos permite uma tal leitura, ver art.º 9.º, do Cód. Civ.

O que quer significar que o requerimento para abertura de instrução deveria ter sido subscrito pelo defensor do arguido, entretanto nomeado. Como não o foi, coloca-se a questão de saber se tal falta impõe, ou não, penalidade tão severa como aquela que se impôs no despacho recorrido- a rejeição do requerimento de instrução, com fundamento no disposto no art.º 287.º, n.ºs 1 al.ª a) e 3, do Cód. Proc. Pen.

Diz-se no art.º 287.º, do Cód. Proc. Pen., que:

1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:

a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou

b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.

Da leitura do acabado de transcrever decorre que a rejeição do requerimento de abertura de instrução foi pensada para situações bem mais gravosas que a aqui perfilada. Não se podendo nelas inscrever a falta de subscrição do predito requerimento por Advogado/Defensor.

Daí entendermos, na linha do que se defendeu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 6-05-2013, no Processo n.º 1508/09.8TAGMR, que a falta de assistência de Advogado/defensor não justifica a rejeição, sem mais, da instrução, sob pena de ilogismo. É que se a assistência do defensor visa proteger o arguido, a falta daquela não pode justificar sem mais uma agravação da posição processual deste.

Propendemos, destarte, a considerar estarmos perante uma falta de menor dimensão, que a propugnada no despacho revidendo, a demandar intervenção correctiva ao nível da mera irregularidade do patrocínio, fazendo intervir o estatuído no art.º 40.º, do Cód. Proc. Civ., aplicável, ex vi, do que se dispõe no art.º 4.º, do Cód. Proc. Pen.

Devendo conceder-se prazo – ver, também, art.º 105.º, do Cód. Proc. Pen.,- para suprimento da irregularidade do patrocínio judiciário, com ratificação do processado[4].

No mesmo sentido, vemos o Acórdão da Relação de Guimarães retro mencionado, onde se deu nota de que apresentado requerimento para a abertura da instrução apenas subscrito pelo arguido, devem este e o seu defensor/advogado ser notificados para, no prazo geral de 10 dias, juntarem aos autos requerimento com ratificação do processado, subscrito pelo defensor advogado, sob pena de rejeição da instrução, por inadmissibilidade legal desta.

Por despiciendo, face ao que vem sendo mencionado, se não entrará na análise da questão da inconstitucionalidade suscitada.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido o qual deverá ser substituído por outro que ordene a notificação do arguido e do seu Defensor para este, em 10 dias, ratificar o requerimento de abertura de instrução, sob pena de rejeição desta, por inadmissibilidade legal da mesma.

Sem custas, por não devidas.

(texto elaborado e revisto pelo relator).

Évora, 24 de Setembro de 2013

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(José Proença da Costa)

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(Sénio Alves)

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[1] Ver, Código de Processo Penal, Comentários e Notas, do Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, págs. 258.

[2] Ver, Código de Processo Penal, págs. 98.

[3] Ver, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, págs. 357-358.

[4] Ver, Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-02-2009, na C.J., 2009, Tomo 1, págs. 164.