Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
474/16.T9EVR.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: DISPENSA DE PENA
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - A matéria de facto provada não abrange o pressuposto factual da dispensa de pena de que a recorrente pretende beneficiar, que consiste na existência de ofensas corporais recíprocas entre o agente activo e o agente passivo, sem que se saiba quem agrediu primeiro.
- Aquando da prática dos factos, a arguida era ainda menor perante da lei civil (art. 122º do CC), tinha atingido a idade da imputabilidade penal menos de dois anos antes e encontrava-se numa idade que deve ser considerada de formação, à qual pode ser aplicado, em abstracto, o regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no DL nº 401/82 de 23/9, que tem como principal aspecto a atenuação especial de pena prescrita pelo art. 4º desse diploma legal.

- No caso em apreço, a referida atenuação especial de pena não está em causa, porquanto está prevista unicamente para as penas de prisão.

- Contudo, a idade juvenil da arguida deverá sempre militar de forma sensível no sentido da imposição de uma sanção menos severa, independentemente do tipo de pena aplicada.

Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

Por sentença proferida em 11/10/2018 no Processo Comum nº 474/16.T9EVR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Évora do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, foi decidido:

Julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente:

1. Condenar a arguida como autora material de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.°, n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) que perfaz um total de € 300,00 (trezentos euros);

2. Condenar a arguida em custas criminais no montante de 2 (duas) UC, nos termos dos artigos 513.°, n.º 1 e 3 e 514.° do Código de Processo Penal, artigo 8.°, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa;

3. Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de arbitramento e em consequência condenar a arguida no pagamento à ofendida TCPP da quantia de € 200,00 (duzentos) euros a título de prejuízos; absolvendo-a do demais peticionado.

4. Julgar totalmente procedente por provado o pedido de indemnização civil do Hospital do Espírito Santo de Évora, E.P.E (HESE-EPE), e em consequência condenar a arguida no pagamento ao demandante Hospital do Espírito Santo de Évora, E.P.E (HESE-EPE) da quantia de € 130,07 (cento e trinta euros e sete cêntimos) acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da notificação à arguida dos pedidos de indemnização civil, à taxa legal de 4 % (cf. artigos 504.º, 505.º, n.º 1, n.º 2, al. a), e n.º 3, 506.0, e 559.° do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04), prevista para os juros moratórias, até efectivo e integral pagamento.

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

1. No dia 1 de Maio de 2016, cerca das 4h00 no Bar Bubbles, nas Piscinas Municipais de Viana do Alentejo, a arguida dirigiu-se à ofendida TCP.

2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar a arguida, sem que nada o fizesse prever desferiu vários arranhões e puxões de cabelo na ofendida.

3. Na sequência da conduta da arguida a ofendida sofreu arranhão no braço direito e esquerdo e ferida tipo unhada na face palmar do punho do membro superior esquerdo.

4. Tais lesões determinaram 10 dias para cura sem afectação da capacidade de trabalho profissional e geral.

5. A ofendida sofreu dores nas zonas atingidas.

6.A arguida sabia que a sua conduta era apta a provocar as lesões do tipo das verificadas e a provocar dores na ofendida.

7. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

8. A arguida tem o 9.° ano de escolaridade.

9. A arguida encontra-se de licença de maternidade auferindo o valor de € 148,00 de subsídio.

10. A arguida tem um filho recém-nascido e vive em condições análogas à dos cônjuges com o seu companheiro que aufere o salário mínimo nacional.

11. A arguida não possui antecedentes criminais.

Do Pedido de Indemnização Civil

12.Em 1 de Maio de 2016, recebeu assistência no Serviço de Urgência do HESE¬EPE, TCPP.

13. As despesas efectuadas com toda a assistência prestada a TP, importaram em € 130,07 (cento e trinta euros e sete cêntimos).

14. As lesões que determinaram a prestação de cuidados de saúde, nos serviços hospitalares do Hospital Espírito Santo de Évora, EPE, à ofendida, foram consequência da conduta referida no ponto 2.

A mesma sentença julgou os seguintes factos não provados:

• A arguida sem que nada o fizesse prever desferiu vários socos na ofendida.

• Na sequência da conduta da arguida a ofendida sofreu ligeira equimose infra-orbitária esquerda, equimose ligeira do mento.

Da referida sentença interpôs recurso a arguida SM, com a devida motivação, tendo formulado as seguintes conclusões:

. O presente recurso fundamenta-se no facto de haver uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma contradição insanável entre a fundamentação e entre esta e a decisão, e erro notório na apreciação da prova – art.ºs 410º, n º 1 e 2 alíneas a) b) e c) e 412.º, n.º 3 todos do CPP.

. É manifesta, face às razões supra aduzidas e à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a insuficiência da matéria de facto dado como provada para se tomar a decisão que se tomou.

. É manifesto, face aos raciocínios expendidos e à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

. Da globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não pode resultar a convicção do tribunal, expressa na douta sentença, em virtude de a análise crítica de toda a prova produzida não se poder tirar a conclusão ali vertida.

. A arguida há altura dos fatos, tinha 17 anos de idade – sendo que a ofendida tinha 25 anos -.

. As testemunhas arroladas eram todas amigas da queixosa/ofendida, conforme foi dito pela própria.

. Houve muitas dúvidas e inúmeras contradições nos depoimentos prestados pela ofendida e as testemunhas apresentadas.

. Não foi possível “vislumbrar a gravidade dos factos” referenciados na acusação.

. Inclusivé os socos - “os mais relevantes” – não foram provados.

. A ofendida refere que “as ditas agressões” foram dentro do bar, ao que a testemunha, MHL, diz taxativamente: FORA, FORA SEMPRE FORA

. A ofendida diz que eram: três contra duas, que para fazer alguma coisa - se atirou para o chão - ao passo que a testemunha, MHL, nada refere sobre estas situações, ou é completamente inconclusiva - ...Estavam agarradas...tentou separá-las...Sim, talvez, penso que agarrou na mão, eu já não...me recordo se foi na mão, se foi aqui no pulso, portanto foi por aqui...Tão, a seguir eu tentei meter-me no meio de elas as duas, tentar perceber mas o que é que se passa?

Pois, entretanto ela foram as duas lá para fora, para a rua, entretanto houve ali umas agressões, uns empurrões, a minha amiga T já estava no chão.

Então, a srª. S, deu uns empurrões, empurrou a minha amiga, tentou agredi-la.

Sim, tenho a impressão que ela lhe puxou os cabelos, agarrou-lhe no braço e pois mais não me recordo sinceramente...já foi á tanto tempo...elas estavam agarradas, não percebi bem se havia pontapés, se havia...estavam tipo.

Sei que a principal pessoa que a estava a agarrar, que lhe puxou assim um bocadinho do cabelo, que pronto estava a tentar ser agressiva com ela foi esta senhora, entretanto juntaram-se ali outras pessoas, mas isso já não...

. A testemunha, AC, diz que lá “dentro” não viu nada, que correm para fora e que os factos se passam entre a 1 e as 2 da manhã – quando a acusação refere que tudo se terá passado cerca das 4 horas -.

. Assim, é nosso entendimento que o princípio de interpretação da lei criminal, “In dubio pro reo” não foi corretamente aplicado pelo “tribunal a quo”, pois que depois de ter produzido todos os meios de prova, ficaram dúvidas sobre os factos, pelo que a razoabilidade das mesmas, seria de molde a sentenciar a arguida pela sua absolvição (pois que havendo dúvidas entre duas interpretações possíveis, deve prevalecer.

Sem prescindir,

. Caso assim não se entenda e se considere que os factos dos presentes autos constituem um crime de ofensas à integridade física simples previsto no artigo 143.º n.º 1 do Código Penal, sempre se dirá que a arguida deveria ser dispensada da pena – pois que também ficou com arranhões e não se fez prova de quem agrediu primeiro a quem - nos termos legais p.p. nº2 a) do mesmo preceito legal antes referido.

. A arguida não tem antecedentes criminais e encontra-se inserida, social e familiarmente.

. Colaborou com o tribunal, quando – “querendo”- prestou declarações em sede de 1.º interrogatório judicial e na audiência de discussão e julgamento.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo considerado que não se fez prova cabal e inequívoca de que a arguida SS, praticou os fatos pelos quais foi acusada, devendo V. Exªs. Venerandos Juízes Desembargadores, proferir acordão em consonância.

AGINDO DESTA CONFORMIDADE FARÃO V.ªS EGRÉGIOS DESEMBARGADORES SERENA, SÃ E OBJECTIVA JUSTIÇA

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

O MP respondeu à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. A Recorrente alega existir na sentença recorrida os vícios referidos nas als. a) e b) do artigo 410.° do Código de Processo Penal - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ¬mas não explicita em que termos se verificam tais vícios, inviabilizando qualquer resposta em contraposição a tal alegação.

2. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando da factualidade vertida na decisão se conclui que faltam dados e elementos para a decisão de direito e o da contradição insanável de fundamentação existe quando, segundo um raciocínio lógico e com recurso às regras da experiência comum, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou quando se conclui que a decisão, no seu todo, não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados.

3. Nenhum dos vícios se verifica porquanto, percorrendo o texto da douta sentença recorrida, dela se retira o Mm" Juiz concluiu no sentido em que concluiu - dando por provados os factos enunciados como tal - num raciocínio lógico e coerente e tendo em consideração o conjunto da prova produzida em audiência, a factualidade provada só poderia levar à decisão de Direito que levou.

4. Da sentença não resulta qualquer incompatibilidade entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

5. A recorrente alega a existência de erro notório na apreciação da prova mas não obedece aos requisitos previstos no n.º 3 do artigo 412.° do Código de Processo Penal porquanto não indica os factos que considera incorretamente julgados nem as provas que devem ser renovadas (não obstante transcrever excertos das declarações das testemunhas) - ao invés do que se lhe impunha em observância ao estatuído no artigo 412.°, n.º 3, do Código de Processo Penal.

6. Na apreciação da prova o Mm" Juiz formou a sua convicção, valorizando as declarações da ofendida e das testemunhas de modo diverso do da recorrente, o que fez ao abrigo do princípio da livre convicção.

7. Não pode o Tribunal de recurso substituir à convicção do Tribunal recorrido a convicção da recorrente uma vez que a primeira tem suporte na prova produzida em audiência, designadamente testemunhal e pericial, conjugada com as regras da experiência comum, conduzindo a mesma à convicção da condenação da arguida, na sequência de um processo lógico que facilmente se extrai da motivação de facto da sentença condenatória.

8. ln casu, não há qualquer vício na decisão recorrida, havendo sim discordância da arguida quanto ao modo como o Tribunal formou a sua livre convicção e não existe qualquer vício na formação dessa convicção.

9. A avaliação da prova em sede de motivação da douta sentença recorrida é perfeitamente compatível com o conjunto da prova produzida em audiência e não se vislumbra qualquer desconformidade entre a prova produzida e a leitura (da mesma) empreendida pelo Mm" Juiz a quo" ou qualquer violação das regras da valoração da prova - maxime, do princípio da livre apreciação da prova ou do princípio do in dubia pro rea.

10. Por obediência ao princípio do "in dubia pro rea" o julgador tem que se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tenha a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

11. Da fundamentação da douta sentença decorre de forma evidente que o Mm" Juiz não teve qualquer dúvida sobre a factualidade que deu por provada, pelo que, consequentemente, não se lhe impunha lançar mão de tal princípio.

12. Perante a factualidade provada impõe-se, consequentemente, a condenação da arguida nos exatos termos em que a mesma ocorreu, não existindo qualquer interpretação inadequada do artigo 143.°, n.º 1, do Código Penal nem fundamento para a dispensa de pena porquanto da factualidade apurada não resultou que a arguida tenha sofrido qualquer agressão.

Nestes termos, negando provimento ao presente recurso e mantendo integralmente a Douta decisão recorrida nos seus precisos termos, Vªs Exªs farão Justiça.

Pelo Digno Procurador-Geral Adjunto em funções junto desta Relação foi emitido parecer sobre o mérito do recurso interposto no sentido da sua improcedência.

O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, nada tendo respondido.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância do acórdão sob recurso, tal como transparece das conclusões da arguida recorrente, desdobra-se nas seguintes questões:

a) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

b) Subsidiariamente, pedido de benefício da dispensa de pena, prevista no art. 203º nº 2 al. a) do CP.

A recorrente invoca ainda que a sentença recorrida enferma de todos os vícios previstos nas als. a), b) e c) do n 2 do art. 410º do CPP.

Contudo, resulta da motivação do recurso e das suas conclusões que o que a arguida censura na sentença é ter dado como provados os factos integradores do crime por cuja prática foi condenada em primeira instância, que são de grande simplicidade, pretendendo ela que, em sede de recurso, tais factos sejam julgados não provados, com a sua consequente absolvição.

Tal pretensão releva indubitavelmente da chamada impugnação alargada da matéria de facto, a que se refere o art. 412º nºs 3 e 4 do CPP, e não de quaisquer vícios de que a sentença possa estar inquinada.

A propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, convirá recordar que tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre esta matéria não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.

Embora a recorrente não o tenha explicitado, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por ela deduzida, tal como é apreensível das conclusões formuladas, visa a conduta objectiva integradora do crime comporta, que se reconduz ao ponto 2 da matéria assente.

A pretensão da recorrente em matéria de facto assenta na desvalorização, para efeitos de convicção da prova pessoal produzida em audiência, sobretudo em razão das contradições, que a arguida entende detectar entre as declarações da demandante e ofendida TP e os depoimentos das testemunhas arroladas na acusação (HL e AC), com apelo ao postulado «in dubio pro reo».

Para fundamentação do juízo probatório nele emitido, o acórdão recorrido expende (transcrição com diferente tipo de letra):

1.3 MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A prova em processo penal é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser em sentido contrário (cf. artigo 127.° do Código de Processo Penal).

Assim, nos presentes autos o Tribunal formou a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, apreciando-os criticamente e à luz das regras da experiência comum.

No apuramento da factualidade provada o Tribunal atendeu ao confronto das declarações da arguida com o depoimento da ofendida, das testemunhas arroladas pela acusação e, ainda do relatório de perícia de avaliação do dano corporal e documentos juntos a fls 20 a 22, 3 e 97.

Quanto às declarações da arguida não mereceram ao Tribunal crédito, porquanto, configuram declarações interessadas quando conjugadas com a restante prova junta aos autos.

Por sua vez as declarações da ofendida mereceram crédito ao Tribunal uma vez que a versão dos factos que apresentou não está em oposição à dada pela testemunha MHVCL que o Tribunal igualmente considerou credível atendendo ao modo espontâneo e por tal verdadeiro como depôs.

As circunstâncias de modo, tempo e lugar da ofensa sofrida pela ofendida, resultaram do teor da prova testemunhal realizada em audiência assim como da prova documental constante dos autos. Assim a factualidade sob os pontos 1, 2 e 3 foi dada como provada porquanto confirmada pela queixosa que relatou o episódio, nomeadamente, o facto de estar a dançar no Bar Bubbles, nas Piscinas Municipais de Viana do Alentejo quando a arguida se dirigiu a si, sem que nada o fizesse prever e lhe começa a desferir vários arranhões e puxões de cabelo. Tendo a veracidade do seu depoimento sido efectivamente corroborada pela testemunha MHVCL que relatou ao Tribunal de forma precisa e por isso credível que à data dos factos se encontrava no Bar Bubbles quando viu a arguida a agredir a ofendida sem que nada o pudesse prever.

TCPP enquanto ofendida, descreveu de forma objectiva os factos por si sofridos como sendo arranhões, unhadas e puxões de cabelo e identificou a arguida, indo de encontro quer à descrição factual feita pela testemunha MHVCL, quer ao teor do relatório de perícia de avaliação do dano corporal junto aos autos a fls 20-22.

Pelo que é seguro para o Tribunal, no que respeita à razão de ciência da ofendida que esta soubesse efectivamente o que diz saber e ter efectivamente presenciado a ocorrência dos factos (porque tinha como saber, atendendo a que foi efectivamente vítima das descritas agressões).

Por seu turno, a testemunha AMSC afirmou ao Tribunal de forma coincidente com o relatado pela ofendida que na noite dos factos havia estado com a ofendida e a testemunha MHVCL no Bar Bubbles e que não obstante não ter assistido às agressões recorda-se da existência de um conflito entre a arguida e a ofendida no referido bar tendo apenas visto a ofendida no chão.

Apresentou também a testemunha MHVCL um discurso assertivo em tudo coerente à restante prova não se conhecendo quaisquer relações de inimizade com a aqui arguida que a inibissem de depor com verdade. Relatou a presente testemunha ao Tribunal de forma coincidente com a ofendida e a testemunha AMSC que na data dos factos estava a dançar com a ofendida quando viu a arguida a abeirar-se da ofendida e a agarrá-Ia. Relata que tentou separar a arguida da ofendida que estava a tentar libertar-se das agressões.

Quando questionada sobre quais as ofensas que presenciou referiu de forma assertiva e por isso credível que viu a arguida a dar arranhões e puxões de cabelos à ofendida.

Não conflitua com a normalidade das coisas, que esta testemunha diga a verdade, apresentando uma versão coerente. Mais se diga que a sua coerência no relato levam o Tribunal a concluir pela liquidez da sua razão de ciência.

No que respeita à agressão de que a ofendida foi vítima baseou o Tribunal a sua convicção quanto à prova dos pontos 4 e 5 na conjugação dos depoimentos da queixosa e da testemunha MH com o exame pericial, bem assim, com as regras da experiência comum de acordo com as quais as lesões que a mesma apresentava são consentâneas com a agressão que relatou ter sido vítima.

Do relatório pericial é possível aferir as descritas lesões. Nos termos do referido relatório pericial os arranhões e puxões de cabelo descritos são susceptíveis de causar as lesões apresentadas - arranhão no braço direito e esquerdo e ferida tipo unhada na face palmar do punho do membro superior esquerdo; e que tais lesões determinaram 10 dias para cura sem afectação da capacidade de trabalho profissional e geral. Não tendo o Tribunal conhecimento de qualquer comportamento da ofendida ou de terceiro que fosse susceptível de afastar o nexo de causalidade entre os arranhões e a agressão dá-se por provada a presente factual idade.

Mais se diga que a própria arguida em declarações acaba por negar a possibilidade da existência de outras situações causais dentro do referido Bar Bubbles que fossem susceptíveis de perpetrar as lesões sofridas pela ofendida.

Quanto aos documentos enunciados (relatório de perícia de avaliação do dano corporal e auto de notícia juntos a fls 20 e 3) tanto a autenticidade como a veracidade do conteúdo de nenhum modo foram postas em causa pela arguida, pelo que teor e valor probatório dos elencados documentos saiu incólume da audiência de julgamento após o confronto com a demais prova produzida.

Mais se diga que o conteúdo dos presentes documentos é inequívoco e pertinente para a decisão - pertinência esta que resulta na indicação no exame pericial das lesões sofridas resultarem de arranhões, logo preenchem o tipo legal do crime pelo qual vem a arguida acusada.

Assim, considerando o depoimento claro, coerente e circunstanciado prestado pela queixosa, que nos mereceu, por isso, credibilidade, conjugado com a demais prova produzida, dúvidas não nos restaram que a agressão ocorreu da forma descrita pela mesma.

Quanto aos factos referentes ao elemento subjectivo, pontos 6 e 7 da matéria de facto provada resultaram provados também com base nas regras da experiência comum, pois que pertencendo ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida. Mais se diga que é de elementar clareza que qualquer homem médio colocado na situação descrita saberia que agredir fisicamente outrem consubstanciaria a prática de um facto ilícito penalmente punível.

Quanto às condições económicas e sociais da arguida - pontos 8, 9 e 10 a sua prova resulta das declarações prestadas pela arguida que pela sua espontaneidade mereceram credibilidade.

O ponto 11 da matéria de facto provada - ausência de antecedentes criminais da arguida resultou provado do teor do certificado do registo criminal junto aos autos a fls 97.

No que respeita aos pontos 12, 13 e 14 referentes ao pedido de indemnização civil a confirmação das lesões sofridas decorreu não só do depoimento da queixosa como também do depoimento da testemunha inquirida MHVCL que esteve com a queixosa após o sucedido e observou as lesões que a mesma apresentava. Do relatório pericial é possível igualmente aferir as descritas lesões, nomeadamente o nexo causal entre as mesmas e a agressão perpetrada pela arguida. Não tendo o Tribunal conhecimento de qualquer comportamento da ofendida ou de terceiro que fosse susceptível de afastar o nexo de causalidade entre os arranhões e a agressão.

No que respeita à prática pela arguida dos factos em causa, considerando que a mesma foi identificada na sequência da descrição dada pela queixosa, e que esta logrou provar as lesões por si sofridas, dúvidas não restam, apesar de a arguida negar a prática dos factos de que foi a sua autora dando-se assim por provados os factos 12, 13 e 14 referentes ao pedido de indemnização civil. Mais se provou pelos documentos juntos aos autos que em 1 de Maio de 2016, a ofendida recebeu assistência no Serviço de Urgência do HESE-EPE e que as despesas efectuadas com toda a assistência prestada importaram em € 130,07 (cento e trinta euros e sete cêntimos).

Em suma, da apreciação conjugada de todos os depoimentos, de acordo com as regras da experiência, e de toda a prova produzida o Tribunal atribui credibilidade aos depoimentos porquanto, após a comparação e o confronto dos depoimentos com as demais provas documentais resulta claro, o modo, tempo e autoria como os factos ilícitos foram perpetrados.

No que concerne à matéria de facto não provada foi claramente confirmada a inexistência de socos quer pelas declarações da arguida, quer do teor do depoimento da ofendida e da testemunha MHVCL que afastaram por completo a existência de quaisquer socos perpetrados pela arguida e das correspondentes lesões no corpo, pelo que se dão aqui por não provados.

Procedemos à audição do registo auditivo dos elementos de prova pessoal relevantes para a impugnação em apreço, a saber, declarações da arguida e da demandante e depoimentos testemunhais de AC e HL.

Nos processos por crimes de ofensa à integridade física, o panorama da prova resume-se, quase sempre, às versões contraditórias da arguida e da ofendida, aos depoimentos de testemunhas quase sempre comprometidas com um dos lados e aquilo que vem conferir consistência à versão da ofendida reside na sua compatibilidade com a prova científica, contida na perícia médico-legal.

O caso em apreço não escapa a esse paradigma.

No que se refere ao depoimento prestado por AC, deveremos dele abstrair não só pela pobreza do seu conteúdo, mas sobretudo por que o Tribunal de julgamento determinou a extracção de certidão para efeitos de eventual procedimento criminal contra o depoente, como consta da acta da audiência a fls. 198 a 202, o que afecta irremediavelmente a sua credibilidade.

Independentemente das contradições que possam ser detectadas entre as declarações da demandante e o depoimento da testemunha HL, o certo é que a relato feito pela ofendida nem sempre primou pela objectividade, pois imputou à arguida ou a outras pessoas que se encontravam no local actuações agressivas da sua integridade física, como arranhões na face e nas costas ou pontapés na barriga, que, a terem tido lugar, teriam deixado marcas que não teriam escapado ao exame pericial médico feito à queixosa, cujo relatório consta de fls. 21 e 22.

No referido relatório médico, indicam-se, como únicas lesões físicas apresentadas pela ofendida, a ferida e os arranhões descritos no ponto 3 da matéria de facto assente e duas equimoses ligeiras na face, uma na zona infraorbitária e outra no mento.

Noutras passagens, a narrativa da ofendida afasta-se da experiência comum e da normalidade e das coisas, quando, por exemplo, referiu que se deixou cair ao chão, com a finalidade de que a arguida parasse de a agredir.

Ora, parece-nos evidente que, num contexto de agressão, uma pessoa caída no solo é sempre mais vulnerável, perante um agressor que se encontre de pé, pelo que a sua reacção normal será a de levantar-se o mais rapidamente possível, carecendo de sentido que a pessoa busque a posição de caído como antídoto a uma actuação agressiva de outrem.

Nas suas declarações, a arguida sustentou que foi a demandante quem primeiro a agarrou e depois empurrou, ao que ela reagiu agarrando-a pelos braços, admitindo como possível que tenha provocado à ofendida as lesões que ela apresentava, pois usava as unhas compridas.

Dado que as lesões descritas no ponto 3 da matéria assente foram produzidas em três zonas distintas, não se nos afigura que possam ser compatíveis com uma actuação involuntária ou preterintencional, mas antes apresentam a marca da voluntariedade, pelo que a versão da arguida não deve merecer crédito.

No entanto, pelas razões que já enunciámos, não deve ser reconhecido poder de convicção às declarações da demandante, na parte em que não são corroboradas pela prova pericial médica, como sucede em relação aos puxões de cabelos que a arguida lhe teria infligido, os quais não deixam normalmente marcas.

Dado o depoimento de HL não foi inequívoco quanto aos puxões de cabelo, teremos de reconhecer procedência, nesse aspecto pontual à impugnação em apreço.

A recorrente invocou, em apoio da sua pretensão que a sentença sob recurso violou a regra «in dubio pro reo».

Tal postulado constitui um afloramento, ao nível da apreciação da prova, do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32º nº 2 da CRP) e obriga o Tribunal a julgar não provado qualquer facto constitutivo ou agravante da responsabilidade criminal do arguido, semre que sobre erle pprevaleça uma dúvida razoável, racional e insanável.

Temos entendido que só se verifica uma dúvida justificativa do acionamento do «in dubio pro reo» quando, uma vez efectuado o exame crítico da prova, permaneça em aberto alguma hipótese factual alternativa que não seja rejeitada pelos critérios que orientam essa operação, mormente, a experiência comum, a normalidade das coisas e a lógica geralmente aceite.

Pela análise que vimos efectuando, parece-nos ter demonstrado que não restava ao Tribunal «a quo» espaço lógico para não dar como provado a actuação agressiva da arguida que causou à ofendida as lesões referidas no ponto 3, pelo que não houve postergação do postulado a que nos vimos referindo.

Consequentemente, será determinada, no seguimento decisório do presente acórdão a seguinte alteração da matéria de facto provada e não provada:

- O ponto 2 da matéria provada passará a ter a seguinte redacção :

«2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar a arguida, sem que nada o fizesse prever desferiu vários arranhões na ofendida».

- A matéria de facto não provada passará a incluir um ponto do seguinte teor:

«Nas circunstâncias referidas em 2. A arguida desferiu puxões de cabelo na ofendida».

Cumpre retirar as necessárias consequências jurídicas da alteração introduzida na matéria de facto assente.

O crime de ofensa à integridade física é assim tipificado pelo nº 1 do art. 203º do CP:

Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

A redução da matéria de facto provada, operada no presente acórdão, é manifestamente inócua para o preenchimento do tipo criminal, por cuja prática a recorrente foi condenada em primeira instância, mas pode ter reflexo na medida da sanção aplicada e na quantia arbitrada a titulo de indemnização à ofendida.

Todavia, em primeiro lugar, incumbir-nos-á de apreciar o pedido formulado pela recorrente no sentido de lhe ser reconhecido o benefício da dispensa de pena previsto no art. 143º nº 3 al. a) do CP.

O nº 3 do art. 143º do CP estatui:

O tribunal pode dispensar de pena quando:

a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou

Em termos gerais, a dispensa de pena é regulada pelo art. 74º do CP:

1 - Quando o crime for punível com pena de prisão não superior a 6 meses, ou só com multa não superior a 120 dias, pode o tribunal declarar o réu culpado mas não aplicar qualquer pena se:

a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;

b) O dano tiver sido reparado; e

c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.

2 - Se o juiz tiver razões para crer que a reparação do dano está em vias de se verificar, pode adiar a sentença para reapreciação do caso dentro de 1 ano, em dia que logo marcará.

3 - Quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1.

A matéria de facto provada não abrange o pressuposto factual da dispensa de pena de que a recorrente pretende beneficiar, que consiste na existência de ofensas corporais recíprocas entre o agente activo e o agente passivo, sem que se saiba quem agrediu primeiro.

Na falta desse pressuposto, a pretensão recursiva terá necessariamente de improceder, nesta parte.

O nº 1 do art. 40º estabelece como finalidades da aplicação das penas a protecção de bens jurídicos, que se desdobra, no essencial, na prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade.

O art. 71º do CP, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:

1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Por sua vez, o art. 47º do CP é do seguinte teor:

1 - A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.

2 - Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Para o efeito da fundamentação jurídica da decisão recorrida, em matéria de escolha e quantificação da pena, o Tribunal «a quo» expendeu (transcrição com diferente tipo de letra):

B) DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

Diga-se que em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa (cf. artigo 40.°, n.º 2, do Código Penal).

Nos termos do disposto no artigo 71.° do Código Penal a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra este, designadamente as plasmadas no n.º 2 do citado preceito legal.

Daqui resulta ainda o princípio da proibição da dupla valoração, segundo o qual não deve ser valorado, na determinação da pena, uma circunstância que já o tenha sido aquando da verificação do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade criminal.

Na senda da teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico à prevenção geral positiva cabe fornecer uma moldura de prevenção, em que o limite superior corresponderá ao ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e como limite inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a função tutelar inerente à mesma.

Assim, o limite máximo é fixado de acordo com a culpa e o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral. Já a pena concreta a aplicar é fixada, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham, tendo como intuito a socialização do agente e a sua reintegração social.

No caso concreto.

Há assim que ponderar:

Contra a arguida:

- O dolo, como directo que é, não merece grande reflexão, encontrando-se no expoente máximo do grau de culpa.

- A ilicitude dos factos é, apesar de tudo, mediana, atendendo ao modo de execução dos factos bem como ao grau mediano de lesões provocadas na ofendida, evidenciado pela extensão.

A favor da arguida:

As necessidades de prevenção especial mostram-se reduzidas, uma vez que a arguida não regista antecedentes criminais e está inserida sócio familiarmente.

Ponderadas estas circunstâncias entende o Tribunal que é justo e adequado fixar à arguida uma pena concreta de 60 (sessenta) dias de multa.

*

Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, estabelece o artigo 47.°, n.º 2 do Código Penal, que a taxa diária da multa deverá ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, tendo em conta a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais.

Assim e tendo em conta a situação económica da arguida em licença de maternidade auferindo um subsídio no valor de € 148,00 (cento e oitenta euros) afigura-se-nos ajustado fixar uma taxa diária de cinco euros (€ 5,00), para a pena de multa aplicada à arguida.

Da admoestação

Prevê o n.º 1 do artigo 60.° do Código Penal que «se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o Tribunal limitar-se a proferir uma admoestação» e desde que «o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Atendendo a que o dano provocado na ofendida não foi objecto de qualquer reparação, entende o Tribunal ser de afastar a substituição da pena de multa por uma admoestação.

Pelo que deverá nos termos do artigo 47.°, n.º 2 do Código Penal ser a arguida condenada na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco) euros que perfaz o total de €300,00 (trezentos) euros.

O trecho da sentença recorrida agora reproduzido discute de forma em geral correcta os parâmetros a que deve atender-se na determinação da medida da pena, discordando nós apenas, salvo o devido respeito, da avaliação do grau de ilicitude da conduta incriminada, o qual se nos afigurava reduzido já em face da factualidade dada como provada em julgamento.

Tal ajuizamento deverá ser acentuado em razão da alteração introduzida pelo presente acórdão na matéria de facto assente, já que se diminuiu o âmbito da conduta por que a arguida responde, dando como não provado que ela tivesse puxado o cabelo à ofendida.

Por fim, parece-nos que o Tribunal «a quo» não terá valorado na devida medida a circunstância de a arguida ter, de acordo com os seus elementos de identificação que constam do relatório da sentença, nascido em 11/9/98, e os factos por que ela responde terem ocorrido em 1/5/2016, pelo que contava então apenas 17 anos de idade.

Assim, aquando da prática dos factos, a arguida era ainda menor perante da lei civil (art. 122º do CC), tinha atingido a idade da imputabilidade penal menos de dois anos antes e encontrava-se numa idade que deve ser considerada de formação, à qual pode ser aplicado, em abstracto, o regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no DL nº 401/82 de 23/9, que tem como principal aspecto a atenuação especial de pena prescrita pelo art. 4º desse diploma legal.

No caso em apreço, a referida atenuação especial de pena não está em causa, porquanto está prevista unicamente para as penas de prisão.

Contudo, a idade juvenil da arguida deverá sempre militar de forma sensível no sentido da imposição de uma sanção menos severa, independentemente do tipo de pena aplicada.

Nesta conformidade, entendemos por justo e equilibrado diminuir de 60 para 30 dias a medida temporal da pena de multa em que a arguida foi condenada.

Quanto à taxa diária da multa, a mesma não é passível de alteração, pois o Tribunal «a quo» já a fixou no mínimo legal de € 5

A sede legal da obrigação de indemnizar danos não patrimoniais reside no nº 1 do art. 496º do CC:

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

O nº 3 do mesmo artigo dispõe que a fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais seja feito pelo Tribunal equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494 do CC.

Finalmente, as «circunstâncias», a que alude o art. 494º do CC, reconduzem-se ao grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais, que assumam relevo para a questão.

Acerca do dever de indemnizar, a sentença impugnada expende (transcrição com diferente tipo de letra):

Primeiramente quanto ao Arbitramento de Indemnização Civil à ofendida TCPP:

Prevê o artigo 77.°, n.º 4 do Código de Processo Penal que «Quando, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, não fosse obrigatória a constituição de advogado, o lesado, nos prazos estabelecidos nos números anteriores, pode requerer que lhe seja arbitrada a indemnização civil. O requerimento não está sujeito a formalidades especiais e pode consistir em declaração em auto (. . .)».

A ofendida TCPP apresentou pedido de arbitramento de indemnização civil a fls 153 nos termos do supra referido artigo 77.°, n.º 4 do Código de Processo Penal por mera declaração em auto tendo em vista o ressarcimento dos danos causados pela agressão de que foi vítima.

ln Casu

Ficou sobejamente assente através da prova produzida em audiência que a arguida ofendeu a integridade física da ofendida através de arranhões e puxões de cabelo o que constitui facto ilícito.

A arguida, ora demandada, agiu de forma livre, consciente e deliberada, com o propósito alcançado de ofender a integridade física da ofendida, o que constitui a conduta dolosa.

A conduta da arguida foi consumada, e, em consequência directa dela a demandante/ofendida, sofreu lesões que lhe exigiram assistência e tratamento hospitalar no Serviço de Urgência do HESE-EPE o que revela com cristalina clareza, a existência de prejuízo e o adequado nexo de causalidade.

As despesas efectuadas com toda a assistência prestada importaram em € 130,07 (cento e trinta euros e sete cêntimos) cfr. documentação junta aos autos.

Mais se provou que as lesões que determinaram a prestação de cuidados de saúde, nos serviços hospitalares do Hospital Espírito Santo de Évora, EPE, à ofendida, foram consequência da conduta da arguida.

Ora, estatuí o artigo 129.° do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulado pela lei civil, remetendo-nos, assim, para os artigos 483.° e seguintes do Código Civil.

Consagra a este propósito o artigo 483.° do Código Civil que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Da leitura deste artigo resulta que são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao lesante, a verificação do dano e o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder-se afirmar que o dano é resultante da violação.

Trata-se de requisitos cumulativos.

No que respeita à imputação do facto ao agente - a culpa, em sentido lato, entende-se como imputação do facto ao agente, o estabelecimento de um nexo de ligação do facto ilícito a uma certa pessoa, sendo que a apreciação deste nexo de ligação se exprime através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito (cfr. COSTA, Antunes Varela e Almeida e, Das Obrigações em Geral, I, 9.a ed., pp. 586 e ss).

A culpa afere-se pelo critério do n.º 2, do artigo 487.° do Código Civil, seja pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso, ou seja, comparando a conduta do agente com a de um homem prudente, avisado, razoável e sensato, actuando em idênticas circunstâncias.

O nexo causal envolve uma relação entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado «provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão» (artigo 563.° do Código Civil).

A lei acolheu, assim, a teoria da causalidade adequada: a causa juridicamente relevante de um dano é aquela que, em abstracto, se mostra adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente.

Torna-se, pois, necessário que o facto seja condição do dano, nada obstando, porém, que, como acontece com frequência, ele seja apenas uma das condições desse dano.

No que respeita ao arbitramento de indemnização civil deduzido pela demandante/ofendida, uma vez que o mesmo assenta na responsabilidade civil, de acordo com o disposto nos artigos 129.°, do Código Penal e 483.°, do Código Civil, e, dado que se encontram apurados todos os requisitos, torna-se evidente que a arguida é responsável pelo pagamento da mesma.

Deste modo, da confrontação dos factos provados, nomeadamente dos pontos 2, 3, 4, 5, 12, 13 e 14 e da fundamentação da matéria factual quanto ao pedido de indemnização, resulta, com clareza, que a mencionada prova assenta, no reconhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito. Ora de acordo com a matéria assente é forçoso concluir que sobre a arguida impende a obrigação de indemnizar a demandante, pelos danos sofridos.

É pois manifesto que estando demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 483.° do Código Civil, como se viu, só resta ao Tribunal o caminho da condenação da demandada.

Pelo que, tendo ficado provado, desde logo, que a demandada foi a autora do crime, consequentemente tem a arguida/demandada de ser condenada ao pagamento à ofendida TCPP de uma indemnização cível pelos prejuízos sofridos no valor de € 200,00 (duzentos euros) que se julga equitativo face ao circunstancialismo apurado nos autos.

O Tribunal «a quo» fixou, por meio do juízo de equidade a que se refere o nº 3 do art. 496º do CC, o valor da indemnização a satisfazer pela arguida a favor da ofendida e demandante, para compensação de danos não patrimoniais, em € 200.

No presente acórdão, foi decidida a alteração da matéria de facto provada no sentido de a conduta lesante, pela qual a arguida responde civilmente, fica reduzida aos arranhões e à unhada descritos no ponto 3, por ela infligidos à demandante, tendo-se julgado não o provado que a arguida lhe tivesse puxado o cabelo.

Nesta altura, a operação intelectual, que incumbe a este Tribunal da Relação levar a efeito, reconduz-se a um juízo de equidade em sentido inverso, de forma a retirar ao valor da indemnização os danos emergentes dos «puxões de cabelos», dados como provados em sede de sentença.

Consequentemente, entendemos por razoável diminuir para € 120 o montante indemnizatório arbitrado a favor da ofendida.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a) Conceder provimento parcial ao recurso e revogar a decisão recorrida nos termos das alíneas seguintes;

b) Determinar a alteração da matéria de facto provada e não provada consignada a fls. 19;

c) Condenar a arguida pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo art. 143º nº 1 do CP, reduzindo a medida da pena para 30 dias de multa, à taxa diária de € 5;

d) Condenar a demandada no pagamento à demandante TCPP de uma indemnização por danos não patrimoniais, reduzindo o seu montante para € 120;

e) Quanto ao mais, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Notifique.

Évora, 18/2/20 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)