Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
209/21.3T8ELV.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
FORMA DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 11/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.
II - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.
III - Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa, que o Banco Invest, S.A. move a C…, para haver dela a quantia de € 12.244,20, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 135,30 e respetivo imposto de selo, no valor de € 5,41, e juros vincendos até efetivo e integral pagamento, foi proferida decisão em cujo dispositivo se consignou:
«Atento o exposto, julga-se verificada a excepção dilatória inominada e insuprível decorrente do art. 18.º n.º1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que constitui pressuposto da admissibilidade da ação executiva.
Nestes termos, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º do CPC, rejeito a presente execução.
Custas pela exequente.»
Inconformado, o exequente apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Por sentença proferida a 01/10/2021, o Tribunal a quo pôs termo aos presentes autos, uma vez que:
- “Atento o exposto, julga-se verificada a excepção dilatória inominada e insuprível decorrente do art. 18.º n.º1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que constitui pressuposto da admissibilidade da ação executiva”.
2. Salvo melhor opinião, a meritíssima Juíza a quo não procedeu a uma apreciação correcta da lei e, em particular, da prova documental junta aos autos.
Senão vejamos,
3. O DL n.º 227/2012, de 25/10, instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
4. Com interesse para a questão em apreço, prevê o n.º 4, do artigo 14.º que, “… a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro”.
5. A extinção do PERSI, por sua vez, está prevista no artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25/10.
6. A extinção deve, tal como outros actos no âmbito do PARI ou do PERSI, ser comunicada em suporte duradouro, com a descrição do fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais se considera inviável a manutenção deste procedimento (n.º 3, do artigo 17.º).
7. O significado da expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma:
- “Qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
8. Por conseguinte, exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro”, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, é a mesma reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do Código Civil.
9. Aqui se incluindo, por conseguinte, as cartas, ainda que remetidas por correio simples.
10. Não constando de tal norma qualquer indicação – expressa ou tácita – quanto à necessidade de tal comunicação ter que ser obrigatoriamente efectuada através de carta registada com A/R.
11. Igualmente não consta da Instrução do Banco de Portugal n.° 44/2012 (regulamenta o DL n.° 227/2012, de 25/10) qualquer menção à observância do envio de correio registado/aviso de recepção.
12. Por conseguinte, não prevendo o diploma que rege o PERSI e Instrução do Banco de Portugal que o regulamenta tal observância, não poderá – salvo o devido respeito - o julgador exigir tal formalidade.
13. E, no que às mensagens de correio eletrónico (vulgo, e-mail) diz respeito, o ordenamento jurídico português conta já com algumas definições legais de suporte duradouro.
14. O n.º 1 do artigo 11.º do DL n.º 95/2006, de 29/05, que estatui a contratação à distância de serviços financeiros, define suporte duradouro como aquele que permita armazenar a informação dirigida pessoalmente ao consumidor, possibilitando no futuro, durante o período de tempo adequado aos fins a que a informação se destina, um acesso fácil à mesma e a sua reprodução inalterada.
15. O DL n.º 24/2014, de 14/02, que regula os contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, define suporte duradouro qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respetiva reprodução inalterada.
16. Já a al. n) do n.º 1, do artigo 4.º do DL n.º 133/2009, de 02/06 define-o como “qualquer instrumento que permita ao consumidor armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, de modo que, no futuro, possa ter acesso fácil às mesmas durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que permita a reprodução inalterada das informações armazenadas”.
17. Da prática corrente, a tendência será para que, intuitivamente, se pense que a comunicação em suporte duradouro será a que está escrita, vertida em papel e que poderemos designar por documento escrito.
18. De acordo com o 362.º do CC, diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto. Pelo que se identifica a um suporte corpóreo e incorpóreo, desde que duradouro; e que este disponha de uma comunicação.
19. O DL n.º 7/2004, de 07/01 determina, no n.º 1, do artigo 26.º, que as declarações emitidas por via eletrónica satisfazem a exigência legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.
20. Neste pressuposto, dúvidas não restam, salvo melhor opinião, que as comunicações via e-mail, consubstanciam uma comunicação em suporte duradouro, uma vez que permitem armazenar a informação na própria mensagem de e-mail durante um período de tempo (não sendo facilmente manipulável como o conteúdo de um portal na internet), assim como é possível a reprodução integral e inalterada do e-mail enviado.
No caso em apreço,
21. Em resposta ao solicitado pelo Tribunal, veio o ora Recorrente dar conhecimento e demonstrar o seguinte:
- A 3 de Dezembro de 2018, para a morada da Executada sita na Avenida de Europa, n.º 28 D, 7350-478 Elvas, Valongo carta dirigida à Executada dando-lhe conta que estavam em atraso as prestações n.º 5 e 6 e da sua integração no PERSI, solicitando o envio, no prazo de 10 dias, da documentação aí referida.
- Da referida carta consta ainda que “para obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do email … ou do telefone …”.
- A 2 de Fevereiro de 2019 e a 5 de Março de 2019, o ora Recorrente enviou à Executada, para a morada supra identificada, cartas a dar conta que estavam em atraso as prestações n.º 7 a 10 e da sua integração no PERSI, solicitando o envio, no prazo de 10 dias, da documentação aí referida.
- Das referidas cartas consta ainda que “para obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do email … ou do telefone …”.
- A 20 de Fevereiro de 2019 e a 20 de Março de 2019, o ora Recorrente enviou à Executada, para a morada atrás referida, cartas a dar conta da extinção do PERSI “por ausência de resposta”.
- A 3 de Novembro de 2019, o ora Recorrente enviou à Executada, para a morada supra identificada, carta a dar conta que estavam em atraso as prestações n.º 16 e 17 e da sua integração no PERSI, solicitando o envio, no prazo de 10 dias, da documentação aí referida.
- Da referida cartas consta ainda que “para obtenção de qualquer informação e/ou esclarecimento adicional deverá entrar em contacto através do email … ou do telefone …”.
- Por último, a 18 de Novembro de 2019, o ora Recorrente enviou à Executada, para a morada atrás referida, cartas a dar conta da extinção do PERSI “por ausência de resposta”.
22. Tais cartas foram remetidas pelo ora Recorrente para a morada indicada pela Executada, aquando da celebração do contrato e, bem assim, para onde sempre foi remetida toda a correspondência respeitante ao contrato.
23. Sendo que a Executada recebeu a carta de boas-vindas enviada para a mesma morada a 21 de Abril de 2017, da qual constava o Plano Financeiro do contrato.
24. Não tendo as mencionadas cartas (do PERSI) em momento algum sido devolvidas, pelo que, forçoso é concluir que a Executada terá recebido as cartas e tem perfeito conhecimento do seu teor.
25. Compreende-se, perfeitamente, os motivos pelos quais, o Legislador NÃO DETERMINOU que as comunicações a efectuar pelas Instituições de crédito aos seus clientes,
No caso de mora ou incumprimento no pagamento das prestações dos mais variados empréstimos bancários fossem efetuadas através de cartas registadas com aviso de recepção.
26. A REGRA é a das comunicações entre os bancos e os seus clientes, é as comunicações serem efetuadas através de CARTAS SIMPLES, sendo que, a tendência será para, cada vez mais, as comunicações serem efectuadas através dos meios eletrónicos e só muito excepcionalmente, através de carta registada, como é o caso, ainda, na resolução/denúncia dos contratos.
27. Se o Legislador tivesse expressamente previsto que as instituições de crédito, tinham, no prazo máximo de CINCO DIAS, de informar, os seus clientes, através de carta registada com A/R, dos montantes em dívida, devido à mora, com vista a integrá-los no PERSI, atendendo às milhares de situações que ocorrem, nas épocas de crise, seria incomportável e inexequível em prazo tão curto, 5 dias, proceder ao registo de tanta carta com aviso de recepção, com os inerentes custos a suportar, em última instância, pelos próprios clientes, e os recursos humanos que seriam necessários contratar para o efeito.
28. Assim, as cartas remetidas à Executada, a comunicar a integração no PERSI e a posterior extinção do PERSI, são remetidas, para o domicílio convencionado das partes EM AUTOMÁTICO pelo sistema central do Banco, através de correio simples.
Sem prescindir,
29. Resulta da documentação junta aos autos que, no seguimento da carta remetida a 3 de Dezembro de 2018, veio a própria Executada, através de comunicação electrónica remetida a 5 de Dezembro de 2018 informar que se encontrava desempregada e, bem assim que, quando arranjasse emprego iria regularizar as prestações que tinha em atraso.
30. Mais procedeu a Executada ao envio da documentação solicitada.
31. Tendo o ora Recorrente, através de comunicação electrónica, dado conhecimento da proposta de reestruturação, no âmbito do PERSI, a saber:
- Carência de capital durante 3 meses:
• Dia 04/01/2019: pagamento no valor de 96,76 € (este valor corresponde juro corrido, comissão de processamento mensal, comissão de recuperação e juros de mora);
• De 14/01/2019 a 14/03/2019: pagamentos mensais no valor 135,68 € (este valor corresponde a juro remuneratório referentes às prestações em atraso de 04/11/2018 a 04/01/2019);
• A partir de 04/04/2019 e até ao final do contrato: pagamentos mensais no valor de 201,55 €;
- Os pagamentos deviam ser efectuados por MB utilizando os seguintes dados: Entidade: 21675 e Referência: 243734573.
32. No entanto, a verdade é que a Executada nada pagou, mantendo-se a situação de incumprimento em que a mesma se encontrava.
33. Assim, a verdade é que dada a oportunidade, não pode a contraparte (devedor) demitir-se da necessária cooperação/colaboração com a entidade de crédito, devendo, ao invés, empenhar-se nos contactos e prestação de informações necessários, sem o que o credor não poderia levar a bom termo o cumprimento dos deveres a seu cargo.
34. A falta dessa cooperação/colaboração é causa de extinção do PERSI pela entidade de crédito (por iniciativa desta).
35. Não obstante, já após a resolução do contrato, veio a ora Executada remeter comunicação electrónica, a 12 de Novembro de 2020, com uma proposta, tendo a mesma sido informada que qualquer acordo de pagamento estaria condicionado ao pagamento de uma entrada inicial no valor de € 2.900,00 ou, em alternativa, proceder à venda da viatura objecto do contrato ou, mesmo, proceder à entrega voluntário da viatura.
36. Mais tendo sido informada que o valor resultante da venda seria imputado à amortização – ainda que parcial – da quantia em dívida, permanecendo a mesma responsável pelo pagamento do remanescente da dívida.
37. Mais uma vez, a Executada nada disse ou sequer pagou até ao momento.
38. Temos então que, ao invés do entendimento do Tribunal a quo, o ora Recorrente deu total cumprimento ao disposto no DL n.º 227/2012, de 25/10.
39. Mais, a actuação da instituição bancária/exequente foi muito mais longe do que preconiza o DL n.º 227/2012, de 25/10, ao manter o contrato em incumprimento durante mais de um ano, na tentativa de encontrar soluções para o problema.
40. Quando é certo que, como já se defendeu em diversos arestos dos tribunais superiores, não teria qualquer sentido manter a obrigação de integrar esta situação de incumprimento no PERSI, quando tudo o que este preconiza tinha já sido levado a cabo pelas partes.
41. E, bem assim, tendo sido dada a oportunidade à Devedora de proceder à regularização da situação de incumprimento, a mesma nada fez. Não restando ao Exequente outra solução, senão o recurso à via judicial, de forma a obter a satisfação do seu crédito.
42. Não se verificando no caso em apreço, excepção dilatória decorrente do regime plasmado no artigo 18.º, n.º 1 al. b) do DL n.º 227/2012, de 25/10, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos.
43. A consideração pelo supra exposto, implica necessariamente decisão diversa da proferida, o que se requer
Nestes termos,
44. Atento todo o supra exposto, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença recorrida
E substituindo-a por outra decisão que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes e condene os Executados no pedido contra eles formulado.»

Admitido o recurso e corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, a questão essencial a decidir consubstancia-se em saber se o Banco Exequente deu cumprimento ao PERSI, condição de exequibilidade da obrigação exequenda, face ao disposto na alínea b) do nº 1, e do nº 4 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos com interesse para a decisão do recurso e resultantes dos documentos juntos com o requerimento executivo e o requerimento de 27.09.2021 (ref.ª 1900792), são os seguintes:
1 - Foi dada à execução uma livrança emitida pelo banco exequente e subscrita pela executada, constando da mesma a data de emissão de 21.04.2018, a data de vencimento de 26.01.2021, e a menção a “Contrato de crédito nº 1023800”.
2 - A referida livrança foi entregue em branco ao exequente, no âmbito do aludido contrato de crédito celebrado entre aquele e a executada.
3 - A executada/mutuária autorizou expressamente o exequente a preencher a livrança em causa, apondo-lhe as datas de emissão e de vencimento, o local de pagamento e a importância do título pelo valor em dívida contratualmente estabelecido.
4 - Apresentada a pagamento, na data do seu vencimento, a livrança não foi paga pela executada.
5 - O Banco exequente juntou aos autos uma carta datada de 03.12.2018, em nome da executada, do seguinte teor:
«Assunto: Contrato nº 1023800 - Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Exma. Senhora,
Decorrente do incumprimento no pagamento do(s) valor(es) a seguir discriminado(s) no total de 427,62€, procedemos à integração de V. Exa. no PERSI – criado no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – indicado em referência a partir de 03/12/2018».
6 - Juntou ainda o exequente uma carta datada de 02.02.2019, em nome da executada, do seguinte teor:
«Assunto: Contrato nº 1023800 - Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Exma. Senhora,
Decorrente do incumprimento no pagamento do(s) valor(es) a seguir discriminado(s) no total de 247,02€, procedemos à integração de V. Exa. no PERSI – criado no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – indicado em referência a partir de 02/02/2019».
7 - Juntou também o exequente uma carta datada de 20.02.2019, em nome da executada, do seguinte teor:
«Assunto: Contrato nº 1023800 - Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Exmo.(a) Senhor(a),
Nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos V. Exa. Que procedemos à extinção do PERSI, no dia 20/2/2019, por ausência de resposta de V. Exa.».
8 – Juntou o exequente outra carta datada de 05.03.2019, em nome da executada, do seguinte teor:
«Assunto: Contrato nº 1023800 - Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Exma. Senhora,
Decorrente do incumprimento no pagamento do(s) valor(es) a seguir discriminado(s) no total de 497,83€, procedemos à integração de V. Exa. no PERSI – criado no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – indicado em referência a partir de 05/03/2019».
9 - Juntou igualmente o exequente uma carta datada de 20.03.2019, em nome da executada, do seguinte teor:
«Assunto: Contrato nº 1023800 - Extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Exmo.(a) Senhor(a),
Nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos V. Exa. Que procedemos à extinção do PERSI, no dia 20/3/2019, por ausência de resposta de V. Exa.».
10 – Juntou o exequente outra carta datada de 03.11.2019, em nome da executada, do seguinte teor:
«Assunto: Contrato nº 1023800 - Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)
Exma. Senhora,
Decorrente do incumprimento no pagamento do(s) valor(es) a seguir discriminado(s) no total de 429,70€, procedemos à integração de V. Exa. no PERSI – criado no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro – indicado em referência a partir de 03/11/2019:
(…).
De modo a que possamos avaliar a capacidade financeira de V. Exa., solicitamos que nos seja enviado, no prazo máximo de 10 dias, a seguinte documentação:
• Três últimos recibos de vencimento e/ou de prestação de serviços e/ou de prestações sociais;
• Última Certidão de Liquidação do imposto sobre o rendimento de Pessoas Singulares;
• Comprovativos de outros encargos fixos mensais suportados;
• Outros documentos que considere relevantes para nos ajudar a avaliar a sua capacidade financeira; e
• Declaração na qual atesta a veracidade da informação prestada.
A não apresentação de um ou mais dos elementos requeridos dentro do prazo estipulado provocará o encerramento automático do PERSI.»
11 –Em resposta a um email da executada de 11.11.2020, o exequente enviou um email em 21.12.2020 do seguinte teor:
«Acusamos a receção da Vossa comunicação a qual mereceu a nossa melhor atenção.
No seguimento da mesma informamos que a Sra. C… é a única titular do contrato, sendo que, todas as comunicações referentes a este contrato terão que passar pelo email oficial de Vossa Exa.
Acrescentamos contudo, que a proposta de acordo de pagamento foi aceite pelo Banco condicionado ao pagamento de uma entrada inicial no valor de 2 900€.
Em alternativa, poderá V.Exa. proceder à venda da viatura através da apresentação de uma proposta de compra de venda a um terceiro ou entregar voluntariamente a viatura ao Banco. O valor que resultar da venda será amortizado às responsabilidade de V.Exa sendo certo que, caso o valor apurado seja insuficiente para o cumprimento da totalidade dessas responsabilidades, V.Exa. permanecerá responsável pelo pagamento do remanescente da dívida.
Ficaremos a aguardar resposta até ao dia 23/12/2020 para posterior formalização do acordo de pagamento.
Mais informamos que em caso ausência de resposta até à data indicada o acordo ficará sem efeito e o Banco, sem outro aviso, tomará iniciativa de intentar as ações de âmbito judicial adequadas à efetiva salvaguarda dos seus direitos e recuperação dos seus créditos.»
12 – Pessoal e regularmente citada, a executada não pagou a quantia exequenda nem se opôs à execução através de embargos de executado.
13 - Em 20.09.2021, a Sr.ª Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«(…) Não obstante o título da presente acção constituir uma livrança, uma vez que se mostra invocada a relação subjacente e a funcionalização da primeira à garantia da segunda, convida-se o exequente a, no prazo de 10 dias, esclarecer qual o contrato de crédito em causa e, bem assim, informar se deu cumprimento à obrigação de integração da executada no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), previsto no DL nº 227/2012, de 25 de outubro, juntando a respetiva prova documental da comunicação de integração da executada no PERSI e da sua extinção.»
14 - O exequente respondeu nos termos do requerimento de 27.09.2021 (ref.ª 1900792), defendendo ter dado «total cumprimento ao disposto no DL n.º 227/2012, de 25/10».

O DIREITO
A Sr.ª Juíza a quo rejeitou a presente execução «ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º do CPC».
Não está em causa que o contrato a que se alude nos pontos 1 e 2 da matéria de facto provada se encontra abrangido pelo regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (diploma ao qual pertencem as normas adiante referenciadas sem indicação da sua proveniência), pelo que, perante a situação de incumprimento por parte da executada, o recorrente devia ter integrado esta última no PERSI entre o 31º e o 60º dia subsequentes à data do vencimento da obrigação, nos termos do artigo 14º, nº 1.
Nos termos do nº 4 do mesmo artigo, o recorrente tinha o dever de informar a executada da sua integração no PERSI através de comunicação em suporte duradouro, entendendo-se como tal, nos termos do artigo 3º, al. h), qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
Do artigo 17º, nº 3, resulta, por outro lado, que o recorrente tinha também o dever de informar a executada, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considerava inviável a manutenção deste procedimento. O nº 4 do mesmo artigo estabelece que a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no nº 3, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do nº 1.
Está em causa saber se o recorrente remeteu as comunicações previstas nos citados artigos 14º, nº 4, e 17.º, n.º 3, aos executados.
Escreveu-se na decisão recorrida:
«Do requerimento executivo e do articulado que antecede apresentados pela exequente resulta a elaboração de documentos tendo por destinatário a executada, comunicando-lhe a integração no referido procedimento – mas não o seu envio ou sequer a sua recepção, ao contrário do invocado pela exequente; ademais, uma proposta de reestruturação de dívida sem qualquer desfecho – impedindo, ainda que se considerasse que tal proposta se reporta à integração no PERSI, a conclusão de que o mesmo foi iniciado e extinto.»
Contra este entendimento insurge-se o recorrente, defendendo, além do mais, que no que se refere à prova da receção efetiva das cartas pela executada, que a lei não exige que haja suporte duradouro, acrescentando que a sua atuação «foi muito mais longe do que preconiza o DL n.º 227/2012, de 25/10, ao manter o contrato em incumprimento durante mais de um ano, na tentativa de encontrar soluções para o problema».
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
No caso em apreço, a integração no PERSI foi comunicada à executada através das cartas referidas nos pontos 5, 6, 8 e 10 e, posteriormente, foi igualmente notificada a decisão de extinção da medida (cartas mencionadas nos pontos 7 e 9 dos mesmos factos).
As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.
A este propósito escreveu-se no Acórdão desta Relação de 11.02.2021[1]:
«A exigência do registo do Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, em suporte duradouro, faz recair sobre a instituição de crédito que pretenda intentar acção executiva contra o seu cliente, para cobrança da atinente obrigação incumprida, a prova, por via da documentação registada no citado suporte duradouro, normalmente a documentação digitalizada arquivada em sistema informático, de que que foi cumprido o procedimento, condição objectiva da admissibilidade da execução, em face do disposto na alínea b), do n.º 1, e do n.º 4, do art.º 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012.
Tal vínculo probatório, faz recair esse meio de prova na alçada do n.º2 do art.º 364º do Cód. Civ., ou seja, obriga a instituição de crédito a provar, por via desse meio probatório, qualquer facto respeitante ao procedimento PERSI, nomeadamente todas as interpelações do seu cliente no âmbito desse procedimento.
Sendo um meio de prova ad probationem, a instituição de crédito apenas pode provar o facto registável no aludido suporte duradouro, por via da junção aos autos da totalidade ou de partes desse suporte, que apenas pode ser substituído por confissão expressa por parte do cliente da instituição, ou por documento de igual ou superior valor probatório.
No entanto, afigura-se-nos, que tal exigência probatória se reporta apenas à prova da existência da atinente documentação procedimental, em suporte duradouro, entre a qual estão as missivas dirigidas e recebidas do cliente, mas já não a prova da entrega das missivas ao cliente, que pode ser efectuada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal.
Por outro lado, não exige a lei que as missivas dirigidas aos clientes pela instituição bancária tenham que obedecer a qualquer formalidade, por exemplo sejam enviadas por carta registada com aviso de recepção, bastando-se, a nosso ver, para o cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre a instituição de crédito e o cliente, nomeadamente, se assim for o caso, por carta simples para a morada do cliente contratualmente convencionada ou por email, documentação essa que deve constar do referido suporte duradouro.
Sendo condição da instauração de acção executiva, a extinção do procedimento PERSI há mais de 15 dias, tem-se por cumprida tal condição com a junção aos autos desse procedimento em suporte duradouro, que documente a sua instauração e a sua extinção, com as atinentes missivas ao cliente, que demonstrem tal realidade, o que deve ser materializado por via da junção aos autos da reprodução da totalidade ou de partes desse suporte, devidamente atestada pela instituição bancária exequente.
Sendo certo que, qualquer controvérsia sobre o cumprimento do PERSI, ou alguma irregularidade do mesmo, tem que ser invocada pelo demandado/interessado, nomeadamente por via da dedução de Oposição à Execução por Embargos.»
Este entendimento foi acolhido pela nossa jurisprudência, nomeadamente por esta Relação, citando-se a título exemplificativo os seguintes acórdãos:
- Acórdão da Relação do Porto de 05.11.2018[2], com o seguinte sumário:
«I - O artigo 14º, nº 4, do DL nº 227/2012, de 25 de outubro, exige que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
II - O artigo 3º, alínea h), do DL nº 227/2012, define o suporte duradouro como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
III - Ao Exigir-se como forma da declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo.
IV - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.»
- Acórdão da Relação de Évora de 21.05.2020[3], do qual se transcreve a seguinte passagem:
«As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.
(…) «se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de recepção, tê-la-ia consagrado expressamente» […].
Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice.»
- Acórdão da Relação de Évora de 10.09.2020[4], com o seguinte sumário:
«A lei não exige que as comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efectuadas através de carta registada com aviso de recepção. Não obstante, a instituição de crédito tem o ónus da prova de que efectuou tais comunicações em suporte duradouro, entendido este, nos termos do artigo 3.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.»
- Acórdão da Relação de Lisboa de 05.01.2021[5], em cujo sumário se exarou:
«II- A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. arts. 3, al. h), 14, nº 4, e 17, nº 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail;
III- Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, entendendo-se que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 224 do C.C.;
IV- Tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas; provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção».
No caso vertente, como vimos supra, o recorrente juntou aos autos cópias das cartas enviadas aos executados, provando, ainda que indiciariamente, ter-lhes comunicado “em suporte duradouro” tanto a integração em PERSI, como a extinção do procedimento.
Não colhe outrossim a afirmação feita na decisão recorrida da existência de «uma proposta de reestruturação de dívida sem qualquer desfecho – impedindo, ainda que se considerasse que tal proposta se reporta à integração no PERSI, a conclusão de que o mesmo foi iniciado e extinto».
Está em causa, segundo bem entendemos, a factualidade vertida nos pontos 10 e 11 da qual resulta que já depois da resolução do contrato, a executada remeteu uma comunicação eletrónica em 11.11.2020, com uma proposta, tendo a mesma sido informada que qualquer acordo de pagamento estaria condicionado ao pagamento de uma entrada inicial no valor de € 2.900,00 ou, em alternativa, proceder à venda da viatura objeto do contrato ou, mesmo, proceder à entrega voluntário da viatura.
Mais informou o exequente que o valor resultante da venda seria imputado à amortização – ainda que parcial – da quantia em dívida, permanecendo a mesma responsável pelo pagamento do remanescente da dívida, pelo que, contrariamente ao entendimento da Sr.ª Juíza a quo, o exequente deu integral cumprimento ao disposto no DL n.º 227/2012, de 25.10.
Ademais, o silêncio da executada nestes autos é revelador de que terá entendido que não deveria vir à execução comunicar a eventual ocorrência de alguma situação que obstasse à válida constituição do título executivo (a livrança dada à execução), pelo que não podia o Tribunal a quo ter dado como verificada “a exceção dilatória inominada de falta de PERSI”.
Por conseguinte, o recurso merece provimento.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
*
Évora, 25 de novembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
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[1] Proc. 1983/20.0T8ENT.E1, não publicado.

[2] Proc. 3413/14.7TBVFR-A.P1, in www.dgsi.pt.

[3] Proc. 715/16.1T8ENT-B.E1, in www.dgsi.pt.

[4] Proc. 1834/17.2T8MMN-A.E1, in www.dgsi.pt.

[5] Proc.105874/18.0YIPRT.L1-7, in www.dgsi.pt.