Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO TRABALHO SUPLEMENTAR RETRIBUIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 12/07/2016 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Face ao disposto no artigo 258.º do CT e no artigo 71.º, n.ºs 2 e 3, da LAT, para que as prestações pagas ao trabalhador/sinistrado integrem a retribuição devem assumir carácter regular e não se destinem a compensar custos aleatórios do sinistrado; II – De acordo com a jurisprudência mais recente do STJ, esse carácter regular só se verifica se a prestação for paga durante 11 dos 12 meses que se tiverem por referência temporal; III – Em conformidade com as proposições anteriores, tendo sido pagas ao sinistrado apenas em 7 dos 12 meses anteriores ao acidente de trabalho prestações a título de trabalho suplementar, as mesmas não assumiram natureza regular, pelo que não são de computar para efeitos de reparação do acidente de trabalho. (Sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 67/14.4T8STB.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB (Autor/recorrente), após infrutífera tentativa de conciliação, intentou, na Comarca de Setúbal (Setúbal – Instância Central – 1.ª Secção do Trabalho – J2) e com o patrocínio do Ministério Público, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra: 1. CC; 2. DD, Lda. (Ré/recorrida), pedindo a condenação das Rés a pagar-lhe (i) o capital de remição de uma pensão anual de € 494,92 – sendo da responsabilidade da 1.ª Ré a quantia de € 454,09 e da 2.ª ré a quantia de € 40,83 – (ii) a 2.ª Ré a quantia de € 408,73 a título de indemnização por incapacidade temporária e ainda (iii) juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento até integral pagamento. Alegou para o efeito, muito em síntese, que no dia 23 de Setembro de 2013, quando se encontrava ao serviço da 2.ª Ré, mediante a retribuição anual de € 14.254,48, foi vítima de um acidente de trabalho, o que lhe provocou lesões várias que lhe determinaram incapacidade temporária absoluta para o trabalho, e sequelas que lhe determinaram incapacidade permanente parcial (doravante, IPP) de 4,96%. Mais alegou que a 2.ª Ré havia transferido a responsabilidade infortunística–laboral para a 1.ª Ré, mas apenas pela retribuição anual de € 13.078,52. Citadas, ambas as Ré contestaram a acção: a Ré seguradora (1.ª Ré) alegou que por causa das lesões que sofreu e das consequentes sequelas, o Autor ficou apenas com uma IPP de 2% (e não 4,96%); por sua vez, a Ré empregadora (2.ª Ré) sustentou que transferiu a responsabilidade infortunística-laboral para a 1.ª Ré tendo em conta a retribuição auferida pelo Autor, sendo certo que a importância que lhe foi paga a título de trabalho suplementar – e que ele pretende ver integrada na retribuição – não assumiu carácter regular e periódico. À contestação da 2.ª Ré respondeu o Autor, a reafirmar que a importância que auferiu a título de trabalho suplementar integra a retribuição, uma vez que recebeu importâncias referentes àquele durante 7 meses dos 12 anteriores ao acidente. Foi elaborado despacho saneador stricto sensu, consignados os factos assentes, bem como a base instrutória, que não foram objecto de reclamação das partes. Foi desdobrado o processo para fixação de incapacidade, tendo no apenso sido fixada ao sinistrado, aqui Autor/recorrente, a IPP de 7,5%. Procedeu-se à realização da audiência final em 01-06-2016, na qual as partes acordaram quanto à fixação da matéria de facto (fls. 129-130), após o que veio a ser proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Destarte, julga-se a acção parcialmente procedente, condenando: a) a Ré CC a pagar ao sinistrado BB o capital de remição da pensão anual vitalícia de € 686,62, com referência ao dia 02.09.2014, acrescida de juros de mora, à taxa do art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde aquela data e até integral pagamento. b) Absolve-se do pedido a R. DD, Ltd.; c) Custas da acção pela Seguradora, incluindo emolumentos aos Srs. peritos médicos. Fixa-se à acção o valor de € 10.562,28». Inconformado com o assim decidido, o Autor, ainda com o patrocínio do Ministério Público, interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: «1. O conceito de retribuição constante do artº 71º da lei nº 98/2009, de 04.09, é mais abrangente que o constante dos artºs 258º a 261 do Código de Trabalho. 2. O nosso legislador no tocante ao regime legal dos acidentes de trabalho definiu que constitui retribuição: tudo o que o trabalhador recebe com caracter de regularidade e não se destina a compensar o sinistrado por custos aleatórios, citado artº 71º. 3. Tendo o acidente ocorrido em 23.09.2013, e o sinistrado ter tido alta no dia em 01.09.2014, é evidente que o período a ter em conta para efeitos de aferir da regularidade da prestação, nos termos do disposto no artº 71º, nºs 2, 3 e 4 da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, é o dos 12 meses anteriores ao do acidente, e não como a Mmª Juiz considerou, isto é, desde Setembro de 2012 a Dezembro de 2014. 4. Acresce, que o conceito de regularidade tem de ser entendido com alguma elasticidade pelo que, não sendo absoluto, terá mais o sentido de predominância, ou de prevalência: o pagamento de tais suplementos retributivos (trabalho suplementar) deve ocorrer m[ai]s vezes do que aquelas em que ele não se verifica, podendo os quantitativos de cada pagamento apresentar alguma variação. 5. A decisão ora recorrida, deverá, assim, ser revogada e substituída por outra que considere que a importância recebida a título de trabalho suplementar pelo sinistrado no período de 12 meses que antecedeu a ocorrência do acidente tem caracter de regularidade, sendo por isso considerada retribuição para efeitos do cálculo de prestações devidas pelo acidente de trabalho. 6. A decisão proferida viola o disposto no artº 71º, nºs 1 e 4 da lei nº 98/2009, de 04.09. 7. Normativo este, que deve ser interpretado com o sentido e alcance sustentados no presente recurso. Assim, entendemos que deverá ser dado provimento ao recurso Vossas Excelências Senhores Desembargadores, decidirão como for de J U S T I Ç A». A Ré/empregadora (2.ª Ré) respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência, para o que formulou as seguintes conclusões: «(1) Tendo o Ministério Público sido notificado da sentença em 15.7.2016, e o recurso sido apresentado em 5.9.2016, deve o recurso ser julgado manifestamente extemporâneo, pelo que não deverá ser admitido (arts. 26/1/a, 80/1 e 82/1 do CPT; art. 138/1, 139/3, e 628 do CPC). (2) Ainda que se considerasse o recurso interposto em prazo, o mesmo deveria ser considerado totalmente improcedente quanto ao mérito, uma vez que, por um lado, como decorre do art. 71 da Lei 102/2009, só as prestações regulares que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios é que são incluídas no cálculo das responsabilidades por acidente de trabalho. (3) Para efeitos de acidente de trabalho, como também para outros efeitos, como retribuição e subsídio de férias, uma prestação só é regular se tiver uma permanência, frequência ou habitualidade em termos tais que o trabalhador fica a contar que, quando recebe a retribuição base, também receberá as outras atribuições patrimoniais, todas integrando o seu orçamento. (4) E, por outro lado, nos autos o trabalho suplementar não teve caráter regular, na medida em que: (i) o Autor auferiu trabalho suplementar em 3 meses em 2011, em 3 meses em 2012 e em 5 meses em 2013, e em 2014 não prestou trabalho suplementar; (ii) nos 12 meses anteriores ao acidente de trabalho o Autor auferiu trabalho suplementar em 7 meses, nem sempre seguidos, e no mês em que ocorreu o acidente de trabalho (23.9.2013) o Autor não prestou trabalho suplementar; (iii) no período de 12 meses anterior ao acidente, o trabalho suplementar auferido pelo Autor variou, e em nenhum dos meses auferiu a mesma quantia. (5) Em face do exposto, no caso dos autos, a remuneração por trabalho suplementar revestiu antes caráter acidental, e assim sendo, resulta que a Ré Visteon transferiu efetivamente todo o montante da retribuição auferida pelo sinistrado, uma vez que não tinha que transferir a responsabilidade pelo trabalho suplementar, devendo consequentemente responder somente a seguradora. Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, Deve ser julgado totalmente improcedente o recurso do Autor, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA». O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito meramente devolutivo. Recebidos os autos neste tribunal, e não havendo lugar ao cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho – uma vez que o Ministério Público patrocina uma das partes – foi elaborado projecto de acórdão e remetido aos exmos. juízes desembargadores adjuntos. * Évora, 07 de Dezembro de 2016João Luís Nunes (relator) Alexandre Ferreira Baptista Coelho Moisés Pereira da Silva (votou vencido, conforme declaração junta) Declaração de voto de vencido: Processo n.º 67/14.4T8STB.E1 Com todo o respeito pela decisão que fez vencimento, voto vencido pelas razões seguintes: Pese embora a douta jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que é indicada, parece-me que o critério para aferir da integração no conceito de retribuição das quantias auferidas pelo trabalhador, nomeadamente a que resulta da prestação de trabalho suplementar, deve obter-se a partir de um critério substancial, ou seja, o critério melhor é aquele que atende ao caso concreto. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 212, de 29 de outubro de 2015, referido na fundamentação que fez vencimento, não pode ser aplicado ao caso concreto, pois diz respeito a questão diversa. Como expressamente se refere na delimitação do objeto do recurso no acórdão em referência, “a questão em apreço na revista traduz -se em saber se a «prestação retributiva especial» prevista na Cláusula 5.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE/2006, publicado no BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2006, integra o conceito de retribuição e se, por isso, deve a média auferida a esse título pelos tripulantes de cabina, ser atendida nas retribuições de férias e subsídios de férias, conquanto, nos doze meses que antecederam o gozo das férias, essa prestação haja sido paga, pelo menos, 11 meses, devendo, em função da conclusão a que se chegar, ser fixada a interpretação a conferir à Cláusula 12.ª daquele Regulamento”. Ora, no caso dos autos, a questão consiste em saber se as quantias percebidas pelo trabalhador a título de trabalho suplementar nos doze meses anteriores à data do acidente devem fazer parte da retribuição para efeitos de calcular a pensão e indemnização que lhe é devida em virtude dos danos sofridos em consequência do acidente de trabalho, a qual nada tem a ver com a interpretação de cláusulas de um Acordo de Empresa, que não se aplica de forma alguma às partes intervenientes neste litígio. O artigo 258.º do Código do Trabalho prescreve que se considera retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (n.º 1); A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie (n.º 2); e Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.º 3). O trabalhador prestou trabalho suplementar e este foi-lhe pago como contrapartida da obrigação de prestar a que estava adstrito, pelo que face ao disposto no n.º 1 do art.º 258.º do CT deve considerar-se parte integrante da retribuição. Mesmo na hipótese de assim não se entender, face ao disposto no n.º 3 do art.º 258.º do CT, compete à empregadora, neste caso à responsável pela reparação, a seguradora, provar que o pagamento das quantias auferidas a título de trabalho suplementar não constituem contrapartida da prestação de trabalho do trabalhador sinistrado, o que a seguradora não fez. Daí que também por esta via se deva entender que as quantias auferidas pelo trabalhador a título de trabalho suplementar integram a retribuição. A prestação de trabalho suplementar não constitui uma prestação acessória, mas a continuação da execução da prestação principal a que está obrigado, a qual reveste maior penosidade por se prolongar para além do horário normal de trabalho. A natureza e as funções não se alteram. O que muda é apenas a duração diária, semanal ou mensal da prestação do trabalhador. O pagamento desta prestação constitui a contrapartida da obrigação do trabalhador em prestar trabalho suplementar, nos termos em que a lei o prevê. O n.º 2 do art.º 258.º do CT constitui uma norma jurídica que reforça o princípio já consagrado no seu n.º 1, ao prescrever que a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie. Esta última norma jurídica visa evitar dúvidas e litígios, pois pretende clarificar que o conceito de retribuição base é mais restrito que o conceito de retribuição a atender e que deve descortinar-se a partir do n.º 1. Todavia, verifica-se que por vezes a interpretação sobre o que é retribuição se cinge mais à apreciação do art.º 258.º n.º 2 do CT do que ao conceito mãe ínsito no n.º 1. A definição do que deve considerar-se retribuição deve encontrar-se a partir do n.º 1 deste artigo. O número dois é uma regra clarificadora do princípio aí plasmado, que visa incluir na retribuição outras prestações que podem não ter a ver com a prestação do trabalho, mas que pela sua regularidade e periocidade o legislador entendeu que deveriam ser consideradas como tal. A interpretação do n.º 2 não pode opor-se ao que resulta do n.º 1. Por sua vez, o n.º 3 deste artigo é uma norma jurídica que visa facilitar a prova ao trabalhador, ao dispensá-lo da prova de que as quantias que aufere da sua empregadora fazem parte da retribuição. Se o empregador não ilidir a presunção, consideram-se como retribuição todas as prestações auferidas pelo trabalhador. Se o legislador quisesse estabelecer um número de meses mínimo para que se considerassem como retribuição as prestações auferidas pelo trabalhador, tê-lo-ia dito expressamente ou, no mínimo, teria estabelecido factos índice, a exemplo do que faz a propósito do que deve considerar-se contrato de trabalho. Acresce que durante o tempo em que presta trabalho suplementar o trabalhador está sujeito ao risco de ocorrência de acidente de trabalho, pelo que é justo que seja a empregadora, beneficiária desta atividade, a suportar o risco inerente e repare os danos tendo em conta também as quantias auferidas pela prestação do trabalho suplementar. O legislador, atento e consciente da diversidade das situações da vida e que cada uma delas é única e não comparável a outras sem justa ponderação, deixou à doutrina e jurisprudência a interpretação, intermediação e aplicação ao caso concreto da norma jurídica de acordo com os factos e circunstâncias aí presentes. Não é possível estabelecer regras científicas definitivas sobre o que deve considerar-se retribuição de modo a que sejam aplicadas automaticamente. O caso concreto é um cosmos de vida, interesses, contradições, aproximações, interrogações, subtilezas e cores que nunca se repetem. Cada caso é o objeto de estudo em si. Considerando o que referimos, parece-me que, em concreto, a remuneração percebida pelo trabalhador a título de trabalho suplementar é contrapartida da sua prestação principal e integra a retribuição. Mesmo que assim não se entendesse, beneficia da presunção do art.º 58.º n.º 3 do CT, pelo que em meu entender deve ser incorporada na sua retribuição para o efeito de calcular as prestações que lhe são devidas em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima. Assim, consideraria a remuneração auferida pelo trabalhador a título de trabalho suplementar durante os 12 meses que antecederam o acidente como retribuição para efeitos do cálculo das prestações que lhe são devidas em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima. Sumário: no que diz respeito ao conceito de retribuição para efeitos de cálculo das prestações devidas em consequência de acidente de trabalho, compete ao trabalhador a prova do recebimento de determinadas quantias e compete ao empregador, ou a quem o substitua na obrigação de reparar, a prova de que tais quantias não são contrapartida da prestação do trabalho. Évora, 07 de dezembro de 2016. Moisés Pereira da Silva |