Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1889/21.5T8FAR.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DENÚNCIA DO CONTRATO
PRAZO
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 12/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O artigo 17.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 15/2013, de 08/02 comporta a obrigação da mediadora se certificar sobre a capacidade e a legitimidade do cliente para contratar no negócio que a mesma irá promover nada prevendo no tocante a deveres de certificação sobre a representação deste último por outrem na outorga do contrato de mediação imobiliária;
2 – No caso concreto, constando do contrato de mediação imobiliária, para efeitos de denúncia do contrato, um prazo mínimo de pré-aviso de dez dias de antecedência em relação ao fim do contrato ou da sua renovação e resultando provado que não foi observado esse prazo mínimo, a oposição à renovação revela-se extemporânea, sendo, como tal, ineficaz a pretendida denúncia;
3 – Considerando, outrossim, que a quantia de € 70.000,00 entregue ao Apelante, comparativamente ao montante de € 380.000,00 em que se traduziu o negócio outorgado e escriturado em 30/12/2020, representa cerca de 20% deste último montante, é de considerar que o contrato escriturado se traduziu num contrato misto de permuta e venda de imóvel, em que a componente permuta, atendendo aos valores em que se traduziu, releva sobremaneira no caso;
4 – Não tendo ficado identificado expressamente no contrato de mediação imobiliária como negócio a promover pela Apelada a permuta de imóveis a comissão a entregar à Apelada pelo Apelante apenas deverá incidir sobre a componente contratual ilustrativa de compra e venda, ou seja, sobre o montante de € 70.000,00 entregue ao Apelante.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1889/21.5T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Cível de Faro-Juiz 2
Apelante: (…)
Apelada: (…) – Mediação Imobiliária, S.A.
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Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
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Acordam os Juízes que constituem a 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
(…) – Mediação Imobiliária, SA, com sede em (…), intentou a presente acção declarativa condenatória sob a forma de processo comum, contra (…) e (…), ambos residentes em … (Faro), peticionando a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 23.370,84 (vinte e três mil, trezentos e setenta euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou a Autora, em síntese, que, no exercício da sua actividade comercial, celebrou com os Réus um contrato de mediação imobiliária comprometendo-se a diligenciar no sentido de encontrar interessado na compra do imóvel objecto do contrato, pelo preço de € 375.000,00 o que logrou fazer.
Contudo, sustentou a Autora que, posteriormente, a Ré denunciou o contrato de mediação imobiliária com desrespeito pelo prazo fixado para o pré-aviso mínimo em relação ao termo do mesmo, o que fez com que aquele se renovasse e mantivesse em vigor entre as Partes, acrescentando que, após a dita denúncia, os Réus celebraram o negócio com a interessada sem, no entanto, e apesar de várias interpelações, lhe pagarem a si a comissão imobiliária devida.
Regularmente citados os Réus contestaram, defendendo-se por excepção, invocando ser a co-Ré (…) parte ilegítima na ação, dado agir apenas em nome e representação do co-Réu (…), único proprietário do imóvel vendido, pelo que a comissão imobiliária não é devida pela primeira.
Acrescentaram que a co-Ré (…) não detinha poderes de representação para celebrar o contrato de mediação imobiliária em nome do co-Réu (…), pelo que, desconhecendo sem culpa esta falta de poderes, não pode a co-Ré (…) ser responsabilizada pelo pagamento da comissão, sendo, por outra banda, o contrato celebrado juridicamente ineficaz em relação ao co-Réu (…).
Mais aduziram, no tocante à denúncia do contrato pela co-Ré (…), ter a Autora aceite expressamente aquela denúncia.
Remataram a sua defesa pugnando pela inexistência de nexo de causalidade entre a obrigação assumida pela Autora no contrato de mediação imobiliária e o negócio escriturado, por virtude de constar daquele que a Autora se vinculou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na “compra” do prédio do Réu (…) e a proposta formulada pela interessada, bem como o contrato final celebrado, ter consistido numa permuta, cedendo o Réu o seu imóvel e recebendo em troca um apartamento T1 e a quantia monetária de € 70.000,00, terminando a dizer que a proposta recebida pela Autora não era séria.
Em sede de reconvenção, requereram os Réus a redução do negócio, afirmando que no contrato de mediação imobiliária foi acordada, a título de remuneração, a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, não sendo essa quantia inferior a € 5.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, concluindo que o valor monetário pago pelo imóvel foi de € 70.000,00, pelo que, a ter a Autora direito a alguma remuneração, a comissão imobiliária corresponde a € 5.000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
Através de réplica, a Autora deduziu oposição ao pedido reconvencional, argumentando que a venda do imóvel do Réu (…) foi feita pelo preço de € 375.000,00, tendo, tão-só, sido entregue como forma de pagamento um apartamento no valor de € 305.000,00 e € 70.000,00 em numerário, sustentando que a remuneração devida equivale a uma comissão de 5%, acrescida de IVA à taxa legal, calculada sobre € 375.000,00, ou seja, sobre o preço pelo qual o negócio foi efectivamente concretizado, mais peticionando a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em multa e, em sede de indemnização a si Autora, a reembolsar as despesas a que a má-fé tenha obrigado, nomeadamente os honorários do seu advogado.
Notificados para responderem ao incidente de litigância de má-fé contra si os Réus impugnaram a matéria a ele referente, acrescentando, no respeitante especificamente à indemnização, que não basta formular um pedido genérico, pois só com a prova e alegação dos danos efetivamente sofridos poderá o juiz proceder à liquidação da indemnização.
Houve lugar à realização de audiência prévia, na qual se fixou o valor da causa, proferiu-se o despacho saneador, identificou-se o objecto do litígio e enumeraram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência final, a que se seguiu a prolação da sentença, que inclui o seguinte dispositivo:
“VI. Decisório
Pelo exposto, e nos termos de direito invocados, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:
i) Condenar o Réu (…) a pagar à Autora (…) – Mediação Imobiliária, S.A., a quantia de € 23.062,50, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde 31/12/2020 até efectivo e integral pagamento.
ii) Absolver a Ré (…) do pedido contra si formulado.
iii) Julgar a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda, (…) – Mediação Imobiliária, S.A., do pedido.
iv) Julgar improcedente o incidente de litigância de má-fé.
Custas da acção a cargo do Réu (…).
Custas da reconvenção a cargo dos Réus (…) e (…).”
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Inconformado, veio o Réu (…) interpor recurso de apelação da sentença para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando extensas conclusões, terminando a pedir pela revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue a ação intentada pela Recorrida improcedente por não provada quanto ao pedido de condenação do Recorrente, ou, assim não se entendendo, que seja julgado procedente por provado o pedido reconvencional apresentado.
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A Apelada apresentou resposta ao recurso, terminando a pugnar pela total improcedência do recurso interposto, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido na 1ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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O processo subiu a este Tribunal da Relação de Évora e nele houve lugar à prolação pelo relator de despacho convidando ao aperfeiçoamento do segmento recursivo das conclusões apresentadas pelo Réu atenta a diagnosticada extensão do mesmo.
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O Apelante acedeu ao convite e apresentou em tempo novas conclusões com o seguinte teor:
“INTRÓITO
A. A Recorrida interpôs ação judicial no dia 01.07.2021, peticionando o pagamento da quantia de € 23.370,84 (vinte e três mil e trezentos e setenta euros e oitenta e quatro cêntimos) a título de remuneração pela celebração da escritura de permuta e mútuo com hipoteca no dia 30 de dezembro de 2020.
B. Sucede que o Recorrente foi notificado da Sentença proferida pelo Tribunal a quo no dia 19.09.2022 (Refª Citius 125536826), na qual foi proferida decisão nos seguintes termos:
i) Condenar o Réu (…) a pagar à Recorrida (…) – Mediação Imobiliária, S.A., a quantia de € 23.062,50, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde 31/12/2020 até efectivo e integral pagamento.
ii) Absolver a Ré (…) do pedido contra si formulado.
iii) Julgar a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda, (…) – Mediação Imobiliária, S.A., do pedido.
iv) Julgar improcedente o incidente de litigância de má fé.
C. O Recorrente não se pode conformar com a douta sentença recorrida, na parte em que condena o Recorrente a pagar a quantia de € 23.062,50 à Recorrida, nem na parte em que julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a reconvinda Recorrida do pedido, razão pela qual ora se recorre da matéria de facto e de direito.
IMPUGNAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
D. O douto Tribunal a quo considerou como provado que o Recorrente, na panóplia de poderes conferidos à Ré (…), pretendeu englobar os poderes de celebrar contratos de mediação imobiliária.
E. Sucede que a Recorrida nunca produziu prova que permitisse concluir que o Recorrente teve a vontade de celebrar contratos de mediação imobiliária com aquela, conforme lhe era exigido nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
F. Conforme resulta evidente do depoimento da Ré (…), o Recorrente em momento algum teve conhecimento do contrato de mediação celebrado, tendo esta celebrado o referido contrato sem qualquer agnição tão pouco consciência ou orientação por parte do Recorrente, à total revelia do mesmo.
G. O douto Tribunal a quo não teve em consideração a vontade real expressa do Mandante, ora Recorrente, nos termos do disposto no artigo 238.º, n.º 2, do CC, tendo antes considerado a vontade real do Mandatário, no presente caso da Ré (…), o que não se pode conceder.
H. Assim, a vontade do Recorrente nunca foi celebrar qualquer contrato de mediação imobiliária, mas tão e somente vender o imóvel, em conformidade com os poderes que foram outorgados na procuração, não podendo dar-se como provada a existência de poderes para a celebração do contrato de mediação, conforme o fez, erroneamente, o tribunal a quo nos pontos 3) e 4) da sentença recorrida.
I. Nesse sentido, e nos termos e para os efeitos do artigo 640.º do CPC, em virtude da prova testemunhal e documental produzida e supra exposta, deve ser proferida decisão que considere os Factos Provados nºs 3 e 4 como não provados, ou,
J. No limite, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação, em virtude de tal ser a única redação com sustento em componentes de prova juntos aos autos sub judice:
Facto Provado n.º 3: “A Ré (…) tinha poderes para celebrar tão somente os actos discriminados na procuração outorgada em 15/05/2018, e não quaisquer outros”;
Facto provado n.º 4: “Entre a (…) e (…) – Mediação Imobiliária, S.A. foi celebrado um contrato de mediação imobiliária sem poderes para a representação de (…)”.
K. Ainda, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC considera o ora Recorrente que devem ser reapreciados os seguintes factos, e bem assim deverão ser incluídos no elenco dos factos não provados, em virtude da total ausência de elementos probatórios que permitem fundamentar os seguintes factos:
a) A procuração atribui à mandatária poderes para a celebração do contrato de mediação imobiliária.
b) Entre o Recorrente e a Recorrida foi validamente celebrado um contrato de mediação imobiliária.
L. O tribunal recorrido faz-se valer do n.º 2 do artigo 238.º para considerar tais factos como provados, contudo, a parte na qual se repercutem os efeitos jurídicos do contrato, nomeadamente o Recorrente, nunca se manifestou, nem tão pouco foi produzida prova no sentido de o Recorrente pretender celebrar contratos de mediação imobiliária, antes pelo contrário: foi produzida prova no sentido de o Recorrente não ter qualquer conhecimento que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado com um terceiro, in casu a empresa de mediação imobiliária.
M. Para que o tribunal recorrido pudesse amparar a sua decisão na fundamentação de que aquela vontade correspondia à vontade real das partes, nos termos do n.º 2 do artigo 238.º do CC, teria que demonstrar de onde extraiu a prova de que a vontade do Recorrente seria contratar com a Recorrida, o que manifestamente não resulta da douta sentença.
N. Pelo exposto, o Recorrente considera que os seguintes factos devem ser reapreciados e bem assim ser incluídos nos factos não provados:
a) A procuração atribui à mandatária poderes para a celebração do contrato de mediação imobiliária.
b) Entre o Recorrente e a Recorrida foi validamente celebrado um contrato de mediação imobiliária.
a) Impugnação do Facto Provado n.º 14: “No dia 29/10/2020, (…) realizou uma visita ao imóvel identificado em 1)”.
O. Considera identicamente o Recorrente que o Facto Provado n.º 14 deve ser alterado de acordo com a prova produzida nos autos, uma vez que o depoimento da testemunha (…) se revelou cheio de contradições e falsidades, porquanto primeiramente alegou que a visita ocorreu efetivamente no dia 28 de outubro, e apenas mediante a colaboração e auxílio da Mma. Juíza do douto tribunal recorrido é que referiu ter havido um “engano”.
P. Assim, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, o Recorrente considera que deve o facto provado n.º 14 ser incluído no elenco dos factos não provados.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO
Q. Considera o Recorrente que o Tribunal a quo interpretou erroneamente o princípio a maiori ad minus, aplicando-o ao negócio jurídico em concreto, nomeadamente ao contrato de mediação imobiliária, quando na verdade este só deve ser aplicado à interpretação da lei, nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil.
R. A Ré (…), na qualidade de representante, não foi parte no negócio, tendo antes agido em nome do Recorrente, na qualidade de representado, produzindo-se os efeitos jurídicos
S. O douto tribunal apenas teve em consideração a vontade da Ré (…) em celebrar o contrato de mediação imobiliária, tendo ignorado completamente a vontade real do Recorrente – que, note-se, nem sequer foi tida em conta pelo tribunal a quo na sua fundamentação, não tendo sequer sido produzida prova no sentido da vontade real do Recorrente para celebrar contratos de mediação imobiliária, conforme deveria ter sido, por parte da Recorrida, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CC.
T. Note-se que, a procuração, sendo um negócio formal nos termos do artigo 238.º do CC, exige que a declaração tenha um mínimo de correspondência no texto da procuração – o que não sucede no caso dos presentes autos, uma vez que os poderes conferidos para a venda do imóvel são completamente distintos dos de celebrar contratos de mediação imobiliária para a venda do imóvel, com consequências e implicações totalmente distintas, impedindo a lei que essa declaração valha para efeitos de interpretação do negócio jurídico.
U. E determina ainda que o sentido da declaração pode valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade, o que identicamente não sucedeu, uma vez que não foi produzida prova no sentido de o Recorrente pretender englobar os poderes para celebrar contratos de mediação imobiliária.
V. Sucede igualmente que a Ré (…) tinha conhecimento da vontade real do Recorrente no sentido de o mesmo pretender vender o imóvel, e não celebrar um contrato de mediação imobiliária, sendo de acordo com essa vontade que vale a procuração outorgada, nos termos do disposto no artigo 236.º do CC, não podendo daí ser extraída interpretação distinta, conforme o fez – erroneamente, o tribunal a quo, nomeadamente ao desconsiderar por completo a vontade real do Recorrente, tendo a douta decisão por base a vontade da Ré, que interveio tão somente a título de representante.
W. Sucede ainda que, a Recorrida deveria ter-se certificado que, no momento da celebração do contrato de mediação imobiliária, a Ré (…) tinha capacidade bem como legitimidade para celebrar o dito contrato, o que não sucedeu, conforme exigido pelo artigo 17.º da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, tendo a Recorrida que aceitar e conformar-se com as consequências legais desse dever legal que não foi cumprido conforme lhe era imposto.
X. Mas mais, o contrato de mediação imobiliária celebrado em nome do Recorrente não foi por ele ratificado, sendo ineficaz e não podendo produzir quaisquer efeitos jurídicos em relação ao mesmo, nos termos do disposto no artigo 268.º do CC, encontrando-se ferido de nulidade, que ora se invoca ao abrigo do disposto no artigo 286.º do CC, não podendo, consequentemente, gerar no Recorrente a obrigação de remunerar a Recorrida.
Y. Adicionalmente, incumbe atentar ao disposto no artigo 19.º, n.º 1, da Lei n º 15/2013, que foi igualmente desconsiderado pelo tribunal a quo na decisão proferida, segundo o qual a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
Z. Sucede que a obrigação legal que advém do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes para a Recorrida é encontrar um interessado na compra do imóvel revelando-se essencial que o negócio visado e o negócio final e concluído coincidam na sua totalidade, não incumbindo ao Recorrente qualquer obrigação de pagar uma remuneração à Recorrida, uma vez que o negócio visado não foi a compra do imóvel, mas sim a permuta.
AA. Note-se, ainda, que o douto Tribunal recorrido tomou posição relativamente à qualificação do contrato em que, apesar de existir uma troca de bens, por terem valores diferentes, umas das partes inclui, também, uma prestação monetária, não tendo, contudo, fundamentado a razão pela qual adotou essa teoria.
BB. O contrato de permuta e mútuo com hipoteca celebrado, por escritura púbica, no dia 30.12.2020 visou a troca de um apartamento T1 de luxo, por um prédio urbano, destinado a habitação, constituído por 6 divisões assoalhadas, com uma área total de 914 m2.
CC. Mediante tal situação, é visível que as partes valorizaram mais o bem trocado do que o dinheiro em si, não podendo, por isso, considerar-se que as partes tinham vontade e pretendiam celebrar uma compra e venda.
DD. No atinente ao pedido reconvencional, e a admitir-se a validade da procuração – o que desde já se rejeita e por mera cautela de patrocínio se concede, o Recorrente apenas poderia ter sido condenado no pagamento do valor correspondente a 5% do negócio visado (compra e venda), ou sendo o negócio visado inferior a € 100.000,00, no pagamento do montante de € 5.000,00, mas em momento algum no valor do negócio da permuta, que se concretizou por € 380.000,00.
EE. Acresce igualmente que a Ré (…) procedeu à denúncia do contrato, por meio de uma mensagem enviada via WhatsApp no dia 10 de novembro de 20205, à qual a Recorrida, por intermédio do seu mediador (…) respondeu afirmando “Ok. Serve assim também.”
FF. Não obstante o contrato de mediação imobiliária ter de ser denunciado mediante carta registada com aviso de receção e com a antecedência de 10 dias em relação ao seu termo, não podemos deixar de considerar a anuência da denúncia do contrato por parte da Recorrida.
GG. Um declaratário normal, colocado na posição da Ré (…), nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do CC, entenderia que mediante a mensagem enviada pela Recorrida que esta não só se reporta à forma, mas igualmente ao seu conteúdo e que o contrato considerar-se-ia denunciado tanto no atinente à forma bem como ao prazo mínimo estabelecido, produzindo, assim, todos os seus efeitos legais.
HH. Pelo que, o sentido da declaração da Ré (…) em denunciar o contrato ficou bem explícito na prova produzida, nomeadamente no testemunho de Roberto, devendo ser esse o sentido que prevalece, nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do CC.
II. Nessa medida, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva o Recorrente do pedido de condenação deduzido pela Autora, ora Recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, em consequência, deverá ser revogada a sentença ora recorrida nos termos expostos no presente Recurso de Apelação e ser substituída por outra que julgue a ação intentada pela Recorrida improcedente por não provada quanto ao pedido de condenação do Recorrente, ou caso assim não se entenda, que seja julgado procedente por provado o pedido reconvencional apresentado em sede de 1ª instância.
Assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!
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Não foi apresentada resposta ao teor da peça processual com as conclusões aperfeiçoadas.
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O recurso é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao regime de subida e efeito determinado no Tribunal recorrido.
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Correram Vistos.
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II – QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que tange à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir respeitam ao seguinte:
1- Impugnação da decisão relativa a matéria de facto;
2- Reapreciação de mérito, comportando a reapreciação das seguintes questões:
- Alegada falta de poderes de representação da Ré (…) para outorgar contrato de mediação imobiliária em nome do Apelante (…);
- Alegada validade formal e substancial da denúncia do contrato de mediação imobiliária promovida pela Ré (…).
- Alegado incumprimento da Apelada no tocante ao dever de promover o negócio identificado no contrato de mediação e respectivo impacto no pagamento pelo Apelante do montante a título de comissão reclamado por àquela;
- Eventual ressarcimento da Apelada, a título de comissão, no montante reduzido mencionado em sede de reconvenção.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É do seguinte teor o segmento atinente à fundamentação de facto da sentença recorrida:
“1. Factos Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) A (…) – Mediação Imobiliária, S.A. é uma empresa, que tem por objecto social a mediação imobiliária, e detém os direitos de uso da marca (...).
2) Encontrou-se registado em nome de (…), o prédio urbano, composto por edifício de dois pavimentos, com cave e logradouro, destinado a habitação, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da mesma freguesia e concelho.
3) Por escritura pública denominada “procuração” outorgada em 15/05/2018 consta que:
[…] constitui procuradora sua irmã – […] a quem […] Confere, ainda, os poderes necessários para em seu nome e representação, comprar, vender, permutar, dividir e partilhar, pelo preço, valor, e condições que entender quaisquer bens imóveis ou direitos sobre imóveis que possua em Portugal, outorgar e assinar as respectivas escrituras, ou documentos particulares, pagar preços, receber preços e dar quitação, dar e receber tornas, acordando lotes e na sua adjudicação, e requerer quaisquer actos de registo predial, provisórios e/ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, prestar declarações complementares verbais ou escritas.
4) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020, identificado como “Contrato n.º …”, e assinado por (…), consta:
Entre: (…) – Mediação Imobiliária, S.A. […] e […], aqui representada por (…) seu procurador com poderes para o acto […], é celebrado o presente Contrato de Mediação Imobiliária […]”.
5) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020 e identificado como “Contrato n.º …” consta:
Cláusula 1.ª (Identificação do Imóvel)
O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da […] prédio (rústico/urbano) […], destinado (a) a HABITAÇÃO, sendo constituído por 6 divisões assoalhadas, com uma área total de 914 m2, sito na (Rua, Av., Etc.) …, em … (freguesia), … (concelho), descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro, sob a ficha n.º […] e inscrito na matriz predial (urbana / rústica) com o artigo n.º …, da freguesia de […]”.
6) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020 e identificado como “Contrato n.º …” consta:
Cláusula 2.ª (Identificação do Negócio)
1 – A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra Trespasse Arrendamento outro _______, pelo preço de 375.000 Euros (trezentos setenta cinco mil euros), desenvolvendo para o efeito acções de promoção, divulgação e publicação do imóvel objecto do presente Contrato de Mediação Imobiliária.
7) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020 e identificado como “Contrato n.º …” consta:
“Cláusula 4.ª (Regime de Contratação)
1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2 – Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência.
3 – No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada.
8) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020 e identificado como “Contrato n.º …” consta:
“Cláusula 5.ª (Remuneração)
1 – A remuneração é devida se a Mediadora conseguir destinatário que celebre com o Segundo Contratante o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no n.º 1 e 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro.
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:
a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor, não sendo essa quantia inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor. […]
3 – O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições:
o total da remuneração aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado.
____% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de _____% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.
o total da remuneração quando da celebração do contrato-promessa.
9) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020 e identificado como “Contrato n.º …” consta:
“Cláusula 8.ª (Prazo de Duração do Contrato)
O presente contrato tem uma validade de 3 meses contados a partir da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.
10) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020 e identificado como “Contrato n.º (…)” consta:
Cláusula 10.ª (Angariador Imobiliário)
Na preparação do presente Contrato de Mediação imobiliária colaborou o Angariador Imobiliário […]”.
11) Para efeitos de outorga do escrito datado de 11 de Agosto de 2020, (…) entregou à (…) – Mediação Imobiliária, S.A., a escritura pública referida em 3).
12) A (…) – Mediação Imobiliária, S.A. publicitou a venda do imóvel identificado em 1), nomeadamente por via online, e contactou eventuais interessados na aquisição do mesmo.
13) Do escrito enviado em 16 de Outubro de 2020 às 19h53, por “www.com «....com»” para “….pt” consta:
Boa tarde, espero que se encontrem bem. Faria sentido para si uma Permuta por um apartamento T1 de luxo na (…) com 100 m2, duas casas de banho, luxuosamente mobilado/equipado, com roof top/penthouse com jacúzi privado, grandes varandas, garagem individual, no resort: piscina, campo de ténis, segurança 24 horas, é um apartamento mesmo muito diferente e interessante, que em regime de arrendamento produz 100 euros por noite em época baixa por causa do Golf. Eu irei colocá-lo à venda por 340 mil é o valor que a imobiliária estimou como valor de mercado, assim, a minha oferta seria o meu aprestamento mais 50 mil euros, ficaria do lado do vendedor a decisão de continuar a vender o meu apartamento convosco e realizar o valor ou ficar com o apartamento para fins de arrendamento, por exemplo. Anexo as fotos e visita 3D […]. Grata pela atenção, (…).
14) No dia 29/10/2020, (…) realizou uma visita ao imóvel identificado em 1).
15) Do escrito intitulado de “Proposta de Compra”, datado de 31/10/2020 e assinado por (…), consta:
a) “01 IDENTIFICAÇÃO DO PROPONENTE
Nome: […]
Agente do Proponente: […]
Agente do Proprietário: […]
b) 02 IDENTIFICAÇÃO DA PROPRIEDADE, PREÇO E MODALIDADE DE PAGAMENTO
Morada: […]
Concelho: Faro
Zona: […]
VALOR PROPOSTO: € 70.000,00
Valor a entregar nesta data com a Proposta de Compra/Reserva Apartamento T1 € 305.000,00”.
16) A Autora informou a Ré desta proposta de compra.
17) Em 10 de Novembro de 2020, às 11h50, (…), enviou uma imagem para (…) na qual consta:
Eu […] venho por este meio denunciar o fim do contrato estabelecido entre mim e a (…) – mediação imobiliária […].
Este contrato ao qual denuncio o seu fim, foi celebrado em 11 Agosto 2020 com a validade de 3 meses.
Com isto e pelo disposto na cláusula 8.
O dito contrato passa a não ser renovado no fim deste período de 3 meses, onde findara qualquer compromisso entre mim e essa sociedade de mediação imobiliária.
Sendo assim o término desta ligação contratual terá efeitos práticos a partir de 11 Novembro 2020 […].
18) Em 10 de novembro de 2020, às 11h52, (…), enviou para (…) uma mensagem onde consta:
Não consigo enviar para o seu e-mail apresenta falha de envio
(…).pt”.
19) Em 10 de Novembro de 2020, às 14h10, (…) enviou para (…) uma mensagem onde consta:
“Ok, (…) serve assim também”.
20) Por escritura pública de permuta e mútuo com hipoteca outorgada em 30/12/2020, (…), na qualidade de procuradora de (…), cedeu a (…) o prédio urbano identificado em 1) pelo valor de € 380.000,00, recebendo em troca a fracção autónoma aludida em 8) pelo valor de € 310.000,00 e, ainda, a quantia monetária de € 70.000,00.
21) Do documento designado “Factura F” consta:
“Prestações de serviços imobiliários
Sítio do (…) – (…) – Faro
Contrato n.º […]
Total do documento: € 23.062,50” e
“Vencimento: 01.03.2021”.
22) Do escrito expedido em 19/03/2021, por carta registada com aviso de recepção, para (…), e recepcionada em 22/03/2021, consta:
[…] Em representação da firma (…) – Mediação Imobiliária SA, venho pela presente via solicitar a V. Exa., que proceda ao pagamento da quantia de € 23.062,50 (vinte e três mil e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), constante da fatura F24, que até ao momento se encontra por liquidar. […] requeiro a V. Exa., para no prazo de 10 dias úteis, proceder ao pagamento da quantia supra referida […]”.
23) Do escrito expedido, em 19/03/2021, por carta registada com aviso de recepção, para (…), e recepcionada em 22/03/2021, consta:
[…] Em representação da firma (…) – Mediação Imobiliária SA, venho pela presente via informar V. Exa., que se encontra por liquidar a quantia de € 23.062,50 (vinte e três mil e sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), constante da fatura F24 […]. Assim, requeiro a V. Exa., na qualidade em que interveio no presente negócio, para no prazo de 10 dias úteis, proceder ao pagamento da quantia supra referida […]”.
***
2. Factos Não Provados
Ficaram por provar os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
A) A visita referida em 14) tenha ocorrido no dia 29 de Novembro de 2020.”
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1 – Iniciemos, então, este segmento do acórdão com a apreciação da questão objecto do recurso atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Diz-nos o artigo 640.º do Código de Processo Civil, epigrafado “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
1 – Quando seja impugnada a decisão relativa a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios , constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada , que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;[…]
A este propósito, sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil “, Almedina, 2018, 5ª ed., págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“,
esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2, a), do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Dispõe, ainda, o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que:
A relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“obra citada, pág. 287), que “O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2 , alíneas a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (Itálico nosso).
Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, págs. 463-464), o seguinte:
“A redação do preceito [662.º, n.º 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.
[…]
A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Nesta sede importa ainda recordar o teor do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte:
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Passemos, agora, aos contornos do caso concreto, desde já se consignando que na respectiva resposta ao recurso a Apelada pugna pela total improcedência da impugnação apresentada pelo Apelante.
Da leitura dos pontos K, L e M das conclusões recursivas percebemos que o Apelante identifica como factos provados na sentença recorrida os seguintes:
“a) A procuração atribui à mandatária poderes para a celebração do contrato de mediação imobiliária”.
b) Entre o Recorrente e a Recorrida foi validamente celebrado um contrato de mediação imobiliária.”
Por seu turno, da leitura do ponto N das aludidas conclusões resulta que o Apelante pretende que tais factos sejam relegados para o segmento da sentença destinado à identificação dos factos considerados como não provados.
Ora, lendo com mediana atenção a totalidade dos pontos contidos no segmento da sentença recorrida respeitantes aos factos provados verificamos que os dois factos que o Apelante elencou sob alíneas a) e b) não constam daquele segmento.
Aliás, o próprio descritivo quer em sede de motivação, quer em sede de conclusões recursivas, aponta antes para juízos conclusivos sobre a prova de tais factos a que o Apelante chegou a partir do enquadramento jurídico plasmado na sentença recorrida, enquadramento esse que partiu da interpretação efectuada pelo Tribunal a quo dos factos descritos no segmento respeitante aos factos considerados como provados sob os pontos 3) e 4) também impugnados no recurso pelo Apelante e de que trataremos infra.
Pelo que, sem necessidade de mais considerandos, improcede a pretensão do Apelante de se reconduzir ao segmento dos factos considerados como não provados os dois factos que enunciou como supostamente considerados como provados identificados supra sob as alíneas a) e b).
Entende, ainda, o Apelante que os factos descritos no segmento da sentença recorrida atinente aos factos julgados como provados sob os pontos 3) e 4) deveriam ter sido considerados como não provados.
Recordemos o teor de tais factos.
“3) Por escritura pública denominada ‘procuração’ outorgada em 15/05/2018 consta que:
[…] constitui procuradora sua irmã – […] a quem […] Confere, ainda, os poderes necessários para em seu nome e representação, comprar, vender, permutar, dividir e partilhar, pelo preço, valor, e condições que entender quaisquer bens imóveis ou direitos sobre imóveis que possua em Portugal, outorgar e assinar as respectivas escrituras, ou documentos particulares, pagar preços, receber preços e dar quitação, dar e receber tornas, acordando lotes e na sua adjudicação, e requerer quaisquer actos de registo predial, provisórios e/ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, prestar declarações complementares verbais ou escritas.
4) Do escrito datado de 11 de Agosto de 2020, identificado como “Contrato n.º (…)”, e assinado por (…), consta:
Entre: (…) – Mediação Imobiliária, S.A. […] e […], aqui representada por (…) seu procurador com poderes para o acto […], é celebrado o presente Contrato de Mediação Imobiliária […]”.
Em alternativa ao julgamento de tais factos como não provados pugna ainda o Apelante por uma diferente redacção dos factos provados contidos nos aludidos pontos 3) e 4), consubstanciada no seguinte:
Ponto n.º 3): “A Ré (…) tinha poderes para celebrar tão somente os actos discriminados na procuração outorgada em 15/05/2018 e não quaisquer outros.”
Ponto n.º 4: “Entre a (…) e (…) – Mediação Imobiliária, S.A. foi celebrado um contrato de mediação imobiliária sem poderes para a representação de (…).”
Desde já adiantamos que a redacção alternativa pretendida pelo Apelante não pode ser atendida pois quer a expressão “e não quaisquer outros”, quer a expressão “sem poderes para a representação de (…)”, pecam por não retratar factos concretos, naturalísticos, mas sim conclusões sobre factos desse jaez e até com conotação flagrantemente jurídica no tocante ao sufragado quanto ao ponto n.º 4, ao aludir a falta de poderes para representação.
Por outras palavras, as apontadas expressões mais não revelam que juízos conclusivos sofre factos, que podem, ou não, ser obtidos a partir da enunciação de factos concretos e naturalisticamente percepcionados.
Dito isto, vejamos em que se sustenta a pretensão do Apelante para a indemonstração daqueles dois factos julgados como provados na sentença recorrida.
Relendo o que refere o Apelante em sede de motivação e nos pontos E a I das conclusões recursivas aperfeiçoadas, percebemos que no tocante aos pontos n.ºs 3 e 4 do segmento dos factos julgados como provados na sentença recorrida o Apelante invocou as declarações prestadas em audiência final pela co-Ré (…), indicando as passagens da gravação que entendeu como pertinentes, transcrevendo ainda os excertos da mesma considerados por si como particularmente relevantes para a decisão que entendeu ser a correcta para os ditos dois factos, cumprindo, como tal, o ónus de obrigatória especificação previsto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Vejamos, porém, como motivou o Tribunal a quo, na sentença recorrida, a resposta a que chegou quanto aos factos que considerou como provados sob os pontos 3) e 4):
“A factualidade dada como provada ínsita no ponto n.º 3 foi extraída directamente do teor da procuração outorgada em 15/05/2018, que, por seu turno, foi reforçado pelas declarações da Ré (…) e pelos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…), que demonstraram, de forma séria, objetiva, desprendida e credível, terem conhecimento do conteúdo da procuração. A Ré (…) chegou inclusive a esclarecer que, como o seu irmão estava na África do Sul e confiava inteiramente nela, passou-lhe uma procuração com a qual tratava de todos os assuntos daquele em Portugal e, como tal, estava convicta de que possuía poderes para celebrar o contrato de mediação […]
Quanto aos factos julgados provados enumerados nos pontos n.ºs 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, o Tribunal formou a sua convicção valorando, fundamentalmente, o conteúdo do Contrato de Mediação Imobiliária, que foi corroborado pelas declarações da Ré (…) e pelos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…).
Tanto a Ré (…), como as testemunhas (…), (…) e (…), de modo coerente, concordante e espontâneo, explicaram […] os passos tomados que conduziram à celebração do contrato de mediação imobiliária, bem como as circunstâncias em torno da própria celebração do contrato com a Ré, designadamente, aludindo a que o imóvel pertencia ao irmão da Ré, estando esta apenas a actuar em sua representação.”
Ora bem, como se constata da pretensão recursiva do Apelante o mesmo estriba-se em excertos pontuais das declarações de parte prestadas pela co-Ré (…) em audiência final para tentar demonstrar que a factualidade descrita sob os pontos 3) e 4) dos factos assentes na sentença recorrida não resultou provada.
Note-se, desde logo, que o mesmo não colocou em causa a genuinidade e autenticidade, assim como o teor, dos documentos expressamente mencionados nos ditos pontos 3) e 4) dos factos provados, juntos com a petição inicial, sendo evidente do exame dos autos não ter sido invocada a falsidade de qualquer um dos documentos.
Por outro lado, sendo a declarante de parte (…), co-Ré na acção e irmã do outro co-Réu, ora Apelante, apenas o que fosse desfavorável à mesma seria de considerar provado por confissão.
No restante, por estar em causa um meio de prova não vinculada, a apreciação da valia das suas declarações ficou sujeita à livre apreciação do julgador, de acordo com a prudente convicção do mesmo, com recurso a regras de experiência e bom senso.
Tem sido entendimento, cremos maioritário, a nível doutrinário e jurisprudencial, que a prova a realizar por meio de declarações de parte (naquilo que escape à confissão), deve ser acompanhada de outros(s), meio(s) probatório(s) que ajude(m) a confirmar o declarado pela Parte, o que se percebe perfeitamente pois a posição do declarante de parte no processo não é a de testemunha, mas sim de alguém interessado num determinado desfecho do processo.
Sem embargo, em casos excepcionais, onde não se inclui o caso em apreço, abrangendo matérias do foro íntimo dos litigantes, não presenciáveis por terceiros e como tal de difícil demonstração ou confirmação por outros meios de prova, é de admitir que a convicção do julgador possa assentar em declarações de parte desacompanhadas da corroboração por outros meios probatórios.
No caso em apreço, o Apelante não mencionou qualquer meio probatório para impugnar a solução a que chegou o Tribunal a quo além das declarações de Parte de (…) ao passo que o Tribunal a quo se ancorou nos documentos mencionados nos pontos 3) e 4) (escritura pública denominada “procuração” datada de 15/05/2018 e “Contrato de Mediação Imobiliária” datado de 11/08/2020), bem como no cotejo daquelas declarações com os depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…), sendo ainda de sublinhar que as testemunhas (…) e (…), foram testemunhas comuns a ambas as Partes.
Assim, no contexto descrito não vemos qualquer motivo para considerar incorrecta a decisão do Tribunal a quo que julgou como provados os dois factos em causa, improcedendo, em consequência, a impugnação também quanto aos mesmos.
O Apelante impugnou, ainda, a decisão relativa à matéria de facto no tocante à prova do facto contido no ponto 14) do segmento da sentença recorrida relativo aos factos considerados como provados, defendendo que tal facto devia ter sido considerado como não provado.
Relembremos o teor do mesmo:
“14) No dia 29/10/2020, (…) realizou uma visita ao imóvel identificado em 1)”.
Recorrendo, mais uma vez, ao alegado na motivação e nos pontos O e P das conclusões recursivas aperfeiçoadas, verificamos que o Apelante pugna pela indemonstração do facto em apreço com base no depoimento da testemunha comum às Partes (…), indicando as passagens da gravação que entendeu como pertinentes, transcrevendo ainda os excertos da mesma considerados por si como particularmente relevantes para a decisão que entendeu ser a correcta para o dito facto, cumprindo, como tal, o ónus de obrigatória especificação previsto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Vejamos, de seguida, como motivou o Tribunal a quo, na sentença recorrida, a resposta a que chegou quanto ao facto ora em reanálise que considerou como provados sob o ponto 14).
“A convicção do Tribunal quanto à factualidade vertida no ponto n.º 14 partiu do conteúdo do Formulário de Ficha de Visita, em conjugação com o depoimento da testemunha (…) que, de modo objectivo, isento e com espontaneidade, constatou que a data da ficha de visita estava incorrecta, porquanto a visita antecedeu a proposta formulada na ficha de Proposta de Compra. Por sua vez, a testemunha (…) esclareceu que a Ficha de Visita e a ficha de Proposta de Compra lhe foram enviadas ao mesmo tempo, após a visita, e que esta teve lugar um mês antes do que nela está indicado, o que contraria o declarado pela Ré – que a visita só decorreu um mês depois de formalizada a proposta –, tendo o Tribunal considerado que, quanto a este aspecto, a testemunha foi séria e genuína. Identicamente, as testemunhas (…) e (…) congruentemente concretizaram que primeiro teve lugar a visita realizada por (…) à moradia do Réu e só depois foi preenchida a ficha de Proposta de Compra.
Daqui resultou, ainda, como não provada a factualidade presente no ponto A) dos factos não provados.”
Ora bem, para além de não resultar do excerto do depoimento prestado pela testemunha (…), selecionado e transcrito pelo Apelante, indemonstrado que a visita ao imóvel decorreu no dia 29/10/2020, dado que a testemunha em causa reconheceu a existência provável de um erro na aposição de data na “Ficha da Visita” realizada por (…) ao imóvel do Apelante (“Isso deve haver aí algum engano”, nas palavras da testemunha), devemos igualmente considerar, de acordo com o expresso pelo Tribunal a quo no segmento da motivação plasmado na sentença recorrida, que a demonstração do facto descrito sob o ponto n.º 14) dos factos provados fundou-se, ainda, nos depoimentos, concertados e congruentes entre si prestados pelas testemunhas (…), (…) e (…).
De resto e fazendo apelo a regras de larga experiência comum no tocante ao assunto em causa sempre seria de equacionar que sentido teria alguém apresentar uma proposta de compra (consubstanciada em documento junto com a petição inicial, o qual não foi expressamente impugnado pelos Réus, datado de 31/10/2020), relativamente a um imóvel antes de concretizar a visita ao mesmo, sendo a mesma visita perfeitamente viável?
No contexto descrito improcede também a impugnação apresentada relativamente ao aludido facto provado contido no ponto n.º 14, de que resulta a improcedência total da impugnação relativa à decisão sobre a matéria de facto discriminada na sentença recorrida, que assim se mantém inalterada.

2 – Reapreciação de mérito.
Entrando neste segmento a primeira questão que urge reanalisar por decidida na sentença recorrida e suscitada no recurso, designadamente entre os pontos Q e Z das conclusões recursivas aperfeiçoadas, prende-se com a alegada falta de poderes de representação da co-Ré (…) para contratar com a Apelada, em nome do Apelante, o denominado “Contrato de Mediação Imobiliária” outorgado em 11 de Agosto de 2020 e consequentes efeitos jurídicos decorrentes dessa negociação.
No essencial, entende o Apelante que a co-Ré (…) negociou esse contrato de mediação sem poderes para o representar, pois não lhe foram conferidos pela procuração formalizada em escritura pública outorgada em 15/05/2018 quaisquer poderes para celebrar com terceiros, em sua representação, contratos de mediação imobiliária, o que tem como consequência jurídica que o dito contrato outorgado em 11/08/2020 seja ineficaz relativamente à sua esfera jurídica nos termos do disposto no artigo 268.º do Código Civil (doravante apenas CC), uma vez que não o ratificou, rematando não dever, como tal, ser responsabilizado pelo pagamento da peticionada comissão.
Na respectiva resposta ao recurso a Apelada pugna pela improcedência do sustentado pelo Apelante.
Vejamos de que forma abordou o Tribunal a quo na sentença recorrida a questão de que nos ocupamos neste momento, transcrevendo o segmento pertinente.
[…]
Primeiramente, cabe apurar se a Ré (…) possuía os necessários poderes para celebrar, em nome do Réu (…), o contrato de mediação imobiliária com a Autora.
Segundo se extrai da matéria de facto provada, no dia 15 de Maio de 2018, através de procuração, o Réu (…) constituiu como procuradora sua irmã – a Ré (…) –, conferindo-lhe “os poderes necessários para em seu nome e representação, comprar, vender, permutar, dividir e partilhar, pelo preço, valor, e condições que entender quaisquer bens imóveis ou direitos sobre imóveis que possua em Portugal, outorgar e assinar as respectivas escrituras, ou documentos particulares, pagar preços, receber preços e dar quitação, dar e receber tornas, acordando lotes e na sua adjudicação, e requerer quaisquer actos de registo predial, provisórios e/ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, prestar declarações complementares verbais ou escritas” (cfr. ponto n.º 3 da factualidade provada).
Com efeito, observando estes poderes, depreende-se que entre eles não se encontram expressamente referidos os poderes indispensáveis para a celebração de contratos de mediação imobiliária.
Como declaração negocial que é, a procuração tem de ser interpretada segundo as regras contidas nos artigos 236.º, n.ºs 1 e 2, e 238.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, que estabelecem critérios para a fixação do alcance ou sentido da declaração negocial.
Na interpretação dos negócios jurídicos, prevalece a vontade real do declarante sempre que for conhecida do destinatário (artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil). Faltando tal conhecimento, vale o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil).
Da leitura da procuração, vislumbra-se que são conferidos vastos e extensos poderes à procuradora para que lhe seja juridicamente possível, em nome do constituinte, concretizar uma venda de bens imóveis do representado.
Impõe-se aqui a análise da aludida procuração à luz do brocardo a maiori ad minius, na sua formulação positiva – se a regra permite o “mais”, então também permite o “menos” ou, melhor, “quem pode o mais pode o menos”. Isto é, se a referida procuração confere poderes ao procurador para alienar em definitivo a totalidade do prédio e fixar os contornos desta disposição, na fase pré-contratual, como assim entender, aceita-se que à procuradora – a Ré (…) – também foram conferidos poderes para celebrar, em nome do constituinte – o Réu (…) –, contratos de mediação imobiliária com vista à procura de destinatários para a realização de negócio de alienação do prédio pertencente ao representado.
Esta seria a conclusão alcançada pelo homem médio, colocado na posição do declaratário real (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil), que não deixa de ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento (artigos 238.º, n.º 1, 262.º, n.º 2 e 875.º do Código Civil, e artigo 16.º, n.º 1, do RJAMI).
Enquanto tal, e assumindo que a Ré (…) desconhecia a vontade do Réu … (cfr. artigos 236.º, n.º 2, e 238.º, n.º 2, do Código Civil), de acordo com o exposto, aquela tinha, no momento da celebração do contrato de mediação imobiliária, capacidade e título de legitimação para contratar nos negócios que a Autora iria promover, como tinha capacidade e título de legitimidade para, em nome do Réu (…) , celebrar o próprio contrato de mediação imobiliária.
Ainda nesta senda, é igualmente visível que da perspectiva da Autora (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil) a Ré (…) detinha, no momento da celebração do contrato de mediação imobiliária, não só poderes para contratar nos negócios que iria promover, como, também, poderes para celebrar o próprio contrato de mediação imobiliária, em nome do Réu (…).
Assim sendo, não só inexiste representação sem poderes, como inexiste abuso de representação (artigos 268.º e 269.º do Código Civil).
Para mais, no contrato de mediação imobiliária pode-se ler que este é celebrado entre a (…) – Mediação Imobiliária, S.A., “e […], aqui representada por … seu procurador com poderes para o acto […]” (cfr. ponto n.º 4 da matéria de facto provada). É, pois, notório da própria letra do contrato, que a representante deu a conhecer à Autora que estava a agir em nome do representado, o Réu (…). Aliás, inclusivamente ficou comprovado que, para efeitos da celebração do contrato de mediação imobiliária, a Ré (…) entregou à Autora a supramencionada procuração (cfr. ponto n.º 11 da factualidade provada).”
Estando em causa um contrato de mediação imobiliária, impõe-se chamar, desde já, à discussão alguns preceitos da Lei n.º 15/2013, de 08/02.
Assim, dispõe o artigo 2.º do identificado diploma legal que:
Artigo 2.º
Definições
1 - A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
2 - A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações:
a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;
b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.
[…]
Já no artigo 17.º da mesma Lei está previsto que:
Artigo 17.º
Deveres para com os clientes e destinatários
1 - A empresa de mediação é obrigada a:
a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;
b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;
c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro;
d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.
[…]
O Apelante invoca no seu recurso “[…]que a Recorrida deveria ter-se certificado que, no momento da celebração do contrato de mediação imobiliária, a Ré (…) tinha capacidade bem como legitimidade para celebrar o dito contrato, o que não sucedeu, conforme exigido pelo artigo 17.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, tendo a Recorrida que aceitar e conformar-se com as consequências legais desse dever legal que não foi cumprido conforme lhe era imposto.”
Diga-se que o incumprimento desse dever simultâneo à concretização do contrato de mediação por parte da mediadora (e neste caso da Apelada), não determinaria a nulidade, ou anulabilidade, do contrato de mediação imobiliária, sem embargo de, ao abrigo do disposto no artigo 32.º, n.ºs 1, b) e 3, da Lei n.º 15/2013, de 08/02, na redacção em vigor, constituir contraordenação, com possível sujeição a sanções acessórias, bem como poder fundamentar pedido indemnizatório por parte de lesado no negócio a promover pela mediadora.
De todo o modo, no caso em apreço, o que está em causa, a nosso ver, não se reconduz a questões de capacidade, ou de legitimidade, da co-Ré (…), ou do Apelante, para contratar nos negócios que a Apelada iria promover, mas sim de representação de outrem na outorga do próprio contrato de mediação, razão pela qual não se aceita que tenha existido incumprimento da parte da Apelada no tocante ao dever a que vimos aflorando.
Aqui chegados, afigura-se-nos acertada a abordagem feita pelo Tribunal a quo no enquadramento jurídico da sentença recorrida e designadamente no excerto que acima transcrevemos sobre a questão da representação do Apelante por parte da co-Ré (…) na outorga do contrato de mediação imobiliária em 11/08/2020, assumindo-se, como tal, a inexistência de representação sem poderes ou de abuso de representação do Apelante por parte da co-Ré (…) na outorga do dito contrato.
Com efeito, nos dias que correm é prática corrente que a preparação da venda de um bem imóvel por parte de alguém que não seja, ou tenha sido, um profissional na área da negociação imobiliária seja entregue a empresas de mediação imobiliária para que estas recorrendo ao know-how que possuem na matéria e conhecimento da especificidade do mercado em apreço possam promover com mais segurança e margem de sucesso acrescida a compra e venda de um bem imóvel.
De resto, sempre seria ao Apelante, que alegou tais circunstâncias factuais, que assistia o ónus de demonstrar cabalmente nos autos a sua oposição à celebração de qualquer contrato de mediação imobiliária tendente a promover a pretendida venda do imóvel por parte de sua irmã e procuradora no negócio (…), o que não fez.
Do exposto ressalta, ainda, a desnecessidade no caso vertente de demonstração da ratificação prevista no artigo 268.º do CC, improcedendo, como tal, o vicio de ineficácia invocado, uma vez que a dita ratificação se afere apenas a casos em que alguém age em nome de outrem, sem poderes de representação do mesmo.

Passemos, de seguida, a abordar a segunda questão que supra enunciamos, igualmente invocada nas conclusões recursivas aperfeiçoadas, traduzida na alegada validade da denúncia do contrato de mediação imobiliária desencadeada pela co-Ré (…).
Sustenta o Apelante que apesar de o dito contrato ter de ser denunciado mediante carta registada com aviso de recepção e com antecedência de 10 dias em relação ao seu termo, existiu anuência da parte da Apelada no tocante à mensagem enviada no dia 10 de Novembro de 2020, via WhatsApp, por virtude daquela ter respondido por intermédio do seu mediador (…) com a expressão “Ok. Serve assim também”.
Na respectiva resposta ao recurso pugna a Apelada pela improcedência da pretensão do Apelante.
Sobre esta matéria tem interesse fundamentalmente os factos vertidos sob os pontos 9) e 17) a 19) do segmento da sentença recorrida atinente aos factos considerados como provados.
Resulta do identificado ponto 9) provado o conteúdo da cláusula 8.ª relativa a “Prazo de Duração” integrante do contrato de mediação imobiliária outorgado a 11 de Agosto de 2020, que corresponde ao seguinte:
“O presente contrato tem uma validade de 3 meses contados a partir da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.”
Conforme facilmente se percebe do cotejo do teor desta cláusula com o teor dos factos vertidos sob os pontos 17) e 18) do segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida não foi observada nem a antecedência (pré-aviso), nem as formalidades prevenidas quanto à denúncia contratual do contrato de mediação imobiliária outorgado entre as Partes.
Na sua resposta ao recurso sustenta a Apelada que a resposta que deu ao Apelante no dia 10/11/2020 apenas se referia à forma de comunicação da denúncia aceitando a mensagem de texto como um meio equivalente à carta registada com aviso de recepção, ficando de fora qualquer aceitação quanto à preterição do prazo de pré-aviso, mais acrescentando que o destinatário da tal mensagem não é sócio, gerente ou representante legal da Apelada, razão pela qual não possuía poderes para a vincular quanto a qualquer posição que tomasse no tocante à forma e conteúdo da dita mensagem.
Espreitemos, de novo, a sentença recorrida transcrevendo o segmento em que o Tribunal a quo apreciou a questão ora em reapreciação.
[…] A denúncia não tem uma regulamentação típica na lei, o que não inviabiliza que possa tê-la no contrato.
Não obstante se designar impropriamente, in casu, como denúncia para o termo do prazo, a denúncia é uma faculdade existente na titularidade de um contratante própria das relações contratuais duradouras e sem termo estipulado. Com bom rigor, o que se observa é uma oposição à renovação, isto é, uma declaração unilateral para produzir efeitos no fim do prazo.
Compulsada a matéria de facto dada como provada, constata-se que as partes acordaram que, caso não fosse denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo, o contrato de mediação imobiliária renovar-se-ia automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo (cfr. ponto n.º 9 da matéria de facto provada).
Acontece que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado no dia 11 de Agosto de 2020 (cfr. ponto n.º 4 da factualidade provada), pelo que, tendo-se estabelecido uma validade de 3 meses contados a partir da sua celebração (cfr. ponto n.º 9 da matéria de facto dada provada), aquele alcançaria o seu termo e renovar-se-ia, ou não, no dia 11 de Novembro de 2020 (artigo 279.º, alínea c), do Código Civil).
No dia 10 de Novembro de 2020, a Ré (…), manifestou à Autora a sua vontade dirigida à não renovação do contrato de mediação imobiliária, acrescentando que o término da ligação contratual teria efeitos práticos a partir de 11 de Novembro 2020 (cfr. ponto n.º 17 da factualidade provada). Esta comunicação teve lugar através do envio duma imagem, contendo o aludido texto, por mensagem, sendo justificada com a impossibilidade de enviar o mesmo por e-mail (cfr. ponto n.º 18 da matéria de facto provada). Sequencialmente, a Ré (…) obtém a resposta “OK, […] serve assim também” (cfr. ponto n.º 19 da factualidade provada).
Como previamente se explicou, sempre que o declaratário não conheça a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (artigo 236.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Ora, segundo se visualizou, nos termos da cláusula 8.ª do contrato de mediação imobiliária, para que a oposição à renovação do contrato opere os seus efeitos é necessário que a parte denuncie o mesmo (i) através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, (ii) com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo (cfr. ponto n.º 9 da matéria de facto provada).
Tendo a parte Ré (…), em representação do Réu (…), revelado a sua intensão de se opor à renovação do contrato de mediação imobiliária através de uma imagem, cujo conteúdo pretendia enviar por e-mail, seguida da mensagem de que não está a conseguir enviar o teor da imagem via e-mail, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, ao receber a resposta “OK, […] serve assim também”, entenderia, não que a Autora está a desconsiderar o prazo mínimo acordado para o pré-aviso, mas que aceita a forma como a oposição à renovação foi comunicada – uma imagem com texto enviada por mensagem.
Portanto, a resposta “OK, […] serve assim também” não se reporta à eficácia da oposição à renovação – ou denúncia –, mas, unicamente, à sua validade formal, porquanto era essencial que aquela fosse efectuada através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, não sendo uma imagem com texto enviada por mensagem tido como “outro meio equivalente” a uma carta registada com aviso de recepção.
Destarte, estabelecido no contrato de mediação imobiliária, para efeitos de denúncia do contrato, um prazo mínimo de pré-aviso de dez dias de antecedência em relação ao fim do contrato ou da sua renovação, e demonstrado que não foi observado esse prazo mínimo, a oposição à renovação é intempestiva e, como tal, a denúncia declarada é ineficaz, pelo que o contrato de mediação imobiliária renovou-se por mais três meses, vigorando até 11 de Fevereiro de 2021 (artigo 279.º, alínea c), do Código Civil).”
Concordamos com a argumentação utilizada pela Mmª Juíza a quo afigurando-se-nos não ser necessário aduzir quaisquer outras considerações, além do já mencionado supra, quanto a esta questão de mérito objecto de reapreciação.
Do exposto, resulta improcederem as conclusões recursivas aperfeiçoadas do Apelante no tocante à alegada validade formal e substancial da denúncia do contrato de mediação imobiliária.

Nas suas conclusões recursivas aperfeiçoadas sustenta, outrossim, o Apelante que decorre da norma do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08/02 que “[…] a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, mais aduzindo revelar-se “essencial que o negócio visado e o negócio final e concluído coincidam na sua totalidade, não incumbindo ao Recorrente qualquer obrigação de pagar uma remuneração à Recorrida, uma vez que o negócio visado não foi a compra do imóvel, mas sim a permuta.”
Na resposta ao recurso a Apelada volta a pugnar pela improcedência do pretendido pelo Apelante.
Recordemos o modo como esta questão foi apreciada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, recorrendo, de novo, à transcrição da parte ora relevante.
[…] Retornando ao caso vertente, observa-se que a Autora e o Réu (…), representado pela Ré (…), celebraram um contrato de mediação imobiliária, através do qual a primeira, beneficiando da exclusividade, se vinculou a desenvolver a actividade no sentido de obter interessado na compra do prédio urbano, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da mesma freguesia e concelho, pela quantia de € 375.000,00 (cláusulas 1.ª, 2.ª e 4.ª do contrato de mediação imobiliária) – cfr. pontos n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7 da factualidade dada como provada.
Por seu turno, o Réu (…), representado pela Ré (…), comprometeu-se a pagar à Autora, a título de remuneração, o equivalente à quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor, não sendo essa quantia inferior a € 5.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor (cláusula 5.ª, n.º 2, do contrato de mediação imobiliária) – cfr. ponto n.º 8 da matéria de facto provada.
Mais se provou que, em 16 de Outubro de 2020, (…) contactou a Autora, formulando uma proposta – tida como séria à luz do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil – que consistia em receber o prédio do Réu (…) e conceder a este último um apartamento T1 na (…) – que a proponente estimou valer € 340.000,00 – e a quantia monetária de € 50.000,00; que, em 29/10/2020, (…) chegou a visitar o imóvel e a preencher, em 31/10/2020, um documento intitulado de “Proposta de Compra”; e que tal proposta foi comunicada à Ré … (cfr. pontos n.ºs 13, 14, 15 e 16 da factualidade provada).
Sucede que, por escritura pública de permuta e mútuo com hipoteca outorgada em 30/12/2020, a Ré (…), na qualidade de procuradora do Réu (…), cedeu a (…) o prédio urbano do constituinte pelo valor de € 380.000,00, recebendo em troca a fração autónoma na (…) pelo valor de € 310.000,00 e, ainda, a quantia monetária de € 70.000,00 (cfr. ponto n.º 20 dos factos provados).
Duas questões fulcrais se colocam: uma prende-se com averiguar se existe um nexo entre a actividade da mediadora e o contrato a final celebrado, e a outra reporta-se à aparente discrepância entre o negócio visado no contrato de mediação imobiliária e aquele que foi, de facto, celebrado.
Primeiramente, ainda que não seja necessário que o contrato visado seja celebrado durante o período de vigência do contrato de mediação para que a mediadora tenha o direito de ser remunerada, no momento em que a escritura pública foi outorgada, encontrava-se em vigor o contrato de mediação imobiliária, porquanto a oposição à renovação não observou o prazo mínimo de pré-aviso de 10 dias fixado contratualmente, o que não inviabilizou a renovação automática deste contrato em 11 de Novembro de 2020 por um período de 3 meses.
Depois, «para verificação do aludido nexo de causalidade, a contribuição da mediadora não tem de ter sido a única, nem a exclusiva causa determinante da cadeia dos factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, nem é necessário que a sua actividade seja contínua e ininterrupta, no sentido de que tenha de participar ou intervir em todas as fases do negócio; é suficiente que a actividade da mediadora se integre de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, ou seja, que a actividade desenvolvida pela mediadora se traduza num benefício (que seja útil) no processo do negócio».
Para tanto, basta que a mediadora tenha dado o nome da terceira pessoa ou a tenha posto em contacto, desde que tal tenha influído, de algum modo, no negócio, o que, evidentemente, foi o que se verificou in casu (cfr. pontos n.ºs 13, 14, 15 e 16 da factualidade provada).
Conclui-se, nesta senda, existir um nexo entre a actividade da mediadora e o contrato final celebrado.
Todavia, consta do contrato de mediação imobiliária que o negócio visado é a compra do imóvel do Réu (…) pelo preço de € 375.000,00, mas o negócio celebrado in fine consistiu na cedência do prédio urbano do Réu (…) a (…) pelo valor de € 380.000,00, recebendo aquele a fracção autónoma em (…) pelo valor de € 310.000,00 e, ainda, a quantia monetária de € 70.000,00 (cfr. pontos n.ºs 6 e 20 dos factos provados).
Diz-se compra e venda o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artigo 874.º do Código Civil). Desta definição resulta que a compra e venda implica a transmissão de um direito contra o pagamento de uma quantia pecuniária, constituindo economicamente a troca de mercadorias por dinheiro: faltando esta contrapartida pecuniária, o contrato não será uma compra e venda, mas, ao invés, um contrato de permuta (ou escambo ou troca). O escambo é, pois, o contrato que tem por objecto a transferência recíproca da propriedade de coisas ou outros direitos entre os contraentes.
Sem prejuízo da exposta diferença, os contratos de compra e venda e de troca em (quase) tudo se assemelham. Desde logo, malgrado a troca ser um contrato atípico – ainda que nominado (cfr. artigo 480.º do Código Comercial) –, que não tem regulamentação específica no Código de Vaz Serra, por força do artigo 939.º do Código Civil, é-lhe aplicável o regime da venda.
Igualmente, ambos os contratos são primordialmente não formais (artigo 219.º do Código Civil), encontrando-se sujeitos a escritura pública ou a documento particular autenticado quando estiverem em causa bens imóveis (artigos 875.º e 939.º do Código Civil).
São contratos consensuais, porquanto não exigem, para a sua constituição, a traditio da coisa ou do preço, ficando, antes, as partes adstritas à entrega dos bens trocados (artigos 879.º, alínea b) e 939.º do Código Civil) ou ao pagamento do preço (artigos 879.º, alínea c), do Código Civil).
Por outro lado, dado que deles emerge a obrigação de entrega para as partes (artigos 879.º, alínea b) e 939.º do Código Civil), os contratos de compra e venda e de permuta são contratos obrigacionais, mas, uma vez que por mero efeito dos mesmos, transmitem-se direitos reais (artigos 408.º, n.º 1, 879.º, alínea a) e 939.º do Código Civil), são identicamente contratos reais quoad effectum.
Daqui é visível que o contrato de permuta e de compra e venda são contratos onerosos, comportando sacrifícios patrimoniais para ambas as partes; sinalagmáticos, pois as obrigações das partes constituem-se, tendo a sua causa uma na outra – sinalagma genético – e permanecem ligadas durante a fase de execução do contrato – sinalagma funcional –, (em princípio) comutativos, dado que as atribuições patrimoniais se apresentam como certas; e de execução instantânea, porquanto o conteúdo e extensão dos deveres de entrega e de pagamento do preço não são estabelecidos em função do tempo.
Acontece que não existe unanimidade quanto à qualificação do contrato em que, apesar de se trocarem bens, por terem valores diferentes, uma das partes inclui, também, uma prestação em dinheiro.
Três orientações são concebíveis quanto a esta problemática.
O primeiro entendimento vislumbra o contrato em causa como sendo uma permuta se o dinheiro se destinar a suprir modestas diferenças de valor entre os bens trocados, e como sendo uma venda quando a soma monetária seja de montante superior ao bem que acompanha.
Outra é a doutrina que preconiza que a qualificação do contrato como venda ou escambo depende da relevância que as partes, em termos subjectivos, atribuam ao bem trocado ou ao dinheiro: independentemente dos valores em causa, o contrato será uma venda se as partes conferirem mais significado ao dinheiro e será uma troca se as partes derem mais pertinência ao bem trocado que acompanha a quantia monetária.
Por fim, uma última posição configura o apresentado negócio como um misto de compra e venda e permuta, na modalidade de contratos combinados. Os contratos mistos combinados são aqueles em que a prestação global de uma das partes compõe-se de duas ou mais prestações integradoras de contratos diferentes, enquanto a outra se vincula a uma prestação unitária.
A melhor posição aparenta ser a segunda, sendo que a qualificação jurídica do negócio dependerá do propósito das próprias partes, abstraindo-se do valor a que equivale cada prestação isoladamente.
Ora, por escritura pública outorgada em 30/12/2020, a Ré (…), na qualidade de procuradora do Réu (...), cedeu a (…) o prédio urbano deste último pelo valor de € 380.000,00, recebendo em troca uma fracção autónoma pelo valor de € 310.000,00 e, ainda, a quantia monetária de € 70.000,00 (cfr. ponto n.º 20 dos factos provados).
Conquanto a permuta também seja um dos negócios que se enquadra no âmbito da actividade da mediadora (artigo 2.º, n.º 1, do RJAMI), certo é que o escambo não foi contemplado pelas partes ab initio e não se efectuou qualquer aditamento ao contrato de mediação imobiliária no sentido de alterar a cláusula 2.ª, n.º 1, de modo a que contemplasse, igualmente, a permuta enquanto objectivo dos intentos das partes, mesmo após as propostas de (…).
Daqui infere-se que, sem prejuízo da quantia monetária, no negócio celebrado entre (…) e a Ré (…), enquanto representante do Réu (…), ser amplamente inferior ao valor do apartamento T1 recebido, o que a parte vendedora pretendia era a alienação do direito de propriedade do imóvel mediante uma contrapartida monetária, o que a compradora (…) sempre mostrou estar em jogo (cfr. pontos n.ºs 13 e 15 da factualidade provada).
Por outras palavras, os Réus consideraram subjectivamente mais relevante o dinheiro do que o bem trocado que receberiam e, nestes termos, o negócio final celebrado deve ser juridicamente qualificado como uma compra e venda, mesmo que as partes tenham apelidado, na escritura pública outorgada em 30/12/2020, de permuta o contrato celebrado – por si só, o nomen iuris atribuído pelas partes ao contrato não é determinante para a respectiva qualificação. […]”
Aqui chegados, é tempo de chamarmos de novo à colação normativos da Lei n.º 15/2013, de 08/02, designadamente os contidos nos artigos 16.º e 19.º.
E, assim, estatui-se no artigo 16.º do dito diploma, na redacção que lhe foi conferida pelo Dec.-Lei n.º 102/2017, de 23/08, o seguinte:
Artigo 16.º
Contrato de mediação imobiliária
1 - O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito.
2 - Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos:
a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam;
b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação;
c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável;
d) A identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º, com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido;
e) A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato;
f) A identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa;
g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.
[…]
7 - O incumprimento do disposto nos n.os 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.
Por seu turno, resulta do artigo 19.º, que:
Artigo 19.º
Remuneração da empresa
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. […]
Ora, pese embora a elaborada argumentação carreada aos autos pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, acabada de transcrever supra, afigura-se-nos que do exame conjugado dos pertinentes factos considerados como provados na dita peça processual a solução relativamente à questão ora em reapreciação deve ser outra.
Com efeito, decorre do facto descrito sob o n.º 6) do segmento respeitante aos factos tidos como provados que em 1 da cláusula 2.ª (denominada “Identificação do Negócio”), do contrato de mediação outorgado em 11 de Agosto de 2020 a mediadora, ora Apelada, ficou obrigada a diligenciar no sentido de conseguir interessado na “compra”, nenhuma referência tendo sido feita à obrigação de o fazer para efeitos de permuta.
Conforme decorre da norma contida no artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 08/02, acima transcrita, é obrigatório constar do contrato de mediação “a identificação do negócio visado pelo exercício da mediação” (alínea b) do n.º 2 do dito artigo).
Por outro lado, decorre ainda do n.º 1 do artigo 2.º da identificada Lei n.º 15/2013, de 08/02, que a actividade de mediação imobiliária consiste na procura de destinatários para a realização de negócios “que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis”.
Por conseguinte, podemos concluir (e a sentença recorrida também aludiu a tal), que nos negócios visados pelo exercício da mediação e como tal a promover pelos mediadores, a identificar obrigatoriamente no contrato de mediação, está incluída a permuta de imóveis.
Acresce nada impedir que num contrato de mediação imobiliária possa ficar a menção de que a mediadora se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a realização de negócios diferentes desde que se incluam na previsão constante do artigo 2.º da Lei n.º 15/2013, de 08/02.
Dito de outra forma e colando-nos aos contornos do caso em apreço que temos em mãos nada impedia que no acordo firmado em 11 de Agosto de 2020 tivesse ficado prevista, além da obrigação da Apelada em conseguir interessado para a compra, idêntica menção relativamente à permuta.
Conforme se alcança da leitura do facto descrito sob o ponto 20) dos factos considerados como provados na sentença recorrida no dia 30/12/2020 foi outorgada “escritura pública de permuta e mútuo com hipoteca “em que interveio (…), na qualidade de procuradora” do ora Apelante através da qual a mesma “cedeu a (…) o prédio urbano identificado em 1) pelo valor de € 380.000,00, recebendo em troca a fracção autónoma aludida em 8) pelo valor de € 310.000,00 e, ainda, a quantia monetária de € 70.000,00”.
É sabido que o nomen iuris escolhido pelos outorgantes para designar o negócio que celebram entre si não é determinante em termos da correcta identificação/qualificação jurídica do mesmo, resultando esta da descrição dos concretos contornos do negócio celebrado.
No caso em apreço afigura-se-nos pouco defensável a tese de que a quantia monetária de € 70.000,00 paga ao ora Apelante pela compradora (…) constitui o traço essencial do negócio escriturado desse modo aceitando-se e assumindo-se terem as Partes visado primordialmente a celebração de um negócio de compra e venda do imóvel do Apelante.
Na verdade, não podemos esquecer que o valor do bem imóvel do Apelante se fixou nos € 380.000,00 e que o valor do bem imóvel de (…) recebido pelo primeiro em troca do seu imóvel foi de € 310.000,00, consubstanciando-se, como tal, a componente negocial respeitante à troca ou permuta de imóveis num valor notoriamente mais significativo que a quantia monetária de € 70.000,00 entregue ainda pela compradora ao Apelante.
No limite, considerando que a quantia de € 70.000,00 comparativamente ao montante de € 380.000,00 não deve ser entendido como uma “modesta diferença de valor entre bens trocados” pois representa cerca de 20% deste último montante, poderemos aceitar que o contrato escriturado se traduziu num contrato misto de permuta e venda de imóvel, mas em que a componente permuta, considerando os valores em que se traduziu, releva sobremaneira no caso.
Note-se que, ao contrário do sufragado na sentença recorrida, não nos parece que decorra do facto descrito sob o ponto 13) dos factos considerados como provados expressa uma única e inequívoca vontade de compra do imóvel do Apelante por parte de (…) dado que logo no inicio da missiva que dirigiu em 16/10/2020 à Apelada aquela começa por referir “Faria sentido para si uma Permuta […]”, acrescentando um pouco mais à frente “[…] assim, a minha oferta seria o meu apartamento mais 50 mil euros […].
Aqui chegados e entrando já na última questão a reapreciar atinente ao pedido reconvencional deduzido na acção pela Apelada, temos de convir que traduzindo-se a componente de compra e venda no valor de € 70.000,00 deverá a comissão a pagar pelo Apelante assumida na cláusula 5.ª, n.ºs 1 e 2, do contrato de mediação outorgado em 11/08/2020, descriminada no facto contido no ponto 8) dos factos considerados como provados na sentença recorrida, incidir sobre aquele montante e não sobre o valor total do negócio que abrange uma componente primordial de permuta/troca correspondente a € 310.000,00, uma vez que este negócio, como já vimos supra, não foi identificado no contrato de mediação como negócio visado pelo exercício da mediadora, ou seja como negócio a promover pela mesma.
Ora, 5% de € 70.000,00 corresponde a apenas € 3.500,00, pelo que atendendo ao n.º 2 da mencionada cláusula 5.ª do contrato de mediação outorgado em 11/08/2020 terá de considerar-se como obrigação do Apelante o pagamento à Apelada, a título de comissão, do valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
Dito isto, procedem as conclusões recursivas no tocante à questão respeitante à comissão e como tal o pedido reconvencional deduzido pelo Apelante na sua contestação.
Destarte, procede parcialmente o recurso interposto pelo Apelante (…) sendo de revogar parcialmente a sentença nos termos que infra já de seguida se fará constar.
*
V – DECISÃO
Termos em que, face a todo o exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso de Apelação interposto pelo Apelante (…) e, consequentemente, decide-se:
1 – Revogar as alíneas i) e iii) do dispositivo da sentença recorrida, que se substitui por outra com a seguinte redacção:
Julgar parcialmente procedente a acção interposta pela Autora (…) – Mediação Imobiliária, S.A. e procedente o pedido reconvencional deduzido na contestação pelo Réu (...) condenando este último a pagar à Autora (…) – Mediação Imobiliária, S.A., a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, bem como no montante a título de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde 31/12/2020, até efectivo e integral pagamento.
2 – Manter o demais decidido no dispositivo da sentença recorrida.
*
Custas a cargo de Apelante e Apelada, na proporção do respectivo decaimento no tocante ao pedido formulado na acção e a cargo da Apelada, por inteiro, quanto ao pedido formulado na reconvenção, de acordo com o disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
*
DN.
*
Évora, 18/12/2023
José António Moita (Relator)
Francisco Xavier (1º Adjunto)
Manuel Bargado (2º Adjunto)