Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
829/17.0T8ENT-D.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PERSI
COMUNICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
2. Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
3. A declaração recepienda, de acordo com o estatuído no artigo 224.º do Código Civil, torna-se apta a produzir os efeitos pretendidos pelo declarante logo que que é efectivamente conhecida pelo destinatário ou quando ao poder deste em condições de ser por ele conhecida ou a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção.
4. Em sede de declarações recepiendas, de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova, incumbe ao Autor da declaração demonstrar que empregou um meio de transmissão que se revele idóneo a atingir a esfera do conhecimento do declaratário e que a declaração foi por ele efectivamente recebida, enquanto que compete a este último convencer que a declaração foi recebida em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida.
5. As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL n.º 227/2012, de 25/10, não sendo exigível o envio de correio registado.
6. Se, na sequência da realização de julgamento, a Primeira Instância considerar que as missivas em questão não foram enviadas ao executado cabe à parte recorrente demonstrar que existe erro do Tribunal «a quo» na avaliação da prova. E, se assim não for, ocorre um cenário de incumprimento das obrigações do PERSI.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Execução do Entroncamento – J2
Processo n.º 829/17.0T8ENT-D.E1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção executiva para pagamento de quantia certa proposta por “(…) Banco, SA” contra (…), (…) e (…), veio o Ministério Público, em representação do executado ausente (…), deduzir oposição à execução mediante embargos de executado. Proferida a sentença, a sociedade exequente interpôs recurso da decisão que julgou verificada a excepção dilatória inominada e insuprível decorrente na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
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Na posição do “(…) Banco, SA” veio a ser habilitada a sociedade “(…) – STC, SA”, conforme sentença proferida em 29/04/2020 no Apenso C).
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Em sede de oposição, o Ministério Público defendeu que se estava perante um quadro de falta de demonstração das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10. E concluiu pela absolvição embargante/executado da instância executiva.
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A oposição foi liminarmente admitida e a sociedade exequente ofereceu a contestação, dizendo que o “(…) Banco, SA” cumpriu os formalismos impostos no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento.
Afirma ainda que, na sequência do incumprimento das obrigações contratuais por parte do Mutuário, em 06/09/2015 foi remetida carta ao mesmo a dar conta do incumprimento, bem como a informar o executado da sua integração no PERSI.
Mais salienta que, dado o silêncio do executado, decorridos 90 dias, comunicou ao interessado que o PERSI se encontrava extinto.
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Em 15/10/2021 foi proferida decisão que dispensou a realização de audiência prévia, fixou o valor da causa, elaborou despacho saneador com identificação do objecto do litígio e enunciação do tema da prova e foi admitida a prova oferecida pela exequente/embargada.
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Realizada a audiência final, o Tribunal «a quo» decidiu julgar verificada a arguida excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente/embargada “(…) – STC, SA” relativamente ao executado/embargante (…), da demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, julgou extinta a execução no que concerne àquele executado.
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A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso apresentavam as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas[1] [2] [3] [4] [5]:
«I. A douta decisão recorrida não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso “sub judice” das normas e preceitos jurídicos competentes.
II. A douta decisão recorrida solucionou a hipótese dos autos, de forma que, com a devida vénia, não pode deixar de considerar-se aleatória dos mais elementares preceitos da justiça e legalidade.
III. No dia 24/02/2017, a Recorrente instaurou ação executiva contra os Executados (…) e (…) e (…), para pagamento da quantia de € 37.700,76.
IV. A execução tem por base um contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a Recorrente e os Executados, nos termos dos quais aquele emprestou a estes a quantia de € 50.000,00.
V. Os referidos empréstimos foram concedidos pelo prazo, período de reembolso e vencimento, conforme informação constante dos documentos juntos com o requerimento executivo.
VI. Para garantia de todas as obrigações resultantes do supra referido contrato, os Executados, constituíram a favor da Recorrente hipoteca sobre o imóvel prédio urbano, composto de r/c para habitação e dependência, sito em Casal de (…) – (…), freguesia de (…), concelho de Abrantes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…).
VII. Sucede que, não foi paga a prestações vencida em 03/02/2016, nem qualquer uma das subsequentes.
VIII. Daí a legitimidade da Recorrente para dar entrada da competente ação executiva.
IX. A sentença proferida no âmbito dos embargos de executado julgou os mesmos totalmente procedentes, determinando-se a extinção execução.
X. O Recorrido foi integrado no PERSI, conforme documentos juntos com a contestação.
XI. A Recorrente enviou ao aqui Recorrido carta nos dias 06/09/2015 a informar a integração do mesmo no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
XII. A Recorrente comunicou ao Recorrido a extinção do referido procedimento, por carta datada de 06/12/2015.
XIII. Tanto as cartas de integração, como de extinção do PERSI foram enviadas para a morada do Recorrido que consta dos contratos de mútuo celebrados com a Recorrente.
XIV. Não tendo havido qualquer alteração de morada por parte daquele.
XV. A Recorrente teve ainda o cuidado de tentar contactar telefonicamente o Recorrido para os números de que dispunha – quer pessoais, quer do local de trabalho –, mas sem qualquer sucesso.
XVI. Segundo o artigo 14.º, n.º 4, do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, não se impõe que a comunicação ao cliente bancário seja feita através de carta, apenas se impõe que a mesma seja feita através de suporte duradouro, como foi.
XVII. Ora, o próprio Decreto-Lei n.º 227/2012 define “Suporte duradouro” na alínea h) do artigo 3.º como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
XVIII. E foi precisamente o que a Recorrente desenvolveu.
XIX. A título de exemplo, este conceito de “suporte duradouro” surge igualmente na Lei Geral Bancária (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro), mais concretamente no n.º 2 do artigo 77.º, o qual prevê a possibilidade de as instituições bancárias enviarem as informações necessárias em papel ou noutro suporte duradouro.
XX. Por outro lado, na Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (a qual regulamenta o Decreto-Lei n.º 227/2012) não há qualquer exigência legal de que as comunicações referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas por correio registado.
XXI. Em lugar algum o Decreto-Lei n.º 227/2012 prescreve a necessidade de envio das cartas por correio registado, pelo que, à contrario, é admissível o seu envio por correio simples.
XXII. E, se o diploma que rege o PERSI e a Instrução que o regulamenta não preveem esta forma registada, não poderá o julgador exigir tal formalidade, sob pena de violar a lei.
XXIII. Vale o mesmo por dizer que à Recorrente incumbia a expedição das cartas – o que fez, conforme ficou demonstrado nestes autos – e não a prova da sua receção por parte do Recorrido.
XXIV. O Recorrido não alega a não receção das referidas missivas.
XXV. Da prova documental – cópias das cartas de integração e extinção no PERSI juntas em sede de contestação –, é forçoso concluir que as cartas de integração e extinção do PERSI foram efetivamente remetidas pela Recorrente ao Recorrido, no estrito cumprimento do postulado no Decreto-Lei n.º 227/2012.
XXVI. A atuação da Recorrente sempre se baseou na observância dos ditames da boa-fé e no cumprimento dos deveres de diligência e transparência que lhe são aplicáveis, tendo encetado todos os esforços com vista à obtenção da regularização do empréstimo em situação de incumprimento.
Nestes termos e nos mais de direito que V.ªs Ex.ªs muito doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por, aliás douto, Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas, faça inteira Justiça!».
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Houve lugar a resposta do Ministério Público, que defende a manutenção da sentença proferida.
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à realização da comunicação da integração da dívida no plano PERSI e da posterior extinção do procedimento.
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III – Matéria de facto:
3.1 – Matéria de facto provada:
Com relevância para a decisão da causa, consideraram-se provados os seguintes factos:
1. Por requerimento datado de 24-02-2017, o «(…) Banco, S.A.» (em cuja posição viria a ser habilitada a sociedade “… – STC, S.A.”) propôs contra (…), (…) e (…) execução para pagamento da quantia global de € 37.700,76 (trinta e sete mil e setecentos euros e setenta e seis cêntimos).
2. Ofereceu como título executivo a escritura pública denominada «Empréstimo com Hipoteca e Fiança» outorgada em 12-07-2005 e cujo teor se considera integralmente reproduzido, por intermédio da qual o aqui executado/embargante (…) se confessou «devedor, ao Banco (…), S.A., Sociedade Aberta, da importância de cinquenta mil euros, por empréstimo que o mesmo banco lhe concede, a liquidar em trinta anos, em trezentas e sessenta prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia três de cada mês, após a data desta escritura, com a respectiva regularização de juros.
Que o referido empréstimo se destina a fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente pelo primeiro outorgante, e a aquisição de equipamento para a sua residência».
3. Para «garantia do bom pagamento da importância mutuada, acrescida dos juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco mutuante tenha de fazer no caso de ir a juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios (…), ele primeiro outorgante, por esta mesma escritura, constitui hipoteca sobre o referido prédio a favor do Banco (…), S.A., Sociedade Aberta (…)».
4. No requerimento executivo identificado em 1, o exequente originário alegou que «[a] última prestação paga pelo(s) Executado(s) foi a vencida em 03/02/2016, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes».
5. Com data de 06-09-2015, tendo como destinatário o aqui executado/embargante (…), o “(…) Recuperação de Crédito, ACE – Grupo (…)” emitiu missiva do seguinte teor:
«(…)
Assunto: Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – PERSI Contrato n.º (…), Processo n.º (…)
(…)
Vimos, por este meio, informá-lo(a) que nesta data, se encontram em dívida as responsabilidades decorrentes do contrato acima melhor identificado, correspondentes ao valor de € 373,41, respeitante à soma das seguintes parcelas:
(…)
As obrigações decorrentes do presente contrato de CH – Regime Geral, do qual é titular, encontram-se vencidas, desde 03/08/2015 o (…) Recuperação de Crédito, ACE é a entidade do Grupo (…) responsável pela área da recuperação de dívidas cujo pagamento se encontra em atraso, pelo que, conforme previsto no decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, acompanhará o Procedimento extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no qual se encontra integrado desde 06/09/2015.
Com o objetivo de avaliarmos a sua capacidade financeira, para que seja possível encontrar uma solução adequada ao seu caso, solicita-se que nos remeta, no prazo máximo de 10 dias, a declaração em anexo devidamente assinada, acompanhada da seguinte documentação:
- Última Certidão de liquidação de IRS;
- Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais.
(…)».
6. Com data de 06-12-2015, tendo como destinatário o aqui executado/embargante (…), o “(…) Recuperação de Crédito, ACE – Grupo (…)” emitiu missiva do seguinte teor:
«(…)
Assunto: Extinção do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI)
Contrato n.º (…), Processo n.º (…)
(…)
O (…) Recuperação de Crédito, ACE, entidade do Grupo (…) responsável pela área da recuperação de dívidas, vem por este meio informá-lo que procedeu nesta data à extinção do (…) PERSI no qual foi integrado em 2015/09/06.
O PERSI foi extinto por terem decorrido mais de 90 dias desde a integração em processo de PERSI sem que tenha sido possível chegar a acordo.
(…)».
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3.2 – Matéria de facto não provada:
a) As missivas mencionadas nos factos provados em 5 e 6 foram enviadas ao executado / embargante (…).
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IV – Fundamentação:
4.1 – Do erro de direito [Do incumprimento da notificação obrigatória prevista no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI)]:
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.
Está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril».
Prosseguindo, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
O regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
O artigo 1.º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte».
Em acréscimo, a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI / PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação.
O citado Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro dispõe, no artigo 18.º[6], sobre as garantias do cliente bancário.
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Feito anúncio das mais pertinentes normas legais contidas no diploma habilitante, passemos à apreciação jurídica da decisão.
O PERSI consiste num procedimento tipificado de composição extrajudicial, por mútuo acordo, de situações de mora e/ou incumprimento, que se desenrola em três fases:
i) uma fase inicial – na qual as instituições de crédito mutuantes informam o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento. Sendo que, caso esse incumprimento se mantenha, o cliente será obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31º dia e 60º dia posterior à entrada em mora.
ii) uma fase de avaliação e proposta – na qual as instituições de crédito mutuantes procuram apurar se o incumprimento é pontual e temporário ou, ao invés, se denota uma incapacidade do cliente em cumprir de forma continuada com as suas obrigações contratuais, comunicando-lhe posteriormente o resultado dessa indagação, e apresentando ou não uma proposta de regularização adequada à sua situação financeira, objectivos e necessidades (consoante concluam que a renegociação das condições do contrato, ou a consolidação do crédito com outros, são soluções exequíveis). E, finalmente,
iii) uma fase de negociação – no âmbito da qual o cliente poderá recusar ou propor alterações à proposta apresentada e, por sua vez, a instituição de crédito mutuante poderá rejeitar as alterações sugeridas ou, quando considere que não existem alternativas viáveis e adequadas ao cliente, abster-se de apresentar uma contraproposta ou uma nova proposta.
Para além do caso mencionado a propósito da fase inicial supra mencionada, a instituição de crédito mutuante está sempre obrigada a incluir o cliente no PERSI quando aquele esteja numa situação de mora e o solicite, ou quando um cliente que já tivesse alertado para o risco do seu incumprimento entre, efectivamente, em mora.
A integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória, quando verificados os seus pressupostos e a acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI, conforme decorre do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012.
A omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constituí violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
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A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Este incumprimento do regime legal traduz-se numa falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias e que conduz à absolvição da instância.
Em decisão datada de 06/10/2016, este colectivo de Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora debateu a questão da falta da notificação dos devedores e garantes do pagamento como uma questão de falta de condição objectiva de procedibilidade.
Essa posição já foi por nós renovada no acórdão datado de 31/01/2019 e tem sido objecto de jurisprudência concordante noutras decisões do Tribunal da Relação de Évora, como por exemplo daquelas que foram proferidas em 28/06/2018, 02/05/2019 ou 16/05/2019, as quais podem ser consultadas em www.dgsi.pt.
Porém, a questão judicanda não é exactamente essa. Na verdade, aquilo que se discute nesta sede é simplesmente apurar se foi cumprida a obrigação de notificação expressa no diploma legal sub judice.
É entendimento pacífico que compete ao credor alegar e demonstrar que os devedores tiveram conhecimento da sua integração no PERSI, bem como da extinção desse procedimento.
Também não sofre contestação que se tratam de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada[7].
As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do DL 227/2012, de 25/10.
Na realidade, resulta da letra da alínea h) do artigo 3.º do Regime Geral que se considera suporte duradouro qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações inalteradas.
A exigência legal de celebração por escrito e em suporte duradouro do contrato de edição constitui uma formalidade ad probationem, sujeita ao regime estabelecido no n.º 2 do artigo 364.º[8] do Código Civil, sendo que a omissão deste documento escrito que prove a declaração negocial – que se presume imputável ao editor – carece de ser invocada pelo autor para produzir o típico efeito que lhe aparece associado, só ele tendo legitimidade para se prevalecer do défice formal do negócio.
No entanto, relativamente à necessidade de correio registado não é essa a posição dos Juízes Desembargadores que integram este colectivo[9] [10] [11]. A este respeito e com total razão, também se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, ao referir que «se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de recepção, tê-la-ia consagrado expressamente»[12].
Efectivamente, a nosso ver, a lei não exige que as missivas dirigidas aos clientes pela instituição bancária tenham que obedecer a qualquer formalidade, por exemplo sejam enviadas por carta registada com aviso de recepção, bastando-se, a nosso ver, para o cumprimento da lei, o envio de tal documentação em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre a instituição de crédito e o cliente, nomeadamente, se assim for o caso, por carta simples para a morada do cliente contratualmente convencionada ou por email, documentação essa que deve constar do referido suporte duradouro[13].
A lei faz recair sobre o declarante o ónus de efectuar uma comunicação eficiente[14]. E na visão de Ferreira Pinto compete-lhe fazer com que a declaração seja recepcionada pelo destinatário em circunstâncias tais que possa este possa ter um efectivo acesso ao seu conteúdo[15].
Em sede de declarações recepiendas, de acordo com as regras gerais de distribuição do ónus da prova, incumbe ao Autor da declaração demonstrar que empregou um meio de transmissão que se revele idóneo a atingir a esfera do conhecimento do declaratário e que a declaração foi por ele efectivamente recebida, enquanto que compete a este último convencer que a declaração foi recebida em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida.
A declaração recepienda, de acordo com o estatuído no artigo 224.º[16] do Código Civil, torna-se apta a produzir os efeitos pretendidos pelo declarante logo que que é efectivamente conhecida pelo destinatário ou quando ao poder deste em condições de ser por ele conhecida ou a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção.
A lei parte da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário (o declaratário) está em condições de tomar conhecimento e que ele toma este conhecimento. O saber se a chegada ao poder conduz realmente a uma situação, suposta pela lei, que permite o conhecimento efectivo, determina-se em conformidade com as concepções reinantes no tráfico jurídico para os negócios em causa[17].
A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada deve ser considerada como princípio de prova da remessa. Ou, por outras palavras, a exigência probatória ad probationem apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal.
Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de recepção para cumprir a obrigação legal sub judice. E com isto não se afirma que foi enviada a carta junta aos autos a comunicar integração no PERSI e a subsequente extinção, pois não existem dados fácticos que permitam reconhecer que foi perfectibilizada a exteriorização exigida por lei e que os destinatários tomaram (ou não) conhecimento do respectivo conteúdo.
Aliás, o envio da carta em correio simples só dificulta a questão da prova por parte da sociedade exequente relativamente ao conhecimento da declaração receptícia, que poderá ser assim confrontada com uma indefinição probatória que lhe será imputável, mas o registo não constitui uma formalidade obrigatória e insubstituível.
Na realidade, face a algum insucesso probatório perscrutável em diversas fontes jurisprudenciais, no binómio entre custo e benefício, as instituições de crédito devem analisar se é ou não mais vantajoso o seu padrão operativo no domínio da realização das comunicações PERSI.
Neste caso, o Juízo de Execução do Entroncamento considerou que não se provou que as missivas mencionadas nos factos provados em 5 e 6 tivessem sido enviadas ao executado / embargante (…).
Tal como consta da motivação decisória, «não tendo sido produzida prova diversa da mera junção das missivas a que aludem os factos provados em 5 e 6, é inelutável concluir, sem necessidade de outros considerandos, pela falta de demonstração que foram efectivamente enviadas ao executado/embargante (…)».
E, mais adiante, em sede de motivação jurídica, a sentença recorrida deixa expresso que a sociedade exequente «soçobrou no ónus da prova» e «o mesmo é dizer que não logrou demonstrar as obrigações de comunicação de integração e de extinção no PERSI plasmadas nos artigos 14.º e 17.º do citado Decreto-Lei n.º 227/2012».
Estamos no domínio da matéria de facto e a parte recorrente partiu da premissa que se bastava com o princípio de prova do envio da alegada correspondência. Porém, não impugnou a factualidade não provada de acordo com os critérios impostos na legislação processual[18] [19] e todo o recurso é elaborado como se tratasse de uma mera questão de direito.
E da leitura da decisão de facto resulta que não existe notícia do envio da comunicação. Aqui já não nos encontramos perante uma simples opção ou divergência relativamente ao conceito de suporte duradouro e ao meio utilizado pela instituição de crédito para transmitir uma determinada declaração; mas no domínio da existência de eventual erro na apreciação da matéria de facto. Mais, não existe qualquer suporte probatório com a virtualidade de alterar neste ponto o decidido no Juízo de Execução do Entroncamento.
Dito de outra forma, se, na sequência da realização de julgamento[20] [21], a Primeira Instância considerar que as missivas em questão não foram enviadas ao executado cabe à parte recorrente demonstrar que existe erro do Tribunal «a quo» na avaliação da prova. E, se assim não for, ocorre um cenário de incumprimento das obrigações do PERSI. E daqui resulta que se julga improcedente o recurso apresentado, confirmando-se a decisão recorrida.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da sociedade recorrente, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 26/05/2022

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário


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[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo nº28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Artigo 18ª (Garantias do Cliente bancário):
«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.
3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.
4 – Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior”.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2021, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Artigo 364.º (Exigência legal de documento escrito);
1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
[9] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21/05/2020, pesquisável em www.dgsi.pt.
[10] No seio do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/09/2020, publicitado em www.dgsi.pt, ficou consignado que: «A lei não exige à instituição bancária que a comunicação do início do PERSI ou da sua extinção observe a forma de correio registado, exige uma comunicação em suporte duradouro como é o caso da comunicação por escrito em carta simples».
[11] O aqui primeiro adjunto – e ali relator – e a segunda adjunta também já se pronunciaram no âmbito de acórdão datado de 14/10/2021, também disponível em www.dgsi.pt, no sentido que: «1. O regime legal do PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
2. Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento a comunicar através de correio registado, tê-lo-ia consagrado expressamente.
3. Apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pela não recepção de tais cartas.
4. Caberia aos executados, através dos meios processuais ao seu alcance, efectuar essa alegação, caso em que a exequente ofereceria a prova, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efectivo recebimento da correspondência».
[12] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/11/2019, publicado em www.dgsi.pt.
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/02/2021, não publicado, prolatado no âmbito do processo registado sob o n.º 1983/20.0T8ENT.E1 (relator Silva Rato).
[14] José Alberto Vieira, Negócio Jurídico – Anotação ao regime do Código Civil (Artigos 217.º a 295.º), Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 30.
[15] Fernando A. Ferreira Pinto, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 506.
[16] Artigo 224.º (Eficácia da declaração negocial):
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.
[17] Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 449.
[18] Artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
[19] Artigo 662.º (Modificabilidade da decisão de facto):
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
[20] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2021, consultável em www.dgsi.pt
[21] Neste sentido, pode assim ser consultado o acórdão deste colectivo de Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2021, igualmente publicitado em www.dgsi.pt.