Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2119/13.9TAPTM.E1
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: FALSAS DECLARAÇÕES
CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os arguidos, ao mentirem ao militar da GNR a respeito da identidade da pessoa que vinha a conduzir a viatura e que interveio em acidente de viação, afirmando que era o JR, quando afinal o condutor fora JJ, incorreram na prática do crime de falsas declarações, já que declararam falsamente a uma autoridade pública a identidade do condutor que conduzia a viatura automóvel e visto que a lei atribui efeitos jurídicos a tal declaração.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Na sequência do inquérito que correu termos nos serviços do DIAP, 1ª secção, de Portimão, o MºPº requereu, em processo sumaríssimo e relativamente aos arguidos JJ, JR e TH, devidamente identificados nos autos, a cada um dos quais imputa a prática, em co-autoria, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art. 348º-A, nºs 1 e 2 do C. Penal, que, também a cada um dos mesmos, fosse aplicada a pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6€.
Distribuídos os autos ao Juiz 1 da secção criminal da instância local de Portimão, da comarca de Faro, o Sr. Juiz proferiu despacho no qual, considerando o requerimento como manifestamente infundado, nos termos do disposto nos arts. 395º nº 1 al. b) e 311º nº 3 al. d), ambos do C.P.P., por a descrita conduta dos arguidos não constituir crime, decidiu rejeitá-lo.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o MºPº, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que admita o aludido requerimento, formulando as seguintes conclusões:

1 – O Ministério Público requereu nos presentes autos, a aplicação de pena, em processo sumaríssimo, a JJ, JR e TH imputando-lhes a prática em co-autoria, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348º - A nº 1 e 2 do Código Penal;
2- A Mmº Juiz considerou que a matéria vertida naquele requerimento não se subsumia naquele preceito incriminador, tendo rejeitado aquele requerimento;
3- Tendo a Mmª Juiz considerando que a norma incriminadora, ao referir-se à declaração falsa a respeito da identidade está a reportar-se apenas aos elementos de identificação de uma dada pessoa (a identidade, estado ou as qualidades) e que nem mesmo a qualidade de condutor releva para efeitos da incriminação em presença, pois que não é a mesma uma qualidade pessoal;
4- O Ministério Público não pode concordar com a posição adoptada pela Mmª Juiz, uma vez que em nosso entender os factos vertidos no requerimento para aplicação de pena aos arguidos, em processo sumaríssimo, são subsumíveis no artigo 348 º A nº 1 e 2 do Código Penal.
5- Entendemos, ao contrário da Mma Juiz, que os arguidos ao mentirem ao militar da GNR a respeito da identidade da pessoa que vinha a conduzir a viatura e que interveio em acidente de viação, pois que afirmaram que era o JR, quando afinal o condutor fora JJ, incorreram na prática do aludido crime, tendo pois declarado falsamente a uma autoridade pública sobre a identidade do condutor que conduzia a viatura automóvel, matrícula (....) a que a lei atribui efeitos jurídicos.
6- Mesmo que, se entendesse que que a norma incriminadora ao referir-se à declaração falsa a respeito da identidade, apenas se referia aos elementos de identificação de uma pessoa, o que não defendemos, sempre a Mmª Juiz deveria ter considerado que os arguidos ao declararem falsamente perante a GNR a respeito da identidade da pessoa que vinha a conduzir a viatura e que interveio no acidente sempre estariam a declarar falsamente à autoridade pública no exercício das suas funções, sobre a qualidade do condutor que ia a conduzir aquela viatura e que interveio no acidente de viação, a que a lei atribui efeitos jurídicos.
7- O Ministério Público entende que a participação do acidente e o auto de notícia deverão valer como documentos autênticos, documentando os mesmos não apenas o que é percepcionado directa e presencialmente pelos agentes de autoridade, mas também pelo que lhes foi relatado, no caso dos autos, pelos arguidos, tendo o militar elaborado tal auto, com base no que foi declarado falsamente a respeito da identidade do condutor da viatura e que interveio em acidente, pelos arguidos.
8- Pelo que os factos vertidos no requerimento de processo sumaríssimo para aplicação aos arguidos de pena não privativa da liberdade, integram o crime previsto no artigo 348-A nº 1 e 2 do Código Penal.
9- Entendemos que o despacho recorrido é ilegal, por errada interpretação do direito- artigo 348ª nº 1 e 2 do CP -e que deverá ser substituído por outro que admita o requerimento do Ministério Público, com a subsunção jurídica ali exposta.

O recurso foi admitido.
Só o arguido JJ veio apresentar resposta, pugnando pela manutenção do despacho recorrido e rematando-a com as seguintes conclusões:

a) O Ministério Público requereu a aplicação da pena, em processo sumaríssimo, a JJ, JR e TH imputando-lhes a prática em co-autoria, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348.º-A, n.º 1 e 2 do Código Penal;

b) Sustentando a tese de que a norma incriminadora, ao referir-se à declaração falsa a respeito da identidade está a reportar-se apenas aos elementos de identificação de uma dada pessoa (a identidade, estado ou as qualidades), considerou a Mmª Juiz que a matéria vertida naquele requerimento não se subsumia naquele preceito incriminador, pois que a qualidade de condutor não é uma qualidade da pessoa, não relevando para efeitos de preenchimento do tipo de crime em causa, pelo que rejeitou a Mmª Juiz, e no nosso entender bem, o requerimento apresentado pelo Ministério Público.

c) Inconformado, interpôs o Ministério Público recurso do despacho de rejeição do requerimento supra referido, que mereceu a apresentação da competente Resposta ao Recurso do Ministério Público.

d) Com a presente Resposta, pretende o Arguido JJ definir a sua posição, que em jeito de conclusões, ora se reitera:

i) Considerando a fundamentação constante do Despacho da Mma. Juiz, a rejeição do requerimento foi justificada nos termos do disposto nos art.os 395.º, n.º 1, al. b) e 311.º, n.º 3, al. d), ambos do CPP, pelo que alertamos para o facto de resultar do disposto no n.º 4 do mesmo preceito normativo, que não há, nesses casos, lugar a recurso. Pelo que, salvo melhor opinião, se entende que não deveria ter sido admitido o recurso interposto pelo Ministério Público.

ii) Importa corroborar o entendimento segundo o qual a matéria fáctica vertida no requerimento do Ministério Público não se subsume na previsão do tipo incriminador plasmado no artigo 348.º-A do Código Penal, pois que deve entender-se por atestar falsamente “identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios” que o legislador pretendeu referir-se apenas aos elementos de identificação de uma pessoa (por ex. declarar que pessoa A se chama B, ou é filho de D quando o não é, ou que nasceu numa data que não corresponde à verdade). No mesmo sentido, a qualidade, deve ser uma qualidade pessoal, como seja a profissão, pelo que não releva a qualidade de condutor, pois que não é uma qualidade pessoal.

iii) Desta feita, conclui-se que os arguidos não mentiram sobre a identidade da pessoa que se identificou como condutora, apenas declararam um facto que não aconteceu e que por isso era falso (declarar que o condutor era JR, o que não correspondia à verdade). Ou seja, mentiram sobre quem era o condutor da viatura, mas não mentiram sobre a identidade (dados pessoais) de JR.

iv) Tendo ainda em atenção que era o Arguido JJ quem efectivamente conduzia a viatura, é consensualmente reconhecido pelo legislador, pela doutrina e pela jurisprudência que não se espera de ninguém a sua própria auto-incriminação, acrescendo ademais que, na qualidade de arguido, gozava aquele do direito a não responder com verdade – excepto no que se refere à sua identidade (nome, idade, filiação) –, em qualquer fase processual, conforme decorre, a contrario, do disposto no artigo 61.º, n.º 3 do CPP.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual se limitou a contrariar a questão de irrecorribilidade suscitada na resposta ao recurso, invocando em favor da tese oposta o teor de um acórdão desta relação, proferido em 31/5/11.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tenha sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.
Cumpre decidir.


2. Fundamentação
O requerimento do MºPº, no qual se considerou que cada um dos arguidos incorreu na prática, em co-autoria material, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art. 348º-A nºs 1 e 2 do C. Penal, foi sustentado por se ter considerado suficientemente indiciada a seguinte factualidade, ali descrita:

1.°
No dia 18 de Abril de 2013, cerca das 06h45, na Municipal n.° 531-1, junto ao campo de futebol, aeródromo Montes de Alvor, em Portimão área desta comarca, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (....), conduzido pelo arguido JJ e onde também se faziam transportar os arguidos JR e TH.
2.°
Em virtude do aludido acidente, acorreram ao local dois militares da G.N.R., sendo que, a participação de acidente foi elaborada pelo soldado PRC.
3.°
Porquanto o arguido JJ havia ingerido bebidas alcoólicas e, tendo receio que ao ser sujeito ao teste de álcool pelas autoridades acusasse uma taxa de álcool no sangue que viesse a acarretar para si uma sansão de inibição de conduzir, acordou com os arguidos JR e TH um plano, o qual foi aceite por todos, segundo o qual, o arguido JR assumiria ser o condutor da viatura perante as autoridades policiais, situação que seria confirmada pelos arguidos JJ e TH.
4.°
Assim e, na execução do aludido plano, quando o militar da GNR PRC se dirigiu ao local, o arguido JR, alegando não ser possuidor no momento de qualquer documento identificativo, apresentou-se verbalmente, fornecendo o seu nome, naturalidade, data de nascimento, filiação e morada, dados estes que foram confirmados pela arguida TH e, bem ainda, declarou ser o condutor da viatura automóvel de matrícula (....), assim como, não ser titular de documento que o habilitasse a tal condução.
5.°
Na mesma ocasião, os arguidos JJ e TH, confirmaram perante o aludido militar da G.N.R. que efectivamente o condutor da viatura automóvel onde os três se faziam transportar era conduzida pelo arguido JR.
6.°
Em virtude de tais informações, o soldado PRC elaborou o auto de notícia com o NUIPC 148/13.1GCPTM, assim como, a participação de acidente com o n.° de registo 260375740000 donde fez constar como condutor da viatura d e matrícula (....), nas circunstâncias descritas no artigo 1.° deste despacho, o arguido JR.
7.°
Em consequência do acima referido e de ter sido verificado que à data dos factos o arguido JR tinha uma taxa de álcool no sangue de 2,46g/l, foi o mesmo submetido a julgamento no âmbito do processo sumário n.° 148/13.1GCPTM, cujos termos correram pelo extinto 1.° Juízo Criminal do (também extinto) Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, acusado da prática dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos artigos 292,°, n.° l e 69.°, n.° l, alínea a), ambos do Código Penal e de condução sem habilitação legal, p. e p no artigo 3.°, n.°s l e 2, do Decreto-Lei n.° 2/98 de 3 de Janeiro.
8.º
Sendo certo que, foi o arguido JR absolvido, por sentença, já transitada em julgado, da prática dos aludidos crimes em virtude de não ter sido ele a conduzir a viatura automóvel em causa à data dos factos.
9.°
Com efeito, o arguido JR prestou declaração falsa perante militar da G.N.R. que se encontrava devidamente uniformizado, ao afirmar que era o condutor da viatura automóvel de matrícula (....) nas circunstâncias descritas no artigo 1.° deste despacho, sendo certo que, tal declaração foi corroborada pelos arguidos TH e JJ, os quais também estavam perfeitamente cientes da falsidade da sobredita declaração.
10.°
Os arguidos agiram com a intenção concretizada de que uma autoridade pública exarasse em documento autêntico, como é um auto de notícia, factos falsos relativos à identidade da pessoa que havia praticado actos aos quais a lei atribuía efeitos jurídicos.
11.°
Agiram de forma deliberada, voluntária, livre e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

O despacho recorrido, que rejeitou esse requerimento, tem o seguinte teor:

DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS:
O Tribunal é material, funcional e territorialmente competente.
Não há nulidades, ilegitimidades, outras excepções ou quaisquer questões prévias que obstem à apreciação do mérito e que cumpra conhecer.

*
DA REJEIÇÃO DO REQUERIMENTO
Nos presentes autos, veio o Ministério Público, a fls 122 e segs., requerer a aplicação de pena, em processo sob a forma sumaríssima, a JJ, JR e TH, imputando-lhes a prática, em co-autoria, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art.º 348.º-A, n.ºs 1 e 2 do CPenal.
Para tanto ali se alega, e em síntese, que no dia 18.04.2013, pelas 06h54m, o arguido JJ Cardoso conduzia o automóvel com a matrícula (....), transportando os outros dois arguidos, pela Estrada Municipal 531-1, em Montes de Alvor (Portimão), quando interveio em acidente de viação. Tendo ali acorrido ao local a GNR, e receando o arguido JJ poder vir a acusar uma taxa de álcool no sangue de valor superior ao permitido, engendraram os três, de comum acordo, um plano segundo o qual seria o arguido JR a assumir ser ele o condutor, o que seria corroborado pelos outros dois. E assim sucedeu, pois que, o arguido JR identificou-se à GNR como o condutor da dita viatura, o que foi confirmado pelos arguidos JJ e TH, facto esse que era falso, como todos sabiam, tendo sido sobre tais declarações que veio a ser elaborado o auto de notícia e a participação de acidente.
Na perspectiva do requerimento em apreço, incorreram os três na prática do crime em evidência porquanto declararam factos falsos relativos à identidade da pessoa que efectivamente conduziu a viatura.

Ora, dispõe o art.º 348.º A, n.ºs 1 e 2 do CPenal que:
«1. Quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2. Se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa.»

Considerando, porém, a matéria fáctica vertida no requerimento dos autos, verifica-se que a mesma não se subsume na previsão daquele tipo incriminador.
Com efeito, dali resulta que, tendo ocorrido um acidente de viação em que foi interveniente a viatura (....), JR declarou à GNR ter sido ele o condutor da dita viatura. Identificou-se, nessa ocasião com os seus dados pessoais (nome, filiação, data de nascimento e naturalidade).
Como se alcança do confronto entre o teor de fls 4/5, 21 a 24 e o TIR de fls 88, JR identificou-se correctamente (não declarou identidade falsa).
O que sucede é que aquele arguido assumiu ser o condutor daquela viatura, quando não o fora. Ou seja, declarou falsamente ter sido ele o condutor. Falsidade essa corroborada pelos arguidos JJ e TH.
Ora, a norma incriminadora, ao referir-se à declaração falsa a respeito da identidade está a reportar-se aos elementos de identificação de uma dada pessoa. Aliás, quer a identidade, o estado ou as qualidades a que ali se fazem referência, todos se referem aos elementos pessoais do agente (relacionados com a natureza própria do agente).
Declarar identidade falsa é dizer que a pessoa A se chama B, ou é filho de D e E quando o não é, ou que nasceu numa data que não corresponde à verdade, etc. Sucede que não foi isso o que sucedeu. O arguido JR identificou-se com os seus dados pessoais, dados esses que correspondem à verdade.
E nem mesmo a “qualidade” de condutor releva, para os efeitos da incriminação em presença, pois que não é a mesma uma qualidade pessoal (como seria, eventualmente, a sua profissão, etc.).
Por outro lado, os outros dois arguidos, ao declararem ter sido o arguido JR o condutor da viatura acidentada não atestaram falsamente sobre a identidade deste, declararam foi um facto que não aconteceu e que por isso era falso (declararam que o condutor era JR, o que não correspondia à verdade).
Na verdade, os três arguidos mentiram a respeito da identidade (quem) da pessoa que vinha conduzindo a viatura e que interveio no acidente de viação (para ilibar o verdadeiro condutor), pois que afirmaram que era o JR, quando afinal quem fora o condutor fora JJ. Mas não é a este tipo de identidade/identificação que a norma incriminadora se dirige. Os arguidos mentiram sobre quem era o condutor da viatura, mas não mentiram sobre a identidade (dados pessoais) de JR. Ora, é a esta identidade que a norma se dirige (e a identidade fornecida pelos arguidos correspondia efectivamente à de JR), não à identidade - no sentido de indicação - de quem foi o autor dos factos.
Pelo exposto, os factos em evidência não preenchem o tipo de crime que foi imputado aos arguidos.
Acresce ainda que, reportando-se o n.º 2 do normativo em apreço a documentos autênticos, importa atentar que a participação de acidente e o auto de notícia nunca poderiam valer, na parte que aqui importa, como documentos autênticos, já que os agentes de autoridade não presenciaram o acidente em causa, pelo que apenas valerão como documento autêntico na parte em que descrevem os factos que estes, pessoal e directamente, percepcionaram (como por exemplo, os veículos que intervieram no acidente, a posição em que se encontravam, os danos apresentados, o local do acidente, a descrição da via, etc). Como assim, sempre seria de excluir a aplicação do n.º 2 do art.º 348.º A do CPenal.

Aqui chegados, sem prejuízo da censurabilidade dos factos praticados pelos arguidos, a respectiva conduta, como se disse, não preenche os elementos constitutivos do tipo incriminador que lhes foi imputado.
Por outro lado, o crime que tais condutas convocaria, e que foi objecto de despacho de arquivamento, seria o crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo art.º 367.º do CPenal, pois que os arguidos pretenderam, ao assim agir, afastar qualquer risco de responsabilidade penal do verdadeiro condutor, JJ. Porém, também quanto a este crime, como se evidencia do referido despacho de arquivamento, não estão preenchidos todos os seus elementos constitutivos.
Por conseguinte, dado tudo o acima exposto, a conduta dos arguidos não constitui crime.
Como assim, uma vez que os factos narrados no requerimento em análise não constituem crime, importa considerar o referido requerimento como manifestamente infundado, nos termos do disposto nos art.ºs 395.º, n.º 1, al. b) e 311.º, n.º 3, al. d), ambos do CPP.
Consequentemente, decido rejeitar o referido requerimento.

Notifique.
Após trânsito, arquive.


3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas pelo recorrente reconduzem-se à de determinar se os factos descritos no requerimento alvo de rejeição integram o ilícito criminal cuja prática foi imputada aos arguidos e, decorrentemente, se inexistia o fundamento em que tal rejeição se fundou.

Antes, porém, cumpre apreciar a questão prévia suscitada pelo arguido/recorrido JJ na resposta ao recurso e que se prende com a invocada irrecorribilidade do despacho que rejeitou o requerimento do MºPº. Considera ele que, tendo a rejeição desse requerimento sido justificada nos termos do disposto nos arts. 395º nº 1 al. b) e 311º nº 3 al. d) do C.P.P. ( diploma ao qual pertencerão os precitos adiante citados sem menção especial ), não há lugar a recurso por força do disposto no nº 4 do preceito aludido em primeiro lugar, razão pela qual o recurso não devia ter sido admitido.

Vejamos.
Dispõe o art. 395º, sob a epígrafe “Rejeição do requerimento” relativo ao processo ( especial ) sumaríssimo:
1 - O juiz rejeita o requerimento e reenvia o processo para outra forma que lhe caiba:
a) Quando for legalmente inadmissível o procedimento;

b) Quando o requerimento for manifestamente infundado, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 311.º;
c) Quando entender que a sanção proposta é manifestamente insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - No caso previsto na alínea c) do número anterior, o juiz pode, em alternativa ao reenvio do processo para outra forma, fixar sanção diferente, na sua espécie ou medida, da proposta pelo Ministério Público, com a concordância deste e do arguido.
3 - Se o juiz reenviar o processo para outra forma, o requerimento do Ministério Público equivale, em todos os casos, à acusação.
4 - Do despacho a que se refere o n.º 1 não há recurso.
Esta regra de irrecorribilidade, reportando-se à decisão de rejeição do requerimento do MºPº, pressupõe que essa rejeição, verificada uma das hipóteses elencadas nas 3 alíneas do nº 1 do preceito em análise, seja acompanhada do reenvio do processo para outra forma processual, conforme expressamente resulta do corpo do mesmo nº 1. Ou seja, que tal decisão não ponha termo ao processo.
Sucede que o conceito de acusação “manifestamente infundada”, acolhido no nº 3 do art. 311º, abrange hipóteses que vão de deficiências passíveis de ulterior correcção até deficiências tão graves que impedem o referido reenvio. Para as primeiras valerá a regra especial; para as segundas, que hajam merecido uma decisão final, de arquivamento, não poderá deixar de se aplicar a regra geral do art. 399º, desde logo porque o despacho, não sendo de rejeição e reenvio, não é exactamente o despacho “a que se refere o n.º1”, mas também porque, se assim não fosse, haveria um injustificado desvio ao princípio do duplo grau de jurisdição com grave prejuízo para o direito ao recurso, em campo que nem sequer se circunscreve à criminalidade bagatelar, já que o âmbito de aplicação do processo sumaríssimo, de acordo com o estabelecido no nº 1 do art. 392º, se estende a crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos ou só com pena de multa.
Assim, sendo de aplicar ao caso a regra contida no art. 399º[2], temos de concluir pela recorribilidade do despacho em causa e pela consequente improcedência da questão prévia em apreciação.

Regressando à questão que importa dirimir, temos que o recorrente defende que, ao contrário do que foi entendido no despacho recorrido, os factos descritos no requerimento rejeitado integram o crime de falsas declarações p. e p. pelo art. 348º-A nºs 1 e 2 do C. Penal, no qual os arguidos incorreram ao mentirem ao militar da GNR a respeito da identidade da pessoa que vinha a conduzir a viatura interveniente no acidente de viação, afirmando que era JR, quando na realidade era JJ, declarando falsamente a uma autoridade pública sobre a identidade de tal condutor, a que a lei atribui efeitos jurídicos. E, mesmo no caso de se entender que a norma incriminadora, ao referir-se à declaração falsa a respeito da identidade, apenas se referia aos elementos de identificação de uma pessoa, sempre se deveria ter entendido que, ao procederem daquela forma, os arguidos estavam a declarar falsamente à autoridade pública no exercício das suas funções sobre a qualidade do condutor da referida viatura e à qual a lei atribui efeitos jurídicos. Sustenta, além disso, que a participação do acidente e o auto de notícia devem valer como documentos autênticos, documentando não só o que é percepcionado directa e presencialmente pelos agentes da autoridade, mas também o que lhes é relatado, tendo no caso o auto sido elaborado com base no que ao militar foi declarado falsamente pelos arguidos a respeito da identidade do condutor da viatura.

Com a revogação do art. 22º do DL nº 33725 de 21/6/44, que previa o crime genérico de falsas declarações, expressamente revogado pelo art. 53º al. a) da Lei nº 33/99 de 18/5, e porque os crimes de falsas declarações previstos nos arts. 359º e 360º do C. Penal apenas se reportam a declarações proferidas em processo judicial, criou-se um vazio legal relativamente às falsas declarações perante órgão do Estado que, ao recebê-las como meio de prova para processo judicial ou equivalente, não se encontre no exercício de funções, perdendo o referente normativo as remissões para o tipo penal genérico que se mantiveram em algumas normas da legislação extravagante.
Vazio esse que a Lei nº 19/2013 de 21/2 veio preencher, com a previsão de um novo crime de falsas declarações, que passou a constar do art. 348º-A do C. Penal, com a seguinte redacção:
1 — Quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 — Se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa.
Os problemas de tipicidade[3] que a configuração ampla dada à norma incriminatória na medida em que recorre a conceitos normativos pouco explícitos e pouco acessíveis a uma valoração paralela na esfera dos leigos, criando o risco de em alguns casos poder abarcar condutas insignificantes ou que não atinjam de forma intolerável o bem jurídico em causa, em que a punição se revele desadequada, desnecessária ou desproporcional, remetem para a doutrina e jurisprudência “um papel importante na definição precisa dos respetivos elementos típicos, nomeadamente em função das situações que nos diversos domínios da atividade administrativa do Estado possam a convocar a aplicação do novo tipo penal.[4]
Afastando-se de opções legislativas anteriores, o legislador concebeu o novo crime de falsas declarações exclusivamente como um crime de perigo abstracto, na medida em que a efectiva lesão do bem jurídico protegido – a autonomia intencional do Estado – ou a sua concreta colocação em perigo não integra o tipo legal. E, “no que respeita ao elemento objetivo do tipo, qualquer pessoa que emita declaração ou ateste sobre algum dos factos referidos no tipo pode ser seu agente., mas a Lei limita os respetivos destinatários às categorias de intervenientes passivos referidos no art. 348º-A, ou seja, autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, circunstância esta que gera uma especial força probatória para a declaração.[5]
Está em causa, pois, desde logo, a tutela da integridade da função administrativa nas suas diversas manifestações e da capacidade funcional da administração, exercida em conformidade com as exigências de legalidade e objetividade que num Estado de Direito devem presidir às funções públicas. Ao declarar ou atestar falsamente identidade, estado ou outra qualidade própria ou de terceiro, o agente induz a autoridade ou funcionário a quem se dirige a praticar ato objectivamente viciado nos seus pressupostos, pondo em causa a própria administração e a sua imprescindibilidade para a realização ou satisfação de finalidades fundamentais, indispensáveis em qualquer sociedade organizada.
(…) está em causa o estado ou outra qualidade em que o próprio ou outra pessoa é tomada pela lei para determinado efeito jurídico (v.g. estado civil, nacionalidade, residência, maioridade, ser proprietário), o que não se confunde com afirmações do agente sobre factos concretos que não correspondam necessariamente àquelas qualidades típicas, ainda que deles, juntamente com outros, possam retirar-se conclusões sobre as mesmas.[6]

Atentando na factualidade que vem descrita no requerimento do MºPº, temos que os arguidos não prestaram ao militar da GNR que estava a tomar conta da ocorrência declarações inverídicas acerca da identidade da pessoa que afirmaram/confirmaram ser o condutor da viatura interveniente no acidente de viação. Mas afirmaram/confirmaram que se tratava de pessoa diferente daquela que estava a conduzir tal viatura antes do acidente. Ou seja, produziram afirmações falsas acerca de uma qualidade[7] – a de condutor da viatura, à qual a lei atribui efeitos jurídicos, nomeadamente quanto à necessidade de habilitação legal para o exercício da condução, à obrigação de sujeição a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas e eventual responsabilidade criminal pela prática de crimes no exercício da condução – atribuindo-a a um deles, quando sabiam perfeitamente que não era esse, mas sim um outro, o condutor da viatura. Tudo de forma concertada e com o claro propósito de levar aquele militar a elaborar o auto de notícia e a participação de acidente com dados falsos sobre a identidade da pessoa, não da pessoa que ali ficou a constar como sendo o condutor da viatura, mas sim acerca de quem exercia realmente a condução, e evitar, como veio a suceder, que esta viesse a ser submetida a fiscalização legal e a sofrer eventuais consequências advenientes da prática de alguma infracção/crime em que pudesse ter incorrido.
Tendo presentes as considerações acima expendidas, pensamos, assim, ser meridianamente claro que, ao contrário do que foi entendido no despacho recorrido e também defendido pelo arguido/recorrido JR na resposta ao recurso, seguindo uma interpretação injustificadamente restritiva da norma incriminatória, os factos articulados no requerimento alvo de rejeição integram a previsão legal do nº 1 do art. 348º-A do C. Penal. E tanto basta para afastar o fundamento de rejeição invocado naquele despacho.
A questão de saber se a incriminação pelo nº 2 do referido preceito é ou não a correcta acaba por ser irrelevante no caso, já que uma eventual incorrecção, por si só, não constitui fundamento de rejeição, só podendo a qualificação jurídica ser sindicada para efeitos de aferir se o procedimento é ou não legalmente admissível, nomeadamente se se mostra observado o campo de aplicação do processo sumaríssimo estabelecido no nº 1 do art. 392º do C.P.P. De qualquer forma, sempre estarão plenamente assegurados os direitos de defesa do arguido que, sem mesmo ter de esclarecer as razões da sua discordância, pode deduzir oposição para provocar o reenvio do processo e posteriormente tentar fazer vingar a sua estratégia de defesa em julgamento.
Uma nota final, relativamente ao direito à não auto-incriminação invocado pelo arguido/recorrido JR para afastar a punibilidade da sua conduta, sustentando que gozava, excepção feita aos elementos da sua identificação, do direito a não responder com verdade. Em primeiro lugar, “a identificação do condutor de veículo interveniente em acidente de viação perante agente da fiscalização do trânsito traduz o cumprimento de um dever geral de obediência às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal (art. 4º do C. Estrada), sendo certo que no caso de intervenção em acidente o art. 89º C. Estrada impõe mesmo ao condutor a obrigação de se identificar perante os restantes intervenientes.[8]. Dever esse que não é apenas inobservado quando o condutor se recusa a fornecer a sua identificação mas também, por maioria de razão, quando se identifica falsamente ou indica um terceiro como sendo este que se encontrava a exercer a condução. Mas, mesmo que se entendesse que o condutor não estava obrigado a identificar-se como tal, o direito a que o referido arguido/recorrido alude apenas lhe permitiria não responder às perguntas que lhe fossem feitas ou negar ser ele o condutor da viatura e já não o de indicar falsamente outrem como sendo esse condutor.
De todo o exposto se conclui que o despacho recorrido não se pode manter.


4. Decisão
Em face do exposto, julgam procedente o recurso e revogam o despacho recorrido, determinando que seja substituído por outro que admita o requerimento do MºPº ou, pelo menos, que o não rejeite com o fundamento em que a sua rejeição se baseou.
Sem tributação.

Évora, 16 de Junho de 2015

Maria Leonor Esteves

António João Latas

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[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Entendimento que também foi seguido nos Acs. RE 25/10/11, proc. nº 369/10.9GDSTB.E1 ( “1. Admite recurso a decisão que em processo sumaríssimo rejeita o requerimento para aplicação de sanção por entender que os factos não integram a prática de crime e, em consequência, determina o arquivamento dos autos.” ), 31/5/11, proc. nº 35/10.5PESTB.E1 ( “1. Desde a criação do processo sumaríssimo, a rejeição do requerimento sempre esteve conexionada com o reenvio do processo para outra forma processual, embora não se desconhecendo que um daqueles motivos que a determinam – por ser manifestamente infundado – dará lugar, mormente ao considerar-se, como no caso presente, que os factos não constituem crime, a uma decisão que não se compadece com esse reenvio, tornando-se como que definitiva. 2. Por seu lado, quer o nº 2, quer o n.º 3, do art. 395.º do CPP, têm subjacente essa consequência de reenvio, apenas com a excepção (n.º 2) de que o juiz, em alternativa ao reenvio, fixe sanção diferente da proposta, mas com a concordância do Ministério Público e do arguido. Por isso que, existindo despacho que decida de modo diverso do previsto nessas diferentes perspectivas, não existe fundamento razoável para concluir que o recurso não deva ser admissível, já que isso comportaria restrição excessiva da garantia ao recurso, desde logo, porque teria como consequência que o processo não pudesse vir a prosseguir mesmo que sob outra forma processual, o que o legislador não terá, a nosso ver, querido.” ) e 29/1/13, proc. nº 7/11.2GBALQ.E1 ( “1. É recorrível, nos termos do disposto no artigo. 399.º do CPP, o despacho que rejeita o requerimento para julgamento em processo sumaríssimo, com o fundamento de que os factos nele descritos não constituírem crime, já que tal decisão põe termo ao processo, constituindo decisão final.”).
E, no mesmo sentido:
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 987: “9. Em regra, a decisão judicial de rejeição do requerimento do MP é acompanhada do reenvio para outra forma do processo. Mas pode haver lugar a rejeição definitiva do requerimento do MP sem reenvio para outra forma de processo. São os casos de inadmissibilidade legal do procedimento por força da declaração de causas de extinção da responsabilidade criminal, nulidades ou vícios processuais que tenham o efeito de impedir definitivamente o prosseguimento dos autos sob outra forma, como é também o caso da rejeição por os factos imputados não constituírem crime (artigos 395, n.º 1, al. b) e 311, n.º 3, al. d). O despacho judicial de rejeição definitiva do requerimento do MP não está sujeito à regra do artigo 395, n.º 4, mas antes à regra do artigo 399. ”;
- Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto”, pág. 1011: “9. Quanto à inadmissibilidade de recurso, importa esclarecer que ela se reporta a duas situações concretas e cumulativas; a rejeição e o reenvio. Se o juiz decidir pelo arquivamento d processo sumaríssimo nos termos acima referidos (inexistência de crime, não punibilidade, falta de condições ou extinção do procedimento, extinção da responsabilidade), porque a falta a cumulativa do reenvio e porque se trata de despacho que põe termo ao processo e não está expressamente prevista a sua irrecorribilidade, admite, pois, recurso nos termos gerais (art.399.º)”;
- Oliveira Mendes, em anot. ao art. 395º, no Código de Processo Penal comentado por Conselheiros do STJ, Almedina, 2014, pág. 1237: “3. A regra da irrecorribilidade estabelecida no nº 4 não é absoluta, não sendo aplicável nos casos em que o despacho proferido ponha termo ao processo por via da verificação de causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal. Nestes casos, nos termos gerais do artigo 399º, o despacho é recorrível.”
[3] Assinalados nomeadamente por Fernanda Palma, na “Análise Das Propostas De Alteração Legislativa Em Matéria Penal E Processual Penal”.
[4] Como também se considera num estudo de António Latas ( “As alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei 19/2013 de 21 de fevereiro” ) publicado na Revista do CEJ nº 1, 2004, págs. 55-103.
[5] Idem, onde também se tecem pertinentes considerações acerca do sentido e alcance destes conceitos, salientando-se a de as autoridades judiciárias devem considerar-se excluídas do conceito de autoridade pública a que se refere o preceito, “dada a previsão e enquadramento sistemático dos artigos 359º e 360º, como crimes de falsas declarações contra a realização da justiça.”
[6] Idem.
[7] Entre os significados possíveis deste substantivo, a de cargo ou função de que resultam direitos e obrigações.
[8] Como vem salientado no Ac. RE 17/9/13, proc. nº 648/09.8GCFAR.E1.