Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1502/20.8T8PTM.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
AUDIÊNCIA DE PARTES
DECISÃO SURPRESA
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Nos casos previstos no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC, isto é, quando o juiz se julgue habilitado a conhecer no despacho saneador uma exceção perentória ou algum dos pedidos deve convocar uma audiência prévia para possibilitar às partes a discussão de facto e de direito da causa, ou seja, para lhes possibilitar a produção de alegações sobre a decisão final.
2 – A omissão do dever de permitir às partes, antes da prolação da decisão de mérito, a produção de alegações de facto e de direito constitui a violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva consagrada constitucionalmente no artigo 20.º, n.º 4, da CR.
3 - Violação essa que afeta a decisão sob recurso, tornando-a nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1502/20.8T8PTM.E1
(1.ª Secção)
Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), autor na ação de processo comum que moveu contra (…) e (…) interpôs recurso do despacho saneador-sentença proferido pelo Juízo de Família e Menores de Portimão, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou procedente a exceção perentória de caducidade do prazo para intentar a presente ação de impugnação de paternidade presumida e, em consequência, absolveu ambas as rés do pedido.

Na presente ação, o autor pediu que fosse «declarada a anulação da perfilhação de (…), bem como o cancelamento do averbamento da paternidade ao seu assento de nascimento, reconhecendo-se assim que o autor não é o pai biológico da 2.ª ré».
Para fundamentar a sua pretensão, ao autor alegou, em síntese, o seguinte: contraiu casamento com a 1.ª ré no dia 10 de fevereiro de 1989 e, em 1 de dezembro de 1996, nasceu a 2.ª ré; logo após o nascimento da 2.ª ré recebeu um telefonema anónimo comunicando-lhe que a 1.ª ré tinha um amante e que este lhe tinha dado um presente e, posteriormente, começou a ouvir diversos comentários e rumores acerca da infidelidade da sua mulher e que a 2.ª ré não era sua filha; tendo confrontado a 1.ª ré com os referidos rumores, aquela disse tratar-se de calúnias; com o passar dos anos o autor apercebeu-se que a 1.ª ré gradualmente deixou de lhe demonstrar qualquer afeto, até que depois de ele descobrir que a sua mulher trocava SMSs diversas vezes sempre com o mesmo homem e de a confrontar com toda a informação que tinha, a 1.º ré pediu para que o autor saísse de casa, tendo o divórcio entre ambos ocorrido em novembro de 2018; a 2.ª ré já tem 23 anos e o autor não tem qualquer ligação afetiva com a mesma nem conhecimento de pormenores da sua vida pessoal e profissional, tendo há pouco tempo tomado conhecimento que aquela já há alguns anos que não assina o seu nome com o apelido “(…)”, assinando só (…).
As rés contestaram por exceção, invocando a caducidade do direito de ação do autor, concretamente o decurso do prazo previsto no artigo 1842.º, n.º 1, al. a), do CPC, e impugnação.
Notificado da contestação, o autor não se pronunciou sobre a exceção invocada.
O tribunal de primeira instância proferiu despacho saneador no qual conheceu da exceção supra mencionada e, consequentemente, absolveu ambas as rés do pedido.

I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1-A douta Sentença que julgou procedente a exceção de caducidade e absolveu as rés do pedido, com o devido respeito é desprovida de fundamento.
2- O A. ao contrário da fundamentação de facto do tribunal a quo não se conformou ao longo do tempo com certezas adquiridas.
3- Conforme alegado na Petição Inicial, os rumores inicialmente existentes foram dissipados com o facto de ter acreditado que a sua esposa ao negar os factos estaria a dizer a verdade (artigos 6º e 7º da Petição Inicial).
4- O facto de anos mais tarde, no ano de 2012, o A. ter sido alertado que quando não estava em casa a sua esposa recebia a visita de um homem, não poderia levar o A. a poder ter a certeza ou afirmar que tal homem seria o pai da sua presumida filha.
5- O A. saiu de casa no ano de 2012 porque a sua esposa pediu que o mesmo o fizesse, pois, para a mesma o casamento já não fazia qualquer sentido.
6- Na sequência da separação e como ato normal da mesma, foram reguladas as responsabilidades parentais da menor, pois, na altura o A. não tinha informação concreta se o homem com quem a sua ainda esposa passou a viver e que era o Senhor que lhe apontavam como “Amante”, no ano de 2012, poderia ser o pai da sua presumida filha.
7- A inércia e passividade invocada pelo tribunal a quo nada tem a ver com o facto de o A. se ter conformado, ou não lhe ter interessado essa impugnação nos três anos subsequentes a ter conhecimento desses rumores”.
8- O A. intentou a ação a partir do momento em que passou a ter certezas e tendo por base a segurança jurídica, pois,
9- No ano de 2018 e 2019 conforme alegado na Petição Inicial, o Autor teve conhecimentos que lhe deram a segurança jurídica para averiguar o vínculo da filiação natural, e esclarecer a sua posição social e jurídica em relação à sua filha presumida.
10- Face aos factos concretos a que teve conhecimento, ao que aconteceu a partir do ano de 2018, e ao que tinha ficado “para trás” por ter acreditado na palavra da mãe da sua filha, passou então a fazer sentido, gerando então a convicção no mesmo que não era pai biológico da sua presumida filha.
11- Após a contestação apresentada pelas Rés o A., ao contrário do alegado na douta sentença, não foi notificado para exercer o seu direito ao contraditório, pois o regime da contraditoriedade está assegurado pela notificação pessoal.
12- A invocação de uma exceção perentória pressupõe conhecimento do mérito, ou seja, matérias cujo conhecimento se visa nas alíneas b) e d) do artigo 591.º e b) do nº 1 do artigo 595.º, ambos do Código de Processo Civil.
13- Da conjugação do disposto na alínea b) do artigo 595.º e na alínea b) do artigo 591.º do Código de Processo Civil deveria ter sido proferido despacho saneador, despacho saneador esse que consiste justamente no conhecimento do mérito, parcial ou total, da causa.
14- O A. foi impedido de carrear novos factos para os autos, aprofundar algumas questões.
15- O princípio do contraditório assume-se como garantia de participação efetiva da parte interessada no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
16- A sentença proferida pelo Tribunal a quo traduz para o A. uma verdadeira decisão surpresa, não precedida do contraditório imposto pelo artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
17- O Meritíssimo Juiz do Tribunal ao proferir sentença-decisão surpresa, violou o regime impositivo constante nas alíneas b) e d) do artigo 591.º e b) do n.º 1 do artigo 595.º.
18- A decisão está ferida do vício da nulidade nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do Código do Processo Civil.
19- Como consequência do vício, deverá ser anulado o ato decisório (absolvição da instância e absolvição do mérito) que foi praticado em vez do ato omitido.
20- Verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante questões de facto e de direito, suscitadas oficiosamente e que ditou o fim da ação, a sentença é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
TERMOS em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, devendo a sentença recorrida ser revogada, determinando-se a baixa dos autos à primeira instância, e, assim prosseguindo os autos os seus termos, com o que se fará JUSTIÇA».

I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O tribunal a quo recebeu o recurso.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
A questão que importa decidir é a seguinte:
1 – Saber se ocorreu a violação do princípio do contraditório e, na afirmativa, quais as consequências processuais.
2 – Saber se ocorreu erro de julgamento.

II.3.
FACTOS
II.3.1.
Factos provados
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos referidos na decisão sob recurso.
Resulta, ainda, dos autos, a seguinte factualidade:
1 – A contestação foi notificada à Exma. mandatária do autor, através da plataforma citius em 29.10.2020.
2 – Na sequência da notificação referida em 1., o autor não apresentou resposta à exceção deduzida pelas rés.
3 – Não foi designada data para a realização de uma audiência prévia.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Incumprimento do princípio do contraditório
No presente recurso está em causa o despacho saneador-sentença proferido pelo tribunal de primeira instância que julgou procedente a exceção de caducidade do prazo para o autor intentar a presente ação e, consequentemente, absolveu ambas as rés do pedido.
O apelante defende que o tribunal a quo violou o princípio do contraditório, por duas ordens de razão, a saber:
1) Após a contestação, o autor não foi notificado pessoalmente para exercer o direito ao contraditório;
2) Propondo-se conhecer do mérito da ação na fase do saneador, o tribunal estava obrigado a convocar uma audiência prévia, o que não sucedeu.
Vejamos se lhe assiste razão.
Dispõe o artigo 3.º, n.º 3, do CPC que «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Explicam Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[1] que o referido preceito legal consagra o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão-surpresa, acrescentando que «não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito de fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão» (itálicos nossos).
Também Jorge Miranda/Rui Medeiros[2] referem que «segundo o Tribunal Constitucional, do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie, que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras (…)».
As partes devem, assim, ter sempre a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões a decidir pelo juiz, salvos os casos de «manifesta desnecessidade», isto é, quando se trata de questões cuja decisão não tem, em si mesma, qualquer repercussão sobre a instância, não sendo relevante para a decisão do litígio ou questões que, pela sua natureza não compreenda o contraditório prévio, como é o caso de decisões de mero expediente ou a decisão liminar do juiz convidando o autor a aperfeiçoar a petição inicial[3].
«Em qualquer circunstância, a dispensa de audiência prévia por “manifesta desnecessidade” é excecional: o seu uso deve ser parcimonioso; na dúvida, deve o tribunal ouvir antes de decidir»[4].
No caso sub judice, e no que respeita ao primeiro fundamento invocado pelo apelante para sustentar o alegado incumprimento do princípio do contraditório desde já se dirá que o mesmo não se verifica, pois que em conformidade com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 575.º, n.º 1, 247.º, n.º 1 e 248.º, n.º 1, todos do CPC, o tribunal notificou o teor da contestação à Exma. mandatária do autor, por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no artigo 132.º, n.º 2, do CPC.
Quanto ao segundo fundamento – ausência de convocação das partes para uma audiência prévia –, liminarmente se dirá que na decisão sob recurso, o tribunal a quo apreciou a exceção de caducidade do direito de ação do autor, concretamente o decurso do prazo previsto no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), do CPC, julgando-a procedente, pondo, consequentemente, termo à causa, pelo que conheceu do mérito da causa.
Em face do regime legal vigente, após os atos praticados em execução do despacho pré-saneador previsto no artigo 590.º, quando este tenha tido lugar, ou após a fase dos articulados, julgando-se o juiz habilitado para conhecer imediatamente do mérito da causa, mediante resposta total ou parcial ao(s) pedido(s), o artigo 591.º, n.º 1, alínea a), do CPC preceitua que o juiz deve convocar uma audiência prévia.
A audiência prévia não se realizará, todavia, nos casos previstos nas alíneas a) ou b) do artigo 592.º, n.º 1[5] ou naqueles em que, destinando-se a audiência prévia apenas aos fins enunciados nas alíneas d) a f) do artigo 591.º, n.º 1, do CPC, o juiz entenda que a mesma é dispensável, sem prejuízo de a audiência prévia poder vir, ulteriormente, a ser convocada por iniciativa de alguma ou de ambas as partes (cfr. artigos 593.º, n.ºs 1 e 3, do CPC)[6].
Nos casos previstos no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC, isto é, quando o juiz se julgue habilitado a conhecer no despacho saneador uma exceção perentória ou algum pedido, sem necessidade de ulterior prova, deve convocar uma audiência prévia para possibilitar às partes a discussão de facto e de direito da causa, ou seja, para lhes possibilitar a produção de alegações sobre a decisão final. Como ensinam Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, ob. cit., p. 641, o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador «sem primeiro facultar a discussão, em audiência, entre as partes, salvo quando os factos relevantes controvertidos só possam ser provados por documento e este não seja apresentado, sem justificação, apesar do convite feito no despacho pré-saneador, ou em caso de revelia inoperante por força do artigo 568.º-d, quer o documento seja necessário à prova dos factos seja apresentado, quer não, pelo autor, no prazo para tanto fixado pelo juiz».
In casu, o tribunal recorrido não convocou as partes para uma audiência final, ou tão pouco lhes anunciou a sua intenção de conhecer de imediato da exceção – perentória – invocada pelas rés, o que impediu qualquer uma das partes, designadamente o autor, de requerer a realização de uma audiência prévia, faculdade prevista no artigo 593.º, n.º 3, do CPC.
Como dissemos, antes da decisão final, o tribunal deve proporcionar às partes a discussão, em audiência, sobre a factualidade alegada e provada e sobre os fundamentos de direito da causa.
A decisão sob recurso surgiu, assim, como uma decisão-surpresa, logo violadora do princípio do contraditório e da garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, a qual visa possibilitar às partes, em condições de plena igualdade, influírem em todos os elementos potencialmente relevantes para a decisão da causa.
O desrespeito do princípio do contraditório, quando ele deva ser observado, designadamente através da convocação de audiência prévia, constitui uma nulidade processual prevista no artigo 195.º do CPC, pois trata-se de omissão de uma formalidade que a lei prescreve destinada a evitar decisões-surpresa. Já Anselmo de Castro[7] ensinava que, no que deva entender por “irregularidade suscetível de influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa”, «não restam quaisquer dúvidas de que a fórmula legal abrange todas as irregularidades ou desvios ao formalismo processual que atinjam o próprio contraditório» e que, para além disso, «só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver».
As nulidades processuais devem ser arguidas pelos interessados perante o juiz, como resulta do disposto nos artigos 196.º e 197.º do CPC, sendo a decisão que recair sobre a respetiva arguição impugnável por via recursiva.
Todavia, uma decisão-surpresa é um vício que afeta a própria decisão, tornando-a nula, na medida em que através ela o tribunal pronuncia-se sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes interessadas sobre a matéria – assim, Teixeira de Sousa, https: //blogippc.blogspot.pt. Como assinala este autor ainda que a falta de audiência prévia constitua uma nulidade processual por violação do princípio do contraditório, aquela é consumida por uma nulidade de sentença por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão. Pelo que a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso fundamentado na nulidade da própria decisão.
A omissão do dever de permitir às partes, antes da prolação da decisão de mérito, a discussão de facto e de direito da causa constitui a violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva consagrada constitucionalmente no artigo 20.º, n.º 4, da CR.
Violação essa que afeta a decisão sob recurso, tornando-a nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Consequentemente, há que anular tal decisão e determinar que os autos regressem à primeira instância para que o tribunal possibilite às partes a discussão de facto e de direito antes da prolação da decisão final.
Procedendo este segmento da apelação, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no presente recurso.

Sumário:
(…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em julgar procedente a Apelação e, em conformidade:
1 - Anulam o despacho saneador-sentença;
2 – Ordenam a descida dos autos à primeira instância para que ali seja dada às partes a possibilidade de produzirem alegações previamente à prolação da decisão final.
Notifique.
DN.
Évora, 23 de setembro de 2021
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato




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[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Almedina, p. 7.
[2] Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 194.
[3] Paulo Ramos/Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, 2014, 2.ª Edição, Almedina, p. 31.
[4] Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, Almedina, p. 41.
[5] Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 592.º do CPC, a audiência prévia não se realiza nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º e nos termos da alínea b), quando o processo tiver de findar no despacho saneador pela procedência de uma exceção dilatória e esta já tiver sido debatida nos articulados.
[6] Em sentido não coincidente, Paulo Ramos Faria/Luísa Loureiro defendem, ob. cit., p. 527, que «a realização da audiência prévia não é obrigatória, mas também não é facultativa. É a regra».
[7] Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 109.