Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO VENDA JUDICIAL NULIDADE OBRIGAÇÃO FISCAL CASO JULGADO FORMAL | ||
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Data do Acordão: | 04/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – A venda do imóvel penhorado nos autos por negociação particular consumou-se na data da celebração da respetiva escritura pública de compra e venda, que o Agente de Execução juntou aos autos, do que foi notificado o executado. II - Com a notificação efetuada, ficou o executado a saber os exatos termos em que se realizou a venda e, bem assim, da liquidação do IMT e do imposto de selo, pelo que se entendia que alguma nulidade existia, devia tê-la arguido no prazo de 10 dias previsto no art. 149º, nº 1 do CPC, não tendo aqui aplicação o disposto no nº 3 do art. 37º do CIMT, desde logo porque o imposto já se mostrava pago no momento da celebração da escritura pública. III – Tendo transitado em julgado a sentença proferida no apenso de oposição à execução onde foi desatendida a arguição de nulidade da citação do cônjuge do executado, formou-se caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo, sobre aquela decisão (art. 672º do CPC). IV - O caso julgado formal que se constituiu e que é vinculativo dentro do processo impede que se possa discutir novamente a questão da falta de citação da ora recorrente. V – De acordo com o disposto no nº 6 do art. 786º do CPC, anular-se-ão as vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efetuados “se os bens forem adquiridos pelo exequente e para ele houver revertido todo o seu produto”, mas, ao contrário, já não se anularão esses atos se (i) os credores reclamantes beneficiarem de algum dos modos de pagamento (art. 795º nº 1) ou se (ii) terceiros exercerem o direito de remição sobre os bens (art. 842º). VI - Visa-se, assim, por um lado, a proteção do adquirente dos bens, estranho à execução, e, indiretamente, a segurança da venda; e, por outro lado, a proteção dos credores a quem tenham já sido liquidados os seus créditos. VII - A ratio legis da norma constante da regra 16ª, do nº 4, do art. 12º do CIMT prende-se com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transação nas situações em que o ato da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efetuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador. VIII - A venda judicial de imóvel integra o conceito de arrematação judicial para efeitos da regra 16ª, do nº 4 do art. 12º do CIMT. (Sumário pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Nos presentes autos de execução comum, com processo sumário, em que é exequente Hefesto STC, S.A. e executados E.A.A. e outros, veio J.J.C.N.S.A., cônjuge daquele executado, requer[1] que sejam «anulados todos os actos, pelo menos, desde a citação da ora Requerente, bem assim, revogada a decisão da entrega da casa de morada de Família, retomando os autos a sua tramitação legal, que inclua a notificação dos actos e direitos preteridos à ora Requerente, e ainda, que seja, ao Ministério Público, participada a matéria existente nos autos, para abertura de Inquérito e necessária investigação, quanto à eventual prática de crimes de natureza fiscal e seus agentes». Alegou, em síntese, que reside no imóvel dos autos com o seu marido e os seus filhos e, até hoje, não foi “tida nem achada” para quaisquer efeitos ou procedimento, com especial relevo os que determinaram a venda e adjudicação daquele imóvel, que constitui a casa de morada de família, e tão pouco foi notificada de que deverá entregar o imóvel, sendo que a requerente deveria ter sido citada e não foi, pois apesar do Tribunal ter ordenado a sua citação, essa ordem foi incumprida, ou cumprida com total desacerto pelo Agente de Execução, já que a requerente foi por este citada para se separar ou comprovar a pendência de ação de separação de bens, quando nenhuma confusão existia, nem mesmo pela inicial reclamante de créditos, ora exequente Hefesto, que aquele bem é comum do casal, ou que existe comunicabilidade de dívidas, e apesar da ora requerente ter vindo deduzir oposição à penhora, foi coartada no direito ao contraditório, sendo «inultrapassável a óbvia limitação à informação e direitos da Requerente e intransponível óbice a qualquer defesa plena e condigna prevista nos artigos 786º e 787º, ambos do CPC, o que importa a nulidade da citação». Mais alegou que a venda efetuada é nula, constituindo um negócio fraudulento, que além de usurário e configurar um enriquecimento ilícito e injustificado de um terceiro que não pode ser considerado de boa-fé, constitui em abstrato ilícito criminal, já que através da escritura pública celebrada no dia 25/06/2021, foi transmitida à sociedade “Dream Sattelite, Lda.” a propriedade do imóvel em casa pelo valor de € 598.800,00, sendo previamente liquidado pelo adjudicatário, a titulo de IMT, o valor de € 38.928,50 e foi previamente liquidado, a título de Imposto de Selo, o valor de € 4.791,20, sendo bem claro na caderneta predial mais recente que o Senhor Notário responsável por conferir fé pública ao contrato de compra e venda, certamente verificou, que o valor patrimonial para efeitos de IMT é de € 1.970.800,98 e decorrendo deste valor é devido a título de IMT o valor de € 147.810,07 e a titulo de Imposto de Selo o valor de € 35.474,4, pelo que aparentemente o adjudicatário lesou a Fazenda Nacional em € 108.815,57 a título de IMT e em € 30.683,22 a título de imposto de selo, totalizando a lesão um total de € 139.498,79, pelo que, pelos menos abstratamente, estão preenchidos os elementos objetivos de ilícito criminal de natureza fiscal, atendendo ao disposto nos artigos 103º, 104º e 87º, todos do RGIT, requerendo ao Tribunal que dê noticia disso ao Ministério Público. A exequente respondeu, pugnando pelo indeferimento do requerido. Também por requerimento de 09.08.2021, veio o executado E.A.A. requerer que o Tribunal declare a invalidade da venda, retroagindo ao momento da primeira notificação não concretizada ao cônjuge J.J.C.N.S.A.. Alegou, em resumo, que se verifica a omissão de todos os procedimentos tendentes à venda do imóvel relativamente à interessada, cônjuge e possuidora do imóvel, o que obstou a que esta se pronunciasse, interviesse ou contribuísse, querendo, quanto à fixação do valor, à modalidade da venda e ao valor da adjudicação, inexistindo dúvidas que tratando-se de ação, ainda que executiva, que tenha por objeto casa de morada de família, correm necessariamente contra ambos os cônjuges, e a verdade é que o cônjuge do executado foi citada mediante despacho pela intervenção provocada daquela, em termos já questionados e decididos, tendo sido ulteriormente preterida em todos os momentos processuais, o que constitui violação de litisconsórcio passivo necessário. Mais alegou que em 13.07.2018, por força da segunda avaliação do imóvel realizada nos termos do CIMI foi atribuído ao imóvel dos autos o valor de € 1.956.130,00 para efeitos de IMT e aquele valor vem claramente atualizado em 2020 na caderneta predial para € 1.970.800,98, sendo que o adjudicatário liquidou IMT sobre o valor da venda, € 598.800,00, bem sabendo que deveria ter pago sobre 1.970.800,89 €, mas só liquidou € 38.928,50 € a título de IMT, quando deveria ter pago € 147.810,07, com base no indicado valor de € 1.970.800,98, o que, sem prescindir de tipificações de natureza criminal, configura, nesta parte, um enriquecimento injustificado de € 108.881,57, pelo terceiro adquirente, o mesmo se verificando relativamente ao imposto de selo, que deveria ter sido liquidado pelo montante de € 35.474,42, tenho o adjudicatário pago apenas € 4.791,20, não tendo desse modo sido cumpridos os requisitos legais para a venda efetuada. A exequente respondeu, pugnando pelo indeferimento do requerido. Por despachos proferidos em 13.11.2021, foi indeferido quer o requerido pelo executado, quer o requerido pelo seu cônjuge. Inconformados, o executado e o cônjuge apelaram do assim decidido, tendo finalizado a alegação dos respetivos recursos com as seguintes conclusões: No recurso do executado: «A – Decidiu o Tribunal a quo, por despacho proferido a 13/11/2021 com ref. CITIUS 121742043, rejeitar a Arguição de Nulidade apresentada pelo Executado, ora recorrente, a 09/08/21 (Ref. CITIUS 39619630 e 39669197) por a considerar extemporânea; B –A verdade é que, entre outros, o Executado, aqui Recorrente, na reclamação rejeitada, invocou nulidade da venda C – Os elementos que constam daquela Nulidade fundam-se numa omissão do cumprimento das responsabilidades fiscais inerentes ao ato da venda, nomeadamente da escritura pública. D – In casu, e por se tratar de venda judicial, aquela nulidade consuma-se apenas e só a partir de 24/07/2021, por força do nº 3 do Art.º 37º do CIMT, a qual difere aquela responsabilidade para 30 dias após o ato. E – Nesta senda e entendimento, aquele prazo termina em férias judiciais, porquanto o início do prazo de 10 dias para a Arguição de Nulidade difere para o primeiro dia após o fim daquelas férias judiciais - 1 de Setembro de 2021. F – Porquanto, tendo sido arguida a 9 de Agosto de 2021, foi a nulidade arguida tempestivamente, G – Violando assim, o Tribunal a quo as normas conjugadas do Art.º 199º nº 1 do CPC, Art.º 36º nº 3 do CIMT e Art.º 149º do CPC, H– Porquanto se requer que Vs. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores acolham o ora alegado e, a final, reconhecendo-se a tempestividade da Reclamação deduzida e a consequente a baixa do processo à 1ª Instância, para que o Tribunal a quo se pronuncie quanto à nulidade arguida.» No recurso do cônjuge do executado: «1. Por douto Despacho proferido a 13.11.2021 (ref.ª 121742043), veio o douto Tribunal a quo, apreciando um conjunto de irregularidades, omissões, violações, ilegalidades, e eventuais ilícitos criminais assinalados no requerimento de arguição de nulidade apresentado a Juízo pela ora Recorrente, decidir, por tudo indeferir. 2. Por não se conformar com os doutos Fundamentos e Decisão daquele douto Despacho, vem a ora Recorrente apresentar o presente exercício Recursivo, para o qual, agora apresenta as seguintes Conclusões: 3. Não se conforma a ora Recorrente, desde logo, porquanto entende que o douto Despacho ora recorrido é um reflexo da ilegalidade de um processo, que mal andou, movido sob a “pressa” do Sr. Agente de Execução Paulo Pinheiro (doravante apenas A.E.), em vender a Casa de Morada de Família da ora Recorrente, às suas escondidas e dos seus moradores, ultrapassando e desrespeitando, tanto o douto Tribunal a quo, com os mais elementares Direitos, liberdades e Garantias constitucionais, regras e princípios processuais, permitindo à custa da ora Recorrente, seu investimento, suor e dedicação, enriquecer ilicitamente um terceiro adjudicatário, que sem nada fazer para o justificar, sempre enriquecerá também, à custa da lesão patrimonial da Fazenda Nacional. 4. Entende a ora Recorrente, que enquanto moradora no imóvel penhorado nos autos, que sempre constitui a sua, e do seu marido - Executado, casa de morada de Família, deve, conforme defende o Exm.ª Sr Professor José Lebre de Feitas (in “A Acção Executiva”, 7ª Ed., 163 e 164), ser-lhe reconhecido o estatuto de Parte Principal, e não de uma terceira ilegítima, como a ela se refere temerariamente, o ilustre Sr. AE. 5. Nesse sentido, não aceita a ora Recorrente, que mesmo após ordenada a sua Citação nos termos do artigo 786º nº 1 do CPC, conforme determinou o douto Tribunal a quo, o ilustre Sr. AE, o tenha feito de forma absolutamente errónea, nos termos do artigo 740º do CPC, e para que a ora Recorrente se separasse de pessoas e bens, o que não é, nem nunca foi questão nos autos, representando aquela Citação, que apenas instruída com um auto de penhora, (tampouco a reclamação de Créditos), de absoluta nulidade, não sendo, a pura sabedoria e cautela do ilustre Mandatário, deduzindo oportuna e tempestiva Oposição à Penhora, que torna a nulidade da Citação por sanada, até porque, como se verifica naquela peça de Oposição, o ilustre Advogado começou por arguir a nulidade da Citação, até hoje não sanada. 6. Assim, e porque as Citações más não se tornam boas, porque ao jantar o Executado explica à ora Recorrente o que a Citação não explicou, tampouco cabe tal tarefa aos Advogados, a de substituírem-se aos tribunais ou, como in casu, Agentes de Execução, a Citação é nula, nulidade que oportuna e tempestivamente foi invocada e arguida, que limitou os direitos de informação, acesso, contraditório, defesa da ora Recorrente, aliás perceptível perante a sua genuína conformação, perante a falta de notícias dos autos, que sabemos “nós” hoje, tratarem-se de abusiva e ilegal omissão de todas as obrigatórios notificações posteriores à Citação, determinando também pela sua falta, a anulação de todo o processado. 7. Tendo o Tribunal a quo, ao não reconhecer tais nulidades, violado o disposto nos artigos 219º nº 1 e 3, 227º, 776º nº 1, todos do CPC e art.º 20º da CRP. 8. Contudo, os males não se ficaram por aqui, pois que, desde aquela “incauta” Citação, não mais a ora Recorrente foi notificada do que quer que seja, fosse para se manifestar sobre as várias penhoras que foram acontecendo, sobre a decisão ou pronúncia quanto à modalidades da venda e valor base do bem a vender, sobre adjudicações, propostas de aquisição, venda e até entrega efectiva do imóvel, tudo, claro está, em seu prejuízo, da verdade, do contraditório, da defesa, da legalidade, das formalidades legalmente previstas, constituindo o que delas resultou a absoluta nulidade o que se requer, designadamente: uma penhora nula e ineficaz, uma determinação da modalidade da venda nula e ineficaz, uma fixação do valor base dos bens a vender nula e ineficaz, que sempre prejudicam os ulteriores actos processuais, mormente a venda. 9. Ao não reconhecer as nulidades invocadas, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 2º, 3º, 4º, 787º nº 1, 753º, 754º 812º, 839º todos do CPC e 1682-Aº do CC. 10. A verdade é que há regras, e todos, mas sobretudo os agentes do Direito, que delas respiram, perante os autos, se arrepiam. 11. Sem prescindir do exposto, não se conforma a ora recorrente com o douto Despacho ora recorrido, também, com o seu segmento decisório, quando entende que em sede de venda judicial, o valor tributável a liquidar a título de IMT, é, conforme regra 16 do nº 4 do artigo 12º do CIMT, o valor do acto, e não o do valor mais alto, conforme prevê o nº 1 do artigo 12º do CIMT. 12. Não se conforma com tal entendimento, porquanto entende a ora Recorrente, que não existe na letra da Lei daquela regra 16, qualquer vislumbre de possibilidade de derrogação do princípio geral previsto no nº 1 do artigo 12º do CIMT, o que acontece pelo contrário é sim, que aquela regra 16 prevista no nº 4 do art.º 12º do CIMT, apenas define como se apura o valor do acto, numa arrematação judicial, apenas e só, não permitindo, que esse acto, quando mais baixo, se sobreponha o valor patrimonial tributário, fixado pela AT, conforme caderneta predial nos autos, cujo valor foi fixado em €1.970.800,89. 13. Ora assim sendo, e na certeza que não serão os tribunais uma agência imobiliária, concedente de alta chancela à fraude fiscal, caberia à adjudicatária “Dream Satelite, Lda”, liquidar previamente à escritura de compra e venda, o valor correspondente ao pagamento de 6,5% de taxa aplicável, sobre aquele mais alto valor, o patrimonial tributário (fixado já desde 2018 em caderneta predial), o que, feita a aritmética, caberia, a previa liquidação do valor de € 128.102,05, a titulo de imposto municipal devido por transmissão onerosa de imóveis. 14. No mesmo sentido se diga quanto ao imposto de selo, que nos termos do nº 4 do artigo 9º do Código de Imposto do Selo, conjugado com o nº 1 do artigo 12º do CIMT e a tabela geral do imposto do selo anexa ao Código do Imposto do Selo, importarem a aplicação da taxa 0,8% sobre o valor mais alto entre o valor do acto e o valor patrimonial fixado pela caderneta predial, o que, feita a aritmética, impunha a prévia liquidação, antes da escritura, do valor de €15.766,41, a título de obrigação fiscal decorrente de aquisição onerosa de imóvel, para efeitos de imposto de selo. 15. Ora não tendo sido oportuna e cabalmente cumpridas as obrigações fiscais supra sumariamente descritas, ainda que nos 30 dias subsequentes à escritura conforme prevê possibilidade o nº 3 do artigo 36º do CIMT, a venda é nula, pois, conforme já se pronunciou a jurisprudência, entre outros o venerando tribunal da relação do Porto, em acórdão de 20/11/2014, em que se defendeu que na venda executiva os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à Transmissão e apenas depois é que é emitido pelo agente de execução o título de Transmissão, ou seja, a transferência da propriedade apenas ocorre com a emissão do título de Transmissão”(processo nº 810/09.3TBBGC-B.P1, disponível em www.dgsi.pt). 16. Mais uma vez, mal andou o Tribunal a quo, não reconhecendo as nulidades invocadas, violando o disposto na regra 16, do nº 4 e nº 1 do art.º 12º, al. d) do nº 1 do Art.º 17º, nº 3 do art.º 36, todos do CIMT, nº 4 do art.º 9º do CIS e nº 1 da sua tabela anexa, bem assim como o art.º 9º do Código Civil. 17. Nesses termos, a venda é nula, bem como os actos anteriores que determinaram e possibilitaram a venda, até e antes, a citação, que nula, e não sanada até hoje, importando por isso repor a legalidade ex novo, defender a Justiça portuguesa, pelo que se requer a procedência do presente Recurso, mais não seja, porque aos moradores da casa de morada de Família devem ser reconhecidos, garantidos e efectivados todos os direitos de proteção de defesa, bem como, não se aceita que sob a chancela da justiça, se permita sociedades enriquecer ilicitamente à custa de processos ilegais, lesão da fazenda nacional, e empobrecimento gratuito, arbitrário e desproporcional dos agregados familiares. (…) Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com muy douto suprimento de V.ªs Exas., deverá ser dado integral provimento ao presente Recurso, e em consequência, revogado o douto Despacho de 13.11..2021, ora recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que reconheça os vícios invocados e declare as nulidades arguidas, assim decidindo, farão Vossas Excelências a acostumada Justiça!!» A exequente contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II - ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial decidenda é a de saber se é nula a venda do imóvel penhorado nos autos. Tendo em conta o conteúdo dos despachos recorridos e das conclusões de alegação formuladas pelos recorrentes nos respetivos recursos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - extemporaneidade da reclamação do executado quanto à venda; - nulidade da citação do cônjuge do executado; - omissão da notificação do cônjuge do executado dos atos processuais praticados após a sua citação; - incumprimento das obrigações fiscais relativas à venda do imóvel. III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos e a dinâmica processual a ter em conta para a decisão do recurso são os que constam do relatório, relevando ainda os seguintes factos em que se fundamentaram as decisões recorridas: 1 – Em 22.03.2006, J.P.C.R. e C.M.B.F.C.R., intentaram contra A.A.A., P.A.A. e E.A.A., ação executiva para pagamento de quantia certa, indicando como valor da quantia exequenda € 59.855,75 € e nomeando desde logo à penhora o prédio rústico sito em Colares, Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o nº (…), prédio esse inscrito (direito de propriedade) pela Ap. (…), a favor do executado E.A.A., casado com J.J.C.N.S.A. no regime de separação de bens. 2 - No dia 10.07.2007 foi penhorado o referido prédio rústico. 3 - Em 01.09.2015, veio o executado E.A.A., em requerimento subscrito pelo Sr. Advogado Dr. (…) (que juntou procuração outorgada pelo executado datada de 22.06.2015), arguir a nulidade da falta de citação do seu cônjuge, J.J.C.N.S.A., em virtude de ter sido agendada a venda da casa de morada de família, sendo necessária a citação do cônjuge. 4 - Por despacho datado de 16/09/2015, o Tribunal decidiu, além mais, «(…), [o]rdenar que seja citada para a presente execução a mulher do executado E.A.A., J.J.C.N.S.A. (cfr. alínea a), do nº 1, do artigo 786º do Código de Processo Civil)». 5 – Em 16.09.2015 o Agente de Execução remeteu a J.J.C.N.S.A. a nota de citação junta aos autos, onde consta, além do mais, o seguinte: «Citação-Comunicabilidade Processo: 877/14.2T8LLE Comarca de Faro Loulé - Inst. Central - 1ª Secção de Execução - J1 Exequente(s): J.P.C.R. (…) e outros Executado(s): A.A.A. e outros. (…) FUNDAMENTO DA CITAÇÃO Fica V. Exa citado(a) na qualidade de cônjuge do executado acima identificado, nos termos do artigo 740º do Código do Processo Civil (CPC) para o processo de execução à margem referenciado, tendo o prazo de vinte dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendencia de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.»6 – Esta nota de citação foi recebida por J.J.C.N.S.A. no dia 25.09.2015, que apôs a sua assinatura no aviso de receção que a acompanhava e que se encontra junto aos autos. 7 - J.J.C.N.S.A., veio em 15.10.2015, por requerimento subscrito pelo Sr. Advogado Dr. (…) deduzir oposição à penhora, juntando procuração por si outorgada a favor daquele causídico, datada de 20.07.2015, que deu origem ao apenso E, no qual o Tribunal proferiu decisão em 18.05.2017, julgando improcedente a oposição e mantendo a penhora incidente sobre o aludido prédio rústico, incluindo as edificações existentes no mesmo, decisão essa que não foi objeto de recurso. 8 – Em 27.10.2017, com o requerimento subscrito pelo Sr. Advogado (…), foi junto aos autos de execução substabelecimento subscrito pelos Drs. (…) e (…), que haviam sido constituídos mandatários nestes autos pelo executado E.A.A., os quais declararam “substabelecer, sem reserva, no Exmo. Senhor Dr. (…), todos os poderes forenses que lhes foram conferidos por E.A.A.». 9 - Em 11.06.2021, o Agente de Execução notificou o executado E.A.A., na pessoa do seu Mandatário, que tinha sido aceite a única proposta de aquisição apresentada pela firma Dream Satélite, no valor de € 598.900,00 e que iriam iniciar-se as diligências para a imediata formalização da venda. 10 – Em 29.06.2021, o Agente de Execução notificou o executado E.A.A., na pessoa do seu Mandatário, nos seguintes termos: «Na sequência da venda do imóvel penhorado nos presentes autos, conforme cópia da escritura que se junta, serve a presente para vos notificar de que deverá no prazo de 30 dias entregar a chave do imóvel totalmente devoluto e em condições de utilização. Caso tal aconteça, desde já se adverte V. Ex.ª de que prosseguirão as diligências para a tomada da sua posse de forma coerciva, o que creio não será necessário. Os valores remanescentes a seu favor ser-vos-ão liquidados somente após a entrega do imóvel ao seu adquirente.» O DIREITO Da tempestividade da arguição de nulidade O Tribunal a quo indeferiu a arguição de nulidade invocada pelo executado/ recorrente, por a considerar extemporânea. O recorrente insurge-se contra tal decisão, dizendo que na reclamação apresentada invocou, entre outros fundamentos, a nulidade da venda, fundada numa omissão do cumprimento das responsabilidades fiscais inerentes ao ato da venda, nomeadamente da escritura pública, e por se tratar de venda judicial, aquela nulidade “consuma-se apenas e só a partir de 24/07/2021, por força do nº 3 do Art.º 37º do CIMT, a qual difere aquela responsabilidade para 30 dias após o ato”, pelo que terminando aquele prazo em férias judiciais, e tendo a nulidade sido arguida em 09.08.2021, tal arguição foi tempestiva. Mas não tem razão o recorrente. Senão vejamos. Dispõe o art. 149º do CPC que «[n]a falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro pode processual, e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pela parte contrária», estabelecendo por sua vez o art. 247º do mesmo Código que «[a]s notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais». Ora, como bem se anota na decisão recorrida, «(…) consta também nos autos a notificação, datada de 29/06/2021, do senhor Agente de Execução ao executado E.A.A., na pessoa do seu Ilustre Mandatário, no essencial com o seguinte teor “Data: 29-06-2021. Objeto e Fundamento da Notificação. Assunto: conta do processo e extinção da execução. Exmo senhor. Na sequencia da liquidação do presente processo executivo, pela venda do imóvel penhorado nos autos, serve a presente para vos enviar a conta final do processo. Assim, fica V. Exª notificado para, em dez dias se pronunciar sobre a mesma, se assim o entender, pelo que ainda que se admitisse que o prazo para reclamar da venda começaria a contar desta data, uma vez que na notificação o senhor Agente de Execução já menciona que a venda já foi efectuada, o prazo de 10 dias para reclamação terminava no dia 12 de Julho de 2021, podendo o ato (reclamação da venda) ser ainda praticado nos dias 13 de Julho (terça-feira), 14 de Julho (quarta-feira) e 15 de Julho de 2021 (quinta-feira), ficando a validade do ato dependente do pagamento imediato da multa a que alude o artigo 139º, do Código de Processo Civil) e o executado apresentou a reclamação da venda apenas em 09/08/2021, pelo que é manifesto, pelo menos a nosso ver, que a mesma é manifestamente extemporânea, razão pela qual deverá ser liminarmente rejeitada.» Mostra-se totalmente correto este entendimento, não colhendo a argumentação do recorrente de que por ter havido uma alegada “omissão do cumprimento das responsabilidades fiscais inerentes ao ato da venda, nomeadamente da escritura pública”, há um alargamento do prazo para a arguição da nulidade da venda, nos termos do nº 3 do art. 37º do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), no qual se dispõe que «[s]e os bens se transmitirem por arrematação e venda judicial ou administrativa, adjudicação, transação e conciliação, o imposto será pago dentro de 30 dias contados da assinatura do respetivo auto ou da sentença que homologar a transação». No caso em apreço estamos perante a venda executiva de um imóvel por negociação particular, a qual se acha regulada no art. 833º do CPC, em que a única proposta de aquisição, no valor de € 598.900,00 foi aceite, o que foi comunicado ao executado. A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja, tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa – art.º 879º als. a) a c) do Código Civil. Mas, além dos efeitos obrigacionais e do efeito translativo comuns a qualquer venda, a venda executiva produz ainda outros efeitos tais como o extintivo, registral, represtinatório e efeito sub-rogatório[2]. No que respeita ao efeito translativo, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (art.º 824º, nº 1, do Código Civil). Na venda negocial (ou privada) a transferência dá-se por mero efeito do contrato, ou seja, a transferência não fica dependente da entrega da coisa e do pagamento do preço (art.º 886º do Código Civil, que dispõe: “Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço”). Porém, a situação é diferente na venda executiva, porquanto nela, de acordo com o art.º 827º, nº 1, do CPC - norma referente à venda por propostas em carta fechada - os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito[3], comunica seguidamente a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do nº 2 do art.º 824º do Código Civil[4]. Já nas demais modalidades de venda executiva, como é o caso dos autos, em que estamos perante uma venda mediante negociação particular, decorre do art. 843º, nº 1, al. b), do CPC, que o momento translativo é o da entrega dos bens ou da assinatura do título que a comprova[5]. Ora, no caso em apreço, a venda do imóvel penhorado por negociação particular consumou-se em 25.06.2021, data da celebração da escritura pública de compra e venda, que o Agente de Execução juntou aos autos em 28.06.2021, do que foi notificado o executado em 29.06.2021. Com a notificação efetuada, ficou o executado a saber os exatos termos em que se realizou a venda e, bem assim, da liquidação do IMT e do imposto de selo, pelo que se entendia que alguma nulidade existia, devia tê-la arguido no prazo de 10 dias previsto no art. 149º, nº 1 do CPC, não tendo aqui aplicação, como se afigura evidente, o disposto no nº 3 do art. 37º do CIMT, desde logo porque o imposto já se mostrava pago no momento da celebração da escritura pública. Assim, como bem se refere na decisão recorrida, o prazo de 10 dias para reclamação da venda terminava no dia 12.07.2021, podendo o ato (reclamação da venda) ser ainda praticado nos dias 13 de Julho (terça-feira), 14 de Julho (quarta-feira) e 15 de Julho de 2021 (quinta-feira), ficando a validade do ato dependente do pagamento imediato da multa a que alude o artigo 139º do CPC, sendo que o executado apenas reclamou da venda em 09.08.2021, já fora de prazo. Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao rejeitar liminarmente, com fundamento na sua extemporaneidade, a reclamação apresentada pelo executado a arguir a nulidade da venda. Por conseguinte, improcedem todas as conclusões do recurso do executado, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras. Da nulidade de citação do cônjuge do executado Quanto a esta questão, independentemente da citação levada a cabo pelo Agente de Execução ter sido feita com preterição de algumas formalidade legais, o certo é que a ora recorrente veio deduzir oposição à penhora (apenso E), como previsto no nº 1 do artigo 787º do CPC, onde não obstante ter invocado a nulidade da citação, o fez “quanto mais não seja por razões de princípio e rigor processuais”, o que não teve qualquer consequência no seu direito de defesa, como resulta claramente do que alegou nos artigos 9º e 10º da referida oposição. Ora, esta questão foi já apreciada e decidida pelo Tribunal a quo na sentença proferida naquele apenso em 18.05.2017, nos seguintes termos: «A questão que se coloca agora é saber se a falta cometida prejudicou a defesa da Oponente. A nosso ver, a resposta só pode ser negativa, porquanto é a própria Oponente que afirma (vide artigo 9º do seu articulado) que “…não fora a circunstância de a ora oponente e o executado terem entre si as melhores relações e, também o facto de se encontrarem ambos patrocinados pelo mesmo mandatário, e certo seria que as possibilidades de defesa da citanda teriam sido drasticamente comprometidas em virtude do modo imperfeito e incompleto (para não dizer atabalhoado…) com que a citação foi levada a cabo”, donde se conclui que apesar de na citação não terem sido observadas as formalidades prescritas na lei, a falta cometida não prejudicou a defesa da Oponente. Acresce que a Oponente no artigo 10º do seu articulado consigna apresenta a oposição nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas da alínea a), (primeira parte) do nº 1 do artigo 786º, do artigo 787º e do artigo 731º, todos do Código de Processo Civil, pelo que inexistem quaisquer dúvidas de que a falta cometida no ato de citação não prejudicou, minimamente que fosse, o direito de defesa da Oponente, razão pela qual a arguição da nulidade da citação não deverá ser atendida.» Esta sentença não foi objeto de recurso pelo que a mesma transitou em julgado, formando-se assim caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo, sobre aquela decisão (art. 672º do CPC). O caso julgado formal que se constituiu e que é vinculativo dentro do processo impede que se possa discutir novamente a questão da falta de citação da ora recorrente. Soçobram, assim, as conclusões 5, 6 e 7. Da omissão da notificação do cônjuge do executado dos atos processuais praticados após a sua citação Escreveu-se na decisão recorrida: «(…), resulta dos autos (autos de execução e apensos), que J.J.C.N.S.A. constituiu como mandatário na oposição à penhora (apenso E), por procuração outorgada em 20/07/2015 o Ilustre Advogado, Dr. (…), sendo certo que este Ilustre Causídico subscreveu a petição inicial de oposição à penhora, passando a representar J.J.C.N.S.A., não só nesse incidente de oposição à penhora, mas em todos os outros apensos e nestes autos principais de execução (cfr. nº 1 do artigo 44º, do Código de Processo Civil), sendo certo que compulsados estes autos de execução constatamos que o Dr. (…) (Ilustre Mandatário de J.J.C.N.S.A.) foi sempre notificado de todos os actos praticados nos autos, até 26/10/2017, data em que foi junto substabelecimento sem reserva a favor do Dr. (…) (Refª CITIUS 27171768), pelo que necessariamente se concluirá que J.J.C.N.S.A. foi regularmente notificada de todos os acto praticados nos autos até essa data (26/10/2017), na pessoa do seu Ilustre Mandatário, o qual ainda se mantém também como seu mandatário, porque é isso que resulta do disposto no nº 1, do artigo 247º, do Código de Processo Civil. É certo que compulsados estes autos de execução constata-se que a partir daquela data (26/10/2017), não constam mais quaisquer notificações endereçadas ao Dr. (…), pelo que não se pode concluir de outro modo que não seja no sentido de que a partir dessa data não foram remetidas notificações a J.J.C.N.S.A.. A questão que se coloca é saber se tal irregularidade, e é disso que se trata, determina a anulação da venda como requerido. A nosso ver, salvo o devido respeito por opinião contrária, a resposta só pode ser negativa, porquanto resulta do nº 6 do artigo 786º que “A falta das citações prescritas tem o mesmo feito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efetuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário; quem devia ter sido citado tem direito a ser ressarcido, pelo exequente ou outro credor pago em sua vez, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, da pessoa a quem seja imputável a falta de citação” e se a falta de citação não importa a anulação da venda, por maioria de razão, a falta de notificações ao cônjuge do executado nomeadamente para, querendo, pronunciar-se acerca da modalidade de venda e valor base para a venda e a notificação da decisão da venda, não podem, de todo, importar a anulação da venda, porquanto trata-se de mera irregularidade e nem se pode dizer que da omissão da mesma advenha prejuízo para a Requerente, a qual poderia sempre exercer o direito de remição (cfr. artigo 842º, do Código de Processo Civil), sendo certo que o imóvel penhorado nos autos não foi vendido à exequente mas um terceiro. Porque é assim, por falta de fundamento legal, necessariamente improcederá a arguição da falta/nulidade de citação de J.J.C.N.S.A..» Subscrevemos estas considerações da decisão recorrida. É incontroverso que a partir de 26.10.2017 não foram efetuadas notificações ao cônjuge do executado, nomeadamente para efeitos de se pronunciar sobre a venda do imóvel penhorado nos autos. Embora no caso não se trate da falta de citação do cônjuge do executado, não pode deixar atender-se à anulação prevista no nº 6 do art. 786º do CPC. Escreve a este propósito Rui Pinto[6]: «(…) esta anulação é relativa ou restrita. Assim, em primeiro lugar, relativamente aos atos executivos, a anulação tem somente por objeto os atos de que o credor exequente haja sido “beneficiário exclusivo”. Será beneficiário exclusivo o exequente a quem couber em pagamento todo o preço da coisa adquirida por terceiro ou que foi comprador ou adjudicatário do bem, sem que sobrevenham preferências ou remissões. Esta anulação é possível porque não tem que ter em linha de conta a proteção dos direitos de terceiros adquirentes ou de outros credores. A contrario não se anulam as “vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efetuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário”. Por outras palavras, anular-se-ão as vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efetuados “se os bens forem adquiridos pelo exequente e para ele houver revertido todo o seu produto” (ANSELMO DE CASTRO), mas, ao contrário, já não se anularão esses atos se (i) os credores reclamantes beneficiarem de algum dos modos de pagamento (cf. Artigo 795 nº 1) ou se (ii) terceiros exercerem o direito de remição sobre os bens (cf. artigo 842º). Visa-se, assim, por um lado, a proteção do adquirente dos bens, estranho à execução, e, indiretamente, a segurança da venda; e, por outro lado, a proteção dos credores a quem tenham já sido liquidados os seus créditos.» Ora, como bem se anota na decisão recorrida, «se a falta de citação não importa a anulação da venda, por maioria de razão, a falta de notificações ao cônjuge do executado nomeadamente para, querendo, pronunciar-se acerca da modalidade de venda e valor base para a venda e a notificação da decisão da venda, não podem, de todo, importar a anulação da venda, porquanto trata-se de mera irregularidade e nem se pode dizer que da omissão da mesma advenha prejuízo para a Requerente, a qual poderia sempre exercer o direito de remição (cfr. artigo 842º, do Código de Processo Civil), sendo certo que o imóvel penhorado nos autos não foi vendido à exequente mas um terceiro». Por conseguinte, não há lugar à anulação da venda efetuada nos autos, improcedendo igualmente este segmento do recurso. Do incumprimento das obrigações fiscais relativas à venda do imóvel No requerimento em que arguiu a nulidade da venda, a ora recorrente requereu que o Tribunal desse notícia ao Ministério Público dos factos que, segundo a recorrente, podem integrar, em abstrato a prática de ilícitos criminais, o que foi indeferido com o fundamento de que «o disposto na regra nº 16, do nº 4, do artigo 12º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis” o valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do acto ou do contrato”. Insurge-se a recorrente contra este entendimento, sustentando «que não existe na letra da Lei daquela regra 16, qualquer vislumbre de possibilidade de derrogação do princípio geral previsto no nº 1 do artigo 12º do CIMT, o que acontece pelo contrário é sim, que aquela regra 16 prevista no nº 4 do art.º 12º do CIMT, apenas define como se apura o valor do acto, numa arrematação judicial, apenas e só, não permitindo, que esse acto, quando mais baixo, se sobreponha o valor patrimonial tributário, fixado pela AT, conforme caderneta predial nos autos, cujo valor foi fixado em €1.970.800,89» (conclusão 12). Ora, esta interpretação da recorrente, que se afigura redutora e que atenta apenas na letra da lei, não dispõe de suporte no plano teleológico. Escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.11.2014[7] “(…), ao estabelecer no artº 12º, nº 1 do CIMT, como regra geral, que o valor tributável sujeito a imposto será o maior dos valores, ou o declarado ou o patrimonial, o legislador foi motivado por razões de prevenção do perigo de evasão ou fraude fiscal. Porém, estas as razões de perigo de evasão ou fraude fiscal no que respeita à declaração do valor real das transacções não existirão, por regra e em condições normais, quando o facto tributário sujeito a imposto for a aquisição de imóveis ou direitos sobre eles ao Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais. Nestas situações existirá sempre uma maior segurança de que o valor declarado corresponde ao valor real das transmissões sujeitas a imposto, pelo que a forma mais justa de aplicar o imposto é considerar apenas como valor tributável o valor declarado, sem necessidade de o comparar com o valor patrimonial É por essa razão, que a regra 16ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT estabelece que, neste tipo de aquisições, o valor tributável é sempre o valor constante do acto ou contrato que titula a transmissão (cf., neste sentido, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pag. 211/213). Esse princípio como esclarece aquele autor (Ob. Citada, pag.212.), «aplica-se às aquisições de bens a essas entidades de direito público, mas pelas mesmas razões referidas, a Lei manda alargar a sua aplicação a outras aquisições sujeitas a imposto em que essas entidades intervenham. É o caso das arrematações judiciais ou administrativas de bens imóveis, em que os direitos sobre os imóveis não se transmitem da titularidade dessas entidades para os adquirentes, mas a intervenção delas serve para forçar a realização da transmissão do anterior para o novo titular. Ocorrem situações desse tipo nas vendas de imóveis em leilão ou noutras modalidades de venda em processo de execução, após a respectiva penhora. Nessas situações, o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais ou administrativas, pelo que o valor real da transmissão é sempre do conhecimento dessas entidades, o que assegura que não exista dissimulação desse valor.» Acresce dizer que, existindo dívidas sobre se as vendas de imóveis em processos executivos, na modalidade de venda por negociação particular, integravam a previsão da regra 16ª do n.º 4 do art.º 12º do CIMT, a própria Administração Fiscal veio a admitir que a venda por negociação particular realizada no âmbito de um procedimento judicial tem o controlo do magistrado competente e é por este sindicada, pelo que, para efeitos da aludida regra 16ª, integra o conceito de arrematação judicial (cf. Circular n.º 22/2009, de 14 de Setembro, da Direcção-Geral dos Impostos, junta a fls. 55/57). A ratio legis do preceito prende-se, pois, com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção nas situações em que o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efectuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador (Também neste sentido, ob. citada, a fls. 212.). Esse entendimento afigura-se-nos ser o mais adequado, (…).” Na verdade, a venda é efetuada pelo Agente de Execução e sob controlo judicial (arts. 833º, nº 2, do CPC). O facto do contrato de compra e venda ser titulado por escritura, não afasta, evidentemente, o seu carácter judicial, pelo que, para efeitos da regra 16ª do nº4 do artigo 12º do CIMT, integra o conceito de arrematação judicial. Assim sendo, no caso em apreço a liquidação de IMT mostra-se correta, na medida em que assumiu como valor tributável o valor do ato e não o valor tributável, como defende a recorrente (cfr. escritura pública de compra e venda junta aos autos). Estas mesmas considerações valem, na íntegra, para o valor do imposto de selo, pelo que improcedem as conclusões 11 a 17. Por conseguinte, improcede o recurso do cônjuge do executado, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras. Vencidos nos respetivos recursos, suportarão o executado e o seu cônjuge as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes ambas as apelações, confirmando as decisões recorridas. Custas pelos recorrentes. * __________________________________________________Évora, 28 de abril de 2022 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado (relator) Francisco Xavier (1º adjunto) Maria João Sousa e Faro (2º adjunto) [1] Requerimento de 09.08.2021. [2] Cfr., neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, p. 383. [3] Norma aplicável, com as necessárias adaptações, à venda por leilão eletrónico, ex vi do art.º 811º, nº 2, do CPC. [4] Neste sentido Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, p. 913. Na jurisprudência, inter alia, o Acórdão desta Relação de 06.12.2018, proc. 1866/14.2T8SLV-B.E1(relatado pelo ora relator), in www.dgsi.pt. [5] Rui Pinto, ibidem. No mesmo sentido, A. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Sousa. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020-Reimpressão, Almedina, p. 247. [6] Idem, pp.788-789. [7] Proc. 01508/12, in www.dgsi.pt. |