Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3395/12.0TBLLE.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A deserção não se produz de direito, posto que deva ser declarada oficiosamente; depende de acto do juiz, produz-se ope judicis. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3395/12.0TBLLE.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Na pendência do presente processo de execução faleceu o executado (…) no dia 26 de Agosto de 2016.
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Foi determinada a suspensão da instância pelo senhor Agente de Execução em 12/09/2016 e pelo Tribunal em 15/11/2016, sendo o exequente notificado do despacho do Tribunal em 29 de Novembro de 2016.
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(…), por si e na qualidade de cabeça de casal da herança deixada pelo seu pai, (…), veio requerer que o Tribunal declare extinta a execução por deserção.
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O exequente Condomínio do Edifício do Caminho do (…) deduziu oposição a tal pedido.
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Foi decidido julgar extinta a execução por deserção.
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Deste despacho recorre o exequente alegando que foi proferido despacho a julgar suspensa a instância por óbito do executado sem que se fizesse menção à necessidade de impulso processual ou da cominação da sua falta.
O exequente requereu a habilitação dos sucessores em Março de 2018, seguindo o incidente os seus termos. A deserção da instância apenas foi declarada decorrido mais de um ano após ter sido apresentado o requerimento de habilitação de herdeiros, ou seja, já após ter cessado a causa da suspensão da instância.
O tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deveria, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual era imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, bem como por força do princípio da cooperação, reforçado no novo CPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto.
Defende que o art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013 (que aprovou o actual Cód. Proc. Civil) não se aplica ao caso.
Por fim, alega que releva ainda que a ora recorrente promoveu os termos do processo, antes de requerida ou decretada a deserção da instância, pelo que em caso algum poderia a mesma ser judicialmente reconhecida, após iniciados os termos do incidente de habilitação.
Note-se que a deserção da instância apenas foi declarada decorrido mais de um ano após ter sido apresentada o requerimento de habilitação de herdeiros, ou seja, já após ter cessado a causa da suspensão da instância.
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O sucessor do executado contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Os elementos de facto a ter em conta são os seguintes:
A execução foi instaurada em 2012.
O executado faleceu em Agosto de 2016.
Em Novembro de 2016, foi declarada a suspensão da instância por óbito do executado.
Em Novembro de 20018, foi junta ao processo a escritura de habilitação de herdeiros.
O incidente de habilitação foi requerido em Março de 2018.
O despacho recorrido é de 5 de Abril de 2019.
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O despacho que determina a suspensão da instância não tem que estabelecer qualquer cominação, desde logo porque a lei não a prevê. O art.º 270.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, em nada se refere a qualquer cominação e, menos ainda, à necessidade de impulso processual pela parte interessada para deduzir o incidente. Decidida a suspensão, o tribunal não tem que informar o exequente que ele deve deduzir o incidente; não. O que o tribunal faz é tão-só suspender a instância cabendo ao exequente decidir se vai agir em função das possibilidades legais ou, sequer, se nada vai fazer.
Mas a fazer algo, tem que ser em dado prazo, sob pena de ver a instância deserta, nos termos do art.º 281.º, n.º 3 (este preceito refere-se expressamente aos incidentes com efeito suspensivo e, por isso, aplica-se em detrimento do seu n.º 5).
Mas, repete-se, a lei não manda o tribunal avisar o exequente seja de que forma for.
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O recorrente cita jurisprudência no sentido por si defendido.
Salvo o devido respeito, não concordamos com tal orientação e fazemos nossas as palavras do voto de vencido no ac. da Relação de Lisboa, de 20 de Dezembro de 2017 (citado nas alegações):
«Considerando:
«– princípio da auto-responsabilização processual das partes e o ónus de impulso processual que a lei lhes impõe – cfr. o nº 1 do artº 6º do Cód. de Processo Civil;
«– o facto de estarem devidamente assistidas por Advogado;
«– o entendimento que o princípio da cooperação, ínsito ao artº. 7º do mesmo diploma, tem limites nem sempre exercitados, não devendo os Tribunais, e nomeadamente as Relações, servir de muletas ou âncoras às Partes, substituindo-se a estas no que é nítido dever ou ónus das mesmas;
«– a necessidade (e mesmo dever impositivo), no caso concreto, pelas suas particularidades, de ter sido dado conhecimento (provando-o) ao Tribunal das dificuldades de obtenção de documentação no estrangeiro, o que não foi feito, limitando-se, nomeadamente as Apelantes, a uma pura posição de silêncio e omissão,
«teria optado pela confirmação da decisão recorrida, pois não considero dever ser operatório o princípio da cooperação nos termos doutamente expostos na posição que fez vencimento.
«Com efeito, sendo certo que na presente redacção do CPC a deserção da instância depende um juízo de julgamento, anteriormente destinado para a interrupção, uma coisa é este julgamento, cuja pertinência e enquadramento legal não se discute ; outra, é esta acrescida necessidade de, apesar do juízo de suspensão, ainda se dever alertar, aquando daquele ou em despacho avulso, as partes para as consequências da sua omissão, quando são as próprias, principais interessadas e devidamente assistidas por profissionais do foro, a nada referirem, deixando passar o prazo legalmente fixado para o juízo da deserção.
«Pelo que, no sufragar do entendimento plasmado em vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça, exemplificativamente citados no douto Acórdão de vencimento, entendo que, na aplicação do artº. 281º, do Cód. de Processo Civil, ou seja, na formulação do juízo de deserção, não se impõe a prévia audição das partes, de forma a aferir ou ajuizar acerca da sua inércia, devendo a negligência, de natureza objectiva (processual ou aparente), aferir-se, tout court, com base nos elementos revelados pelo processo».
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Tendo isto em mente, temos que, tendo sido a instância suspensa em Novembro de 2016, no dia correspondente de Maio de 2017 a instância ficaria deserta. O incidente de habilitação foi deduzido em 2018 e o despacho é de Abril de 2019.
Significa isto que a instância já estava deserta?
Cremos que não dada a necessidade de despacho judicial nesse sentido o que, por sua vez, quer dizer que a deserção não opera ex legis (cfr. art.º 281.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil).
No nosso caso, a parte impulsionou o processo — requereu a habilitação dos herdeiros do executado — antes (Março de 2018) do despacho que declarou deserta a instância (Abril de 2019), ou seja, à data em que a Apelante impulsionou o processo a relação processual não se mostrava extinta. E enquanto a instância não for declarada extinta, segundo Alberto dos Reis, “as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de seis anos” (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, p. 440).
Aliás, este mesmo problema é visto pelo mesmo autor nestes termos:
«A deserção não se produz automaticamente, ope legis; depende de ato do juiz, produz-se ope judicis, visto que demanda uma sentença de declaração. Suponhamos então que, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296.º, uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz ter declarado a deserção; deverá o tribunal considerar deserta a instância, não obstante o impulso referido, ou ficará, pelo contrário, inutilizado o efeito da inércia durante o período legalmente necessário para se operar a deserção?
«Entendemos que a inércia fica sem efeito e que deve admitir-se o seguimento do processo».
«(…) o efeito da inatividade das partes não se produz ipso jure. A nossa lei não declara, (…) que a deserção opera de direito os seus efeitos; pelo contrário, segundo o artigo 296.º, não basta o facto da inércia, é necessário uma sentença de extinção.
(…)
«A deserção não se produz de direito, posto que deva ser declarada oficiosamente; depende de acto do juiz, produz-se ope judicis. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo» (ob. cit., pp. 439-440).
Daqui decorre, na verdade, que não tem sentido (nem a lei o quer) decretar a deserção depois de deduzido o incidente que, a ser procedente, levará à renovação da instância. Não que já tivesse cessado a causa da suspensão com a dedução do incidente [claro que não: veja-se o art.º 276.º, n.º 1, al. a)] mas sim porque estando ele a correr os seus termos nada impedia que se permitisse o seu desfecho. Não havia que julgar deserta a instância depois da apresentação do requerimento de habilitação antes do despacho a julgar deserta a instância. A ser assim, teríamos de chegar à conclusão que, se o incidente não ficasse decidido no prazo de 6 meses, mesmo que estivesse já e atempadamente a ser tramitado, sempre a instância seria julgada deserta. Cremos não ser este o objectivo da lei tendo em conta o disposto no citado preceito legal bem como no art.º 2.º, n.º 1.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga o despacho recorrido.
Custas pelo contra-alegante.
Évora, 16 de Janeiro de 2020
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos