Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1191/21.2PBSTB.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
COMUNICAÇÃO
INCIDENTE
FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
RELATÓRIO SOCIAL
NULIDADE
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A alteração não substancial dos factos mostra-se tratada no artigo 358.º CPP, onde parecem despontar todas aquelas situações em que exulta uma alteração dos factos simples, não determinante da alteração do objeto do processo, permitindo que o tribunal investigue e integre no processo os factos que não constam da acusação e que tenham relevo para a posterior decisão.
II. Havendo uma contextualização diferente do global histórico sucedido, mormente quanto a todo o momento e circunstâncias que rodearam o disparo que atingiu a vítima, figura-se situação em que importa seguir a disciplina cujo comando integrador do artigo 358.º CPP reclama, ou seja, deve o tribunal comunicar a alteração ao arguido e conceder, caso este o requeira, o tempo estritamente necessário para preparação da defesa.
III. Por outro lado, considerando a literalidade desenvolvida no preceito em ponderação, no caso de alteração não substancial, apenas impende sobre o juiz, o dever de comunicar ao defensor os factos que representam alteração relativamente aos que conformam a acusação ou a pronúncia, interrogar o arguido, sempre que possível, sobre tal matéria e conceder o tempo necessário para preparação da defesa, não se impondo, ainda que de modo indireto/ínvio/subtil, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do que plasma o artigo 358.º/1 CPP, a indicação de meios de prova.
III. A indicação/sustentação probatória tem é que existir em momento posterior, ou seja, aquando da motivação da decisão de facto, não fazendo qualquer sentido, que ainda em tempo da discussão do pleito, o tribunal adiante qual o juízo probatório que está a fazer.
IV. Concluindo-se pelo desenho de uma alteração não substancial dos factos, e não tendo o tribunal ad quo seguido a disciplina inserta na normação que a regula, integrando factos na decisão que não constavam com aquela coloração no libelo acusatório, opera a nulidade exposta no artigo 379.º/1-b) CPP.
V. A reprodução pura e simples de partes do relatório social relativo ao arguido, sem cuidar de qualquer expurgo/reserva/tratamento do que são factos e meras referências valorativas, conclusivas, opinativas e descritivas, incluindo referências não respeitantes ao arguido é passível de conduzir à nulidade expressa no artigo 379.º/1-a) CPP, por referência ao artigo 374.º/2 do mesmo código, na medida em que se pode desenhar a ausência de enumeração de factos provados necessários e suficientes para a determinação da medida da pena e, sequentemente, para a escolha da pena em concreto.
VI. Esta forma/solução, mera reprodução do relatório/dossier, no imediato, o que diz, é que se prova que consta do relatório/dossier determinado conteúdo e não que se dá como provado esse conteúdo; será exatamente o mesmo que elencar na factualidade provada que a documentação clínica e o relatório de exame pericial, a que se faça referência, dizem isto ou aquilo.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção ... (2ª subsecção)

I – Relatório

1. No processo nº 1191/21.... da Comarca ... – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., foi deduzida acusação contra o arguido,
AA, filho de BB e de CC, nascido no dia ... de ... de ... em ..., portador do título de residência n.º ..., solteiro, residente em Rua ..., ... ..., atualmente detido em prisão preventiva (desde ... de ...de ...) no Estabelecimento Prisional .... imputando-lhe a prática em autoria material e em concurso real e efetivo, de:
a) 1 (um) crime de homicídio na forma tentada, agravado pelo uso de arma, previsto e punido pelos artigos 131.º, 14.º n.º 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal e artigo 86.º n.º 3 da lei 5/2006 de 23 de fevereiro;
b) 1 (um) crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelos artigos 86.º n.º 1 alínea c) da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro.
O Centro Hospitalar de ... EPE, deduziu pedido de reembolso, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 1.240,53€, acrescido de juros vencidos desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento.
Na sequência do julgamento efetuado, foi proferido acórdão, decidindo:
-Condenar o arguido AA, pela prática contra DD no dia 23 de outubro de 2021 de um crime de homicídio simples na forma tentada previsto e punido pelo artigo 131.º e 22.º n.º 1 e 2 alíneas a) e b) do Código Penal, agravado pela utilização de arma de fogo nos termos do artigo 86.º n.º 3 da Lei 5/2003 de 23 de fevereiro, na pena de 06 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão.
-Condenar o arguido AA, pela prática no dia 23 de outubro de 2021 de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º n.º 1 alínea c) da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, na pena de 02 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
-Proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares e condenar o arguido AA na pena única de 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de prisão.
-Condenar o arguido a pagar ao Centro Hospitalar de ... EPE, a quantia de 1.240,53€ (mil duzentos e quarenta euros e cinquenta e três cêntimos), acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4% e contabilizados desde a data da notificação do pedido até efetivo e integral pagamento.
-Condenar o arguido demandado AA a pagar ao assistente demandante DD, a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros vincendos à taxa legal de 4% e contabilizados a partir da data da prolação do presente acórdão até efetivo e integral pagamento.

2. Inconformado com o decidido recorreu o arguido, questionando a decisão prolatada, concluindo: (transcrição)

a) O tribunal a quo deu como provado:
11) Em momento prévio à factualidade descrita de 1 a 3, mas na mesma madrugada e imediações, o arguido após discussão em termos não concretamente apurados, apontou uma arma de fogo curta, de caraterísticas não concretamente apuradas, na direção da coxa de DD e efetuou um disparo a curta distância que o atingiu na zona corporal visada. 12) Por causa da factualidade descrita em11), o assistente sofreu duas perfurações na face posterior da coxa, correspondentes ao orifício de entrada e de saída de projétil de arma de fogo, que deixaram 2 cicatrizes com 1 cm de diâmetro cada.
b) Ora, decorre do libelo acusatório que:4) Ao ver DD, pessoa com quem tinha discutido verbalmente em momento anterior, e o seu grupo de amigos, o arguido AA pediu ao amigo condutor, EE, para parar o veículo automóvel e saiu, imediata e repentinamente. 5) Ato contínuo, o arguido AA, empunhando uma arma de fogo de pequenas dimensões, tipo pistola, efetuou, pelo menos, cinco disparos, intimidando DD e os seus amigos que, de imediato, começaram a correr em diversas direções. 6) Conseguindo aproximar-se mais um pouco de DD que continuou a correr ziguezagueando, junto a uma paragem de autocarros, localizada no final daquela avenida, o arguido AA apontou a arma de fogo na direção daquele, premiu o gatilho e disparou contra o corpo daquele, atingindo-o na zona supra clavicular esquerda. 7) De imediato, DD caiu desamparado no solo. 10) Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, DD sofreu as seguintes lesões: - toráx: região dorsal, cicatriz arredondada (porta de entrada) com 1 cm de diâmetro, a 1 cm da linha média da coluna vertebral, visível; cicatriz cirúrgica com 1,5 centímetros supra clavicular esquerda com queloide ligeiro visível; e -membro inferior esquerdo: face posterior da coxa com dias cicatrizes arredondadas com 1 cm de diâmetro, porta de entrada e de saída, visíveis.
c) Ora do supra exposto, entende-se que deveria ter existido a comunicação ao arguido na situação prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, da alteração não substancial dos factos, que deve abranger não só o facto ou factos objeto da alteração, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão.

d)Só esta concretização permitirá ao arguido identificar o objeto da sua defesa, contraditando os meios de prova já produzidos e oferecendo quiçá outros que, em seu entender, possam abalar os indícios até então existentes e entretanto comunicados.
e) A alteração introduzida pelo Tribunal na descrição dos factos resultantes da acusação (Em momento prévio à factualidade descrita de1a 3,masnamesma madrugada e imediações, o arguido após discussão em termos não concretamente apurados, apontou uma arma de fogo curta, de caraterísticas não concretamente apuradas, na direção da coxa de DD e efetuou um disparo a curta distância que o atingiu na zona corporal visada.) não se afigura inócua e irrelevante para a decisão da causa, e atinge o patamar de uma alteração não substancial, que devia ser comunicada ao arguido/recorrente, nos termos previstos no art. 358.º do Código de Processo Penal.
f) O cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP deverá ser efetuado quando se tratar de uma modificação relevante, o que sucede quando a alteração divirja do que se encontra descrito na acusação e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa.
g) Tal condenação aconteceu fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º (alteração não substancial dos factos descritos na acusação) e 359.º (alteração substancial dos factos descritos na acusação), os quais permitiriam uma condenação por factos diversos, desde que observado o procedimento previsto em cada uma dessas normas – o que não sucedeu.
h) Por assim ser, e salvo melhor entendimento, o Acórdão recorrido é nulo por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do atrigo 379.º do CPP, com os devidos e legais efeitos.
i) Sem prescindir,
A douta decisão recorrida ao aplicar a pena única de 7anos e 2 meses de prisão efetiva, pelos crimes homicídio na forma tentada, agravada pelo uso de arma proibida, e de detenção de arma proibida, viola os artigos 40.º, 50.º, 71.º, 72.º e 73.º todos do Código Penal, os artigos 379.º, nº 1,al. c) e 410.º do Código de Processo Penal, bem como os artigos 18.º, 29.º, nº 5 e 32.º da Constituição da Republica Portuguesa.
k) A pena aplicada pelo Tribunal é desproporcional, excessiva e injusta, violando o disposto nos artigos 40º, 50º 71º, todos do Código Penal.
l) O Tribunal a quo deu como provados os factos, contudo não atendeu aos princípios e critérios orientadores na escolha e dosimetria da pena, não valorando na justa medida todos os aspectos indispensáveis a uma justa e adequada punição.
m) E por esse motivo o Recorrente entende que a condenação não poderia ter dado lugar a condenação tão grave como deu -pena de (7) sete anos e (2) dois meses de prisão efectiva.
n) O tribunal colectivo bastou-se com a convicção que formou, com base no princípio da livre apreciação da prova, não considerando na aplicação da medida da pena, as circunstâncias que poderiam beneficiar o arguido.
o) O arguido estava inserido familiarmente e profissionalmente, com apenas 23 anos de idade, sendo que o arguido foi recentemente pai.
p) Apesar da gravidade dos fatos, a vítima não correu perigo de vida;
q) Não se conseguiram dar como provados os motivos que levaram a yma atuação do arguido na prática dos crimes.
r) Decorre do relatório social junto aos autos que : “AA revela ter consciência da ilicitude e gravidade da tipologia de crime em causa no presente processo, nomeadamente pelo facto de estar em causa a vida de uma pessoa, mas demarca-se da prática dos atos que lhe são imputados, esperando ser absolvido. Assume ter tido uma discussão com a vítima, no contexto de uma festividade realizada num bar, situação que alega ter ficado sanada. Quer o arguido quer a vítima sustentam não se conhecer previamente. DD alega ter sido atingido com dois tiros, apresentando ainda presentemente algumas limitações, nomeadamente ao nível do exercício de esforços, sentindo-se também inseguro. Caso venha a ser condenado e lhe seja dada a oportunidade de cumprir uma pena na comunidade, o arguido considera-se capaz de cumprir as obrigações que lhe forem impostas judicialmente. Tendo por base a informação referente às medidas a que esteve sujeito a acompanhamento por parte destes serviços, constatamos que, embora tenha evidenciado moderada capacidade de adesão, nomeadamente quanto à comparência às entrevistas agendadas, não se mostrou capaz de concretizar os objetivos propostos”
s)Tal só será possível no caso de uma redução da pena de prisão com recurso ao mecanismo da suspensão da mesma.
t) Para além de que o Recorrente com a sua conduta posterior, provou estar afastado de situações como as dos presentes autos, apesar de não lhe ser possível infelizmente voltar atrás.
u) O arguido tem antecedentes criminais, contudo os ilícitos tem natureza distinta da dos presentes autos.
v) O arguido detém enquadramento familiar efectivo, é acompanhado pela Equipa da DGRSP.
w) Comportamentos como os descritos nos autos, só podem ter como base uma situação pontual, sendo que como é do senso comum e do principio da razoabilidade, e da experiência comum, ninguém dispara nas circunstâncias sem motivo aparente, pelo que a própria versão trazida pela vítima e as testemunhas de acusação levam a crer que algo se terá passado que terá motivado os acontecimentos em causa.
x) Adequado e justo seria condenar o arguido a uma pena não superior a cinco anos, determinando a suspensão da execução com regime de prova e vigilância tutelar dos serviços de reinserção social, ficando tal suspensão sujeita ao preenchimento, pelo arguido, de condições que passariam pela estrita manutenção do seu estado de saúde e mental.
y) Com estes fundamentos, afirmamos que a escolha da pena infligida ao arguido se afigura desadequada e desproporcional, pelas suas consequências, as suas circunstâncias pessoais, e até mesmo perante as necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama, devendo, pois, ser alterada em conformidade.
z) O Tribunal violou assim os critérios contidos nas disposições conjugadas dos art. 40º, 70º, 71º, todos do Código Penal.
aa) Ponderando o circunstancialismo concreto apurado nos autos, designadamente que o crime mais grave assume a forma tentada, isto é, que das conduta do arguido não resultou para a vítimas doença grave, não se tendo pondo em risco a sua saúde e a vida, entende-se dever ser de convocar o princípio da proporcionalidade de modo a que não seja aplicada pena única mais elevada do que aquela que é exigida para reafirmar a estabilização dos bens jurídicos ofendidos nem a que suporta a culpa do arguido, medida pela vontade, persistência e gravidade da conduta global e ainda tendo em atenção a sua relativamente fragilizada personalidade, e que no limite destas finalidades permita conter o perigo de estigmatização do condenado ou de adulteração irreversível da sua identidade humana. Em conformidade, fazendo funcionar o princípio da proporcionalidade, entende-se que é de reduzir a pena única a aplicar nestes autos ao arguido para 5 anos de prisão.
bb) Pugnando pela redução da pena única pedindo que seja fixada em medida não superior a cinco anos de prisão, e que se suspenda a “execução acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ter provimento nos termos promovidos,

ASSIM SE CUMPRIRÁ O DIREITO E SERÁ FEITA JUSTIÇA!

3. O Digno Mº Pº, em resposta ao recurso, veio defender a parcial procedência do pretendido pelo arguido recorrente, invocando: (transcrição)
1.
Comparando a redacção constante dos artigos do libelo acusatório e da factualidade dada como provada e não provada, constata-se que não foram dados como provados parte dos factos plasmados nos pontos1), 4) e6)da acusação, tendo sido aditado à factualidade apurada o ponto 11. que, se por um lado, descreve factos que já constavam do ponto 1) da acusação – a discussão (ou o desentendimento verbal) anterior entre o arguido e DD, na madrugada do dia 23/10/2021, na zona dos bares e discotecas nocturnos e o não apuramento do motivo de tal discussão -, por outro menciona o segmento (o arguido) apontou uma arma de fogo curta de características não concretamente apuradas, na direção da coxa de DD e efetuou um disparo a curta distância que o atingiu na zona corporal visada.
2.
Tal segmento não consta da acusação, mormente do seu ponto 5), que se reporta ao primeiro momento em que o disparo é efectuado pelo arguido, não se podendo invocar que se está perante o aditamento de um facto que concretiza melhor a conduta do arguido e que já lhe era imputada, ou de um facto meramente circunstancial, ou ainda, de um relato com encadeamento diverso, que não retira a identidade naturalística, não se traduzindo em qualquer diminuição das suas garantias de defesa.
3.
Afigura-se-nos que o facto 11. aditado pressupõe pelo menos um juízo de valoração social diferente do que o que resultava do facto 5) da acusação, pelo que, em abono da verdade cremos assistir razão ao arguido quanto à nulidade do acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, já que se está perante uma alteração não substancial dos factos, que devia ter sido comunicada àquele, para os efeitos do disposto no artigo 358º, nº 1, daquele compêndio legal.
4.
Já quanto à indicação dos meios de prova, discordamos do entendimento do arguido, não impondo a lei, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do nº 1 do artigo 358º, a indicação dos meios de prova, o que bem se compreende por setratar de factos indiciados enão factos provados, perante os quais adefesa, se assim o entender, ainda pode apresentar novos meios de prova.
5.
Considerando as molduras penais aplicáveis aos crimes em concurso, as elevadas exigências de prevenção geral (até pelo alarme social causado, com o consequente sentimento de insegurança gerado) e especial (até pela total ausência de interiorização do desvalor da conduta), o elevado grau de ilicitude, o dolo directo e intenso, os antecedentes criminais do arguido também pela prática de crimes violentos, levam-nos a concluir pela justeza das penas parcelares aplicadas.
6.
Ao contrário do referido pelo arguido na motivação de recurso apresentada, foram valoradas as circunstâncias que o poderiam beneficiar: a sua inserção familiar e profissional, tendo o Tribunal concluído que o mesmo revela ter condições familiares e pessoais para querendo, manter no futuro uma conduta lícita.
Contudo, não oferece reais garantias, por ora, de que efetivamente o faça, num futuro em que se veja confrontado com a contrariedade ou com um forte impulso agressivo.
7.
Os seus antecedentes criminais, ainda que por crimes de natureza distinta da dos autos, revelam uma clara propensão para a prática de actos violentos, não permitindo concluir que os factos a que os autos se reportam tenham assumido natureza pontual, sendo certo que o próprio relatório para determinação da sanção, em que o arguido fundamenta a sua pretensão, parece afastar a sua capacidade de concretizar os objectivos propostos nas entrevistas agendadas, aparentemente condenando ao insucesso a aplicação de qualquer pena a executar em comunidade.
8.
E se apesar da gravidade dos factos, a vítima não correu perigo de vida, tal apenas se deveu, como se mencionou no acórdão recorrido, a “mero acaso”, “sorte” e “mera felicidade”, do assistente, situação para a qual em nada contribuiu o arguido.
9.
A circunstância de o arguido, apesar de tão jovem, não ter demonstrado qualquer arrependimento, representa um factor adicional de preocupação relativamente à sua personalidade, quiçá revelador de indiferença e insensibilidade, sendo legítimo concluir que não se tratou de um mero acto insensato, irreflectido e inconsequente.
Que o seu percurso ... se encarrega também de confirmar.
10.
Deste modo, nenhuma censura nos merecem as penas parcelares e a pena única aplicadas, já que a total ausência de interiorização do desvalor da conduta e de arrependimento e a indiferença perante as consequências da sua conduta nunca poderiam fundamentar a formulação de um juízo de prognose favorável, impondo-se sempre uma pena de prisão efectiva, atentas as elevadas exigências de prevenção especial.
11.
Precludida se mostra deste modo, a possibilidade de suspensão da execução da pena, por carência de um dos seus pressupostos, atento o preceituado no artigo 50º do Código Penal.
12.
Pelo que, nesta parte, deve improceder o recurso interposto, não se mostrando violadas as disposições legais invocadas.
Deve assim conceder-se parcial provimento ao recurso interposto quanto à nulidade do acórdão, como acto de inteira e sã
JUSTIÇA.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se (…) Parece-nos existir uma alteração não substancial dos fatos descritos na acusação, que deveria ter sido comunicada.
Assim se entendendo fica automaticamente prejudicado o conhecimento das questões levantadas quanto à aplicação da pena.
Caso assim este douto tribunal não o considere, cremos que as penas parcelares aplicadas e a pena única resultante do cúmulo jurídico estão conformes à Lei e ás circunstâncias concretas.
Na verdade, além do arguido não ser primário, decorre do relatório social que ainda nem interiorizou a gravidade dos fatos (estamos perante um crime de homicídio tentado) e a necessidade de adotar um comportamento normativo e adequado em sociedade- faltando às entrevistas…
Daí que a pena única a aplicar deverá ser de prisão efetiva e nunca suspensa.
Não houve resposta ao Parecer.

II – Fundamentação

1. A decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido recorrente e os poderes de cognição deste tribunal, ressaltam como temas de discussão:
- nulidade da sentença nos termos do estipulado no artigo 379º, nº 1, alínea b ) do CPPenal, por violação do disposto no artigo 358º, nº 1 do CPPenal;
- eventual nulidade referida na alínea a) do nº 1 do artigo 379º, por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do CPPenal;
- pena imposta – seu quantum e tipo /modalidade.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)

Resultaram provados os seguintes factos com relevância para o objeto do processo:
1. No dia 23 de outubro de 2021, em hora próxima das 04H00m, na zona dos bares e discotecas noturnos em ..., mais concretamente, próximo do n.º 347 da Avenida ..., o arguido, munido de uma arma de fogo curta, de características não concretamente apuradas, apontou-a na direção do tronco de DD, que se encontrava alinhado com a paragem de autocarros que ali se encontra, e efetuou disparos em número não inferior a três, atingindo com pelo menos um disparo, o vidro da aludida paragem.
2.Ato contínuo, DD, vira costas para fugir, sendo que o arguido que caminhava na sua direção, aproximando-se, efetuou novo disparo visando o tronco que o atingiu nas costas, mais concretamente na zona supra clavicular esquerda.
3.De imediato, DD caiu desamparado no solo e o arguido abandonou o local, pondo-se em fuga.
4.Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, DD, sofreu perfuração na região dorsal que deixou cicatriz arredondada (porta de entada) com 1 cm de diâmetro, a 1 cm da linha média, da coluna vertebral.
5.Por via da intervenção cirúrgica a que foi prontamente sujeito no Centro Hospitalar de ... EPE, para remoção do projétil, sofreu cicatriz cirúrgica com 1,5cm supra clavicular esquerda com queloide ligeiro, visível.
6.O arguido não tem armas manifestadas em seu nome e não é detentor de qualquer licença ou autorização para o uso e porte de quaisquer armas de fogo.
7.O arguido agiu de forma deliberada livre e consciente, disparando sempre com a arma direcionada ao tronco de DD, com o único propósito de o matar, o que só não conseguiu por motivo alheio à sua vontade.
8.O arguido quis utilizar uma arma de fogo para mais facilmente atingir o seu objetivo de matar e sabia que não era titular de licença ou autorização para o uso e porte de qualquer arma de fogo, bem assim que a aludida arma não estava manifestada em seu nome.
9.O arguido sabia que as condutas descritas que praticou eram proibidas e punidas por lei, tinha capacidade para se determinar em sentido contrário e, ainda assim, não se absteve de as praticar.
Mais se provou,
10.O arguido fugiu do local no interior do veículo marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-VQ, conduzido por EE e acompanhado por FF e um outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar.
11.Em momento prévio à factualidade descrita de 1 a 3, mas na mesma madrugada e imediações, o arguido, após discussão em termos não concretamente apurados, apontou uma arma de fogo curta de características não concretamente apuradas, na direção da coxa de DD e efetuou um disparo a curta distância que o atingiu na zona corporal visada.
12.Por causa da factualidade descrita em 11, o assistente sofreu duas perfurações na face posterior da coxa, correspondentes ao orifício de entrada e de saída de projétil de arma de fogo, que deixaram duas cicatrizes com 1 cm de diâmetro cada.
13.Por causa da factualidade descrita de 1 a 11, o assistente DD sentiu dores, angústia e medo de morrer.
14.Sofreu ainda período de doença de 60 dias, sendo 8 com afetação da capacidade de trabalho profissional.
15.Na sequência do tratamento que prestou ao assistente, o Centro Hospitalar de ... EPE emitiu a fatura n.º ...47, datada de 30 de junho de 2022 em nome de AA, no valor de 1.240,53€, com a seguinte descrição:

Causa: Agressão
Doente: DD
... 23/10/2021 – 25/10/2021 384-Contusão, Ferida aberta e/ou outros traumas da pele e/ou tecido subcutâneo
Dias: 2
Quantidade: 1
Valor: 1,240,55.

16.A fatura até ao momento não foi paga.
Factualidade relevante plasmada no relatório social
17.AA nasceu em ..., filho de cidadãos ..., sendo essa também a sua nacionalidade. É o mais novo de dois irmãos e o seu processo de socialização na infância decorreu no bairro da ..., relativamente perto da atual residência familiar, num ambiente cuja dinâmica se revelou disfuncional. Em resultado do contexto de violência doméstica, alcoolismo de ambos os progenitores, dificuldades financeiras e negligência, foi instaurado um processo de promoção e proteção a favor do arguido, que resultou na sua institucionalização, bem como da irmã, quando AA tinha cerca de 6 anos de idade. Tendo ambos os irmãos reintegrado o agregado familiar, quando AA tinha sensivelmente 8 anos de idade, voltaram a registar-se na dinâmica familiar situações similares à acima referida, bem como problemas no contexto escolar tendo o arguido sido novamente institucionalizado. AA esteve institucionalizado novamente entre 10 e os 18 anos de idade, tendo sido transferido por diversas vezes de instituição, em virtude de comportamento de desadaptação, tendo protagonizado diversas fugas. Em 2016 e após ter saído da Instituição ... em ..., o arguido reintegrou o agregado familiar, residente no ..., constituído pelos pais e a irmã mais velha. Alega ter (…) frequentado um curso profissional que abandonou em 2018, ano em que começou a trabalhar com o progenitor na área da pintura de construção civil, embora sem qualquer vínculo laboral e em regime de biscates.
18. De julho de 2019 até dezembro de 2021 o arguido residia com a companheira GG, em apartamento arrendado pela progenitora desta.
19.Durante o período em que o arguido passou a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva, ocorreu o nascimento da primeira filha do casal.
20.Consta do dossier de utente da DGRSP que “AA revelou-se uma criança com fragilidades emocionais, dificuldades ao nível da aprendizagem, nomeadamente por ter estado sujeito a um ambiente perturbado e empobrecido em termos da estimulação cognitiva, bem como com baixa autoestima. O próprio refere que quando criança era bastante envergonhado e tímido, informação corroborada pela irmã, elemento que o descreve ainda como reservado e com dificuldades ao nível da expressão das suas ideias e sentimentos.
21.Por sentença proferida no dia 21 de novembro de 2017 no processo 188/17...., transitada em julgado no dia 04 de janeiro de 2018, foi o arguido condenado pela prática no dia 27 de março de 2017, de um crime de roubo na pena de 1 ano e 8 meses de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova.
22.Por sentença proferida no dia 09 de julho de 2018 no processo 170/17...., transitada em julgado no dia 14 de dezembro de 2018, foi o arguido condenado pela prática no dia 17 de março de 2017, de um crime de violência após a subtração, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.
23.Por sentença proferida no dia 05 de junho de 2019 no processo 94/17...., transitada em julgado no dia 05 de julho de 2019, foi o arguido condenado pela prática no dia 08 de novembro de 2017 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.
Factos não provados com relevância para o objeto do processo
a)A motivação do arguido na prática dos factos.
b)Que o arguido tenha pedido a EE para este imobilizar o veículo em que seguiam, antes de sair do mesmo e disparar contra o assistente.
c)Que o assistente tenha fugido ziguezagueando.
d)Que o assistente tenha medo de sair à rua desde a data dos factos.
e)Quais as limitações com que o assistente ficou ao nível da força e amplitude de movimentos, na sequência das lesões sofridas.


2.2. Motivação da Decisão de Facto (transcrição):

O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente nas declarações do arguido e nos depoimentos das testemunhas, mormente do ofendido e assistente DD, das testemunhas presenciais HH, II, JJ, KK, LL, MM e NN, bem assim na prova pericial e documental junta aos autos, designadamente a seguinte:
a)Relatório de exame pericial de avaliação de dano corporal a fls. 845 a 848 e 952 verso e 953;
b)Relatório de inspeção judiciária a fls. 76 a 82;
c)Relatório de exame pericial de recolha de vestígios no local realizado pela Polícia Judiciária a fls. 83 a 128;
d)Relatório de exame pericial de identificação lofoscópica a fls. 163 a 169;
e)Autos de apreensão a fls. 129, 220, 222;
f)Auto de notícia e aditamento a fls. 227 e 228;
g)Informação da PSP a fls. 263;
h)Relatório de urgência, nota de alta e elementos clínicos a fls. 266 a 302;
i)Relatório de internamento a fls. 266 a 302;
j)Fatura a fls. 862;
k)Relatório social elaborado pela DGRSP a fls. 944 a 947;
l)Certificado de registo ... a fls. 935 a 938;
No geral, com exceção das declarações do assistente e das testemunhas HH e II na parte referente aos disparos que atingiram o assistente, os depoimentos revelaram-se tendenciosos e condicionados. No que concerne ao assistente e testemunhas HH e II, procuraram ocultar a origem do conflito latente entre o arguido e seu grupo de amigos e o assistente e os depoentes. Negaram que houvesse alguma, tendo o depoimento nesta parte atinente ao primeiro contacto naquela noite sido hesitante e evasivo. E com efeito não logrou o tribunal apurar a motivação para a prática dos factos imputados ao arguido e que efetivamente se provaram, designadamente a origem de uma necessária animosidade, seja ela concomitante aos factos, seja ela prévia aos mesmos. Da parte das testemunhas JJ, KK, LL, MM e NN, procuraram notoriamente beneficiar a situação processual do arguido, limitando-se a abonar o mesmo no caso da irmã MM e da sogra KK, a apresentar uma versão dos factos inverosímil no caso da companheira LL ou a descrever factualidade inócua para o objeto do processo no caso da cunhada OO e do amigo NN.
Na parte que releva, baseou-se o tribunal na prova direta resultante de depoimento do assistente DD que por dois momentos distintos viu o arguido que reconheceu em ambas as vezes com uma arma na mão, viu a arma apontada ao seu corpo, sendo que no momento imputado na acusação, viu o cano direcionado ao seu tronco, ouviu os disparos, percecionou o vidro da paragem de autocarro imediatamente atrás de si a partir, virou costas temendo pela vida e concomitantemente ao som de um novo disparo, sentiu o projétil perfurar-lhe as costas, caindo ao chão. Este depoimento é lapidar, convicto, não levanta dúvidas e é corroborado pela evidência clínica dos ferimentos provocados por projétil de arma de fogo na zona descrita, pela evidência geográfica do local onde DD foi assistido pelo serviço de emergência e pelo depoimento unânime de todas as testemunhas presenciais que, independentemente da simpatia pelo arguido ou pelo assistente, confirmaram ter ouvido disparos naquele local. Colocado o assistente ante a possibilidade de estar a confundir o arguido com outra pessoa, o mesmo foi perentório. Conhecia-o de vista e teve confronto inicial em momento anterior onde foi atingido a tiro na zona da coxa. Tal como referiu II que se encontraria presente em ambos os momentos, o cabelo, a roupa, uma bolsa que trazia a tiracolo e o facto de se conhecerem de vista por frequentarem as mesmas zonas são elementos mais do que suficientes para permitir aos depoentes afirmarem sem dúvidas e sem margem de erro de que se tratava do arguido. Neste ponto sempre se dirá que se o assistente e testemunhas II e HH foram hesitantes nas perguntas relacionadas com eventual relação anterior entre arguido e assistente apenas indicia, sem se ter comprovado, que o conhecimento prévio poderia ser mais abrangente do que um simples “de vista”. Pelo exposto, nenhum elemento nos autos permite duvidar que o assistente conhecia efetivamente o arguido de vista e que teve oportunidade de o identificar cabalmente nos dois momentos próximos, mas distintos em que foi atingido a tiro. Acresce que não se alcança um motivo, ainda que em abstrato, para o assistente ser atingido a tiro duas vezes por uma pessoa e proceder criminalmente contra outra. Assim, bastariam as declarações do assistente para convencer o tribunal da ocorrência da factualidade nos termos em que foi julgada provada. De todo o modo as testemunhas II e HH corroboraram sem contradições nos pontos essenciais. Veja-se que HH assumiu não ter estado presente no primeiro momento e apenas ter presenciado o segundo, porque estando junto a um bar viu passar o assistente que é seu primo, aparentando estar ferido, tendo-se dirigido ao mesmo para saber o que se tinha passado, tendo sido nesse contexto que assistiu aos disparos que partiram o vidro da paragem de autocarro e atingiram o assistente nas costas. Já II esteve presente em ambos os momentos, tendo justificado que optaram por sair a pé do local onde ocorreu o primeiro disparo, porque já estavam fora do carro em que se fizeram transportar e o arguido estava acompanhado de outros indivíduos, optando assim por encetarem fuga em sentido contrário receando confronto em desvantagem numérica, tendo sido nesse enquadramento que ocorreu o segundo episódio, já na presença de HH. Também a descrição do primeiro disparo que atingiu o assistente é coerente com as declarações deste e corroborado pela existência do respetivo ferimento, razão pela qual o tribunal julgou a factualidade provada em conformidade, pese embora seja meramente circunstancial, pois que não foi plasmada na acusação, nem sobre a mesma foi imputado qualquer ilícito ....
No que concerne à fuga do arguido no veículo inicialmente apreendido nos autos, baseou-se o tribunal no depoimento de II que viu o arguido e o grupo de indivíduos com quem o mesmo se encontrava aquando do primeiro disparo que atingiu o assistente, fugirem no interior do veículo. Depoimento corroborado pelo exame ao veículo apreendido na zona de ... após perseguição policial, em que foram encontrados os pertences do arguido, designadamente a bolsa que o assistente, II e HH identificaram a ser transportada a tiracolo pelo arguido. Bolsa essa que, se dúvidas houvesse, acondicionava no seu interior, o passaporte do arguido. A companheira GG e o próprio arguido nas declarações que optou por prestar a final, negando a autoria dos factos imputados, ensaiaram uma justificação totalmente inverosímil para a presença de tais pertences no interior do veículo onde foi visto fugir o autor dos disparos, alegando terem entregue aos indivíduos amigos do arguido, EE e FF para guardarem no veículo, porque estavam numa discoteca e a bolsa era um empecilho. A mera audição do depoimento e declarações em causa, aliadas a regras básicas de experiência comum e normalidade da vida, permite concluir, sem necessidade de ulteriores considerandos, pela total inverosimilhança desta versão, que não logrou convencer o tribunal. Antes se convenceu e assim julgou provado, que o arguido fugiu no interior do aludido veículo, razão pela qual, ali deixou os pertences quando apressadamente abandonou o veículo, nos termos que se encontram descritos por agente da autoridade no aditamento ao auto de notícia constante a fls. 228.
Termos em que o tribunal julgou provados os factos descritos nos pontos 1 a 4, 10 e 11.
O tribunal formou a convicção na prova dos pontos 5, 12 e 14 com base na documentação clínica e relatório de exame pericial de avaliação de dano corporal juntos aos autos.
A convicção na matéria descrita no ponto 6 dos factos provados, mostra-se alicerçada na informação remetida aos autos pela PSP a fls. 263.
O Coletivo formou a convicção na prova dos factos descritos nos pontos 7 a 9 com base na conjugação de toda a restante matéria de facto provada com regras de experiência comum e normalidade da vida. Com efeito não sofrendo o arguido de qualquer défice cognitivo, teria de saber que disparando sobre o assistente visando a zona do tronco, o mesmo poderia morrer em resultado dos ferimentos, pois que se trata da zona corporal onde se encontram alojados órgãos vitais para a sobrevivência do ser humano. O simples facto do arguido ter efetuado vários disparos até que finalmente um deles impactou o tronco do assistente, que caiu prostrado no chão, obriga a concluir que no momento dos disparos pretendeu efetivamente matar o assistente. Em concreto, o assistente acabou por não correr perigo de vida na sequência dos ferimentos, mas como de forma insistente foi salientado pelo senhor perito a fls. 953 em sede de resposta ao pedido de esclarecimentos efetuado pelo tribunal, tal deveu-se a “mero acaso” “sorte” e “mera felicidade”, pois que o projétil passou a 1cm da coluna vertebral, mantendo-se no plano subcutâneo fazendo trajeto até acima da clavícula esquerda, sem atingir planos profundos onde se encontram alojados os órgãos vitais.
O tribunal formou a convicção na prova da matéria descrita no ponto 13 com base no depoimento de HH e II que percecionaram tal realidade. Não carece de grande sindicância a fidedignidade dos depoimentos nesta parte, pois que as perceções subjetivas do assistente que o tribunal julgou provadas não extravasam as que qualquer comum homem médio com parâmetros cognitivos e sensitivos normais teria necessariamente de sentir em situação idêntica. Já no que toca à matéria descrita no ponto 14, muito mais técnica e precisa, o tribunal alicerçou a sua convicção na mesma com base no relatório de exame pericial de avaliação de dano corporal a fls. 845 a 848.
A matéria descrita no ponto 15 e 16 dos factos provados está alicerçada na fatura constante a fls. 862 e no relatório de urgência, nota de alta e elementos clínicos a fls. 266 a 302, de onde se comprova o efetivo tratamento prestado ao assistente e a correspondente faturação.
O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita nos pontos 17 a 20 no relatório social junto aos autos a fls. 944 a 947.
Os antecedentes criminais encontram-se alicerçados no registo ... atualizado junto aos autos a fls. 935 a 938.
No que concerne à matéria de facto não provada, a mesma deveu-se à insuficiência de prova produzida. A motivação na prática dos factos foi ocultada pelo arguido que negou os factos, sendo que o próprio assistente de modo pouco credível nesta parte, afirmou nunca ter tido qualquer questiúncula com o arguido, desconhecendo a sua motivação. Nada se apurou nesta matéria, pelo que se julgou a factualidade como não provada. Sobre a matéria descrita nas alíneas b) e c) nenhuma prova se produziu, sendo inócua para a apreciação do objeto do processo. Não se fez prova suficiente sobre a matéria descrita nas alíneas d) e e). As testemunhas HH e II afirmaram o receio do assistente em sair à rua, mas da imediação que o tribunal teve com este ofendido, o mesmo em nada se mostrou receoso ou inibido. Acresce que o arguido está preso desde que foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, sendo que no contexto em que o assistente manifestou inexistir qualquer animosidade entre o próprio e o arguido e/ou o seu grupo de amigos e em que o agressor está privado da liberdade, não se antevê do que é que possa o assistente estar receoso. O tribunal não considerou credível. A matéria relativa às suas limitações físicas, ficou prejudicada pela ausência de prova e pelo facto de presencialmente as mesmas não terem sido percecionadas, nem descritas na perícia de avaliação de dano corporal em matéria penal.

2.3. Da matéria a decidir

Primeiramente importa ponderar a vertente recursiva em que o arguido recorrente questiona o posicionamento tomado pelo tribunal recorrido no que tange à alteração dos factos vertidos na acusação.
Opina-se, nesta sede, que tendo sido alterado passo factual em relação ao constante do libelo acusatório, que deveria ter existido a comunicação ao arguido na situação prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, da alteração não substancial dos factos, que deve abranger não só o facto ou factos objeto da alteração, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão.
Face a esta invocação, ressaltam duas dimensões do problema, a reclamar ponderação, a saber: - alteração não substancial dos factos, seu regime; - consequências da não observância dos parâmetros legais.
A matéria respeitante à ideia / noção do que encerram alteração substancial dos factos / alteração não substancial de factos tem sido objeto de diversas abordagens, quer na doutrina, quer na jurisprudência, sendo disso exemplo, as mais diversas intervenções do Supremo Tribunal Justiça[1].
A temática aqui, especificamente, a perscrutar, alteração não substancial dos factos, mostra-se legalmente tratada no artigo 358º do CPPenal, onde parecem despontar todas aquelas situações em que exulta uma alteração dos factos simples, não determinante da alteração do objeto do processo, permitindo que o tribunal investigue e integre no processo os factos que não constam da acusação e que tenham relevo para a posterior decisão[2].
Contrariamente, a alteração substancial dos factos, acobertada no artigo 359º do CPPenal, tem como espetro de intervenção todos os retratos que significam uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa, isto é, a alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refere aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis[3].
Parece insofismável, considerando o libelo acusatório e a decisão proferida, em termos de factualidade provada, que o tribunal recorrido assentou:
Em momento prévio à factualidade descrita de 1 a 3, mas na mesma madrugada e imediações, o arguido, após discussão em termos não concretamente apurados, apontou uma arma de fogo curta de características não concretamente apuradas, na direção da coxa de DD e efetuou um disparo a curta distância que o atingiu na zona corporal visada, sendo que na acusação deduzida, constava,
(…) o arguido AA, empunhando uma arma de fogo de pequenas dimensões, tipo pistola, efetuou, pelo menos, cinco disparos, intimidando DD e os seus amigos que, de imediato, começaram a correr em diversas direções (…) Conseguindo aproximar-se mais um pouco de DD que continuou a correr ziguezagueando, junto a uma paragem de autocarros, localizada no final daquela avenida, o arguido AA apontou a arma de fogo na direção daquele, premiu o gatilho e disparou contra o corpo daquele, atingindo-o na zona supra clavicular esquerda.
Olhando aos ensinamentos supra adiantados, e concatenando-os com o aqui sucedido nos autos, crê-se, tal como o propugnado pelo arguido recorrente e secundado pelo Digno Mº Pº, que se patenteia uma alteração não substancial dos factos.
Na verdade, parecendo absolutamente claro que este detalhe factual não insere qualquer novidade / elemento / traço no crime que se apontou ao arguido recorrente e pelo qual o mesmo foi condenado, e sendo cristalino que facto deve ser entendido como um acontecimento histórico, um evento naturalístico, um “pedaço de vida” a ser ponderado no processo[4] e que a modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia integra o conceito normativo da alteração não substancial de factos, quando efetivamente assumir relevo para a decisão da causa e implique uma limitação dos direitos de defesa do arguido ponderado em função do condicionamento da estratégia e utilidade da defesa[5], não restam dúvidas que existe quadro integrador do inciso legal em apreço.
Havendo uma contextualização diferente do global histórico sucedido, mormente quanto a todo o momento e circunstâncias que rodearam o disparo que atingiu a vítima, importaria seguir a disciplina cujo comando integrador do artigo 358º do CPPenal reclama, ou seja, deveria o tribunal comunicar a alteração ao arguido e conceder, caso este o requeresse, o tempo estritamente necessário para preparação da defesa.
E apenas e só. Já não o que vem opinar o arguido recorrente - explicitação ou concretização dos meios de prova que a sustentam.
Na realidade, considerando a literalidade desenvolvida no preceito em ponderação, no caso de alteração não substancial, parece que apenas impende sobre o juiz, o dever de comunicar ao defensor os factos que representam alteração relativamente aos que conformam a acusação ou a pronúncia, interrogar o arguido, sempre que possível, sobre tal matéria e conceder o tempo necessário para preparação da defesa[6].
Parece cristalino que, ainda que de modo indireto / ínvio / subtil, a lei não impõe, aquando da comunicação da alteração de factos, nos termos do que plasma o artigo 358º, nº1 do CPPenal, a indicação de meios de prova.
Tal parece fazer sentido pois, o que aqui está em causa são meramente factos indiciados e não factos provados, perante os quais a defesa, se assim o entender, sempre pode apresentar novos meios de prova para os contraditar / questionar, sendo o suficiente e bastante, dar-se-lhe conhecimento da probabilidade de vir a ser fixada na peça final uma nova factualidade, podendo assim ser arrolada prova nova e / ou mudar a sua estratégia de defesa, fazendo-o em tempo e a tempo, não ficando, pois, prejudicados os seus direitos[7].
A indicação / sustentação probatória tem é que existir em momento posterior, ou seja, aquando da motivação da decisão de facto. Parece não fazer qualquer sentido, que ainda em tempo da discussão do pleito, o tribunal adiante qual o juízo probatório que está a fazer.
Concluindo-se pelo desenho de uma alteração não substancial dos factos e não tendo o tribula ad quo seguido a disciplina inserta na normação que a regula, integrando factos na decisão que não constavam com aquela coloração no libelo acusatório, parece poder afirmar-se a assacada nulidade exposta no artigo 379º, nº 1, alínea b ) do CPPenal.
Na realidade, a sentença / acórdão que envolva factos diversos daqueles que constavam da acusação, enverga nulidade; a consideração, na sentença ou acórdão, de factos que alterem de modo não substancial os constantes da acusação ou da pronúncia, sem ter sido concedida ao arguido côngrua possibilidade de se defender da alteração (…) fulmina de nulas aquelas decisões (…)[8], sendo que tal nulidade deve ser arguida ou conhecida em recurso, o que se respalda nos autos.
Em presença do expendido, procede nesta parte o recurso interposto pelo arguido recorrente.

*
Ainda no capítulo das nulidades, esta não expressamente invocada, mas de conhecimento oficioso, o caminho seguido pelo tribunal recorrido, na matéria relativa aos factos atinentes à determinação da medida da pena e, sequentemente, para a escolha da pena em concreto, tanto mais que aqui se exibe como um dos vetores de decisão.
Na esteira do que vem sendo repetidamente seguido nos mais diversos arestos, opção que se entende pouco apurada, de legalidade questionável e as mais variadas vezes reveladora de ausência de qualquer valoração crítica, também aqui se perfila o caminho da reprodução pura e simples de partes do relatório social relativo ao arguido recorrente, sem cuidar de qualquer expurgo / reserva / tratamento do que são factos e meras referências valorativas, conclusivas, opinativas e descritivas, incluindo referências não respeitantes ao arguido recorrente - Factualidade relevante plasmada no relatório social (…) Em resultado do contexto de violência doméstica, alcoolismo de ambos os progenitores, dificuldades financeiras e negligência, foi instaurado um processo de promoção e proteção a favor do arguido, que resultou na sua institucionalização, bem como da irmã (…) Alega ter (…) frequentado um curso profissional que abandonou em 2018 (…) Consta do dossier de utente da DGRSP que “AA revelou-se uma criança com fragilidades emocionais, dificuldades ao nível da aprendizagem, nomeadamente por ter estado sujeito a um ambiente perturbado e empobrecido em termos da estimulação cognitiva, bem como com baixa autoestima. O próprio refere que quando criança era bastante envergonhado e tímido, informação corroborada pela irmã, elemento que o descreve ainda como reservado e com dificuldades ao nível da expressão das suas ideias e sentimentos.
Esta forma / solução, no imediato, o que diz, é que se prova que consta do relatório / dossier determinado conteúdo e não que se dá como provado esse conteúdo; será exatamente o mesmo que elencar na factualidade provada que a documentação clínica e o relatório de exame pericial, a que se faz referência, dizem isto ou aquilo.
Aliás, neste particular conspecto, o tribunal recorrido, socorrendo-se dos elementos aí existentes, deu como provados os factos, e apenas factos, que constam dos pontos 4., 5., 12., 13. e 14, procedendo a labor de ponderação e avaliação.
Entende-se que referir nos factos provados factualidade plasmada no relatório social e / ou consta do dossier de utente da DGRSP, procedendo-se então à sua singela e mera transcrição, sem qualquer exercício de expurgação / ponderação / avaliação, não representa uma enumeração dos factos provados no âmbito decisório. Somente se discorre que nas peças em causa, está plasmado / consta determinado texto.
O relatório social, tal como decorre do plasmado no artigo 1º, alínea g) do CPPenal, não é mais do que uma informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido, elaborada por serviços de reinserção social, pelo que se demanda fazer constar na decisão os factos que o tribunal efetivamente considera provados ou não provados, e, não, pura e simplesmente reproduzir provas ou meios de prova em lugar desses mesmos factos[9].
Parece inquestionável, crê-se, que o relatório social / dossier de utente representam um meio de prova / meio de obtenção de prova[10] a ser ponderado, sindicado e objeto de contraditório, não sendo por isso em si mesmo um facto.
Este retrato, conforme se vem entendendo, é passível de conduzir à nulidade expressa no artigo 379º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do CPPenal, na medida em que se pode desenhar a ausência de enumeração de factos provados necessários e suficientes para a determinação da medida da pena e, sequentemente, para a escolha da pena em concreto[11], entendendo outros, poder configurar-se a mácula constante da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPPenal – insuficiência da matéria de facto para a decisão[12].
Emerge, ainda, em reforço, circunstância de na motivação apenas se afirmar que o tribunal formou a sua convicção na prova da factualidade descrita nos pontos 17 a 20 no relatório social, ou seja, o que se diz é que o tribunal se convenceu que no relatório social e no dito dossier consta determinado conteúdo e nada mais do que isso.
Ora, nada transparece de modo seguro e inequívoco que demonstre a existência de um mínimo / basilar excurso ponderativo do que se considera como materialidade provada.
Ademais, in casu, exulta que o arguido recorrente pretende discutir a matéria respeitante à pena, o que acentua e reclama que se fixem com clareza os factos que se podem retirar, depois de devidamente sindicados e / ou não contraditados, partindo / considerando os aludidos documentos.
Desta feita, igualmente se retira operar a nulidade nomeada, ou seja, a fixada no artigo 379º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, nº 2 do mesmo compêndio legal.
Ante todo o expendido, há que anular a decisão proferida, devendo o tribunal ad quo proferir novo acórdão colmatando os vícios salientados, procedendo a todas as diligências e providências entendidas por necessárias, para tal.
E porque estes vetores analisados têm necessariamente influência na questão da pena suscitada pelo arguido recorrente, não se conhece este ponto recursivo.

III – Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes Secção ... – ... Subsecção - desta Relação de ... em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem:

a) Declarar nulo acórdão recorrido por inobservância das disposições conjugadas dos artigos 374.º, nº 2 e 379.º, nº 1 alíneas a) e b) do CPPenal, o qual deve ser reformulado pelo mesmo tribunal, após realização de todas as diligências que se reputem de necessárias e essenciais, proferindo nova decisão onde supra os apontados vícios;
b) Não conhecer a suscitada questão da pena por se mostrar prejudicada.

c) Determinar a comunicação imediata desta decisão ao Tribunal recorrido, consignando-se especial necessidade de atenção aos prazos máximos de prisão preventiva.

Sem custas, nos termos do que decorre do preceituado no artigo 513.º, nº 1, última parte do CPPenal.


Évora, 28 de março de 2023
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, nº 2, do CPPenal)

(Carlos de Campos Lobo - Relator)

(Ana Bacelar- 1ª Adjunta)

(Renato Barroso – 2º Adjunto)

_____________________________
[1] Assento nº 2/1993, de 27 de janeiro de 1993, publicado no Diário da República, I Série, de 10 de março de 1993, onde se pode ler - Para os fins dos artigos 1.º, alínea f), 120.º, 284.º, n.º 1, 303.º, n.º 3, 309.º, n.º 2, 359.º, n.ºs 1 e 2, e 379.º, alínea b), do Código de Processo Penal, não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica (ou convolação), ainda que se traduza na submissão de tais factos a uma figura criminal mais grave.
Assento n.º 3/2000, de 15 de dezembro de 1999, publicado no Diário da República I Série–A, de 11 de fevereiro de 2000, onde se fixa - Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do respectivo enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para o que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa.
Acórdão Uniformizador n.º 7/2008, de 25 de junho de 2008, publicado no Diário da República, 1ª Série, n.º 146, de 30 de julho de 2008, no qual se aponta - Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º deste último diploma legal.
Acórdão Uniformizador n.º 11/2013, de 11 de junho de 2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 138, de 19 de julho de 2013, o qual reza assim - A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artigo 358.º n.os 1 e 3, do CPP.
Acórdão Uniformizador n.º 1/2015, de 20 de novembro de 2014, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 18, de 27 de janeiro de 2015, que refere - A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.
[2] BUCHO, José Manuel S. M. da Cruz, Alteração Substancial dos Factos em Processo Penal, in Revista Julgar, nº 9, Setembro/Dezembro de 2009, Edição Associação Sindical dos Juízes Portugueses, p. 45.
[3] Acórdão do STJ, de 21/03/2007, proferido no Processo nº 24/2007, citado por GASPAR, António Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dois Santos, COSTA, Eduardo Maia, OLIVEIRA MENDES, António Jorge de, MADEIRA, António Pereira, GRAÇA, António Pires Henriques da, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista. Almedina, p.p. 1086 e 1087.
[4] Neste sentido, ISASCA, Frederico, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 2003, 2ª Edição, Almedina, p. 93 e ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 06/10/2010, proferido no Processo nº 403/04.1GAMCN-A.P1 - O facto é entendido como um acontecimento histórico, um evento naturalístico, um “pedaço de vida” a ser analisado no processo – e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/09/2013, proferido no Processo nº 339/11.0JALRA.C1 - A bitola para se aferir da relevância da alteração fáctica será sempre a identidade do objecto do processo e o fair trial pressuposto por um processo penal justo, que não são afectados quando nada de novo se acrescenta à descrição da acção típica, disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto supra citado.
[6] Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo IV Artigos 311º a 398º, 2022, Almedina, p. 638.
[7] Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/07/2022, proferido no Processo nº 260/11.1JALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS, Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, ibidem, p. 640.
[9] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/06/2013, proferido no Processo nº 380/09.2JACBR-B.E2, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Não há unanimidade sobre o enquadramento deste elemento como meio de obtenção de prova – o CPPenal não o enuncia como tal, diferentemente do que acontece na Lai de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, no seu artigo 71º, nº1 – ou como prova / meio de prova como se vem denominando nos tribunais – neste sentido o Acórdão citado na nota anterior onde se pode ler O relatório Social constitui uma prova que visa a demonstração de factos, estando sujeita à disciplina do art. 355º do Código de Processo Penal (art. 370º, nº 4 do Código de Processo Penal).
[11] Neste sentido o Acórdão do STJ de 8/07/2022, proferido no Processo nº 469/21.0GACSC.S1.
[12] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/04/2022, proferido no Processo nº 381/20.PCSTB.E1.