Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1215/17.8T8STR.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: RATIFICAÇÃO DE EMBARGO DE OBRA NOVA
REQUISITOS
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Para o decretamento da providência cautelar de ratificação de embargo de obra nova apresenta-se essencial, desde logo, a verificação do seu pressuposto da probabilidade séria da existência do direito invocado.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1215/17.8T8STR.E1-2ª (2017)
Apelação-1ª (2013 – NCPC)
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
*

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO:

Em procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova, a correr termos em Secção Cível da Instância Central de Santarém da Comarca de Santarém, instaurado por (…) e mulher, (…), (por si e na qualidade de sócios e gerentes de «… & … – Restauração, Lda.») contra «Fábrica do Santuário de Nossa Senhora do (…)», foi pelos requerentes alegado serem donos e legítimos possuidores de determinado prédio urbano, em que, através da empresa indicada, exploram uma actividade comercial de serviços de restauração e bebidas (no “Café e Restaurante …”), e que dispõe de uma esplanada, devidamente licenciada pela autoridade camarária, a qual sustentam estar implantada em terreno integrante daquele seu prédio, sendo que em relação ao mesmo a requerida entendeu proceder à remoção de parte da calçada colocada no solo da esplanada e colocação de pedras com a identificação do Santuário, no propósito de impedir a utilização dessa esplanada pela empresa dos requerentes – o que determinou estes a efectuar o embargo extrajudicial da obra, com fundamento em ofensa aos direitos de propriedade e posse dos requerentes, de que pretendem a respectiva ratificação, ao abrigo do artº 397º, nº 3, do NCPC, de modo a obstar ao prosseguimento da obra.

A requerida deduziu oposição, em que sustenta a sua qualidade de proprietária do local em causa, que entende ter sido confirmada por sentença proferida em processo accionado pela aqui requerida contra os ora requerentes, pelo que considera ter legitimidade para impedir a manutenção da aludida esplanada, sendo que a obra a que procedeu tinha apenas o propósito de delimitar o espaço que lhe pertence – e, nesse pressuposto de que aos requerentes não assiste qualquer direito de propriedade ou posse sobre a parcela de terreno em apreço, conclui pela improcedência da requerida pretensão de embargo de obra nova. A requerida suscitou ainda excepção de caducidade do (eventual) direito de dedução de embargo de obra nova, ao abrigo do artº 397º, nº 1, do NCPC.

Produzida a prova, o tribunal de 1ª instância proferiu sentença (a fls. 257-277), em que se decidiu julgar improcedente a arguida excepção de caducidade e improcedente o presente procedimento cautelar, não ratificando o embargo extrajudicial de obra nova. Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: da matéria de facto indiciariamente provada e não provada resultou, desde logo, não terem os requerentes logrado sequer fazer a prova, ainda que perfunctória, do seu invocado direito de propriedade (ou posse) sobre o espaço da esplanada em referência – o que seria primeiro pressuposto (além de outros), e essencial, para poder proceder a providência pretendida; a discussão sobre a demarcação das estremas das propriedades contíguas de requerentes e requerida extravasa o âmbito do presente processo, devendo ter lugar em sede própria e com a forma de processo adequada.

Inconformados com tal decisão, dela apelaram os requerentes, formulando as seguintes conclusões:

«A) Os apelantes não concordam com a douta decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal ”a quo”, considerando-a injusta.

B) Os apelantes, consideram que a Douta Decisão Recorrida, não fez, salvo o devido respeito, a correcta aplicação do Direito à factualidade provada, com violação, designadamente, do disposto no preceituado nos artigos 645º, n.º 1, alínea d), 647º, n.º 3, alínea d), (parte final), conjugados com o artigo 616º, n.º 2, alínea b), e, 615º, n.º 1, alíneas b), c) e d), todos do Código de Processo Civil, vício que importará, a nulidade da douta sentença.

C) Sendo que a razão da discordância dos apelantes, se prende, com a forma como foi configurada juridicamente, ou seja, a forma como lhe foi aplicado o Direito.

D) Os apelantes viram impender contra si decisão desfavorável da Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, que julgou “…improcedente por não provado este procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova e, em consequência, decido não ratificar o embargo extrajudicial de obra nova efectuado pelos requerentes no dia 18 de abril de 2017.”

E) Os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, pelas Testemunhas arroladas pelos apelantes deveriam ter sido valorados, no ponto 4.2 – Factos não provados, de igual forma como o foram na parte da matéria dos factos provados.

F) Os apelantes rejeitam o consignado no último § de fls. 269 e primeiro de fls. 270 da Douta Sentença, que considera, após o pedido de acareação entre as Testemunhas (…) e (…), àquele não foi conferida credibilidade, no seu depoimento, considerando a Meritíssima Juiz que: “…se nos afigurou ser um favor que veio fazer aos seus patrões ao depor da forma como e fez.”

G) Atento o exposto, consideram os apelantes que o Tribunal ”a quo” deveria ter julgado de forma diversa da que vem plasmada na Douta Decisão, e por consequência julgar procedente, por provado o Procedimento Cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova.

H) E como consequência decidir ratificar embargo extrajudicial de obra nova, efectuado pelos apelantes em 18 de Abril de 2017, julgado improcedente, ao não assim entender, o Tribunal “a quo” salvo o devido respeito, errou, padecendo a douta sentença de vicio que importa a sua nulidade, nos termos invocados nas alíneas A), B) e C), das presentes Conclusões.

Face ao alegado, requerem os apelantes muito respeitosamente a V.Ex.as Venerandos Desembargadores, se dignem ordenar a alteração da douta sentença recorrida, e/ou substituição da mesma por outra que ratifique o embargo extrajudicial de obra nova, nos termos dos artigos 645º, n.º 1, alínea d), 647º, n.º 3, alínea d), (parte final), conjugados com o artigo 616º, n.º 2, alínea b), e, 615º, n.º 1, alíneas b), c) e d), todos do Código de Processo Civil, por, da análise dos documentos supervenientes, dever ser proferida decisão diversa, ou, se não for esse o entendimento do Tribunal “ad quem”, ser ordenada a produção de novos meios de prova.»

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações da recorrente resulta que a matéria a decidir resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar do acerto da decisão recorrida – ou seja, e muito singelamente, saber se havia fundamento para a improcedência da pretensão formulada pelos requerentes (de ratificação judicial de embargo de obra nova), designadamente por suposta insusceptibilidade de a factualidade indiciariamente provada permitir configurar uma probabilidade séria de existência do direito (de propriedade ou posse) por aqueles invocado. E, nesse âmbito, também ponderar a eventual ocorrência de arguidas nulidades de sentença das als. b), c) e d) do nº 1 do artº 615º do NCPC (por alegadas falta de fundamentação, oposição dos fundamentos com a decisão e omissão de pronúncia).

Note-se, a este propósito, que se evidencia pelo teor das transcritas conclusões das alegações (e também do respectivo corpo) que os requerentes apenas pretendem situar o objecto do recurso no plano da discussão de direito – como bem ressalta da afirmação (no corpo das alegações, a fls. 287, e depois sintetizada na conclusão sob a al. C) supra) de que «a razão da discordância dos apelantes, se prende, não com a factualidade considerada como assente, mas antes, com a forma como foi configurada juridicamente, ou seja, a forma como lhe foi aplicado o Direito».

Ou seja, apesar das menções aparentemente dissonantes quanto à matéria de facto declarada como indiciariamente provada e não provada (sobre valoração de depoimentos de testemunhas, nas conclusões sob as als. E) e F), ou sobre uma hipotética produção de novos meios de prova, na síntese final das conclusões), o certo é que resulta, daquela expressa declaração de renúncia à impugnação da matéria de facto, que os recorrentes não pretenderam mais do que expressar uma genérica discordância quanto à valoração de meios de prova efectuada pelo tribunal a quo – mas sem suscitar uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto. Aliás, para que esta ocorresse, impunha-se um cabal cumprimento dos ónus impostos pelo artº 640º do NCPC: indicação concreta dos pontos de facto a alterar e dos meios probatórios relevantes para tal alteração, com o estabelecimento de uma correlação entre cada um desses factos e específicos meios probatórios relevantes. E nada disso foi feito pelos requerentes no presente recurso, pelo que em momento algum podemos considerar que se está perante um recurso sobre a matéria de facto.

Situa-se o objecto do recurso, pois – e como já se disse –, no âmbito da impugnação de direito. É o que se apreciará de seguida, a partir da factualidade dada como (indiciariamente) assente pelo tribunal recorrido, que se mantém intocada.

Cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) DE FACTO:

O tribunal a quo considerou indiciariamente provados os seguintes factos, não sujeitos a impugnação, que aqui se aceitam (cfr. artº 663º, nº 6, do NCPC) e que, para melhor análise, se passam a reproduzir:

«1. Por escritura pública de doação, outorgada no dia 18 de abril de 1977, na Secretaria Notarial de Vila Nova de Ourém, (…) e mulher declararam doar ao requerente (…) e a (…), em comum e em partes iguais, o prédio constituído por casa alta de habitação de alvenaria, com a frente voltada a nascente, com três portas e duas divisões no rés-do-chão e três janelas, sendo uma de sacada, e cinco divisões no primeiro andar, no lugar de Cova de Iria, dita freguesia de Fátima, a confrontar do Norte com (…), Sul estrada, Nascente (…) e Poente (…), inscrita na matriz predial urbana respetiva sob o artigo (…) e não descrita na Conservatória do Registo Predial.

2. Por escritura pública outorgada no dia 26 de Maio de 1962, Padre (…) declarou vender à requerida Santuário de Nossa Senhora do (…), a nona parte de um terreno de pousio, no sítio da Cova de Iria, limite de Cova de Iria, freguesia de Fátima, que no todo parte do norte com estrada, nascente (…), Sul e Poente com o Santuário de Fátima, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Fátima, sob o artigo (…), não descrito na Conservatória respetiva.

3. Por escritura pública outorgada no dia 17 de maio de 1957, (…) declarou vender ao Santuário de Nossa Senhora (…) uma décima parte de uma terra de pousio com mato e oliveiras na Cova do Machado, limite de Cova de Iria, dita freguesia de Fátima, a partir, no todo, do Norte e Nascente com Santuário, Sul caminho e Poente terreno público, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Ourém sob o n.º (…), e inscrito na matriz rústica sob o artigo (…) que a parte agora objecto deste contrato é tudo quanto o vendedor ali tem.

4. Os prédios identificados em 2 e 3 foram relacionados nos inventários obrigatórios a que se procedeu por óbito de (…) e (…).

5. Em 8 de Fevereiro de 1955, (…) e seus filhos prometeram vender à requerida as suas partes num terreno denominado Cova do Machado e necessárias ao arranjo urbanístico do Santuário, a confrontar do Norte com recinto do Santuário, do Nascente e Poente com terreno dos vendedores.

6. No dia 25 de Agosto de 1962 os herdeiros de (…) escreveram à requerida a carta junta a fls. 112, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

7. A requerida respondeu por carta datada de 9 de Maio de 1963, que consta de fls. 112 verso, cujo teor se dá por reproduzido.

8. Aquando da doação referida em 1, o prédio também aí identificado tinha na matriz as seguintes áreas: SC: 56 m2 e L: 194 m2.

9. Depois de registada a doação ficou assim descrito o prédio objecto da mesma, sob a ficha …/20020128: Urbano – Cova da Iria – Casa alta de habitação de alvenaria – SC 56 m2 – Logradouro – 194 m2 – Norte, Largo Francisco Marto; Sul Herdeiros de (…); Nascente Rua Francisco Marto; e Poente Travessa de Santo António.

10. O pedido de registo do prédio tal como descrito em 9 foi subscrito pelo requerente (…), em 28 de Janeiro de 2002.

11. Em 26 de Março de 2003 o requerente (…) requereu à Câmara Municipal de Ourém o licenciamento para colocação de “uma esplanada com oito mesas em frente ao bar que possui”, ocupando uma área de 30 m2 do largo existente com pavimento em calçada, conforme documento de fls. 119, cujo teor dou por reproduzido, o que foi deferido por despacho do Senhor Presidente da Câmara proferido em 12 de Maio de 2004.

12. No dia 23 de Fevereiro de 2006, o requerente (…) solicitou a renovação da licença conforme documento de fls. 123 verso, cujo teor dou por reproduzido.

13. A última licença obtida data de 16 de Março de 2012, para o ano de 2012.

14. Por sentença proferida em 04 de Abril de 2015, cujo teor dou por reproduzido, no âmbito do processo n.º 1326/11.3TBVNO, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Março de 2016, foi decidido: “a) Declaro que a autora Fábrica do Santuário de Nossa Senhora do (…), é dona e legítima proprietária de uma parcela de terreno, em forma triangular, a Nascente de Praceta de Santo António, em Fátima, área desta Comarca, actualmente, empedrada e com um quiosque, 2 bancos, 3 candeeiros e um painel publicitário, com a área de 459,78 m2, a confrontar do Nascente com Rua Francisco Marto, do Poente com o edifício da Praceta de Santo António, do Sul com (…) e do Norte com Rua Francisco Marto e Rua Cónego Formigão, que é parte do prédio antes inscrito na matriz sob o artigo …/rústico da freguesia de Fátima, do prédio que foi de (…) e mulher, do prédio que foi de (…) e do prédio que foi de (…)”.

15. Transitada a sentença, a requerida intentou em 25 de Novembro de 2016 execução para cumprimento da mesma.

16. E em 17 de Fevereiro de 2017 foi investida na posse da parcela com a área de 459,78 m2, pelo Senhor Agente de Execução.

17. A requerida escreveu à requerente “… & …, Lda.” a carta junta a fls. 195 verso, cujo teor dou por reproduzida.

18. Nos termos da certidão predial on line, da Conservatória do Registo Predial de Ourém, relativa ao prédio descrito sob o n.º …/20020128, consta actualmente que o prédio tem a área total de 349 m2, sendo a área coberta de 220 m2 e a descoberta de 129 m2.

19. De tal certidão predial on line não constam confrontações.

20. No dia 18 de Abril de 2017, entre as 8,30 horas e as 9 horas da manhã, o requerente (…) tomou conhecimento, através de informação de um dos funcionários do Estabelecimento Café e Restaurante – (…), de que a segunda requerente é proprietária, que aqueles estavam a iniciar obras junto ao edifício e esplanada.

21. Chegado ao local, deparou-se com três funcionários dos Serviços de Manutenção da requerida a procederem ao levantamento da calçada existente junto ao Estabelecimento de Café da segunda requerente com o propósito de procederem à remoção da calçada e à colocação, no seu lugar de pedras com a identificação da requerida.

22. De imediato exigiu que suspendessem tais trabalhos e recolocassem as pedras da calçada no local onde antes as haviam retirado, o que aconteceu.

23. No mesmo dia, cerca das 14,45 horas, a mesma equipa de funcionários, que da parte da manhã esteve no local, acompanhada do Encarregado Responsável pelos Serviços de Manutenção da requerida, (…), recomeçaram, munidos de ferramentas, nomeadamente um berbequim grande, martelos, e, um balde de plástico, a retirar do local indicado em 19, as pedras da calçada.

24. Motivo que levou o primeiro requerente, por si, e como sócio e gerente da requerente sociedade, já acompanhado do seu Mandatário, a ordenar aos trabalhadores da requerida que suspendessem, de imediato, os trabalhos que estavam a executar, e que recolocassem as pedras da calçada tal qual se encontravam antes do arrancamento, procedendo ao embargo da obra.

25. O que foi executado por dois funcionários da requerida que repuseram a calçada, colocando e fixando as pedras.

26. Depois de se identificar perante o Encarregado da obra e restantes trabalhadores que o acompanhavam, o Mandatário dos requerentes, comunicou, verbalmente àquele que procedia, naquele momento, ao Embargo Extrajudicial da obra, devendo os trabalhos da mesma cessar de imediato.

27. O embargo foi notificado, pessoalmente, ao Encarregado da obra, (…), de que não deveria ordenar a continuação de qualquer trabalho, nomeadamente, arrancar a calçada ou quaisquer outros elementos do pavimento, bem como não poderia colocar outros materiais em substituição, facto de que disse ter ficado ciente.»


B) DE DIREITO:

1. Estando assentes os precedentes elementos de facto, importa então aferir do acerto da decisão recorrida quanto à matéria de direito. E cabe, desde logo, ajuizar sobre a pretensão, com precedência lógica, de ocorrência de nulidades de sentença.

Comece-se por salientar a profusa suscitação de nulidades pelos recorrentes, ao mencionar logo 3 alíneas do artº 615º, nº 1, do NCPC, mas sem que a mesma seja sequer muito precisa na correlação entre a caracterização de cada nulidade e um preceito legal específico: indicam-se as alíneas b), c) e d) (que tratam de situações de falta de fundamentação, oposição dos fundamentos com a decisão e omissão de pronúncia); mas, de forma expressa, apenas se refere uma pretensa oposição entre fundamentos e decisão.

Ora, diga-se desde já, e genericamente, que é de muito difícil verificação o preenchimento dos pressupostos de aplicação do instituto das nulidades de sentença, havendo uma recorrente confusão entre a invocação dessas nulidades e a mera discordância substantiva quanto às decisões judiciais, de que decorre um frequente uso errado desse instituto nos recursos interpostos nos tribunais portugueses, com a consequência de inúteis retardamentos processuais. E, se se atentar no enquadramento doutrinário do tema das nulidades, tal revelará como é, em regra, uma pura perda de tempo tal suscitação.

Em particular, quanto à expressa nulidade por contradição entre fundamentos e decisão, é de sublinhar que esta tem sempre de ser aferida pelo confronto entre os concretos fundamentos invocados e a orientação definida na parte decisória. E, no caso presente, o tribunal desenvolveu na fundamentação um conjunto de considerandos que conduziam, coerentemente, à conclusão que acabou por ser vertida na decisão. Em bom rigor, o que sucede é que os recorrentes discordam desses fundamentos – mas tal discordância já não se resolve no plano da nulidade da sentença, mas no do eventual erro de julgamento inscrito na decisão recorrida, o que coloca a questão no plano da sua eventual revogação por ilegalidade.

O mesmo se dirá quanto à nulidade por falta de fundamentação, já que é óbvio que não ocorre uma absoluta omissão de motivação. Como dizia ALBERTO DOS REIS, «o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade» (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 140). No caso presente, é manifesta a existência de um elenco de factos provados e a apresentação, com base neles, de uma perceptível argumentação, de que os recorrentes podem discordar, mas que foi produzida – pelo que estará arredada tal nulidade.

E também não se detecta qualquer omissão de pronúncia. Como é sabido, esta refere-se a questões, como resulta expressamente da lei. E «questões» são todos os pedidos, causas de pedir e excepções de que se deva conhecer (assim, LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 704): não inclui considerações, argumentos ou razões produzidos pelas partes (neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 143). Se bem virmos, o tribunal a quo apreciou a matéria posta à sua consideração pelos requerentes: deu como (indiciariamente) provados factos que, supostamente, não permitem sustentar a demonstração da probabilidade séria da existência do direito invocado – e de tudo deduziu a improcedência do pedido dos requerentes. Haverá aqui, quando muito, uma pronúncia negativa – mas esta ainda é pronúncia…

Neste conspecto, entendemos, pois, que não ocorre qualquer das nulidades suscitadas, concluindo pela sua improcedência, mas sem prejuízo da apreciação da substância da impugnação ínsita no recurso da decisão de fls. 257-277, que passamos a considerar.

2. Assente a inalterabilidade dos factos apurados em 1ª instância, forçoso é concluir pelo acerto da sentença recorrida quanto à solução de improcedência da pretensão de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova. Partindo da matéria de facto provada e supra descrita, não poderia, aliás, ter sido outra a decisão do tribunal a quo.

Atentas as conclusões das alegações de recurso supra transcritas, pode-se afirmar que os recorrentes vêm formular, perante este tribunal de recurso, argumentos que nada trazem de substancialmente novo face à fundamentação apresentada pelo tribunal recorrido, que contraria o essencial dessa argumentação. Nesta base, pode mesmo afirmar-se que estamos perante “questão simples”, para os efeitos do disposto no artº 663º, nº 5, do NCPC, podendo bastar-se a decisão do recurso com uma fundamentação sumária do julgado, em conformidade com o citado normativo.

E, nesse contexto, cumpre consignar que se nos afigura como correcto o percurso argumentativo, do ponto de vista jurídico, sustentado pelo tribunal recorrido.

Com efeito, apresentava-se como essencial a verificação, desde logo, de um dos pressupostos do decretamento da providência cautelar requerida: concretamente, o da probabilidade séria da existência do direito invocado. Ora, considerando a factualidade indiciariamente provada, é mais do que evidente que ficou por demonstrar a efectiva titularidade dos requerentes sobre a parcela de terreno em discussão nos autos – e isso quando aos mesmos incumbia tal demonstração, na medida em que invocavam esse direito (cfr. artº 342º, nº 1, do C.Civil). Persiste a dúvida sobre essa titularidade, que apenas poderá ser dirimida em acção própria de natureza não cautelar.

Merecem, pois, a nossa plena adesão as considerações sobre este ponto expendidas pelo tribunal a quo:

«Alegavam os requerentes no seu requerimento inicial, que os trabalhos iniciados pela requerida prejudicam o seu direito de propriedade sobre a parte do prédio de que dizem ser proprietários.
Ora, os requerentes não lograram fazer qualquer prova de que são proprietários do espaço onde implantavam a esplanada com mesas e cadeiras. Dizemos mais: a própria definição deste “pedaço” de terreno, quais as suas confrontações e medidas, não foi feita pelos requerentes.
Os requerentes foram completamente omissos na prova, que a eles competia, dos requisitos que integram o procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova: não provaram a propriedade e não provaram o prejuízo, no sentido de que não fizeram prova de que um qualquer seu direito de propriedade tenha sido violado. Salienta-se que extravasa o âmbito desta providência cautelar definir ou demarcar extremas entre propriedades contíguas, sendo que requerentes e requerida terão de resolver tal questão em sede própria e com a forma de processo adequada.
Por ora, o Tribunal apenas pode dar como provado que a requerida efetuava obras na calçada onde os requerentes tinham uma esplanada, num espaço em frente ao estabelecimento de café e restaurante de sua propriedade e que estas foram embargadas pelos requerentes. É certo que estamos no âmbito de uma providência, que, tal como o nome indica, pretende prevenir ou resolver temporariamente uma situação grave. E por isso, basta a aparência do direito, não tendo o Tribunal de indagar a fundo a questão da propriedade, que ficará para a acção principal.
Contudo, os requerentes não fizeram prova, ainda que indiciária, de que são proprietários do espaço em causa. Nem possuidores. Apenas detentores por mera tolerância. (…)»

E daí a evidência de que a não-verificação do pressuposto da probabilidade séria da existência do direito invocado determina a carência das condições necessárias à procedência da providência requerida. Pelo que, nessa base, não poderia deixar de se concluir pela improcedência decretada nos termos constantes da decisão recorrida.

3. Acolhem-se, pois, os fundamentos da decisão recorrida e não se vislumbra, portanto, qualquer razão para alterar o que foi decidido na 1ª instância. E assim deverá improceder integralmente a presente apelação.

Em suma: o tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, pelo que se concorda com o juízo decisório pelo mesmo formulado, não merecendo censura a decisão sob recurso.

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III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a presente apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes (artº 527º do NCPC).

Évora, 12 / 10 / 2017
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)