Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1959/09.8TBPMS.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA DE CONTRATO PROMESSA
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Pressuposto da execução específica do contrato-promessa é a mora e não o incumprimento definitivo.
II - Mesmo incumbindo aos réus, promitentes-vendedores, a marcação da escritura, nada impedia a autora, promitente-compradora, que considera que aqueles voluntariamente não a marcaram, de fazê-lo, interpelando-os para o cumprimento.
III – Sem tal interpelação não se pode sequer falar em mora. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
S…, Lda., intentou a presente ação declarativa, com processo ordinário[1], contra J… e mulher N…, pedindo que seja decretada a execução específica do contrato-promessa celebrado entre as partes, proferindo-se sentença que supra a falta de declaração negocial dos réus, transmitindo para a autora o prédio que constitui o armazém nº 1, composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 1.100 m2, sito na Cova da Iria, freguesia de Fátima, concelho de Ourém, descrito na Conservatória do Registo predial de Ourém sob o nº 278.
Alegou, em síntese, que celebrou com os réus um contrato promessa de compra e venda em 05.06.2008, relativo ao aludido prédio, pelo preço de € 200.000,00, tendo pago € 15.000,00 na data da assinatura do contrato e os restantes € 185.000,00 foram pagos em 02.11.2009, mediante o compromisso dos réus de outorgarem a escritura nesse dia. Os RR., apesar de instados para comparecerem, faltaram à escritura pública.
Citados, os réus não contestaram.
A Caixa Geral de Depósitos deduziu o incidente de oposição espontânea de terceiro e a habilitação de herdeiros por óbito do réu J…, falecido no decurso da ação, alegando ser credora da sociedade M…, Lda. da quantia de € 1.259.128,10, que se encontra garantida por hipoteca sobre o imóvel identificado no contrato promessa e, como não foi paga a dívida, a opoente requereu a execução, no âmbito da qual foi penhorado o imóvel em causa, penhora essa que ficou registada provisoriamente, por estar registada em momento anterior a presente ação, sendo-lhe vedada a conversão em definitivo da penhora, caso a ação seja considerada procedente.
Por despacho de 09-02-2013, a fls. 44-45 dos autos, foi admitida a intervenção da Caixa Geral de Depósitos.
Habilitados os herdeiros do réu falecido, vieram a autora e os réus (a primitiva ré e os habilitados) contestar a intervenção da CGD, pondo em causa os fundamentos da sua intervenção, designadamente, o crédito e a sua garantia por hipoteca.
Em 05.12.2018, a fls. 496, depois da instância ter estado suspensa por um longo período de tempo, com fundamento na existência de causa prejudicial, foi proferido despacho a convidar a autora a apresentar nova petição aperfeiçoada, com a alegação de factos que sustentassem o pedido de execução específica do contrato-promessa, convite que foi aceite pela autora, que juntou nova petição aos autos.
Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, sem reclamação, como consta da respetiva ata.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus e a interveniente/opoente do pedido.
A autora, inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação, tendo formulado, a terminar a alegação, as conclusões que a seguir se transcrevem:
« I. Intentou a Recorrente a presente demanda, pedindo que fosse decretada a execução específica de um contrato promessa celebrado entre a Recorrente e os RR. primitivos J… e mulher, N…, proferindo-se decisão judicial que suprisse a falta de declaração dos referidos RR., ali promitentes-vendedores, assim transmitindo para a Autora, ora Recorrente, a propriedade do prédio que constitui o armazém nº1, composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 1.100m2, sito na Cova da Iria, freguesia de Fátima, concelho de Ourém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o nº278.
II. Realizado julgamento, deu-se como provada a outorga do contrato promessa invocado e a falta de cumprimento do mesmo por parte dos RR., apesar de terem declarado recebido a totalidade do preço acordado e do prazo acordado por aditamento para a outorga a escritura – 02.11.2009 – se ter há muito esgotado.
III. Ainda assim a sentença recorrida julgou a ação improcedente, sustentando que só o incumprimento definitivo – que efetivamente não se demonstrou – confere ao credor a possibilidade de reclamar a execução específica do contrato.
IV. Ora, o não cumprimento que é pressuposto do recurso ao instrumento da execução específica é apenas aquele que for temporário, pois que, se já existir definitivo inadimplemento a execução específica encontra-se então precludida.
V. O pressuposto da chamada execução específica do contrato-promessa é a mora e não o incumprimento definitivo.
VI. Donde é evidente que a decisão recorrida padece de erro de interpretação do art. 830º do CC, ao interpretar a expressão «se alguém se tiver obrigado a celebrar um certo contrato e não cumprir a promessa» como uma exigência do legislador no sentido de estarmos perante um incumprimento definitivo para que possa ser decretada a execução específica, o que seria uma contradição nos termos, na medida em que a ação específica visa precisamente o cumprimento de uma obrigação em mora, que ainda possa ser cumprida.
VII. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que decrete a julgue a ação procedente, com as legais consequências.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, com os fundamentos acima alegados e conclusos, com o que se fará inteira e sã Justiça.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se assiste à autora o direito à execução específica do contrato-promessa em apreço, contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida.

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1 - Em 19.02.1989 os RR. constituíram a favor do Banco Nacional Ultramarino, atualmente Caixa Geral de Depósitos, hipoteca sobre o prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 1100 metros quadrados, sito em Cova da Iria, Fátima, concelho de Ourém, inscrito na matriz predial sob o artigo 1803 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o nº 278, para garantia do pagamento até ao limite, em capital, de Esc: 71.858.000$00, que corresponde a € 358.426,19, hipoteca que se encontra registada pela Ap. 11, de 1989/02/20. (artºs 44º e 45º da oposição).
2 -Em 08.09.2011, a Caixa Geral de Depósitos instaurou contra a R. mulher e herdeiros, a execução comum Proc. nº 1368/11.9TBVNO, que corre termos no 2º Juízo do Tribunal de Ourém, fazendo valer a hipoteca sobre o prédio. (artº 53º da oposição).
3 – A. e RR. subscreveram o escrito particular denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 05.06.2008, de que existe cópia a fls. 8-9, no qual consta o seguinte:
“Primeira
Os primeiros promitentes (RR) são donos e legítimos proprietários do prédio urbano armazém nº 1, composto por cave, rés-do-chão e primeiro andar, com a área coberta de 1.100 m2, sito na Cova da Iria, Fátima, concelho de Ourém, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 270 287, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob o nº 278.
Segunda
Os primeiros promitentes (RR) prometem vender à segunda promitente (A) e esta promete comprar, o prédio identificado na cláusula primeira, pelo preço de € 200.000,00 (duzentos mil euros).
Terceira
O preço acima referido será pago da seguinte forma:
A título de sinal e princípio de pagamento, a segunda promitente já entregou nesta data a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), relativamente à qual os promitentes vendedores dão desde já a respetiva quitação.
A parte restante, ou seja, € 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros) será liquidada no ato da celebração da escritura definitiva de compra e venda.
Quarta
A escritura de compra e venda será celebrada em data, hora e Cartório a designar pelos primeiros promitentes (RR), até 30.04.2010, devendo estes avisar a segunda promitente (A) do dia, hora e Cartório onde a mesma será celebrada, com uma antecedência mínima de 10 dias, livre de qualquer ónus ou encargo.
Quinta
Os contraentes submetem o presente contrato ao regime de execução específica previsto no artº 830º do Código Civil.”
4 - O contrato promessa foi apenas assinado pelo gerente da A., quando a sociedade se obriga com duas assinaturas. (artº 66º da oposição).
5 - O contrato foi apenas assinado pelo cônjuge marido, que é casado com a R., no regime da comunhão geral. (artº 68º da oposição).
6 - As assinaturas apostas no contrato promessa não foram objeto de reconhecimento presencial. (artº 79º da oposição).
7 - À data da celebração do contrato (05.06.2008), os habilitados A…, P…, L… e Al…, todos filhos dos RR., integravam os órgãos sociais da A. (artº 82º da oposição).
8 – A. e RR. subscreveram o escrito particular denominado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 02.11.2009, de que existe cópia a fls. 16-17, no qual consta o seguinte:
“1º
A título de reforço do sinal, a segunda outorgante (A) entregou nesta data aos primeiros (RR) a quantia de € 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros), da qual estes dão desde já a correspondente quitação.

A importância destina-se a assegurar o levantamento dos ónus e encargos incidentes sobre o aludido imóvel e possibilitar a outorga, ainda nesta data, da escritura de compra e venda do mesmo, livre de ónus e encargos.

Ambos os outorgantes acordam em consequência em reduzir o termo do prazo para a outorga da escritura fixado na cláusula quarta do contrato originário de 30.04.2010 para 02.11.2009.”.
9 - A. nunca liquidou o Imposto Municipal sobre as Transmissões e o Imposto de selo na data anterior à indicada para a escritura. (artº 91º da oposição).
10 - O habilitado L… reside na mesma morada da sede social da A. (artº 89º da oposição).
11 - Os intervenientes tinham conhecimento da hipoteca constituída sobre o prédio dada pelo falecido à CGD, para garantia dos empréstimos. (artº 94º da oposição).

E foi considerada não provada a seguinte factualidade:
1 - No dia 23/03/2009 ou 24/03/2009, por volta das 13.00 horas, o gerente da Autora L… combinou com o Réu marido, por telefone, encontrarem-se no dia 27/03/2009, pelas 10 horas, no Cartório Notarial de Ourém, munidos de toda a documentação necessária, a fim de marcarem a escritura de compra e venda para um dos 15 dias seguintes. (6º da petição inicial aperfeiçoada)
2 - Na dita data e hora o referido gerente da Autora compareceu naquele Cartório, mas os RR. não. (7º da petição inicial aperfeiçoada)
3 - Contactado o Réu marido por telefone, combinaram adiar a marcação da escritura para uma semana depois, à mesma hora, no mesmo local. (8º da petição inicial aperfeiçoada)
4 - No dia 27/03/2009, pelas 10.00 horas, o dito gerente da Autora compareceu novamente no mesmo cartório para marcar a escritura, (9º da petição inicial aperfeiçoada)
5 - Os Réus não compareceram nem deram qualquer justificação. (10º da petição inicial aperfeiçoada)
6 - Em data que não é possível precisar, mas seguramente compreendida na primeira quinzena de Junho de 2009, o Réu ligou ao aludido gerente da Autora, dando conta de que teria marcado a escritura para o dia 02/11/2009, pelas 15.00 horas, no Cartório da Senhora Dra. Helena Guerra, no Porto. (11º da petição inicial aperfeiçoada)
7 - Mais uma vez o referido gerente da Autora deslocou-se ao referido Cartório, no Porto, tendo constatado, quando ali chegou, que os RR. não só não compareceram como não tinham marcado escritura alguma. (12º da petição inicial aperfeiçoada)
8 - Desde então o referido gerente da Autora tentou por diversas vezes, quer no próprio dia quer nos seguintes, contactar o Réu marido para agendar nova data, sem sucesso. (13º da petição inicial aperfeiçoada)
9 - Até que finalmente, em 09/11/2009, o Réu marido comunicou ao referido gerente da Autora que estava arrependido do negócio e que por isso não iria cumpri-lo. (14º da petição inicial aperfeiçoada)
10 - O prédio constitui a casa de morada de toda a família, com exceção de Luís Matos. (artº 86º da oposição)
11 - A A. não pagou aos RR. a quantia de € 15.000$00 na data de celebração do contrato promessa (05.06.2008), nem a quantia de € 185.000,00 em 02.11.2011, dia em que deveria ter sido outorgada a escritura. (artº 90º da oposição)
12 - À data da celebração do contrato promessa e à data da instauração da presente ação, todos os intervenientes tinham conhecimento da situação de falência da sociedade M…, Lda., e do incumprimento generalizado das obrigações pecuniárias assumidas perante a A., no âmbito dos contratos de empréstimo celebrados.

O DIREITO
Resulta da factualidade apurada que as partes, em 05.06.2008, celebraram um contrato-promessa de compra e venda de um armazém, sito na Cova da Iria, freguesia de Fátima, comprometendo-se a autora a pagar a quantia de € 200.000,00.
Estipulou-se na cláusula terceira do aludido contrato-promessa:
«O preço acima referido será pago da seguinte forma:
A título de sinal e princípio de pagamento, a segunda promitente já entregou nesta data a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), relativamente à qual os promitentes vendedores dão desde já a respetiva quitação.
A parte restante, ou seja, € 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros) será liquidada no ato da celebração da escritura definitiva de compra e venda.»
Está também provado que as partes subscreveram um “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 02.11.2009, cuja cópia consta a fls. 16 e 17 dos autos, no qual, além do mais, se fez constar que «[a] título de reforço do sinal, a segunda outorgante (A) entregou nesta data aos primeiros (RR) a quantia de € 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil euros), da qual estes dão desde já a correspondente quitação».
Não foi celebrada a escritura pública de compra e venda – arts. 874º e 875º do Código Civil – o que vale por dizer que não foi celebrado o contrato-prometido.
A 1ª Instância não reconheceu à autora o direito de execução específica – art. 830º do Código Civil – essencialmente, por considerar não estar demonstrado que os réus tivessem incumprido o contrato-promessa, nem que a autora tivesse instado os réus ao seu cumprimento.
Contrariamente ao que afirma a recorrente, em momento algum na sentença se diz que a execução específica pressupõe o incumprimento definitivo do contrato, referindo-se aí apenas o incumprimento[2].
Nem podia ser de outra maneira.
Através da execução específica o Tribunal emite sentença que supre a declaração negocial do faltoso, assim dando satisfação ao interesse do credor que não viu cumprida a prestação a que tinha direito, por incumprimento do devedor.
Com o recurso à execução específica pretende-se evitar que o incumprimento se torne em falta definitiva, sendo, por isso, seu pressuposto a simples mora, como o entendem, maioritariamente, a doutrina e a jurisprudência.[3]
Mas, se assim é, então o recurso à mesma por parte do credor só é possível enquanto não houver falta definitiva do cumprimento do contrato-promessa, sendo consequentemente afastado quando se verifique uma das seguintes situações: ou falta definitiva de cumprimento (caso de alienação de coisa a terceiro, quando o contrato promessa não tem eficácia real) ou incumprimento definitivo (perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento - art. 808º do C.C.)”[4].
No caso dos autos cabia aos réus, promitentes-vendedores, marcar a data da escritura pública, tendo sido estipulado a data de 02.11.2009 para o efeito, a qual foi antecipada para 30.04.2010, nos termos do aditamento ao contrato-promessa.
Porém, não se sabe por que razão não foi celebrada a escritura naquela data[5], tendo resultado não provada a matéria de facto alegada pela autora a respeito da não realização da mesma e imputável aos réus (cfr. pontos 1 a 8 dos factos não provados).
Daí que, salvo melhor opinião, nem sequer se pode considerar que os réus estão em mora, pese embora o largo prazo de que dispuseram para aprazar a escritura de compra e venda, encargo que lhes compete, conforme cláusula 4. do contrato-promessa.
Mesmo incumbindo aos réus a marcação da escritura, nada impedia a autora, que considera que aqueles voluntariamente não a marcaram, de fazê-lo, interpelando-os para o cumprimento[6] - art. 808º, nº 1, do Código Civil.
«A interpelação admonitória é uma declaração receptícia que contém três elementos: intimação para o cumprimento; fixação de um termo peremptório para o cumprimento; admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não ocorrer o adimplemento dentro desse prazo»[7].
Não há incumprimento, lato sensu, enquanto a mora não for convertida em incumprimento definitivo, o que se alcança ou pela interpelação admonitória que não é aceite pelo devedor, ou pela perda de interesse do credor na prestação do devedor moroso – art. 808º, nº1, do Código Civil – mais a mais se, como no caso, o prazo para marcação da escritura, apesar de vencido, não foi considerado pelas partes preclusivo do interesse recíproco na execução do contrato, não despoletando a sua resolução (como o atesta a alegação da autora/recorrente).
No acórdão do STJ de 04.03.2008 que vimos acompanhando, citando o ensinamento de J. Baptista Machado[8], escreveu-se:
«[…] O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:
a) O incumprimento definitivo, propriamente dito;
b) A impossibilidade de cumprimento;
c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art. 808º, nº1, do C. Civil;
d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;
e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.
No que respeita à inadimplência por impossibilidade de cumprimento, com J. Baptista Machado (ob. cit., pág. 345), podem configurar-se as seguintes situações:
a) De impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor – art. 793º, nº2;
b) De impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor -art. 801º, nº2;
c) De impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor – art. 802º todos do C. Civil.»
Por nenhum dos outorgantes no contrato-promessa foi imposta ao outro, através de interpelação, a marcação de data para outorga da escritura de compra e venda.
Pressuposto da execução específica – art. 830º, nº1, do Código Civil – é, no caso, a existência de mora, e não o incumprimento definitivo.
Escreveu-se, em conclusão, no acórdão do STJ de 18.06.1996[9]:
«1º) A mora debitoris é o pressuposto da execução específica do contrato-promessa.
2º) A mora debitoris só se verifica depois de o devedor ter sido interpelado (judicial ou extrajudicialmente) para cumprir.
3º) A interpelação para cumprir só pode ser feita a partir do momento em que o credor pode exigir a realização da prestação devida.
4º) As obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual dão lugar a fixação judicial de prazo (…) sempre que o credor não acorde com o devedor quanto ao momento do seu cumprimento».
Por sua vez, na execução específica, «[o] modo como, na prática, o tribunal supre a declaração negocial do faltoso é o de considerar como realizado o contrato prometido (…).
É claro que o tribunal só pode substituir-se ao devedor faltoso no caso de este se recusar a celebrar o contrato prometido, podendo embora fazê-lo»[10].
Os réus, como se viu, nem sequer estão em mora, pese embora o lapso de tempo decorrido desde a data da outorga do contrato-promessa.
A autora/recorrente, na qualidade de promitente-compradora, terá que interpelar os réus aprazando data para a escritura definitiva, para os constituir em mora, já que é notória a passividade destes em cumprir a obrigação assumida no contrato-promessa.
Improcedem, assim, todas as conclusões em sentido contrário da recorrente.
Vencida no recurso, suportará a autora/recorrente as custas do mesmo – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Évora, 16 de janeiro de 2020
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso
Tomé Ramião
__________________________________________________
[1] A ação foi instaurada em 14.11.2009, no domínio do CPC pré-vigente.
[2] Cfr. penúltimo parágrafo da página 10 da sentença, onde se escreveu o seguinte: «A execução específica da promessa consiste na obtenção de uma sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, ou seja a venda prometida (art.º 830º do CC), o que pressupõe a existência de incumprimento do contrato …».
[3] Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, p. 233, nota 160; Calvão da Silva, Sinal… cit., p. 154; na jurisprudência, inter alia, os acórdãos do STJ de 04.03.2008, proc. 08A272, de 08.09.2009, proc. 3917/04.0TBLRA.C1.S1 e de 19.05.2010, proc. 158/06.5TCFUN.L1.S1. todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[4] Cfr., inter alia, os acórdãos do STJ de 05.03.1996, CJ/STJ, Ano IV, Tomo I, p. 115 e de 08.09.2009, citado na nota anterior.
[5] Sabe-se apenas que a autora nunca liquidou o Imposto Municipal sobre as Transmissões e o Imposto de selo na data anterior à indicada para a escritura (ponto 9 dos factos provados).
[6] De notar que resultou não provada a alegada interpelação dos réus para a marcação da escritura (cfr. pontos 1, 3 e 8 dos factos não provados).
[7] Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil, p. 159 (citação extraída do mencionado acórdão do STJ de 04.03.2008, que aqui seguimos de perto).
[8] Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, págs. 348/349.
[9] In CJ/STJ, 1996, tomo II, p. 153.
[10] Acórdão do STJ, de 18.02.1997, in CJ/STJ, 1997, tomo I, p. 111.