Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2644/22.0T8ENT.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: PERSI
ACÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Pressuposto da aplicabilidade do regime do PERSI é a subsistência do contrato de crédito à data da entrada em vigor do D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro.
II. Só a prova da existência da cessação do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e por consequência da sua extinção antes de 1.1.2013, poderia eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma.
III. Tal prova não é feita se a missiva enviada pelo exequente apenas revela, para um declaratário normal postado na posição dos ora executados, a intenção do credor de proceder à cobrança coerciva do montante em dívida mas não de fazer cessar o contrato de mútuo.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

1. “S... – STC, S.A.” instaurou execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum ordinário, contra AA e BB, apresentando como título executivo uma livrança no montante de 20.617,31€, na qual se mostra aposta a data de vencimento de 18.8.2022, pelos mesmos subscrita no âmbito do Contrato de crédito ao Consumo n.º ...56 correspondente ao IDRBES ...65.

Em sede liminar, foi prolatado o seguinte despacho: «Antes de mais, importa esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução (incluindo a data em que terá sido incumprido o contrato subjacente) tendo em vista aferir se, sendo caso disso, foi dado cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
De facto, e na esteira do que tem sido pacificamente entendido ao nível jurisprudencial, sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso - artigo 573.º, n.º 2, e 578.º, do Código de Processo Civil.
Destarte, convido a exequente a alegar e demonstrar, no prazo de 10 (dez) dias, o que tiver por conveniente a propósito da questão ora suscitada».
Em resposta veio a exequente dizer o seguinte:
“1- O Exequente notificado para comprovar o cumprimento da integração dos executados no persi, vem informar que o incumprimento dos contratos por parte dos executados, é anterior ao DL 227/2012.
2- Os Executados entraram em incumprimento com o Novo Banco. S.A. em 08/02/2012, conforme doc n.º 1 e 2 que se juntam aos autos e dão por integralmente reproduzidos.
3- O DL 227/2012 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013, não sendo, por isso aplicável.
4- Face ao exposto requer-se o prosseguimento da presente execução nos exactos termos peticionados».

Subsequentemente, por despacho de 24.1.2023 foi determinada a notificação da exequente para juntar aos autos cópia do contrato que esteve na base da emissão da livrança exequenda, o que a mesma cumpriu em 03-02-2023.

Em 28-02-2023 foi proferido o seguinte despacho:
«Considerando o disposto na Cláusula 13.2 das Condições Gerais ora juntas sob a ref.ª ...41 de 03-02-2023 quanto à necessidade de notificação por carta registada com aviso de recepção e a circunstância de nas cartas datadas de 09-01-2012 que foram juntas com a ref.ª ...89 de 20-12-2022 apenas se anunciar que o contrato seria denunciado, não estando documentada comunicação posterior a concretizar tal denúncia, concedo à exequente um derradeiro prazo de 10 (dez) dias para esclarecer e/ou documentar o que tiver por conveniente a tal propósito».

A exequente, em 27-03-2023, pronunciou-se nos seguintes termos:
“S... – Stc, S.A, Exequente nos autos à margem referenciados e neles melhor identificado, tendo sido notificado do douto despacho datado de 28.02.2023, vem, muito respeitosamente, expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Foi o ora Exequente notificado do douto despacho que refere: “Considerando o disposto na Cláusula 13.2 das Condições Gerais ora juntas sob a ref.ª ...41 de 03-02-2023 quanto à necessidade de notificação por carta registada com aviso de recepção e a circunstância de nas cartas datadas de 09-01-2012 que foram juntas com a ref.ª ...89 de 20-12-2022 apenas se anunciar que o contrato seria denunciado, não estando documentada comunicação posterior a concretizar tal denúncia, (…)”.
2. Cumpre primeiramente referir que as cartas remetidas aos devedores em 07 de Setembro de 2011, juntas com o requerimento apresentado aos autos pelo Exequente em 20.12.2022, com a referência citius ...89, revelam a existência de incumprimento contratual, interpelando-se aqueles para que procedam à regularização dos valores em dívida: “Este contrato, do qual é Titular, encontra-se, na presente data, com um montante em incumprimento, incluindo juros de mora/penalizações, de 76,72€. Para não se agravar ainda mais o valor em dívida e poder regularizar a situação em definitivo, solicitamos o pagamento do montante em dívida até ao dia 15/09/2011.”
3. Posteriormente, foram remetidas novas missivas, para ambos os Executados, em 10 de Novembro de 2011, na qual consta o seguinte: “Não obstante as diligências por nós já efetuadas, ainda se encontra por regularizar o valor em dívida do contrato em epígrafe, no total de 71,31€,no qual se incluem juros de mora/penalizações. Informamos que nesta data o processo transitou para a gestão do Núcleo de Recuperação Externa (…). Se até à data de 19/11/2011 se mantiver o incumprimento, enviaremos o processo para o nosso departamento de Contencioso (…).”
4. Em 09 de Janeiro de 2012 foi remetida outras cartas para os Executados, informando-os de que o seu processo já estaria em fase de contencioso: “Deste modo, e a menos que, num prazo máximo de 10 dias, a contar da data desta carta seja efetuado o pagamento do valor em mora de 166,78€, o contrato acima referido, será denunciado. (…)”.
5. Por fim, e não obstante as várias tentativas do Exequente para que os Executados regularizassem o valor em dívida, em 08 de Fevereiro de 2012, o contrato foi resolvido, conforme se poderá analisar pela missiva enviada aos Executados: “Com efeito e não obstante as tentativas feitas pela E. S. RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma consensual, a falta de pagamento continua a verificar-se. Pelo exposto não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adotar de imediato e sem qualquer outro aviso.”(negrito e sublinhado nosso).
6. Ora, o teor desta última carta que foi remetida aos Executados consubstancia, salvo melhor opinião, uma verdadeira resolução do contrato de crédito celebrado, porquanto, no seguimento das anteriores comunicações nas quais era referido o incumprimento do contrato- tendo sempre sida dada a oportunidade aos Executados de procederem à respetiva regularização-, é referenciado expressamente o recurso à via judicial para cobrança coerciva do valores devidos, em virtude do incumprimento contratual que já se verificava há longo hiato de tempo.
7. Ademais, sempre se dirá que, todas as missivas foram remetidas para a morada contratual indicada pelos Executados, pelo que, impende sobre os mesmos a responsabilidade de informar os seus credores de alguma eventual alteração de morada,
8. O que efetivamente parece não ter acontecido, atendendo a que, as missivas de Aviso de preenchimento de livrança, que foram enviadas com registo e A/R, vieram devolvidas- vide documento 1, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido.
9. Pelo que, se verifica que, o tanto o primitivo Credor, quanto o atual Exequente, tentaram, sempre, comunicar com os Devedores, ora Executados, a fim de virem regularizar o valor em dívida, evitando-se o recurso à via judicial, contudo, os esforços concretizados revelaram-se infrutíferos.
10. Até porque, os Executados, para além de não terem regularizado o valor em dívida, nem se dignaram a atualizar a sua morada junto do seu credor, que desconhece quando é que os mesmos alteraram a sua residência e ainda qual a sua atual morada.
11. Sobre este assunto, veja-se o disposto no douto sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que refere: “A referida interpelação é eficaz, quando dirigida para a morada constante da escritura na qual se formalizou o negócio, ainda que se prove que os executados ali deixaram de residir, já que lhes incumbia, numa conduta contratual criteriosa e diligente, o dever de indicar qualquer posterior alteração de residência.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 2691/10.5TBVNG-B.P1, datado de 12/16/2015).
12. O mesmo Acórdão refere ainda: “Como notam Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, I, 4ª ed., 214), adotaram-se, simultaneamente, os critérios da receção e do conhecimento. Não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário, bastando que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure. Assim, o destinatário ficará vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração, ainda que o texto ou documento em que esta lhe foi dirigida, no caso uma carta, não lhe tenha sido entregue. E ficará igualmente vinculado, nos termos da teoria da receção, logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela.
O que importa, portanto, é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de, só com a sua atividade, conhecer o seu conteúdo. Mas, se porventura o não conhecer, isso em nada afecta a perfeição ou eficácia da declaração.
13. Concluindo, por fim: “Esta solução destina-se principalmente a evitar fraudes e evasivas por parte do declaratário - destina-se a evitar que ele venha alegar falsamente, sem que o declarante tenha possibilidade de refutar a alegação, que não tomou conhecimento da declaração, apesar de esta haver sido posta ao seu alcance. É por isso que se considera eficaz a declaração se o destinatário se recusou a recebê-la, se não abre a sua caixa do correio para retirar a correspondência que lhe é enviada ou se não a foi levantar aos correios não obstante ter sido deixado aviso para isso na sua caixa do correio, se ausentou para parte incerta.”
14. Face a todo o exposto, se conclui que o contrato de crédito ao consumo celebrado se encontra resolvido por incumprimento, tendo tal resolução ocorrido pelo envio da missiva de 08 de Fevereiro de 2012 (vide artigo 5.º do presente requerimento),
15. Acrescendo que, caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a resolução operou com o envio da carta registada com aviso de receção, em 08 de Agosto de 2022, nos termos da qual se referenciou: “Atento o lapso temporal decorrido sem qualquer perspetiva de regularização dos montantes em dívida, resultantes do incumprimento do contrato de crédito supra identificado, cumpre-nos informar V/ Ex.ª. que em 18 de Agosto de 2022 procederemos ao preenchimento da livrança caução subscrita por V/ Ex.ª.(…)”.
16. Ademais, sempre se acrescentará ainda que, caso nenhuma das soluções acima descritas tenha acolhimento junto do douto Tribunal, o que apenas se admite por mero exercício da análise académica, sempre se dirá que a resolução contratual operará com a citação dos Executados, no âmbito dos presentes autos.
17. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que advoga no seu douto sumário: “A ausência de comunicação/interpelação aos fiadores, não afasta, porém, a relevância da posterior citação destes para a execução, considerando-se realizada a necessária interpelação admonitória dos fiadores com essa citação (…). (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 475/04.9TBALB- A.P1.S1, datado de 14 Outubro 2021).
18. Nestes termos, por se considerar que o contrato se encontra resolvido e por existir título executivo válido (livrança assinada pelos Executados), se requer a V. Exa. que se digne a proferir despacho liminar, ordenando a citação dos Executados para pagaram ou se oporem à presente execução.”.

Foi, então, proferido em 27.4.2023 despacho que julgou “ verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente “S... – STC, S.A.”, da demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, decidiu absolver os executados AA e BB da instância executiva, indeferindo liminarmente o requerimento executivo – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, e 726.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil”.

2. É desta decisão que recorre a exequente, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é interposto, tendo por objeto a sentença proferida pelo Tribunal ad quo, a 27 de Abril de 2023, a qual, decidiu julgar procedente uma exceção dilatória inominada de falta de demonstração do cumprimento das obrigações decorrentes do PERSI- Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, nos termos e para os devidos efeitos legais do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro, tendo, consequentemente, indeferido liminarmente o requerimento executivo.
B. Salvo o devido respeito, o Exequente, aqui Apelante, não poderá perfilhar o disposto na douta decisão proferida pelo Tribunal ad quo, por a mesma representar uma interpretação errónea da legislação aplicável aos concretos factos vertidos na presente ação.
Vejamos,
C. No âmbito da sua atividade bancária, o Banco , S.A., atual S.A., celebrou um contrato de mútuo sobre a forma de empréstimo bancário, designado por “Crédito ao Consumo BES” com o nº B0204/...68, a 07 de Dezembro de 2010, que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º NB-02-06..._HG
...65 e que atualmente assume o n.º AA60... com os Executados BB e AA.
D. O contrato foi celebrado pelo valor de € 10.956,16 (dez mil, novecentos e cinquenta e seis euros e dezasseis cêntimos), sendo que, o pagamento deveria ser efetuado em 84 (oitenta e quatro) prestações mensais e sucessivas.
E. Para a garantia do cumprimento das suas obrigações os Executados assinaram uma livrança em branco, estando o Banco mutuante, e o aqui Credor, em virtude das cessões de créditos operadas, autorizado a preenchê-la de acordo com o valor em dívida, o que veio a concretizar-se devido ao facto de os Executados terem deixado de cumprir com as suas obrigações contratuais, ficando em dívida o capital de € 8.803,71 (oito mil, oitocentos e três euros e setenta e um cêntimos).
F. Os Devedores, ora Executados, entraram em incumprimento, quanto às obrigações contratuais assumidas, em Setembro de 2011, pelo que, nesse seguimento, o Credor remeteu várias missivas para que os mesmos efetuassem os pagamento devidos, pondo termo à mora- missivas remetidas em 07.09.2011; 10.09.2011; 09.01.2012.
G. Na missiva de 09.01.2012, o Banco refere que, caso o pagamento do valor em mora não seja efetuado no prazo de 10 dias, o contrato de crédito ao consumo será denunciado.
H. Atendendo ao facto de não ter sido efetuado o pagamento do valor que se encontrava em mora, no supra referido prazo de 10 dias, o contrato de crédito ao consumo foi resolvido, tendo, nesse seguimento, o Banco remetido carta de resolução do contrato, em 08.02.2012.
I. Face a todo o exposto, se conclui que o contrato de crédito ao consumo celebrado se encontra resolvido por incumprimento, tendo tal resolução ocorrido pelo envio da missiva de 08 de Fevereiro de 2012.
Assim sendo,
J. O Decreto- Lei n.º 227/2012, entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013- vide artigo 40.º do diploma.
K. Ora, no presente caso, tendo em consideração que a mora ocorreu em Setembro de 2011 e que em Fevereiro de 2012 o contrato de crédito ao consumo celebrado com os Executados foi resolvido, verifica-se que o regime legal do PERSI não é aqui aplicável.
L. O artigo 39.º do diploma, não é aplicável ao presente caso: o PERSI entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013 e o contrato de crédito foi resolvido em 08 de Fevereiro de 2012, pelo que, naquela data o contrato de crédito já não permanecia em vigor já se encontrando vencida a dívida - não se verificando já, por isso, a situação de mora ou incumprimento aquando da entrada em vigor do PERSI, nem há mais de trinta dias anteriores, legalmente exigível para a aplicação do diploma.
M. Assim sendo, não deveria ter sido indeferida liminarmente a presente execução, visto não se encontrar concretizada a exceção dilatória inominada, de não integração do contrato de crédito ao consumo em PERSI, por não ser aplicável o referido o diploma legal, pelo que, devem as presentes Alegações de Recurso ser julgadas procedentes, e, em consequência, revogar-se e substituir-se a douta Sentença, por forma a que os presentes autos sigam os seus ulteriores termos, mormente com a citação dos Executados para pagarem ou se oporem à presente execução.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o mui Douto suprimento de Vs. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, deve ser dado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, revogando na íntegra a douta sentença proferida pelo Tribunal ad quo.
Assim V. Exas., Venerandos Desembargadores, farão A COSTUMADA JUSTIÇA!

3. Não houve contra-alegações.

4. O objecto do recurso- delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) – circunscreve-se apenas à questão de saber se o regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25-10 é de aplicar à presente execução.

II. FUNDAMENTAÇÃO

5. Os factos a considerar no âmbito deste recurso são os que se deixaram exarados no antecedente relatório, sendo de relevar os seguintes:
5.1. O contrato de mútuo relativamente ao qual foi emitida a livrança (então em branco) dada à execução foi celebrado em 7.12.2010;
5.2. Os executados deixaram de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados em data anterior a 8.2.2012;
5.3. A primeira cessão de créditos (do Novo Banco, S.A. para a sociedade L..., S.A.R.L) ocorreu em 22.12.2018 e a segunda cessão de créditos (desta última para a sociedade exequente) em 3.4.2020;
5.4. A livrança foi preenchida com data de vencimento de 18.8.2022;

6. Do mérito do recurso: Da (in)aplicabilidade do regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25-10 à presente execução.

Como é consabido, o D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro que veio instituir o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, doravante designado por PERSI, entrou em vigor em 1.1.2013 e é aplicável a todos os clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

Com o Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) “os clientes bancários beneficiam de um conjunto de direitos e de garantias para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais.”

No caso, a livrança dada à execução era inicialmente uma livrança em branco, que a exequente veio a preencher tal como resulta do escrito junto ao requerimento inicial, apondo-lhe o montante de 20.617,31€ e a data de vencimento de 18.8.2022.

A livrança (tal como a letra) em branco é claramente admitida pelo artº 10º da LULL, sendo que in casu foi emitida para assegurar o pontual cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato de mútuo outorgado em 7.12.2010 entre o Banco , S.A., actual S.A., designado por “Crédito ao Consumo BES”.

Pressuposto da aplicabilidade do citado regime do PERSI é a subsistência do contrato de crédito à data da entrada em vigor do D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro.

Efectivamente, dispõe o artigo 39.º sob a epígrafe “Aplicação no tempo” o seguinte:
“1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”.

Para justificar a inaplicabilidade do regime ao contrato em apreço, o apelante invocou (e invoca) que o contrato foi resolvido em 8.2.2012. i.e. antes da entrada em vigor do diploma, louvando-se, para tanto, numa missiva que endereçou aos executados, com tal data, e que tem o seguinte teor:
«(…)
ASSUNTO: REGULARIZAÇÃO DO CONTRATO Nº ...56
PROCESSO Nº ...09
(…)
Vimos por este meio comunicar que o processo de CI – Crédito Individual de que é Titular se encontra já em fase de Contencioso.
Com efeito e não obstante as tentativas feitas pela E. S. RECUPERAÇÃO DE CRÉDITO, ACE para que esta situação de incumprimento fosse resolvida de forma consensual, a falta de pagamento continua a verificar-se.
Pelo exposto não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adoptar de imediato e sem qualquer outro aviso.
Mais informamos que estamos, igualmente, a notificar o(s) restante(s) interveniente(s) deste contrato. (…)»;


Para justificar a ineficácia desta carta enquanto declaração resolutória, escreveu-se na decisão recorrida o seguinte: “Ademais, não procede o argumento da exequente no sentido de, surgindo na sequência das anteriores, as missivas de 08-02-2012 devem ser interpretadas como uma verdadeira resolução contratual.
Dizer-se que não resta «outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adoptar de imediato e sem qualquer outro aviso» não pode, de modo algum, corresponder a uma eficaz comunicação da resolução do contrato nem, sequer, da ocorrência de incumprimento definitivo, muito menos quando esse procedimento só foi adoptado, como vimos, mais de 10 anos depois e já em plena vigência do regime do PERSI.
Seguindo agora na esteira das judiciosas considerações tecidas, a propósito de questão similar, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-10-2022 (publicado na Colectânea de Jurisprudência N.º 321, Ano XLVII, Tomo IV/2022, pp. 113 a 119), diremos que a então credora não poderia pretender transmitir a sua posição sobre o contrato em causa «duma forma tão dúbia e tão pouco assertiva, nomeadamente porque não se estava a dirigir sequer a um/a profissional», mas a simples consumidores.
Destarte, e para concluir em termos similares a tal aresto, o contrato não estava resolvido, sendo a sua situação jurídica de simples mora, pelo que a execução não poderia ter sido intentada sem o prévio cumprimento do PERSI.
Nesta linha de raciocínio, parece clarividente, com o devido respeito, a irrelevância da subsidiária alegação de harmonia com a qual «a resolução operou com o envio da carta registada com aviso de receção, em 08 de Agosto de 2022» (cfr. inciso 15 da pronúncia que consta da ref.ª ...31 de 27-03-2023).”.

Não podemos deixar de acompanhar estas afirmações.

E, por isso, também não entendemos que esta missiva corporize uma verdadeira e própria resolução negocial: para além de não fazer menção a esse instituto , a consideração de que a resolução (um dos modos possíveis de extinção dos contratos) opera por meio de declaração unilateral, receptícia, do credor pressuporia em todo o caso, para ser considerada eficaz como declaração resolutiva, que pudesse ser deduzida de actos que revelassem um sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, a apurar de acordo com a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário ( art.º 236º, nº1 do Cód. Civil).

O que a referida carta revela, para um declaratário normal postado na posição dos ora executados, é a intenção do credor de proceder à cobrança coerciva do montante em dívida mas não de fazer cessar o contrato de mútuo.

Só a prova da existência de resolução do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e por consequência da sua extinção antes de 1.1.2013, poderia eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma, os quais, aliás confessadamente, não trilhou.

Tendo tal procedimento aplicação obrigatória quando o cliente bancário consumidor incorre numa situação de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, constituindo um instrumento extrajudicial de proteção daquele, imposto às instituições bancárias, impeditivo de, antes do seu decurso, serem desencadeados procedimentos judiciais com vista à satisfação desses mesmos créditos, estava vedado ao ora exequente intentar qualquer acção judicial tendente a obter o pagamento.

Por conseguinte, se previamente não tiver havido integração dos mutuários em PERSI, como aqui não sucedeu, ocorre uma excepção dilatória insuprível, que determina a extinção da instância executiva, como na decisão recorrida bem se decidiu.

III. DECISÃO
Por todo o exposto se acorda em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 11 de Janeiro 2024
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Manuel Bargado
Maria Adelaide Domingos