Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ANTÓNIO M. RIBEIRO CARDOSO | ||
| Descritores: | INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL CAUSA DE PEDIR CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 01/19/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | COMARCA DE PORTIMÃO – 3º JUÍZO CÍVIL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Sumário: | 1 - A aptidão ou ineptidão da petição tem que ser aferida exclusivamente em face dos seus próprios termos e não em conjugação com a matéria da contestação 2 - A limitação legalmente imposta à responsabilidade dos sócios constitui uma limitação à sua condenação mas não um impedimento à mesma. 3 - Mesmo sendo a petição omissa quanto aos requisitos previstos no art. 163º do Código das Sociedades Comerciais, concretamente, o de terem os réus (de responsabilidade não ilimitada) beneficiado na partilha, a petição não é inepta já que não impende sobre o A o ónus de alegar os factos integradores desses requisitos. 4 – Consubstanciando as omissões da petição a sua ineptidão, não é o vício susceptível de sanação através do aperfeiçoamento. 5 - A consequência da ineptidão é a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da petição, nos casos em que ainda é admissível (artº 234º-A do Código de Processo Civil) 6 - Se a causa de pedir existe mas é insuficiente, a consequência é a improcedência da acção, situação em que o convite ao aperfeiçoamento deve ter lugar. 7 - Sendo formulado o convite com base na insuficiência e não sendo aceite, a consequência é a improcedência da acção e a absolvição do pedido e não da instância. | ||
| Decisão Texto Integral: | O CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO… intentou a presente acção com processo ordinário contra …, LDA., J… e A…, pedindo que a condenação solidária destes a fazerem, a expensas suas, as obras (mão de obra e material) inventariadas no auto de vistoria da Câmara Municipal de Portimão, no prazo ali estimado em 30 dias após o trânsito em julgado desta acção, ou para o caso de, findos que sejam aqueles 30 dias, a obra se não achar, nem iniciada, nem acabada, devem os mesmos RR, ser solidariamente condenados a suportar as despesas que terceiros venham a ter, seja com o começo e acabamento das ditas obras, seja apenas e só com o seu acabamento. Como fundamento alegou que a Ré JPCJ procedeu à construção do edifício, de cujo condomínio é a A. administradora, tendo a entrega das partes comuns ao condomínio ocorrido em 21 de Setembro de 2005. O edifício apresenta, todavia, diversos vícios e deficiências de construção que foram começando a aparecer e que necessitam de ser reparadas de forma a evitar maiores danos, tendo a A sido mandatada em assembleia de condóminos para implementar os meios legais para a sua reparação. A sociedade referida foi dissolvida sendo os RR J… e A… os liquidatários e únicos sócios, daí o terem sido demandados uma vez que respondem individualmente. Citados, contestaram os RR J… e A…, por si e na qualidade de liquidatários da R. J…, LDA. invocando a sua falta de citação, mas reconhecendo a sanação da nulidade com a sua intervenção, a indefinição do estatuto processual dos RR, já que limitando-se a sua responsabilidade ao montante que receberam na partilha da sociedade Ré, não podem ser demandados pessoal e ilimitadamente, sendo, por conseguinte inepta a petição “por inexistência ou insuficiência da causa de pedir” quanto a eles. Suscitam ainda o incidente do valor da acção e excepcionam a caducidade do direito de acção por terem decorrido mais de 5 anos sobre a data da entrega das partes comuns do edifício. Impugnam ainda a factualidade alegada pela A. relativa aos vícios e deficiências da construção. Na réplica o A. respondeu às excepções. Foi de seguida proferido despacho julgando, tabelarmente, o tribunal competente e absolvendo a Ré J…, LDA., da instância por falta de personalidade judiciária face à sua dissolução e encerramento da liquidação. Proferiu-se ainda despacho do seguinte teor: “No que se refere aos réus pessoas singulares J… e A… foram apenas demandados na qualidade de ex-sócios da J…. Arguiram o desconhecimento dos fundamentos porque são demandados, concluindo pela ineptidão da petição inicial. É verdade que a petição apenas faz menção ao art. 163.º do Código das Sociedade Comerciais ("passivo superveniente"), entre outros, e é omissa quanto a requisitos aí previstos, concretamente, o de terem os réus (de responsabilidade não ilimitada) beneficiado na partilha (é esse o limite da respectiva responsabilidade). Por isso, nos termos do art. 508. º, n.º 1, al. b). do CPC convido o autor a precisar os elementos em falta, procedendo-se depois à citação dos réus com observância das formalidades legais, preteridas antes tal como foi sinalizado pelos próprios.” Não tendo o A. respondido ao convite e remetendo-se ao silêncio, foi proferido o seguinte despacho: “Autor: Condomínio do Prédio… Réus: J…, casado, e A…, casada, ambos residentes em Portimão. Na sequência do despacho anterior que consistia num convite ao aperfeiçoamento da petição inicial - que não continha a factual idade relevante que permitisse, como requerido, a condenação a final dos réus - o autor nada consignou. Assim, tendo presente a argumentação expendida antes, sem a factualidade a que se fazia referência não é possível responsabilizar os réus na qualidade de ex-sócios de uma empresa. Por isso, por verificação de excepção dilatória (antes não foi julgada tão grave que conduzisse logo à ineptidão da petição inicial), absolvo os réus da instância. Custas pelo autor. Valor: o indicado.” Inconformado, interpôs o A. o presente recurso. Não foram apresentadas contra-alegações. Atenta a simplicidade do objecto do recurso foram dispensados os vistos. Formulou o apelante as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objecto do recurso [1] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: “I- O Condomínio Autor, ora Apelante, intentou a acção identificada em epígrafe, contra a empresa "J…, Lda." e os seus dois sócios J… e A…, II- Com o fito de, conforme consta do pedido principal formulado em sede de PI, os ver "solidariamente condenados a fazerem, a expensas suas, as obras (mão de obra e material) inventariadas no auto de vistoria da Câmara Municipal de Portimão, no prazo máximo ali estimado de 30 dias após o trânsito em julgado desta acção". III- Como não podia deixar de ser, a PI possui causa de pedir e pedidos. IV- Porém, na contestação, os RR./ J… e A…, que se defenderam por excepção e por impugnação, vieram dizer que a citação havia sido incorrectamente feita (embora reconhecessem a inocuidade da alegação, visto estarem a contestar), e que, a PI, era inepta, por nela se não fazer uma exacta caracterização do seu estatuto de meros sócios liquidatários da 3a Ré, a empresa "J…, Lda.", entretanto dissolvida, e que dessa mesma peça deveria também constar que, os mesmos, só respondiam até ao limite do montante que haviam recebido na partilha do património da dita empresa. V- O A. contradisse tais alegações na Réplica. VI- Findos os articulados, a Senhora Juiz do a quo prolatou despacho pré-saneador, com data de 27/4 p.p., em que disse que o A. não havia indicado, na PI, os requisitos previstos no art. 163° do CSC, como seja não ter dito que a responsabilidade dos RR. era limitada, e convidando o A., ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 508° do CPC, a "precisar os elementos em falta, procedendo-se depois á citação dos RR. (...)". VII- Tal não correspondia, no entanto, à verdade, já que, o A., na parte do intróito destinada á identificação das partes, havia indicado todos os artigos do CSC que caracterizavam o estatuto de sócios liquidatários que os RR. detinham na acção e, ademais, o art. 163° do CSC não indicava quaisquer requisitos a preencher pelo Autor/Apelante, sendo que nunca este poderia dizer, dos RR., serem eles beneficiários da partilha do património da empresa de que eram sócios liquidatários, e em que montantes, por o ignorar de todo, e a alegação e prova disso competir aos mesmos RR.. VIII- O despacho pré-saneador é irrecorrível, por força do disposto no nº 6 do art. 508° do CPC, mas a sua apreciação, ainda que breve, nesta sede, é indispensável, por a Senhora Juiz nele se haver estribado para tirar a decisão de absolvição dos RR. da instância, no despacho de 16/6, que é o verdadeiro objecto deste recurso de Apelação. IX- Assim, teremos ainda que dizer, a seu propósito, que o mesmo foi tirado ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 508° do CPC, embora a Senhora Juiz não no-lo diga, limitando-se a louvar-se na al. b) do nº 1 do art. 508° do CPC, e foi-o atenta a redacção do porquê da sua prolação, no mesmo exarada e, ainda, por nenhuma alusão nele se fazer à al. a) do nº 1 do mesmo artigo e respectivo conteúdo, ou sequer ao seu nº 2 (e respectivo conteúdo). X- Acresce que o convite feito ali pela Senhora Juiz decorre do facto, por si expressamente declinado, de a mesma entender padecer, a PI, de incompletude (ou por ser um articulado imperfeito por facticamente insuficiente, ou por ser facticamente impreciso/inexacto ou inconcreto). XI- Ora, um tal despacho convidativo visava, apenas e só, a apresentação, pelo A., de um "articulado inicial judicialmente estimulado", como lhe chamam Montalvão Machado e Paulo Pimenta, e, quando assim é, como é, a coisa só pode subsumir-se em quanto estatuído se acha do nº 3 do art. 508° do CPC. XII- Achamo-nos pois, aqui, face a um despacho pós-saneador facultativo/discricionário e de mero aperfeiçoamento que, como também dizem António Montalvão Machado e Paulo Pimenta in "O novo Processo Civil", 10ª edição, págs. 210/211, Almedina 2008, e o STJ tem reiteradamente decidido, tem esta característica: "o não acatamento deste convite ao aperfeiçoamento não gera quaisquer consequências directas imediatas, muito menos quaisquer sanções", como aliás "se retira indirectamente do art. 508° 4 do CPC, pois que aí se refere a mera possibilidade de as partes acederem ao convite", sendo que, "se as partes querem permanecer na imperfeição fáctica" - que foi a opção do A. no caso vertente -, "se insistem (pela sua passividade) na insuficiência e imprecisão da alegação (ou da impugnação), tal PODERÁ por em causa as respectivas pretensões". XIII- "Trata-se de um risco a que as partes se sujeitam, NÃO PODENDO O JUIZ CONTRARIAR TAL ATITUDE" (cfr., a propósito de tudo quanto vem de dizer-se acima, entre outros, os Acs. do STJ de, respectivamente: 30/4/2003 (data do acórdão), tirado no Proc. 03B560 e relatado por Araújo de Barros,; 21/9/2006 (data do acórdão), tirado no Proc. 06B2772, relatado por Salvador da Costa; 21/11/06 (data do acórdão), tirado no Proc. 06ª3687, relatado por Sebastião Povoas e, de 13/7/10 (data do acórdão), tirado no Proc. 122/05.1TBPNC.C1.S1, relatado por Ferreira de Almeida). XIV- Isto dito, e voltando-nos agora para o despacho objecto desta Apelação, datado de 16/6 p.p., mister é dizer dele o seguinte: que conjugando-o com o pré-saneador, nele nunca se poderia ter decidido, como decidiu, absolver da instância os RR., por ineptidão da PI. XV- Isto porque a mesma Senhora Juiz, logo no 1º parágrafo do despacho analisando, expressamente fez constar que, o anterior, de 27/4, era seu fundamento, e continha - como vimos que contém -, "um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial" formulado ao abrigo do disposto no art. 508°, nº 1, al. b), do CPC". XVI- Ora, como se exarou na súmula 2) do Ac. STJ de 21/11/06 (data do acórdão), tirado no Proc.06A3687, relatado por Sebastião Povoas, os despachos de aperfeiçoamento tirados ao abrigo da al. b) do nº 1 e nº 3 do art. 508° do CPC, consubstanciam meras faculdades, não se podendo, nunca, pela via do nº 3 do aludido art. 508° do CPC, suprir uma "ineptidão da petição", só se podendo suprir "outras irregularidades ou deficiências puramente processuais", "que não aspectos substantivos ou materiais" (cfr. a súmula 4 do Acórdão referido). XVII- Como também se diz na súmula 5) do mesmo Acórdão: "a omissão do núcleo essencial da "causa petendi" não é suprível pela via do despacho de aperfeiçoamento"! XVIII- Por fim há a enfatizar que, o não acatamento do convite ao aperfeiçoamento, formulado em sede de despacho pré-saneador, como é o caso, não gera quaisquer consequências concretas imediatas, muito menos quaisquer sanções", como "se retira indirectamente do art. 508°/4 do CPC", "pois que aí se refere a mera possibilidade de as partes acederem ao convite" (António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, ob. e loc. cit.). XIX- Ora, se a tudo isto juntarmos que, como acima também demonstrámos, a PI destes autos está longe de ser inepta, uma vez que possui causa de pedir (cfr. a definição que desta é dada no Ac. do STJ de 30/4/03 (data do acórdão), tirado no Proc. 03B560, relatado por Araújo de Barros) e pedidos inteligíveis, inexistindo qualquer contradição ou incompatibilidade entre a causa de pedir e os pedidos (coisa a que, de resto, os RR. nunca aludiram), sendo que "não é inepta a petição cujo quadro factual revele claramente o facto concreto - simples ou complexo - em que o autor fundamenta o pedido, ainda que esse quadro seja insuficiente para integrar a norma jurídica favorável à pretensão do autor" (cfr. o Ac. RE de 20/5/90, in BMJ, 397-590), temos traçado o quadro em que se deve mover a decisão a tirar por esse Venerando Tribunal, a propósito do despacho sob recurso, XX- Não esquecendo nunca que, fosse em que circunstância fosse, e tivesse destas matérias a opinião que tivesse, uma coisa não podia, nunca, a Senhora Juiz da 1ª Instância fazer: não podia ter decidido como decidiu, sem antes ter dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 193° do CPC, coisa que não fez, violando aquele dispositivo legal, bem como o estatuído no art. 3º/3 do mesmo Código, r acabando por produzir uma decisão-surpresa. XXI- Venerandos Desembargadores, atento o vindo de expor, parece-nos que, o despacho de 16/6, ora sob recurso, padece de nulidade por excesso de pronúncia, pelo que, de acordo com quanto previsto se acha na 2ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC, devem V. Exas. declarar a aludida nulidade, com todas as legais consequências (cfr., a este propósito, o eloquente Acórdão da Relação do Porto de 20/4/10 (data do acórdão), tirado no processo nº 175/2002.P1, relatado por Canelas Brás). XXII- Caso assim não entendam, devem, então, ter por manifesta, declarando-a com todos os legais efeitos, a ocorrência, no caso, de uma nulidade decorrente de quanto previsto se acha na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC; XXIII- Caso ainda assim não entendam, então devem anular o despacho analisando, por omissão de pronúncia, decorrente, desta vez, do não cumprimento do disposto no nº 3 do art. 193º do CPC; XXIV- Caso não partilhem da nossa opinião quanto a uma qualquer das nulidades referidas, devem, então, anular a decisão tirada, ordenando a prossecução dos autos, por a PI possuir causa de pedir e pedidos, os mesmos serem inteligíveis, não se contradizerem, nem serem incompatíveis, tanto assim que os RR. os entenderam cabalmente, a ponto de apresentarem contestação, com defesa por excepção e por impugnação! XXV- Antes disto porém, e porque cronologicamente antecede a apreciação deste despacho de 16/6, devem V. Exas. determinar se anule o despacho constante da parte final do despacho pré-saneador - perdoe-se-nos a redundância -,ordenado que ali passe a figurar, apenas e só, a expressão "procedendo-se depois à notificação dos réus", ao invés da que lá consta, que é: "procedendo-se depois à citação dos réus com observância das formalidades legais, preteridas antes tal como foi sinalizado pelos próprios", atento o facto de o mesmo poder e dever ser destacado do despacho pré-saneador.” ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO Face às conclusões formuladas e pese embora a sua desnecessária prolixidade, a única questão para decidir consiste em saber se a petição inicial é inepta. Vejamos então a referida questão que constitui o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas a questão suscitada [2]. Antes de mais, dir-se-á que a aptidão ou ineptidão da petição tem que ser aferida exclusivamente em face dos seus próprios termos e não em conjugação com a matéria da contestação. Entendeu o tribunal “a quo” que a petição inicial é inepta pelo facto dos réus pessoas singulares J… e A… terem sido apenas demandados na qualidade de ex-sócios da J… e terem arguido, na contestação, o desconhecimento dos fundamentos porque são demandados, concluindo pela ineptidão da petição inicial fazendo a petição apenas faz menção ao art. 163.º do Código das Sociedade Comerciais ("passivo superveniente"), entre outros, e sendo omissa quanto a requisitos aí previstos, concretamente, o de terem os réus (de responsabilidade não ilimitada) beneficiado na partilha (é esse o limite da respectiva responsabilidade). E, porque, tendo sido formulado o convite para o autor a precisar os elementos em falta e não tendo correspondido ao convite, considerou o tribunal “a quo” que as insuficiências de alegação tornavam inepta a petição. Estabelece o art. 193º, nº 2 do Código de Processo Civil que “diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.” O despacho em apreço não especifica qual a deficiência, das previstas, que no caso, torna a petição inepta. Porém, como se refere que o A., apesar de ter invocado o art. 163º do CSC para demandar os RR pessoas singulares, não indicou os requisitos aí previstos, concretamente, o de terem os réus (de responsabilidade não ilimitada) beneficiado na partilha (é esse o limite da respectiva responsabilidade), infere-se que, na tese do tribunal recorrido, a petição é inepta por faltar a indicação da causa de pedir relativamente aos RR pessoas singulares. Mas vejamos. Como expressamente consigna na petição, o A. demanda os RR., pessoas singulares, “de acordo com os arts. 146º, (152º/3-b), 154º/1, 158º, 162º e 163º, do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que aquela sociedade foi dissolvida respondendo os sócios individualmente, se disso for caso”. São do seguinte teor as normas invocadas: “Artigo 154º Liquidação do passivo social 1 – Os liquidatários devem pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social.” “Artigo 158º Responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais 1 – Os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados. 2 – Os liquidatários cuja responsabilidade tenha sido efectivada, nos termos do número anterior, gozam de direito de regresso contra os antigos sócios, salvo se tiverem agido com dolo.” “Artigo 162º Acções pendentes 1 – As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs. 2, 4 e 5, e 164º, nºs. 2 e 5. 2 – A instância não se suspende nem é necessária habilitação.” “Artigo 163º Passivo superveniente 1 – Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada. 2 – As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles. 3 – O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no nº 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas. 4 – Os liquidatários darão conhecimento da acção a todos os antigos sócios, pela forma mais rápida que lhes for possível, e podem exigir destes adequada provisão para encargos judiciais. 5 – Os liquidatários não podem escusar-se a funções atribuídas neste artigo, sendo essas funções exercidas, quando tenham falecido, pelos últimos gerentes ou administradores ou, no caso de falecimento destes, pelos sócios, por ordem decrescente da sua participação no capital da sociedade.” Ora, perante esta invocação expressa dos transcritos preceitos legais, conclui-se que os RR. são demandados enquanto liquidatários e enquanto sócios da sociedade dissolvida. Aliás, como se vê da documentação junta pelo A., os apelantes eram os únicos sócios da sociedade. É assim patente e carece de alicerce a alegação dos RR de que desconhecem o fundamento porque foram demandados. Foram-no na dupla qualidade de únicos sócios e de liquidatários. Nos termos da decisão recorrida a petição é inepta pelo facto do A., embora tendo invocado o art. 163º do CSC, não ter alegado os requisitos aí previstos, concretamente, o de terem os réus (de responsabilidade não ilimitada) beneficiado na partilha (é esse o limite da respectiva responsabilidade). Mas, salvo melhor opinião, esta omissão não acarreta a ineptidão da petição. É certo que o preceito em causa limita a responsabilidade dos sócios de responsabilidade limitada, pelas dívidas supervenientes à partilha e liquidação da sociedade, ao montante que receberam na partilha. Mas significa esta limitação da responsabilidade que apenas podem ser demandados com expressa invocação dos valores que receberam na partilha? Entendemos que não. A limitação em causa constitui excepção à responsabilidade ilimitada dos sócios e, nessa medida, um eventual balizamento parcial ao pretendido direito indemnizatório invocado pelo A.. Dito de outra forma, o montante que os sócios receberam na partilha limita e impede, no excedente, o invocado direito à reparação dos vícios ou à responsabilidade pelo pagamento da sua reparação. A limitação legalmente imposta à responsabilidade dos sócios constitui assim, uma limitação à condenação mas não um impedimento à mesma. Peticionando-se a condenação correspondente ao valor da reparação, e sendo esta superior ao que receberam em partilha, o pedido apenas poderá proceder parcialmente e com este limite. O A. pede a responsabilização pela totalidade do valor da reparação. Os RR alegam que a sua responsabilidade se limita ao montante que receberam na partilha. O invocado limite constitui um impedimento à eventual procedência total do pedido e ao direito de que o A. se arroga. Assim, por força do disposto no art. 342º/2 do Código Civil, é sobre os RR que impende o ónus de alegar e provar o montante recebido na partilha. Consequentemente, mesmo sendo omissa quanto aos requisitos… previstos no art. 163º do CSC), concretamente, o de terem os réus (de responsabilidade não ilimitada) beneficiado na partilha, a petição não é inepta já que não impendia sobre o A o ónus de alegar os factos integradores desses requisitos. Acresce que não sendo a partilha um acto sujeito a registo, mas apenas o encerramento da liquidação (art. 160º do CSC e 3º/1/t) do Código do Registo Comercial - CRC) e destinando-se o registo a dar publicidade à situação jurídica da sociedade comercial, tendo em vista a segurança do comércio jurídico (art. 1º do CRC), não era o A. obrigado a conhecer os termos da partilha e, nomeadamente, os montantes recebidos pelos RR.. E, não o sendo, sobre ele não impendia o ónus de alegar factos que não são do seu conhecimento. Mas ainda que assim se não entendesse, a arguida ineptidão não poderia proceder face ao estabelecido no nº 3 do art. 193º do Código de Processo Civil (se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial). É que os RR, invocando, embora, a ineptidão, contestaram os factos alegados e, apesar do A. não ter sido ouvido, é evidente que os RR interpretaram correctamente a petição, como claramente resulta dos termos da contestação. Importa ainda referir que, não se entende o despacho convidativo do A. ao aperfeiçoamento. Na verdade, consubstanciando as alegadas omissões ineptidão da petição por ausência de causa de pedir, o vício não seria susceptível de sanação através do aperfeiçoamento. É que a ineptidão da petição, nos termos do art. 193º do Código de Processo Civil, torna nulo todo o processo, nulidade que apenas admite como excepção a prevista no nº 3 do mesmo preceito e atrás transcrito, não sendo a falta suprível com o convite ao aperfeiçoamento [3]. A consequência da ineptidão é a absolvição da instância ou o indeferimento liminar da petição, nos casos em que ainda é admissível (artº 234º-A do Código de Processo Civil). Mas se a causa de pedir existe mas é insuficiente, a consequência é a improcedência da acção, situação em que o convite ao aperfeiçoamento deve ter lugar. Sendo formulado o convite com base na insuficiência e não sendo aceite, impunha-se a improcedência da acção e a absolvição do pedido e não da instância. No caso, tendo-se considerado existir uma omissão de alegação, o vício seria, como referido, a falta e não a insuficiência de causa de pedir, com a consequente ineptidão da petição, não sanável pelo aperfeiçoamento. É claro que tendo sido dirigido o convite ao aperfeiçoamento, ainda que processualmente inadequado, nada obstaria a que, numa segunda fase e perante a passividade do A., se entendesse que a falta era de gravidade superior e integradora do vício de ineptidão. Neste caso e ao contrário do alegado, não é o segundo despacho o incorrecto mas o primeiro. Em suma, entendemos que a petição não é inepta e, por isso, o recurso merece provimento. DECISÃO Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação: 1. Em conceder provimento ao recurso; 2. Em revogar a douta decisão recorrida; 3. Em ordenar o prosseguimento dos autos; 4. Em condenar nas custas a parte que, a final, for vencida. Évora, 19.01.2012 (António Manuel Ribeiro Cardoso) [1] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111. (Acácio Luís Jesus Neves) (José Manuel Bernardo Domingos) __________________________________________________ [2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC. [3] Neste sentido o ac. da RL de 2.02.2010, proc. nº 6178/07.5TBOER.L1-1, in www.dgsi.pt |