Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
288/17.8GBSLV.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: CRIME DE AMEAÇAS
ELEMENTO SUBJECTIVO
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Não é de rejeitar a acusação quando esta, na sua globalidade, consente a perspetiva da adequação da ameaça e de que o arguido a não desprezou, sendo certo que tem de ser vista por referência ao acontecimento da vida ali narrado, não prescindindo da proporcionalidade que lhe é inerente, mormente, a compreensão que o mesmo permita, em razão das regras de normalidade.

II - Ao alegar-se que o arguido atuou livre e agiu consciente, reportado à vertente objetiva que se desenhou, está-se a dizer que teve consciência do carácter intimidatório da sua postura perante a ofendida.

III – Por outro lado, atento o tom utilizado pelo arguido e a natureza das expressões que dirigiu à ofendida, a vontade de intimidá-la está intimamente relacionada à atuação deliberada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos, deduzida acusação pelo Ministério Público contra o arguido FF, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal (CP), em concurso real com um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1, conjugado com o art. 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do mesmo diploma legal e, remetidos para julgamento, proferiu-se despacho, no Juízo de Competência Genérica de Silves do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que, ao abrigo do art. 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), rejeitou a acusação na parte em que imputou o referido crime de ameaça agravada.

Inconformado com tal despacho, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as conclusões:


Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho pelo qual foi decidido, ainda que parcialmente, rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Publico por esta se mostrar manifestamente infundada, ao abrigo do disposto pelo art. 311º, nº2, al. a) e nº 3, al. d), do C.P.P.;


Ora, “manifestamente infundada é a acusação que, por forma clara e evidente, é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, por a insuficiência de indícios ser manifesta e ostensiva, no sentido de inequívoca, indiscutível, fora de toda a dúvida séria, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo a designação de julgamento flagrante violência e injustiça para o arguido, em clara violação dos princípios constitucionais”. (Ac. da Relação de Lisboa de 16.05.2006, disponível in www.dgsi.pt);


A M.ma Juiz recorrida considerou a acusação manifestamente infundada, por dela não constarem factos que preencham o elemento subjectivo do crime, suportando tal entendimento com a jurisprudência fixada pelo AFJ nº 1/2015;


A acusação não só não é completamente desprovida de factos, de forma clara e evidente, como também se verifica que da mesma constam factos que preenchem, de forma suficiente e bastante, o elemento subjectivo;


Consta claramente dos arts. 21º e 22º, da acusação que “o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais condutas não eram permitidas e que as mesmas eram punidas por lei.”;


Destes factos, que constam da acusação, resulta que o arguido representou os factos, e resolveu praticá-los, não restando dúvidas que se encontram alegadas na acusação a vontade e a intenção do arguido de cometer o crime que lhe vem imputado;


Por último, temos para nós que cabe ao juiz de julgamento apurar a verdade material dos factos, e não cingir-se a uma visão formal do objecto da acusação;


O que o Juiz não pode é antecipar-se ao julgamento, como fez a M.ma Juiz a quo – “o mérito da acusação só em julgamento pode e deve ser apreciado” (Acs. da Rel. Coimbra de 27.04.1994 e de 15.02.1995, in BMJ 436 e 444, págs. 455 e 721, respectivamente);


A jurisprudência fixada pelo AFJ nº 1/2015 não se quis referir directamente ao momento processual a que se reporta o art. 311º, do C.P.P., antes fixou a jurisprudência de que é inaplicável o mecanismo previsto no art. 358º, do C.P.P. para a alteração não substancial de factos, aos casos de falta de descrição, na acusação, dos factos integradores dos elementos subjectivos do crime;

10º
Termos em que, decidindo como decidiu, a M.ma Juiz recorrida violou o disposto pelo art. 311º, nº2, al. a), e nº 3, al. d), do C.P.P.

Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, o douto despacho ora recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que determine a remessa dos autos para julgamento pela prática, pelo arguido, do crime de ameaças agravadas que lhe vem imputado, com a designação de data para realização da audiência de julgamento também nessa parte.

O recurso foi admitido.

O arguido não apresentou resposta.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concordando com a argumentação do recurso e no sentido que o despacho recorrido seja alterado conforme proposto.

Foi observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP.

Assim, reside em apreciar da alegada violação do art. 311.º do CPP, ao ter sido, pelo despacho recorrido, rejeitada a acusação na parte atinente à imputação do crime de ameaça agravada.

No que ora releva, consta do despacho recorrido:
O Digno Magistrado do Ministério Público acusou FF entre o mais pela prática de factos que em seu entender integram a prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º1, conjugado com o artigo 155.º, nº1, al. a), ambos do mesmo diploma legal.

Dispõe o artigo 311.º do Código de Processo Penal que:

1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.

2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;
b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284.º e do n.º 4 do artigo 285.º, respectivamente.

3-Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) Quando não contenha a identificação do arguido;
b) Quando não contenha a narração dos factos;
c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam;
ou
d) Se os factos não constituírem crime.

Resulta do disposto no artigo 283.º, n.º3, do Código de Processo Penal a acusação tem que narrar, ainda que sinteticamente, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para determinação da sanção que lhe deve aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis (alíneas b) e c) do citado preceito).

E tal exigência legal deriva da circunstância de ser a acusação que fixa o objecto do processo, delimitando o âmbito da ulterior actividade investigatória a desenvolver pelo juiz, nomeadamente na fase de julgamento. Deve, pois, conter a descrição fáctica com a indicação precisa e completa dos factos que o Ministério Público entende estarem indiciados, integradores, tanto dos elementos objectivos do crime, como dos seus elementos subjectivos e que justificam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. Caso a acusação não obedeça a tais requisitos é nula como expressamente se contempla no mencionado artigo 283º, nº 3.

O que se pretende, pois, é que a acusação contenha o facto, normativamente entendido, isto é, em articulação com as normas violadas pela sua prática e que irão constando da acusação, conformar o “objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado” [Cfr. o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 130/98].

Ora, se é verdade que não é uma exigência inultrapassável que a acusação seja uma peça rígida e imutável, não menos verdade será que ela deve conter os factos essenciais à integração num ou mais tipos penais. Principalmente se tais factos são conhecidos nos autos no momento em que é deduzida a acusação.

O fundamento da inexistência de factos na acusação que constituem crime só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito criminal da lei penal Portuguesa ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante [como refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Univ. Católica Editora, pp. 791, ponto 8].

Vejamos.
Consagra-se no artigo 153.º, do Código Penal: “1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido (…)”.

E, no artigo 155.º, do mesmo:
“1 - Quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados:

a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos;
(...)
O bem jurídico tutelado pela norma é a liberdade de decisão e de acção, porque as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade – cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 342.

O tipo objectivo é integrado pela comunicação de uma mensagem que traduza a prática futura de um mal ao destinatário. O mal futuro há-de consistir no cometimento, pelo agente ou por um terceiro a mando do agente, de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor do destinatário da mensagem ou de terceiro. Tem a mensagem de ser adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do destinatário – assim, Acórdão da Relação de Lisboa de 05/04/2011, Proc. nº 94/10.0PAVLS.L1, consultável em www.dgsi.pt, mas a verificação deste resultado é, para a respectiva subsunção, irrelevante, pois trata-se de um crime de perigo.

Na vertente subjectiva, exige-se a forma de cometimento a título de dolo (de acordo como o disposto no artigo 13.º, do Código Penal, “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”), em qualquer das modalidades enunciadas no artigo 14.º, do mesmo Código.

Tem-se sedimentado na doutrina penalista o entendimento do dolo do tipo de ilícito como composto pelo conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do facto, o que plasmado está no referenciado artigo 14.º.

Assim, para que o dolo do tipo esteja presente necessário se torna, desde logo, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo objectivo de ilícito (isto é, o conhecimento dos elementos materiais constitutivos do mesmo).

Com efeito, é necessário que ao actuar, o agente conheça “tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter de ilícito”, porquanto só quando os elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 351 - exigindo-se ainda que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização.

Daí que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/09/2017, Proc. nº 146/16.3 PCCBR.C1 [disponível em www.dgsi.pt],a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual)”.

Conforme vertido no Acórdão de 25/02/2015 [Proc. 1193/12.0GAMAI.P1], também do Tribunal da Relação de Coimbra, que pode ser lido no mesmo sítio, relativamente ao crime de ameaça, o dolo tem que abranger “não só o conhecimento e vontade de praticar o facto, mas também a adequação da ameaça a provocar no ameaçado medo ou inquietação e, pressupõe, que o agente tenha vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do ameaçado”.

Destarte, para que o tipo doloso esteja preenchido, necessário se torna, entre o mais, que conste da acusação que o mesmo representou que as palavras que proferiu eram idóneas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado que as mesmas palavras necessariamente provocariam medo ou inquietação ou prejudicassem a liberdade de determinação do ofendido e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado como possível que as mesmas palavras poderiam provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, quis agir, pelo que tais factos são necessariamente objecto de prova, no processo.

E se, na verdade, a sua comprovação se pode inferir dos demais factos provados, com recurso a presunções naturais (não jurídicas) ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum, tal não implica que seja admissível prescindir da narração dos factos que consubstanciam o dolo.

Aliás, no Acórdão do STJ nº 1/2015, de 20/11/2014, DR n.º 18, I Série, de 27/01/2015, fixou-se a seguinte jurisprudência: “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP”.

Nele se podendo ler que “a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido acima referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), actuando, assim, conscientemente contra o direito.”

Acrescentando-se ainda: “conexionada com o problema anterior, coloca-se finalmente a questão de saber se a falta, na acusação, de todos ou alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjectivo do ilícito, mais propriamente, do dolo (englobando o dolo da culpa, no sentido atrás referido), pode ser integrada no julgamento por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.

Tal equivalerá a considerar essa integração como consubstanciando uma alteração substancial dos factos.

Já vimos que esses elementos têm de constar obrigatoriamente da acusação, implicando a sua falta a nulidade do libelo (artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal)” (…) a exigida narração dos factos é a de todos os factos constitutivos do tipo legal de crime, sejam eles pertencentes ao tipo objectivo do ilícito, sejam ao tipo subjectivo e ainda, naturalmente, na sequência do que temos vindo a expor, os elementos referentes ao tipo de culpa. A factualidade relevante, como factualidade típica, portadora de um sentido de ilicitude específico, só tem essa dimensão quando abarque a totalidade dos seus elementos constitutivos. Não existem puros factos não valorados, como vimos, a propósito, nomeadamente, das teorias do objeto do processo, e a valoração especifica que aqui se reclama, consonante com um tipo de ilícito, só se alcança com a imputação do facto ao agente, fazendo apelo à representação do facto típico, na totalidade das suas circunstâncias, à sua liberdade de decisão, como pressuposto de toda a culpa, e, envolvendo a consciência ética ou dos valores, à posição que tomou, do ponto de vista da sua determinação pelo facto. Sem isso, não está definida a conduta típica, ilícita e culposa.”

Isto é, o tipo legal apenas se preenche na sua dimensão subjectiva se o Arguido sabia que (ou pelo menos representou que) as palavras que proferiu eram idóneas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado que as mesmas palavras necessariamente provocariam medo ou inquietação ou prejudicassem a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado como possível que as mesmas palavras poderiam provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, quis agir.

Constata-se, porém, que a acusação nada diz a este respeito, limitando-se a reproduzir a fórmula tabelar: “O Arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente.”.

Ora, embora consideremos que esta formulação encerra na generalidade dos casos a afirmação mínima do dolo do tipo, pois ao dizer-se que o Arguido agiu de forma consciente afirma-se que agiu com conhecimento, com consciência, da sua acção objectiva que se descreve e que ao agir de forma “deliberada” o fez com o propósito, com a intenção, de levar a cabo, de realizar, aquela mesma acção, tal não se verifica no caso presente.

Com efeito, tal locução tabelar apenas pode significar, concludentemente, que o Arguido tinha conhecimento que estava a proferir as palavras descritas em 16) dos factos enunciados e, que, assim sendo, o fez com o propósito ou intenção de as proferir.

Na verdade, neste caso, não cabe no significado linguístico da fórmula tabelar a afirmação de que o Arguido agiu com o intuito de causar medo e inquietação à Ofendida, bem sabendo que as palavras que usou eram aptas a tal.

Sem essa narração, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se mostra perfectibilizada a imputação criminosa em causa, já que não é admissível, como vem sido entendimento da jurisprudência, a ideia de um “dolus in re ipsa”, ou seja, a presunção do dolo resultante da simples materialidade de uma infracção, pelo que, em face da referida omissão, não há fundamento para aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, nos termos do artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Quanto à consequência a extrair de tal omissão, a mesma não poderá deixar de a rejeição da acusação nessa parte, já que tal omissão acarreta a nulidade da acusação nessa parte, nos termos do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal, nulidade que não se mostra possível de sanação/correcção à luz do nosso ordenamento jurídico. Também neste sentido, vide, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2015 que –se e enquanto não vier a ser alterado – fixou jurisprudência no sentido de «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.».

Por conseguinte, e em face do exposto, decide-se rejeitar a acusação deduzida pelo Digno Magistrado do Ministério, por manifestamente infundada, nos termos do artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º3 al. d) do Código de Processo Penal, na parte em que imputa ao Arguido FF um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º1, conjugado com o artigo 155.º, n.º1, al. a), ambos do mesmo diploma legal.

*
Apreciando:
A rejeição da acusação, na parte em causa, por manifestamente infundada, assentou, em concreto, na circunstância de os factos dela constantes não constituírem crime, sendo que, conforme ao despacho recorrido, «o tipo legal apenas se preenche na sua dimensão subjectiva se o Arguido sabia que (ou pelo menos representou que) as palavras que proferiu eram idóneas a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado que as mesmas palavras necessariamente provocariam medo ou inquietação ou prejudicassem a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, quis agir, ou tivesse representado como possível que as mesmas palavras poderiam provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação dos ofendidos e, ainda assim, conformando-se com tal possibilidade, quis agir», «a acusação nada diz a este respeito, limitando-se a reproduzir a fórmula tabelar: “O Arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente”» e «tal locução tabelar apenas pode significar, concludentemente, que o Arguido tinha conhecimento que estava a proferir as palavras descritas em 16) dos factos enunciados e, que, assim sendo, o fez com o propósito ou intenção de as proferir», mas «não cabe no significado linguístico da fórmula tabelar a afirmação de que o Arguido agiu com o intuito de causar medo e inquietação à Ofendida, bem sabendo que as palavras que usou eram aptas a tal».

O Ministério Público, através do recurso, defende que A acusação não só não é completamente desprovida de factos, de forma clara e evidente, como também se verifica que da mesma constam factos que preenchem, de forma suficiente e bastante, o elemento subjectivo.

Vejamos.
No que ora releva, o art. 311.º do CPP prevê:
“2 – Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:

a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:

d) Se os factos não constituírem crime”.

Tal redação foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25.08, em sintonia com o reforço do princípio do acusatório, restringindo-se ao mínimo indispensável a possibilidade do juiz de julgamento e, sobretudo, em situações em que não se realiza instrução, se pronunciar valorativamente quanto aos termos da acusação, em cumprimento estrito da distinção constitucional de funções que às diferentes autoridades judiciárias incumbem e das suas diversas atribuições no âmbito processual penal.

Também as exigências previstas para a acusação (art. 283.º do CPP) são emanação clara do princípio acusatório consagrado no n.º 5 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, impondo que só se pode ser julgado pela prática de crime precedendo acusação formulada por órgão distinto do julgador.

A concepção típica de um processo acusatório implica a estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa, em sede de determinação do objecto do processo, bem como na vertente de ponderação dos poderes de cognição e dos limites da decisão, só assim ficando asseguradas as garantias de defesa, por só desse modo o arguido conhecer, na sua real dimensão, os factos de que é acusado, para que deles se possa convenientemente defender (Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, pág. 65).

Contém-se na dimensão ampla de que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa, nos termos do n.º 1 daquele art. 32.º, consagrando-se como cláusula geral englobadora de todas as garantias que hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido, ou seja, de todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, vol. I, pág. 516).

Conforme Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, tomo III, pág. 117, O processo acusatório, buscando assegurar a imparcialidade do julgador, atribui a órgãos distintos as funções de investigação e acusação, por um lado, e a função de julgamento dessa acusação, por outro. Deste modo pretende assegurar-se a objectividade do julgamento dos factos que são objecto da acusação; a acusação é condição processual de que depende sujeitar-se alguém a julgamento e por ela se define e fixa o objecto do julgamento.

Toda esta temática se revela, também, como decorrência do direito a um processo equitativo, de harmonia com o art. 6.º, n.º 3, alínea a), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

A importância da acusação é, pois, indiscutível e, por isso, se reconheça que ninguém pode ser punido sem culpa e que os requisitos exigidos para aquela, reflexo daquele princípio acusatório, são essenciais à delimitação do objecto do processo e, como tal, do julgamento a realizar.

Nesses requisitos, se inclui, desde logo, a narração de factos, ainda que sintética, a que o referido art. 283.º, no seu n.º 3, alínea b), se reporta, como sendo aqueles “que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
E também, designadamente, comporta a exigência de que os factos narrados na acusação constituam crime, na medida em que o ponto de vista que ao direito importa é a referência dos acontecimentos às normas jurídicas, e ao processo penal os comportamentos humanos que por lei são declarados passíveis de penas ou medidas de segurança criminais (Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 268).

Se isso é bem patente na exigência da indicação das disposições legais aplicáveis (referido art. 283.º, n.º 3, alínea c)), na medida em que qualquer alteração do ponto de vista jurídico pode vir a reflectir-se na relevância atribuída à prova e à defesa de determinados elementos de facto, não deixará, inevitavelmente, de o ser se os factos narrados nem sequer constituem crime, com o que, além do mais, se evita que o arguido venha a ter de ser sujeito, sem justificação, a julgamento.

Aliás, aquele princípio acusatório não dispensa esse controlo judicial, no sentido de obviar a acusações gratuitas.

A viabilidade de rejeição da acusação nesse caso assenta, no fim de contas, em que a acusação, mesmo que procedesse na parte atinente aos factos narrados, seria inconsequente e, por isso, o julgamento seria acto inútil.

Não obstante, pois, todo o cuidado posto no respeito dessas exigências, a expressão “manifestamente infundada” não deixa de ter, como subjacente, a ausência clara de fundamento, seja por não conter a identificação do arguido, seja por ausência de factos que suportem a acusação, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, seja, ainda, porque foi omitida aquela indicação das disposições legais e, como tal, definindo-se como aquela que, pelos seus próprios termos, é, desde logo, evidente que não pode vir a ser julgada procedente.

O que se pretende com as legais exigências é, afinal, que, em qualquer circunstância, o exercício do contraditório e as garantias de defesa não sejam esquecidos, de molde a que essa narração de factos (para a consequente subsunção criminal) seja claramente entendível, lógica e esclarecedora para que o arguido possa deles conhecer e dos mesmos defender-se, além de que, naturalmente, esses factos não sejam desprovidos de relevância criminal.

De qualquer modo, é pacífico que os poderes do juiz, no momento do saneamento do processo para os efeitos do mencionado art. 311.º, estão limitados ao conhecimento dos vícios estruturais da acusação, pois, acompanhando Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pág. 790, O conhecimento dos pressupostos processuais tem lugar em face dos factos da acusação, não sendo lícito ao juiz aferi-los em face dos elementos de inquérito, na medida em que, a não ser assim, isso implicaria análise indiciária, violadora do princípio acusatório.

Identicamente, daí decorre que o juiz só deva usar da prerrogativa de rejeição da acusação quando seja, de todo, inviável a condenação do arguido.

E no tocante à questão suscitada no recurso, conforme também citado no despacho recorrido, não sofre dúvida que o fundamento da inexistência de factos na acusação que constituam crime só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito criminal da lei penal Portuguesa ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante (Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 791).

Assentes os parâmetros a atender, tendo em conta o imputado crime de ameaça, aqui agravada, cujo tipo é definido no art. 153.º do CP, resulta que se exige, para a sua prática, que a actuação seja dolosa e, tal como referido no despacho, quanto ao dolo, «como composto pelo conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do facto» e «necessário se torna, desde logo, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo objectivo de ilícito (isto é, o conhecimento dos elementos materiais constitutivos do mesmo)», acrescentando que «é necessário que ao actuar, o agente conheça “tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter de ilícito”, porquanto só quando os elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito – assim, Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 351 - exigindo-se ainda que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização».

Na verdade, ainda que o dolo comporte os factores psíquicos do agente, a representação e fixação dos fins do crime, a selecção dos meios e a aceitação dos resultados da acção, cuja prova assenta, normalmente, em inferências extraídas de factos materiais, analisados à luz das regras da experiência comum, suportando, pois, tradução sucinta e, até, conclusiva, não pode prescindir-se da sua alegação concreta, sob pena de se assumir como um dolus in re ipsa e, assim, de não ser susceptível de integrar factos conducentes à aplicação de uma pena ou uma medida de segurança.

Como sublinhou Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2.ª edição, pág. 379, também estes elementos (atinentes ao dolo) cumprem a função de individualizar uma espécie de delito, de tal forma que, quando eles faltam, o tipo de ilícito daquela espécie de delito não se encontra verificado.

Sem que se descure a jurisprudência fixada pelo mencionado acórdão do STJ n.º 1/2015, de 20.11.2014, in D.R. 1.ª série, n.º 18, de 27.01.2015, de que “A falta de descrição na acusação dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal”, ali se descortinando, na fundamentação, que Entre os elementos relevantes que dão sentido a uma determinada conduta ou acção emergentes num dado contexto social e histórico, ou a uma omissão que se traduza num desvalor, uma e outra enquanto referidas a uma acção ou omissão abstractamente tipificadas como crime, estão os que configuram os aspectos objectivos do tipo de ilícito e os que consubstanciam os seus aspectos subjectivos. Com efeito, enquanto os elementos do tipo objectivo de ilícito definem o conteúdo ou objecto da acção ou omissão tipificadas como crime, os elementos subjectivos definem a relação do agente ou omitente com essa acção ou omissão, a sua particular ligação com elas, com o facto objectivo praticado ou omitido.

Além de que, não obstante a situação em análise não se verifique em fase de julgamento, tal jurisprudência não pode deixar de se aplicar quando, como aqui sucede, anteriormente, em sede do saneamento do processo por via daquele art. 311.º, se constate a falta de elementos da acusação que inviabilize o prosseguimento dos autos.

Ora, revertendo ao concreto e por referência à acusação, no despacho recorrido consignou-se, no que interessa, que aquela fórmula tabelar (“O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente”) não era bastante para suportar que “agiu com o intuito de causar medo e inquietação à Ofendida, bem sabendo que as palavras que usou eram aptas a tal”.

Em sentido contrário, o recorrente faz notar que Consta da acusação que “o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais condutas não eram permitidas e que as mesmas eram punidas por lei.” (arts. 21º e 22º da peça da acusação).

E detendo-se no significado das expressões utilizadas, sublinha:
- Agir de forma livre é agir por determinação da sua consciência, da sua vontade, das suas escolhas, das suas decisões, dos seus motivos. Ao contrário do animal, o homem tem o poder de escolher, de decidir, de agir;

- Uma atitude deliberada significa que foi feita de propósito, com determinada intenção, de forma decidida, resoluta;

- Agir conscientemente é saber o que se faz;

- Proibido é algo que não é permitido, cuja prática não é permitida por lei;

- Uma conduta punida por lei é uma conduta repreendida, castigada, penalizada.

Esse atribuído significado afigura-se correcto, seja na acepção da linguagem corrente, seja no âmbito do conhecimento e da vontade da decisão, em que o dolo se traduz.

Não, contudo, para afirmar que a consciência do arguido quanto à susceptibilidade de provocação de medo ou intranquilidade na ofendida não deva assumir-se como elemento que integra o dolo da ameaça, uma vez que releva como critério do efeito, implicitamente havendo de chegar, a ameaça, ao conhecimento da destinatária (cfr. Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Coimbra Editora, 1999, tomo I, pág. 351).

Bem como de que essa vontade de perturbação da ofendida não deva, também, ser reflectida.

Mas se assim é, não se descortina, contudo, razão válida para que tais aspectos não resultem como implícitos a essa fórmula tabelar, quando conjugada com o ter-se invocado, na acusação, sob o referido artigo 16º, que Numa dessas chamadas, porque a ofendida lhe respondeu que tinha medo dele, que não voltava para casa, o arguido, sem que nada o fizesse prever, em tom sério e grave, dirigindo-se à ofendida, proferiu as seguintes expressões: “Se não vieres eu mato-te, e a seguir mato-me a mim” e sob o artigo 17º, que O que fez a ofendida recear pela sua integridade física, senão mesmo pela sua própria vida.

A acusação, na sua globalidade, consente a perspectiva da adequação da ameaça e de que o arguido a não desprezou, sendo certo que tem de ser vista por referência ao acontecimento da vida ali narrado, não prescindindo da proporcionalidade que lhe é inerente, mormente, a compreensão que o mesmo permita, em razão das regras de normalidade.

Resta perguntar se, ao alegar-se que o arguido actuou livre e agiu consciente, reportado à vertente objectiva que se desenhou, não se está a dizer que teve consciência do carácter intimidatório da sua postura perante a ofendida. E a resposta deve ser afirmativa.

E por seu lado, se, atento o tom utilizado pelo arguido e a natureza das expressões que dirigiu à ofendida, a vontade de intimidá-la não está intimamente relacionada à actuação deliberada, merecendo resposta no mesmo sentido.

A decidida rejeição da acusação, ao abrigo daquele art. 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea d), não se afigura correcta, dentro das considerações que ficaram explicitadas e dada a circunstância de que deve apenas o julgador usar dessa prerrogativa quando seja de todo inviável a condenação do arguido e, por isso, quando seja de evitar que seja sujeito injustificadamente à “violência” de um julgamento.

In casu, resultando dos princípios de lógica racional que o apontado elemento subjectivo surja inerente à prática dos factos, no conjunto, imputados, seria cominação demasiadamente pesada em vista dos interesses que se impõe proteger, o mesmo é dizer, corresponderia a fazer prevalecer formalidade, contendendo com a desejável realização material da Justiça.

Tanto mais que a alegação dos aspectos suscitados, ainda que admitindo a tese do despacho, sempre acabaria por traduzir-se como tendencialmente conclusiva, nada acrescentando ao dito acontecimento que a acusação deixou reflectido.

Como tal, a interpretação acolhida no despacho, por se reconduzir a radical consequência da rejeição da acusação sem motivo bastante, não merece ser sufragada.

3. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:

- conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência,

- revogar o despacho recorrido na indicada vertente da rejeição parcial da acusação, determinando que seja substituído por outro que designe data para audiência de julgamento pelos factos atinentes ao imputado crime de ameaça agravada.

Sem custas.
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Processado e revisto pelo relator.

18.Fevereiro.2020
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(Carlos Jorge Berguete)

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(João Gomes de Sousa)