Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2823/21.8T8PTM.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: PROMESSA DE COMPRA E VENDA
SINAL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A falta de constituição ou do reforço do sinal pelo promitente-comprador, na ausência de estipulação em contrário ou de demonstração da sua essencialidade no programa do contrato, não confere ao promitente-vendedor o direito de resolver o contrato-promessa.
II – A declaração da promitente-compradora, mediante a qual, por facto imputável à promitente-vendedora, considerou “objetivamente, incumprido, de modo irremível e definitivo, o contrato-promessa de compra e venda, solicitando a devolução do sinal prestado”, constitui uma declaração que constata a impossibilidade do incumprimento e não releva como declaração antecipada de não cumprimento da promessa de celebrar o contrato definitivo.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2823/21.8T8PTM.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. AA, solteira, residente na Rua ..., 3ª, em ..., instaurou contra A..., Lda., com sede na Rua ... recuado, em ... e B..., Lda., com sede na Rua ..., ..., em ..., ação declarativa com processo comum.

Alegou, em resumo, haver celebrado com a 1ª Ré, com intermediação da 2ª Ré, em 26/7/2021, um contrato promessa, padronizado ou de adesão, mediante o qual prometeu comprar e a 1ªRé prometeu vender, pelo preço de € 230.000,00, uma moradia, remodelada, com dois pisos e a área total de 252 m2, situada no Centro Histórico da Cidade ..., cujo rés-do-chão poderia ser reconvertido, segundo a informação comercial e publicitária da 2ª Ré, em armazém ou garagem, motivo essencial para a formalização do contrato, tendo pago a quantia de € 7.500,00 a título de sinal e obrigando-se a reforçar o sinal no montante de € 15.500,00 até 11/8/2021.

Após a celebração do contrato promessa veio a tomar conhecimento que a moradia apresenta vícios estruturais graves que impedem a reconversão do rés-do-chão em garagem e por cartas de 30/8/2021 e 8/9/2021, pediu às Rés a devolução do sinal em dobro por incumprimento definitivo do contrato fundada da impossibilidade objetiva do prometido.

Concluiu pedindo a condenação: i) da 1.º Ré no pagamento do montante de € 15.000,00, correspondente ao valor do sinal em dobro; ii) da 2.ª Ré no pagamento de uma indemnização, no valor de € 7.500,00, por violação de deveres de informação; iii) de ambas as Rés, solidariamente, no pagamento de uma indemnização no valor de € 3.000,00, a título de dano contratual negativo ou perda de chance contratual por impossibilidade definitiva de incumprimento do objeto negocial prometido, iv) de uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 5.000,00, v) de uma indemnização no valor de € 2.250,00, por via do uso de cláusula contratual abusiva em contrato de adesão ou padronizado, não informado, comunicado ou explicado; vi) pediu ainda a determinação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia que passar, após a sentença, sem cumprimento do seu dispositivo e por cada contrato usado no qual sejam apostas cláusulas contratuais gerais denunciadas e abusivas.

As Rés contestaram. A 1ª Ré para concluir pela improcedência da ação e pedir, em reconvenção, o reconhecimento do direito a fazer sua a quantia recebida da Autora a título de sinal, depois de afirmar que a Autora visitou por diversas vezes o imóvel, conhecia perfeitamente a realidade física do mesmo e não desconhecia que o prédio estava a ser vendido no estado em que se encontrava e que qualquer alteração seria da sua responsabilidade e de asseverar a liberdade da Autora na celebração do contrato promessa, cujo teor conheceu e compreendeu em momento anterior à data em que o assinou, renegociando, ademais, condições de pagamento, circunstâncias que não obstaram a que ela, Autora, quisesse o contrato e o incumprisse deixando de pagar o reforço do sinal, apesar de por diversas vezes interpelada para o efeito, levando a que a 1ª Ré resolvesse o contrato promessa, com fundamento no seu incumprimento definitivo. A 2ª Ré por forma concluir pela improcedência da ação assente, em essência, na impugnação dos factos alegados pela Autora referentes à violação de deveres de informação sobre as caraterísticas do imóvel.

A Autora respondeu, suscitando a nulidade do contrato promessa por falta de reconhecimento das assinaturas e concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.


2. O pedido reconvencional foi admitido, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) julgo a ação parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência, decido:

a) Condenar a ré A..., Lda., a pagar à autora AA a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros legais contados desde o dia seguinte à citação;

b) Absolver a mesma ré do restante pedido;

c) Absolver a ré B..., Lda., de todos os pedidos formulados pela autora;

d) Absolver a reconvinda AA do pedido formulado pela reconvinte ré A..., Lda..


3. O recurso
A ré A..., Lda. recorre da sentença e conclui:
“1. O Tribunal a quo julgou mal, ao considerar intempestiva a comunicação da ré promitente vendedora, datada de 24.08.2021.

2. Porquanto, a autora ao não realizar o reforço do sinal na data contratualmente prevista, nem posteriormente após ter sido interpelada para o efeito, e, ao interpelar a ré para a restituição do valor do sinal em dobro, considerou implicitamente a resolução do contrato, demonstrando de forma clara e inequívoca, que perdeu o interesse na realização do negócio.

3. A referida conduta da autora, apreciada objetivamente, traduz uma declaração absoluta, inequívoca e categórica de repudiar o contrato de promessa de compra e venda.

4. Não subsistindo quaisquer dúvidas sobre a vontade da promitente - compradora de não outorgar a escritura de compra e venda.

5. Perante tal posicionamento da devedora, qualquer interpelação cominatória por banda da ré (promitente vendedora) para a marcação de escritura de compra e venda seria um ato inútil e destituído de justificação.

6. Em face do que, no entender da aqui recorrente a extinção do vínculo contratual e consequente resolução do contrato de promessa de compra e venda deu-se por culpa exclusiva da autora, culpa esta que se presume nos termos do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

7. E consequentemente, verificada a situação de incumprimento do contrato de promessa de compra e venda imputado à parte que prestou o sinal, ou seja, no caso concreto à autora, tem a ré A..., o direito de fazer sua a quantia que lhe foi entregue a esse título, de acordo com o disposto nos artigos 441.º e 442.º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil.

Termos em que deverá a douta sentença recorrida ser revogada na parte em que julgou procedente a ação e condenou a ré a restituir à autora a quantia de € 7.500,00, acrescida de juros legais, contados desde o dia seguinte à citação e, em sua substituição, ser proferida outra que declare a resolução do contrato de promessa celebrado, em virtude da perda de interesse no negócio, comunicada, pela recorrida à recorrente em 24.08.2021, com a consequente perda do sinal prestado, assim se fazendo a costumada justiça!”

Não houve lugar a resposta.
Observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), nos recursos apreciam-se questões e não razões ou argumentos, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido e vistas as conclusões do recurso, são as seguintes as questões colocadas: i) se a não realização do reforço do sinal no prazo acordado é assimilável como incumprimento definitivo do contrato-promessa, ii) se a Autora incumpriu o contrato por efeito da declaração antecipada de não cumprimento do contrato.

III. Fundamentação

1. Factos
A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provado:
1. Em meados do mês de maio de 2021, a autora começou a procurar imóveis na zona de ..., com vista à aquisição de uma moradia para sua habitação própria e permanente (art. 1.º da petição inicial).

2. Na mesma altura, estava à venda de um seu imóvel, que se encontrava a ser publicitado pela imobiliária “ERA”, de ... (art. 2.º da petição inicial).

3. A autora deparou-se com um anúncio da “B...”, referente a uma moradia V5, remodelada com uma área total de 252,00 m2, situada no Centro Histórico da Cidade ..., cujo preço de venda anunciado era de € 249.000,00 e com a menção “totalmente remodelada” e “(…) no r/c encontra-se duas amplas divisões que podem ser utilizadas para comércio ou mesmo garagem”, objeto de contrato de mediação – fls. 13/69 (arts. 3.º e 4.º, parte, da petição inicial).

4. Na zona histórica de ... não existem muitos lugares de estacionamento disponíveis (art. 4.º, parte, da petição inicial).

5. Assim, a possibilidade de reconverter em garagem um dos amplos espaços, existentes no rés-do-chão, foi essencial para que a autora decidisse apresentar uma proposta para a aquisição do aludido imóvel (art. 5.º da petição inicial).

6. A autora contactou a “B...” com vista à obtenção de informações adicionais e para confirmar a viabilidade da realização de obras no imóvel publicitado, com vista à reconversão de uma das divisões, do rés-do-chão, numa garagem, para estacionar o seu veículo automóvel (art. 6.º da petição inicial).

7. Toda a negociação foi intermediada pela imobiliária “B...” com licença AMI número ...57 – fls. 87 v. (arts. 24.º da petição inicial e 3.º da “B...”).

8. A “A...” dedica-se à compra e venda de bens imobiliários – fls. 36.

No âmbito da sua atividade a 1.ª Ré promove nas várias imobiliárias locais, a venda de prédios de que é proprietária, no sentido destas, encontrarem interessados na sua aquisição, o que sucedeu com a 2.ª Ré, em relação ao prédio sito na Rua ..., números ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ..., sob o número ...92 (arts. 4.º a 6.º da “A...”).

9. A autora apresentou uma proposta, no montante de € 230.000,00 para a aquisição do dito prédio urbano, a qual veio a ser aceite pela “A...” (art. 8.º da petição inicial).

10. A autora confiou nas informações que lhe foram prestadas (art. 9.º da petição inicial).

11. Antes da assinatura do contrato-promessa, a autora realizou diversas visitas ao prédio (art. 32.º da contestação da “A...”).

12. No dia 26 de julho de 2021, a “A...”, na sua qualidade de «Promitente-Vendedora», celebrou, com a Autora – que assumiu a qualidade de «Promitente-Compradora», um contrato a que deram o nome de «Contrato Promessa de Compra e Venda» – fls. 14/61 (arts. 10.º 11.º da petição inicial).

13. Por essa via, pelo preço de € 230.000,00, a “A...” prometeu vender e, respetiva e reciprocamente, a autora, prometeu comprar, o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...92, e inscrito na matriz com o n.º ...66, sito na Rua ..., números ..., com a dispensa de licença de utilização pela Câmara Municipal ..., por haver sido construída antes de 7/08/1951, embora detentor do certificado energético n.º SCE4007523 (arts. 12.º e 13.º da petição inicial).

14. Entenderam ambos os contraentes que a autora entregaria, a título de «sinal e princípio de pagamento», à “A...” a quantia de € 7.500,00, o que, efetivamente, veio a ocorrer por meio de duas transferências bancárias realizadas em 23/07/2021 e 24/07/2021, respetivamente, de € 5.000,00 e € 2.500,00 – fls. 17 v./18/85 (art. 14.º da petição inicial).

15. Haveria lugar ao pagamento de um reforço de sinal no montante de € 15.500,00 até ao dia 11/08/2021 – cl. 2.ª, n.º 1, alínea b) (arts. 15.º e 16.º da petição inicial).

16. Ainda se previu [vide cláusula 2.ª, n.º 1, alínea b), do CPCV] que, no que respeita ao remanescente do preço, cifrado no diferencial (preço acordado com dedução do valor do sinal) de € 207.000,00, a sua entrega ocorreria, contemporaneamente, no ato da celebração do contrato prometido definitivo, no contexto da correspetiva escritura pública (art. 20.º da petição inicial).

17. A entrega da coisa prometida somente ocorreria após a celebração da escritura pública de compra e venda, embora as chaves tenham sido entregues pela Imobiliária à autora (art. 21.º da petição inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).

18. Estipulou-se que a escritura pública de compra e venda deveria realizar-se, «preferencialmente até 31 de Agosto 2021 e impreterivelmente até dia 10 de Setembro 2021» a marcar pela promitente vendedora - cláusula 4.ª, n.os 1, 2 e 3 (art. 22.º da petição inicial).

19. A “A...” declarou que os imóveis, objeto da promessa de compra e venda, seriam alienados sem quaisquer vícios, ónus ou encargos (art. 23.º da petição inicial).

20. O engenheiro BB veio a facultar à autora um orçamento para construção da garagem. As intervenções levadas a cabo no imóvel pela empresa proprietária tiveram por finalidade colocar o imóvel com uma aparência bonita e não uma remodelação total (arts. 7.º e 32.º, parte, da petição inicial).

21. Ultrapassada a data prevista para o pagamento do reforço do sinal, a autora contactou a segunda ré relativamente ao pedido de informação sobre as obras e respetiva garantia (arts. 39.º e 43.º da petição inicial) e recebeu e-mail da segunda ré a insistir pelo pagamento do reforço, assim, deverá efetuar o pagamento do reforço de sinal tal como se comprometeu – e-mail de 24/08/2021 – fls. 19 (art. 42.º da petição inicial).

22. No seguimento desse pedido a “A...” referiu que não existia qualquer garantia dos trabalhos de remodelação, exigindo novamente o pagamento do reforço do sinal, conforme e-mail de 24/08/2021, enviado pela Dra. CC (art. 44.º da petição inicial).

23. Após essa informação, a autora entendeu que estava comprometido o objeto negocial do contrato definitivo prometido e, no dia 24 de agosto, enviou um e-mail a CC, representante da promitente vendedora, e uma carta diretamente à “B...” com data de 30 de agosto que foi expedida no dia 14 de agosto de 2021, solicitando a restituição do sinal em dobro, carta que não foi levantada – fls. 23/24 (arts. 45.º e 46.º da petição inicial).

24. O não pagamento do reforço de sinal motivou a comunicação por email da 1.ª Ré, de 3 de setembro de 2021, de resolução do contrato com fundamento no seu incumprimento definitivo – fls. 70 v. (art. 50.º da contestação da “A...”).

25. Em 8/09/2021, sob carta registada e com aviso de receção, a autora enviou à “A...” uma comunicação escrita, na qual dava conta da impossibilidade objetiva de a mesma cumprir o acordado e, por isso, considerava, objetivamente, incumprido, de modo irremível e definitivo, o contrato-promessa de compra e venda, solicitando a devolução do sinal prestado – fls. 25 (art. 47.º da petição inicial).

26. A “B...” enviou carta à autora de fls. 26 v., com data de 16 de setembro de 2021.

27. Em 19/10/2021, a Autora enviou à “B...” uma carta na qual pedia a devolução do valor do sinal, que, à data, computava € 7.500,00 – fls. 28 v.-30 (art. 48.º da petição inicial).

28. A situação objeto dos autos e as notificações para pagar o reforço do sinal provocou na autora sentimentos de ansiedade e nervosismo o que as rés sabiam (arts. 56.º a 58.º da petição inicial).

29. Toda esta situação tem acarretado, para a autora despesas relativas a cartas registas e assessoria forense (art. 60.º da petição inicial).

Não provado:

- Que, antes do contrato-promessa, as rés tivessem comunicado à autora que o incumprimento do reforço de sinal não impediria a celebração da escritura (art. 17.º da petição inicial);

- Que só depois do contrato-promessa a autora tivesse ficado a conhecer o tipo de intervenção da ré no prédio e que não fosse possível (em termos de engenharia e administrativos) converter o r/c em garagem (arts. 32.º, parte, 33.º, 34.º, 35.º da petição inicial);

- Que a autora tenha solicitado junto da Câmara Municipal ..., Divisão de Urbanismo, um parecer sobre a viabilidade da alteração de uma fachada, para construção de garagem, na zona histórica de ... (art. 51.º da petição inicial);

- Que por causa da conduta das rés, a autora ande triste, angustiada e preocupada, diminuída na sua auto-estima (art. 61.º da petição inicial);

- Que as rés tenham feito uso do seu ascendente profissional, para enganar a autora que, sem tal astúcia ou artefacto, jamais teria contratado (art. 63.º da petição inicial);

- Que as partes tivessem acordado sincronizar o negócio da venda do seu imóvel de ..., com a compra de ... (art. 64.º a petição inicial);

- Que o conteúdo do contrato-promessa tivesse sido definido apenas pelas rés sem intervenção da autora e que a cláusula relativa ao reforço do sinal tivesse sido introduzida para levar ao incumprimento pela autora (arts. 65.º e 66.º da petição inicial).

2. Direito

A decisão recorrida depois de considerar que nenhuma das partes – a Autora, enquanto promitente-compradora e a 1ª Ré, enquanto promitente-vendedora – tinha fundamento para resolver o contrato promessa e de ponderar que nenhuma delas pretende celebrar o contrato definitivo de compra e venda, determinou a restituição à Autora do sinal por esta passado à 1ª Ré, no valor de € 7.500,00.

A 1ª Ré discorda e defende no recurso o reconhecimento do direito a fazer sua a quantia que recebeu a título de sinal; argumenta que a “autora ao não realizar o reforço do sinal na data contratualmente prevista, nem posteriormente após ter sido interpelada para o efeito, e, ao interpelar a ré para a restituição do valor do sinal em dobro, considerou implicitamente a resolução do contrato, demonstrando de forma clara e inequívoca, que perdeu o interesse na realização do negócio [cclª 2ª], incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra e tornou inútil e destituído de justificação o ato de marcação de escritura pública [cclªs 3ª a 7ª].

O recurso alinha, assim, se bem vemos, duas causas de incumprimento: o incumprimento pela não realização do reforço do sinal e o incumprimento por efeito da declaração antecipada de não cumprimento do contrato.

Vejamos se com razão.

2.1. Se a não realização do reforço do sinal no prazo acordado é assimilável como incumprimento definitivo do contrato

A primeira das invocadas razões foi apreciada pela decisão recorrida em termos que, aliás, a 1ª Ré não contradiz, aí se diz:

- Ao não cumprir a obrigação contratual de reforço do sinal de € 15.500,00 até dia 11 de agosto de 2021, a promitente comparadora entrou em mora – artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil;

- Para converter a mora em incumprimento definitivo imputável à autora a promitente vendedora deveria tê-la interpelado em momento posterior para cumprimento num prazo razoável, já que a mora no reforço do sinal não é suscetível, objetivamente, de levar à perda do interesse do credor – artigo 808.º do mesmo Código;

- Cabia à promitente vendedora a marcação da escritura, não havendo qualquer alegação ou prova de que ela assim tenha procedido, apesar de a não comparência viesse a ser interpretada como incumprimento definitivo – cl. 4.ª, n.º 3.

Foi intempestiva a comunicação da promitente vendedora à autora declarando que o contrato estava resolvido.”

Raciocínio certo, a nosso ver.

O incumprimento da obrigação consiste na falta de realização da prestação a que o devedor está vinculado (artigo 762.º do Código Civil, a contrario) podendo distinguir-se “o incumprimento stricto sensu, relativo à não execução da prestação principal” do “incumprimento lato sensu, que reporta a inobservância de quaisquer elementos atinentes à posição do devedor ou do próprio credor, especialmente em causa estarão os deveres acessórios”.[1]

O incumprimento envolve os casos em que a prestação se atrasa e os casos em que a prestação se torna definitivamente impossível, no primeiro caso fala-se de mora, neste último de incumprimento definitivo.

O incumprimento definitivo verifica-se nas seguintes situações: i) a prestação principal já não é possível (artigo 810.º, n.º 1, do CC); ii) a prestação principal é possível, mas, mercê do seu retardamento, deixou de ter interesse para o credor (artigo 808.º, n.º 1, 1ª parte, do CC), a prestação principal é possível, tem interesse para o credor, mas não foi executada num prazo razoavelmente fixado pelo credor (artigo 808.º, n.º 1, 2ª parte, do CC).[2]

No caso, demonstra-se que a Autora não efetuou o reforço do sinal no prazo acordado [ponto 21 dos factos provados], mas a prestação – o reforço do sinal em dinheiro – apesar de não haver sido efetuada no tempo devido continuou a ser materialmente realizável e, assim, possível, o que significa que o atraso no cumprimento é qualificável como mora [artigo 805.º, n.º 2, alínea a), do CC].

A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor [artigo 804.º, n.º 1, do CC] mas é insuficiente para conferir ao credor o direito à resolução do contrato, a qual tem lugar nos casos de incumprimento definitivo do contrato [artigo 801.º, nºs 1 e 2, do CC].

Incumbia, pois, à 1ª Ré demonstrar a conversão da mora em incumprimento definitivo, ou seja, demonstrar que em consequência da mora perdeu o interesse na prestação ou que a Autora não realizou a prestação dentro do prazo admonitório que, para o efeito, lhe foi, por si, fixado.

Aliás, o reforço do sinal constitui uma obrigação pecuniária – haveria lugar ao pagamento de um reforço de sinal no montante de € 15.500,00 [ponto 15 dos factos provados]e como a jurisprudência tem amiúde afirmado no comum das obrigações pecuniárias, a prestação devida, não obstante a mora do devedor, continua a revestir todo o interesse para o credor.[3]

Evidencia-se, assim, o acerto do juízo em 1ª instância: a 1ª Ré não alegou, nem demonstrou, haver convertido em incumprimento definitivo a situação de mora que resultou para a Autora do atraso na constituição do reforço do sinal, minguando razões para resolver o contrato.

Idêntico resultado se alcança, aliás, por uma outra via que temos por mais ajustada ao concreto caso dos autos.

A pretensão da 1ª Ré tem assento na previsão do n.º 2 do artigo 442.º do CC, de acordo com a qual se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue.

São pressupostos desta previsão: i) a constituição do sinal – se quem constitui o sinal; ii) o incumprimento da obrigação – deixar de cumprir a obrigação.

Supondo a norma a constituição do sinal, ou seja, a perfeição da obrigação de realização do sinal – se quem constitui o sinal – cabe perguntar que obrigação incumprida gera a perda de sinal.

A faculdade de a contraparte fazer sua a coisa entregue supõe a entrega da coisa, a constituição do sinal - se quem constitui o sinal deixar de cumprir – e, como tal, não se verifica quando o sinal não foi constituído, como no caso se verificou quanto ao reforço do sinal. Tal significa que a obrigação incumprida suscetível de gerar o direito de o contraente fiel fazer sua a coisa entregue não é a obrigação de constituição do sinal como supõe a argumentação da 1ª Ré é, no caso, a obrigação de contratar gerada pelo contrato-promessa.

A falta de cumprimento da obrigação de constituir o sinal, nos casos em que este tem a natureza de uma obrigação pecuniária, confere ao credor o direito a indemnização moratória, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 806.º do CC, mas não dá lugar, por definição dir-se-á, à perda do sinal a favor da contraparte a quem não chegou a ser entregue.

O contrato-promessa tinha por objeto a celebração da escritura de compra e venda de um prédio urbano e a 1ª Ré não alega, nem demonstra, haver marcado a escritura pública, como era sua incumbência [ponto 18 dos factos provados], nem a falta de comparecimento da Autora no local determinado ou que esta, por qualquer forma, se recusou a celebrar o contrato definitivo; alega-se e demonstra-se que a Autora não cumpriu a obrigação de constituição do reforço do sinal [ponto 21 dos factos provados], cláusula acessória[4] do contrato que não se confunde com a prestação principal assumida pelas partes a – obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido (artigo 410.º, n.º 1, do CC) e não envolve, sem mais e como suposto no recurso, o incumprimento definitivo do contrato-promessa.

“A obrigação de constituir, reforçar ou completar o sinal é uma obrigação secundária – porque irrelevante para a caraterização do contrato – e, em qualquer caso, não constitui o correspetivo da obrigação de contratar que sobre o promitente-vendedor impende: não pode este, por isso, com fundamento nesse incumprimento, resolver o contrato nos termos do artigo 801.º, n.º 2.”[5]

Pressuposto da resolução do contrato-promessa é, em regra, o incumprimento da obrigação principal, a realização do contrato prometido.

Quando não esteja em causa o incumprimento dessa obrigação, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, em termos de proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do contrato, nomeadamente tendo em conta a respetiva repercussão no todo contratado.”[6]

A falta de constituição ou do reforço do sinal pelo promitente-comprador, na ausência de estipulação em contrário ou de demonstração da sua essencialidade no programa do contrato, não confere ao promitente-vendedor o direito de resolver o contrato-promessa.

Assim, e em resposta a esta primeira questão, dir-se-á que a não realização do reforço do sinal no prazo acordado pelas partes não carateriza o incumprimento definitivo do contrato-promessa, nem constitui fundamento de resolução pela 1ª Ré.

2.2. Se a Autora incumpriu o contrato por efeito da declaração antecipada de não cumprimento do contrato

Considera a 1ª Ré que a “autora (…) ao interpelar a ré para a restituição do valor do sinal em dobro, considerou implicitamente a resolução do contrato, demonstrando de forma clara e inequívoca, que perdeu o interesse na realização do negócio”.

Consideração que apela aos factos provados na parte em que deles decorre: “Em 8/09/2021, sob carta registada e com aviso de receção, a autora enviou à “A...” uma comunicação escrita, na qual dava conta da impossibilidade objetiva de a mesma cumprir o acordado e, por isso, considerava, objetivamente, incumprido, de modo irremível e definitivo, o contrato-promessa de compra e venda, solicitando a devolução do sinal prestado [ponto 25].

Para além das situações de não cumprimento expressas na lei e já referidas, a doutrina e a jurisprudência admitem caracterizar uma situação de incumprimento os casos em que o credor declara antecipadamente ao devedor que não irá cumprir a obrigação.[7]

A doutrina difere quanto aos efeitos da declaração antecipada de não cumprimento – se simples mora, se incumprimento definitivo – mas conjuga-se quanto às exigências da declaração: a declaração antecipada de não cumprimento, para além de juridicamente possível, deve ser expressa, consciente, séria, categórica, inequívoca, definitiva, perentória.

A declaração de não cumprimento, ensina Menezes Cordeiro, “não deve equivaler à manifestação de dúvidas sobre a exequibilidade do contrato, à decorrência de diversos entendimentos quanto ao mesmo ou à ponderação de dificuldades exteriores. Ela exprimirá a intenção consciente e definitiva de trocar o contrato pelas consequências da sua inexecução.”[8]

Exigências que a declaração da Autora claramente não observa; desde logo porque a Autora não exprime, por via dela, a intenção de trocar o contrato pelas consequências da sua inexecução, pelo contrário, considera impossível a prestação, por causa imputável à 1ª Ré, ou seja, a declaração não expressa a intenção da Autora de não cumprir o contrato, constata a impossibilidade objetiva do cumprimento por causa imputável à 1ª Ré, e, ao fazê-lo, transporta, em si, a negação de declaração antecipada de não cumprimento, por não poder a parte – não ser livre de – cumprir ou deixar de cumprir uma prestação tornada impossível pela contraparte.

A declaração da Autora mediante a qual, por facto imputável à 1ª Ré, considerou “objetivamente, incumprido, de modo irremível e definitivo, o contrato-promessa de compra e venda, solicitando a devolução do sinal prestado”, não constitui uma declaração antecipada de não cumprimento da promessa de celebrar o contrato definitivo.

Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

3. Custas

Vencida no recurso, incumbe à 1ª Ré/recorrente o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 25/1/2024
Francisco Matos
Maria Domingas Simões
Anabela Luna de Carvalho

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[1] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, tomo IV, 2010, pág. 104.
[2] Menezes Cordeiro, Ob. Cit. pág.135
[3] Ac. STJ 15/2/1977, com sumário disponível em www.dgsi.pt , Ac. STJ, de 21/5/98, BMJ nº 477, 460, Ac. RC de 12/2/2008 (proc. n.º 1283/06.8TBAGD.C1), em www.dgsi.pt
[4] Ana Prata, Dicionário Jurídico, vol. I, 5ª ed. pág. 1363.
[5] Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, 2001, pág. 826.
[6] Ac. STJ de 15-02-2005 (proc. n.º 04A4402), em sentido idêntico Ac. STJ de 18-12-2003 (proc. n.º 3B3697), ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[7] Cfr. Ac. STJ de 13/10/2016 (proc. n.º 7185/12.1TBCSC.L1.S1) e doutrina e jurisprudência nele recenseada, em www.dgsi.pt.
[8] Menezes Cordeiro, Ob. Cit. pág. 154.