Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
998/14.1T8STR.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Reputa-se de adequado – às sequelas e ao sofrimento – manter no valor de € 30.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais arbitrada a cidadão que, sem qualquer culpa, sofreu o embate lateral, no seu velocípede sem motor, quando seguia na sua mão de trânsito, de outro veículo que não parou ao STOP, infligindo-lhe lesões que lhe impuseram quatro intervenções cirúrgicas com as inerentes dores, padecimentos, internamentos e sequelas, basicamente ao nível do membro inferior (no joelho).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 998/14.1T8STR.E1 – APELAÇÃO (SANTARÉM)


Acordam os juízes nesta Relação:

A Ré/Apelante “(…) – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Rua (…), nº (…), Lisboa, vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida a 28 de Abril de 2016 (agora a fls. 171 a 194 verso), e que a condenou a pagar ao Autor/Apelado (…), residente na Estrada Militar, n.º (…), (…), a quantia global de € 70.000,00 (setenta mil euros), “a título de danos morais e patrimoniais, acrescida de juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação da presente sentença até integral e efectivo cumprimento” (sendo € 30.000,00 de danos não patrimoniais e € 40.000,00 de danos patrimoniais), na presente acção declarativa de condenação, na forma de processo comum, para efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação, que lhe fora instaurada no Tribunal Judicial da comarca de Santarém, e onde havia sido peticionado, a tal título, um valor global de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) – com o fundamento aduzido na douta sentença de que aqueles valores são adequados às circunstâncias do caso, pesados todos os elementos disponíveis, com recurso também a juízos de equidade –, intentando a sua modificação e alegando, para tanto e em síntese, que discorda do decidido, propondo um quantitativo situado entre 10 e 20 mil euros para os danos não patrimoniais (em vez dos 30 mil que foram fixados) e entre 15 e 20 mil euros para os danos patrimoniais (em vez dos 40 mil fixados na douta sentença), e contrapondo à jurisprudência aí indicada, a que agora enuncia, que, a seu ver, justifica aqueles valores ora adiantados. Pelo que se deverá vir a dar provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

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A) – Vêm dados por provados os seguintes factos:

1) Em Almeirim, a Rua (…) entronca, à esquerda, na Rua (…), no sentido de trânsito Fazendas de Almeirim-Almeirim, e naquela existe um sinal vertical de STOP.
2) No dia 21 de Agosto de 2011, pelas 12,00 horas, o veículo ligeiro de passageiros, marca (…), com a matrícula (…), conduzido por (…), circulava vindo da Rua (…) e, no entroncamento desta via com a Rua (…), virou à esquerda, atento o sentido de Almeirim, sem parar ao sinal de STOP aí existente.
3) O Autor, nas mesmas circunstâncias de tempo, conduzia uma bicicleta e circulava no sentido Fazendas de Almeirim-Almeirim.
4) O condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…) entrou na hemi-faixa de rodagem em que o Autor seguia, cortou-lhe a linha de circulação e embateu-lhe na perna esquerda, o que provocou a queda e o arrastamento do Autor pelo chão, tendo este acabado por embater num poste da EDP.
5) O condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…) não imobilizou o veículo, como lhe era exigido pelo sinal vertical de STOP.
6) E não cedeu passagem ao velocípede conduzido pelo Autor, que seguia na Rua (…), acabando por nele embater.
7) Em consequência do acidente, vieram a resultar, para o Autor, vários politraumatismos, escoriações, fractura grave intra-articular do joelho direito.
8) Essa fractura intra-articular do joelho direito apresentava as seguintes lesões:
• Destruição do côndilo tibial externo por mecanismo de impactação e afastamento;
• Fragmentação e perda da superfície articular do prato tibial externo;
• Desinserção e luxação meniscal externa;
• Rotura total do ligamento cruzado anterior;
• Rotura capsular e distensão do ligamento colateral externo.
9) O Autor foi operado no dia 25 de Agosto de 2011, tendo sido feita a reconstrução possível.
10) A intervenção cirúrgica consistiu no seguinte:
• Desinserção e reinserção do ligamento colateral externo;
• Osteossíntese do contorno tibial (condilo tibial);
• Aplicação de enxertos heterólogos;
• Tentativa de reconstrução da superfície articular;
• Reinserção e reparação do menisco externo;
• Contenção/Osteossíntese com placa anatómica.
11) O Autor teve alta para o domicílio em 03 de Setembro de 2011, tendo o pós­-operatório corrido bem.
12) O seu joelho foi imobilizado com tala de hastes regulável a 30º (tipo “Brace”).
13) Nessa altura fazia marcha com canadianas sem apoio.
14) Nos primeiros seis meses seguintes, foi seguido em consulta, sendo avaliado clínica e radiologicamente, tendo sido obtidos bons resultados em alguns dos parâmetros pretendidos.
15) O desnivelamento do prato tibial externo e a instabilidade colateral ficaram aquém das expectativas, por perda vascular do menisco externo necrose e ainda porque a consolidação óssea obtida não ficou milimétrica.
16) Em virtude disso, foi operado mais três vezes, em 26 de Janeiro de 2012, em 15 de Março de 2012 e em 04 de Outubro de 2012.
17) Através dessas referidas intervenções médico-cirúrgicas conseguiu-se alguma melhoria na congruência e nivelamento tibial.
18) Após as referidas intervenções cirúrgicas, seguiu-se um novo período de recuperação funcional.
19) Tendo-se conseguido obter excelente amplitude articular recuperando parte da massa muscular.
20) Em 04 de Outubro de 2012, foi operado na sequência do tratamento da instabilidade ligamentar (colateral e cruzado); ao mesmo tempo, também foi feita osteotomia tibial de varus de 15º.
21) O Autor esteve internado nos períodos compreendidos entre 22 de Agosto e 03 de Setembro de 2011, 26 de Janeiro e 29 de Janeiro de 2012, 15 de Março e 18 de Março de 2012 e 04 de Outubro e 07 de Outubro de 2012.
22) O Autor foi sujeito a tratamentos de fisioterapia.
23) Na recuperação do Autor foi obtido um resultado satisfatório, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas.
24) Em consequência das lesões sofridas, o Autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 (cinco) pontos, com perspectivas de existência de dano futuro, com uma evolução certa para artrose precoce do joelho direito.
25) As sequelas com que ficou são compatíveis com o exercício da profissão de pintor, mas implicam esforços suplementares.
26) Em consequência das lesões, o Autor sofreu um quantum doloris de grau 6 (seis), numa escala de 1 (um) a 7 (sete).
27) O Autor apresenta um dano estético de grau 3 (três), numa escala de 1 (um) a 7 (sete).
28) Em consequência das lesões sofridas, a repercussão nas actividades desportivas e de lazer é de grau 2 (dois), numa escala de 1 (um) a 7 (sete).
29) O Autor esteve totalmente impossibilitado de exercer a sua actividade profissional desde o dia 21 de Agosto de 2011 até ao dia 14 de Maio de 2013.
30) O joelho direito do Autor apresenta-se com aspecto deformado e com 4 (quatro) cicatrizes.
31) O Autor coxeia quando caminha.
32) O Autor depois de permanecer algum tempo sentado tem dificuldades em iniciar a marcha.
33) O Autor tem dificuldades em subir e descer escadas e andaimes – ao fazê-lo, a perna direita fica sempre para trás.
34) O Autor não aguenta ficar muito tempo de pé, não consegue ajoelhar-se sobre o joelho direito e não consegue ficar na posição de cócoras.
35) O Autor sente dores no joelho direito, principalmente ao fim do dia e ao deitar.
36) O A. tem a profissão de pintor de automóveis ao serviço da sociedade “Auto (…) – Reparações Automóveis, Lda.”, com sede na Estrada Militar, em (…), de que também é sócio-gerente, e à data do acidente auferia, mensalmente, uma quantia de € 980,00 (novecentos e oitenta euros).
37) Tal sociedade tem ao seu serviço, na presente data, 4 trabalhadores com o Autor incluído, sendo que ao tempo do acidente eram 5 (cinco).
38) O Autor tem dificuldades em pintar as partes dos automóveis que ficam junto ao chão por ter dificuldades em baixar-se, e os veículos automóveis mais altos por ter dificuldades em subir degraus de escadotes e andaimes, nestes casos contando com a ajuda dos seus colegas.
39) O Autor passou a ocupar-se mais com o atendimento de clientes, fornecedores e peritos das seguradoras dos veículos sinistrados.
40) O Autor, para conseguir caminhar, tem de fazer força com a perna direita para o lado de fora.
41) Ao conduzir por períodos superiores a meia hora, começa a sentir dores no joelho.
42) Caminhar na areia da praia faz-lhe sentir dores e desconforto.
43) Na praia, o Autor também não consegue jogar à bola e às ‘raquetes’ com os seus filhos, por não conseguir correr e fazer força com a perna direita, o que sucede também em qualquer outro lugar.
44) Antes do acidente o Autor praticava BTT e ciclismo, participava em passeios e em provas onde obtinha boas classificações.
45) Após o acidente o Autor consegue andar de bicicleta mas não como o fazia antes.
46) O Autor tem dificuldades e sente dores ao fazer força com a perna direita nas subidas e noutras situações que impliquem maior tensão e força sobre o pedal direito da bicicleta e, por via disso, não consegue acompanhar o ritmo dos seus colegas.
47) A responsabilidade civil relativa a danos causados a terceiros pela circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (…) foi transferida para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela Apólice n.º (…).
48) A Ré pagou todas as despesas médicas, deslocações e perda de retribuições durante o período de tempo em que o Autor esteve em recuperação.

B) – E vêm dados por não provados os seguintes factos:

1. Por via das lesões sofridas e das suas sequelas, o Autor não consegue desempenhar a profissão de pintor de automóveis.
2. O Autor, no caso de insolvência ou de qualquer outra contingência que implique o fim da sua empresa, ou o seu afastamento da mesma, não terá condições físicas para exercer a profissão de pintor de automóveis ao serviço de outrem.
3. As suas limitações físicas, a sua idade e a sua formação profissional, não lhe permitirão arranjar um trabalho compatível com as mesmas, mantendo o nível da remuneração.
4. Ainda que encontrasse um trabalho compatível com as suas limitações, dificilmente se afigura que conseguisse auferir mais que o salário mínimo nacional, nesta data fixado em € 505,00 (quinhentos e cinco euros).
5. A capacidade do Autor em angariar o seu sustento e a manutenção do nível da sua actual remuneração está dependente do que acontecer à empresa de que é sócio-­gerente.
6. Assim como está dependente da paciência e boa vontade do seu sócio, que lhe permite ocupar de tarefas que antes pertenciam a ambos, atendimento de clientes, fornecedores e peritos de seguradoras.
7. Assim como depende da boa vontade dos funcionários da empresa que aceitam fazer os trabalhos de pintura que ele não consegue fazer.
8. Os tratamentos de fisioterapia a que o Autor foi sujeito foram de 111 (cento e onze).

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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se foi correctamente fixado no Tribunal a quo, o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais e patrimoniais – que o mesmo é dizer se o foi de acordo ou ao arrepio dos factos apurados e das normas legais que deveriam ter informado a decisão (o Autor pretendia, globalmente, o valor de € 150.000,00; mas a Apelante quer dar entre € 10.000,00 e € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais – contra os € 30.000,00 atribuídos na sentença –, e entre € 15.000,00 e € 20.000,00 pelos danos patrimoniais – contra os € 40.000,00 da douta sentença recorrida). É, pois, isso o que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.
[Abre-se, aqui, um parêntesis para dizer que basta atentar no conteúdo da sentença, e das alegações da Recorrente, para ficarmos esclarecidos em matéria de jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça, sobre o tema: a Apelante foi procurar e achou um rol de acórdãos dessas instâncias superiores que lhe garantem que a fixação de € 30.000,00, de indemnização por danos não patrimoniais e de € 40.000,00, pelos danos patrimoniais, é exagerada, atentos os contornos do caso concreto; a douta sentença também procurou e achou um rol de decisões desses tribunais, igualmente impressionante, a garantir exactamente o contrário, isto é, que os valores fixados são, afinal, os correctos; pelo que, em matérias de jurisprudência, praticamente, não vale a pena procurar mais nada.]

Porém, adiantando, desde já, razões, cremos bem, e salva sempre melhor opinião que a por nós aqui expendida, que não assiste à apelante qualquer razão na pretensão que formula de ver passar a indemnização de € 30.000,00 para não mais de € 20.000,00 por danos não patrimoniais, e de € 40.000,00 para não mais de € 20.000,00 por danos patrimoniais – a não ser que se intentem despromover intoleravelmente os bens jurídicos eminentemente pessoais que lhes subjazem e se erijam outros (maxime, de índole patrimonial) no seu lugar.
Pois que dado o imenso cortejo de padecimentos por que veio a passar o Apelado – vítima inocente do acidente de viação em causa – e de sequelas com que ficou indelevelmente marcado, os valores de indemnização arbitrados não são excessivos, tanto a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, como patrimoniais, antes buscaram e alcançaram um equilíbrio que desde já se louva.
Senão, vejamos.

Da indemnização pelos danos não patrimoniais.

Nesta matéria dos danos não patrimoniais, é orientação da jurisprudência que a compensação não poderá ser simbólica nem miserabilista, devendo, antes, ser significativa, mas não exorbitante nem excessiva.
E, efectivamente, assim terá que ser.
Do que se discorda é que a soma de € 30.000,00 se possa considerar, nos tempos que correm e, no caso concreto, exorbitante ou excessiva.
Também não é simbólica ou miserabilista, bem se vê.
Ela é, pois, a adequada, correspondendo a valores dignos e significativos do que representam: precisamente a compensação (mais que o ressarcimento, já que são danos que, pela sua natureza inegociável para o ser humano, não são passíveis de substituição por dinheiro) por padecimentos e angústias que foram suportados em consequência do evento da vida sofrido, o qual se apresenta aqui com características tipicamente ilícitas e culposas, e, assim, censuráveis em face da ordem jurídica.

Realmente, manda o artigo 496.º, nº 1, do Código Civil que na fixação da indemnização se deverão atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Trata-se, pois, como se disse e é sabido, de prejuízos insusceptíveis duma avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, e que só podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta, então, uma satisfação mais do que uma indemnização, sem cunho ou feição reparatória, antes meramente compensatória (atribuição de uma soma em dinheiro com vista a proporcionar ao lesado ou seus familiares satisfações que, de alguma maneira, os façam esquecer as dores ou os desgostos provenientes do acto ilícito que sofreram).

Para a fixação do montante indemnizatório destes danos a lei remete para juízos de equidade (vide artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil), tendo em atenção os factores referidos no seu artigo 494.º (o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso), assim temperando a rigidez dos números com a equidade, como vem previsto no n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, “dentro dos limites que tiver por provados” [como refere, a este propósito, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2004, publicado pelo ITIJ e com a referência 03A4282, “Em inúmeros acórdãos deste Supremo Tribunal, a jurisprudência nacional tem vindo a fazer um grande esforço de clarificação na matéria, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjectivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis”].

E equidade no sentido da “expressão da justiça num dado caso concreto”; “quando se faz apelo a critérios de equidade pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa”; “a equidade está, assim, limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal” – vide Dário Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 2.ª edição, pág. 103.

Como refere o Exmo. Conselheiro Sousa Dinis (Estudo Publicado em CJ STJ, Ano 2001, Tomo 1, pág. 5 e, depois, no Boletim de Informação do CSM), “há uma tendência por parte dos nossos tribunais para falar de critérios e lançar mão deles, com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais e minimamente discrepantes as indemnizações, designadamente no que toca a danos resultantes de morte e incapacidade total ou parcial. É claro que o juiz não deve deixar de lado a equidade, mas, sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa tentar encontrar um menor múltiplo comum, isto é, um factor que seja mais ou menos constante (...) intervindo então o juízo de equidade, alterando a quantia encontrada para mais ou para menos, de acordo com os factores de ordem subjectiva, como a idade, a progressão na carreira, etc.”.

Entre os danos merecedores da tutela do direito inclui-se necessariamente o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica: as dores físicas, ‘o pretium ou quantum doloris’ possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico; e morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações.

Dispensamo-nos de reproduzir, aqui, o extensíssimo quadro fáctico que delimita este tipo de padecimentos, o qual ficou atrás traçado na enumeração da factualidade tida por provada e, agora, já aceite por todos. Remetemos, só para os seguintes pontos dessa factualidade, e muitos são: n.os 4), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 38), 40), 41), 42), 43), 45) e 46) – os quais retratam a tragédia que assolou a vida deste cidadão que lhe adveio do acidente, desde intervenções cirúrgicas as mais variadas a tratamentos dolorosos, enfim, um rol de padecimentos inimaginável (vide o ponto 7) da matéria fáctica: Em consequência do acidente, vieram a resultar, para o A., vários politraumatismos, escoriações, fractura grave intra-articular do joelho direito).
[E, mais desenvolvidamente, o ponto 8): Essa fractura intra-articular do joelho direito apresentava as seguintes lesões: • Destruição do côndilo tibial externo por mecanismo de impactação e afastamento; • Fragmentação e perda da superfície articular do prato tibial externo; • Desinserção e luxação meniscal externa; • Rotura total do ligamento cruzado anterior; • Rotura capsular e distensão do ligamento colateral externo.]
Ainda que foi operado a 25 de Agosto de 2011 para reconstrução (ponto 9), tendo a intervenção cirúrgica consistido numa • Desinserção e reinserção do ligamento colateral externo; • Osteossíntese do contorno tibial (condilo tibial); • Aplicação de enxertos heterólogos; • Tentativa de reconstrução da superfície articular; • Reinserção e reparação do menisco externo; • Contenção / Osteossíntese com placa anatómica (ponto 10). O seu joelho foi imobilizado com tala de hastes regulável a 30º (ponto 12). O desnivelamento do prato tibial externo e a instabilidade colateral ficaram aquém das expectativas, por perda vascular do menisco externo necrose e porque a consolidação óssea obtida não ficou milimétrica (ponto 15). Em virtude disso, foi operado mais três vezes, em 26-01-2012, em 15-03-2012 e em 04-10-2012 (ponto 16). A que se seguiu novo período de recuperação funcional (ponto 18). Em 04-10-2012 a operação foi na sequência do tratamento da instabilidade ligamentar (colateral e cruzado) e feita também osteotomia tibial de varus de 15º (ponto 20). Esteve internado entre 22 de Agosto e 03 de Setembro de 2011, 26/29 de Janeiro de 2012, 15/18 de Março de 2012 e 04/07 de Outubro de 2012 (ponto 21). Foi sujeito a tratamentos de fisioterapia (ponto 22). Em consequência das lesões sofridas, ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos e perspectivas de existência de dano futuro, com evolução certa para artrose precoce do joelho direito (ponto 24). Em consequência das lesões, sofreu um quantum doloris de grau 6, numa escala de 1 a 7 (ponto 26). Apresenta um dano estético de grau 3, numa escala de 1 a 7 (ponto 27). Em consequência das lesões, a repercussão nas actividades desportivas e de lazer é de grau 2, numa escala de 1 a 7 (ponto 28). Esteve totalmente impossibilitado de exercer a sua actividade profissional desde 21 de Agosto de 2011 até 14 de Maio de 2013 (ponto 29). O seu joelho direito apresenta-se com aspecto deformado e 4 cicatrizes (ponto 30). E coxeia quando caminha (ponto 31). Depois de permanecer algum tempo sentado, tem dificuldades em iniciar a marcha (ponto 32). Tem dificuldades em subir/descer escadas e andaimes, pois ao fazê-lo, a perna direita fica sempre para trás (ponto 33). Não aguenta ficar muito tempo de pé, não consegue ajoelhar-se sobre o joelho direito e não consegue ficar na posição de cócoras (ponto 34). E sente dores no joelho direito, principalmente ao fim do dia e deitar (ponto 35). Para conseguir caminhar, tem de fazer força com a perna direita para o lado de fora (ponto 40). Ao conduzir por períodos superiores a meia hora, começa a sentir dores no joelho (ponto 41). Caminhar na areia da praia faz-lhe sentir dores e desconforto (ponto 42). Na praia, não consegue jogar à bola e às ‘raquetes’ com os filhos, por não conseguir correr e fazer força na perna direita, o que sucede, também, noutros lugares (ponto 43). Consegue, ainda, andar de bicicleta, mas não como o fazia antes (ponto 45). Tem dificuldades e sente dores ao fazer força com a perna direita nas subidas e noutras situações que impliquem maior tensão e força sobre o pedal direito da bicicleta e, por via disso, não consegue acompanhar o ritmo dos seus colegas (ponto 46).

E é neste quadro – absolutamente demolidor – para que um cidadão se vê atirado, sem culpa nenhuma, só porque circulava, ali, de bicicleta, na sua mão de trânsito, e no respeito das demais normas estradais, que a Seguradora, agora Apelante, vem impugnar a decisão que fixa um valor de € 30.000,00, aduzindo que “tal indemnização é exageradamente elevada e desajustada da realidade, assim violando princípios como os da equidade, da igualdade e da certeza e segurança jurídicas”, “devendo, por isso, o mesmo ser alterado para um valor situado entre os € 10.000,00 e os € 20.000,00”.

Então não configura este um caso típico de danos merecedores da tutela do direito que, como se disse, inclui as dores físicas, ‘o pretium ou quantum doloris’, possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico e morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações?

Foi, assim, nesse contexto e com um tal enquadramento que o Tribunal a quo veio a fixar, nessa parte, o montante indemnizatório em € 30.000,00, e fê-lo bem, salva melhor opinião, nada havendo, agora, a alterar a esse respeito.

Da indemnização pelos danos patrimoniais.

E o mesmo se diga da indemnização fixada a título de danos patrimoniais – estabelecida, recorde-se, em € 40.000,00, indo a Apelante até à quantificação entre os € 15.000,00 e os € 20.000,00. Com efeito, não vemos, agora, motivo para dissentir da opção ali feita de que se projecte o rendimento actual do Autor pelos anos que previsivelmente terá de vida activa, temperados pela equidade, pelos motivos que vêm, na sentença, explicitados – sendo esse um dos modos possíveis de calcular o dano futuro (“Nos autos, configura-se precisamente uma situação em que o Autor ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, com perspectivas de existência de dano futuro, com evolução certa para artrose precoce do joelho direito”, sendo que “o respectivo cálculo deverá ser feito com recurso à equidade, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, designadamente, a idade do Autor e o grau do Défice Funcional da Integridade Físico-Psíquica de que ficou portador”, aduz-se na douta sentença, a fls. 190 dos autos).

Para se concluir, a fls. 193, depois de uma longa explicação sobre o tema:
Assim, considerando, dentro de critérios de verosimilhança, de normalidade, previsibilidade e razoabilidade; a esperança média de vida do cidadão português do sexo masculino atinge os 80 anos; o défice funcional de que padece o Autor; tendo também em conta os padrões jurisprudenciais geralmente utilizados, tudo devidamente ponderado, à luz das demais considerações de ordem jurídica que antecedem, considera-se justo e adequado fixar em €40.000,00 (quarenta mil euros) a indemnização pelo dano decorrente do Défice Funcional da Integridade Físico-Psíquica”.

Pelo que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se mantém o decidido na 1ª instância e, assim, intacta na ordem jurídica, a douta sentença impugnada, e improcedendo o presente recurso de Apelação.

E, em conclusão, dir-se-á:

Reputa-se de adequado – às sequelas e ao sofrimento – manter no valor de € 30.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais arbitrada a cidadão que, sem qualquer culpa, sofreu o embate lateral, no seu velocípede sem motor, quando seguia na sua mão de trânsito, de outro veículo que não parou ao STOP, infligindo-lhe lesões que lhe impuseram quatro intervenções cirúrgicas com as inerentes dores, padecimentos, internamentos e sequelas, basicamente ao nível do membro inferior (no joelho).
*

Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 25 de Maio de 2017
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral