Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
| Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO SINAL | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1 – O direito de resolução está condicionado à verificação de um fundamento que, na maioria das situações, se traduz num incumprimento contratual. A resolução de um contrato-promessa e a sanção da perda do sinal ou da sua restituição em dobro (artigo 442.º do Código Civil) pressupõem o incumprimento definitivo da promessa. 2 – Nos termos do disposto no artigo 808.º do Código Civil são equiparados ao não cumprimento definitivo as seguintes situações: i. a verificação de uma situação de mora que, por si, revele a falta de interesse objetivo na conclusão do contrato definitivo (artigo 808.º/1, 1ª parte e n.º 2, do Código Civil.); e ii. o decurso de um prazo razoável que tenha sido concedido à contraparte para cumprir (artigo 808.º, n.º 1, 2ª parte, do Código Civil). A estas duas hipóteses se junta uma outra: o devedor assume de forma inequívoca e expressa uma recusa antecipada de cumprimento da prestação, situação que torna dispensável a interpelação admonitória por banda da contraparte. Donde, se o devedor declara antecipadamente não pretender cumprir a obrigação que assumiu ou se adota um comportamento que revela de forma inequívoca a sua intenção de não cumprir a prestação a que se vinculou, incorre desde logo em incumprimento definitivo e, neste caso, o credor fica automaticamente legitimado a resolver o contrato, sem ter de aguardar pelo vencimento da obrigação ou, havendo já mora do devedor, fica desonerado da obrigação de transformar a mora em incumprimento definitivo. 3 – Quando a declaração de resolução julgada infundada tiver ínsita uma inequívoca e definitiva vontade de não cumprir o contrato-promessa pode ser equiparada ao incumprimento definitivo, permitindo à contraparte acionar o regime do sinal sem que tenha previamente de transformar a mora em incumprimento definitivo. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 2626/23.5T8FAR.E1 (2.ª Secção) Relatora: Cristina Dá Mesquita Adjuntas: Maria Domingas Simões Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…) e mulher, (…), autores na ação declarativa sob a forma de processo comum que moveram a (…) e mulher, (…), interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo Central Cível e Criminal de Beja, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, na parte em que este julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os réus do peticionado e condenando os autores no pagamento das custas da ação. Os recorridos – réus na ação – interpuseram recurso subordinado, requerendo a revogação da sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância no segmento em que julgou improcedente o pedido reconvencional por eles deduzido. Na ação os autores pediram ao tribunal que condenasse os réus a pagarem-lhes ou a restituírem-lhes o dobro da quantia recebida a título de sinal, correspondente a € 57.000,00 e, subsidiariamente, a condenação daqueles a restituírem aos autores a quantia de € 28.000,00 acrescida de juros de mora contados desde a data da citação. Para tal desiderato alegaram que outorgaram um contrato promessa de compra e venda com os réus e entregaram-lhes certa quantia, a título do sinal convencionado entre as partes; resolveram o contrato promessa com fundamento imputável aos réus, concretamente, a desconformidade do prédio com o prometido vender, a não apresentação de documentos necessários à outorga da escritura de compra e venda e a não conformidade legal do contrato. Subsidiariamente, alegaram a invalidade do contrato ante o seu estado de erro sobre o estado do prédio objeto do contrato no momento da compra. Os réus, por sua vez, haviam deduzido pedido reconvencional, pedindo ao tribunal a quo que declarasse resolvido o contrato promessa de compra e venda e declarasse perdida a quantia paga pelos reconvindos a título de sinal e princípio de pagamento. Para tal desiderato alegaram que a ilícita declaração resolutiva do contrato deve ser equiparada a uma declaração antecipatória de não cumprimento, constituindo o seu autor numa situação de incumprimento definitivo que dispensa o outro contraente da fixação de um prazo admonitório. I.2. No recurso principal os recorrentes-autores formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões: «I – No julgamento da matéria de facto, o Tribunal procedeu a uma valoração que desrespeita os parâmetros da lógica do homem médio e as regras de experiência comum, e por via disso extraiu dos articulados e das provas um convencimento ilógico, erróneo e imotivado, analisando-as sem sentido de responsabilidade e bom senso, produzindo uma decisão incongruente e contraditória, designadamente ao omitir o juízo inferencial que deveria ter retirado do pedido de legalização apresentado pelos Recorridos e execução de reparações, que comprova, à mingua de outra prova, a assunção dessa responsabilidade. II – Acresce que deve, ainda, ter-se presente, quanto aos temas da prova, que apresentando o autor (Recorrentes) a sua narrativa dos factos, cabe ao réu (Recorridos ) delimitar o objeto da questão de facto (n.º 1 do artigo 547.º), sinalizando a factualidade que considera estar controvertida, daí que, se o réu não identifica certos factos como estando controvertidos, isso significa, apenas, que está de acordo que sejam admitidos como tal na fundamentação (de facto) da decisão que tentará a justa composição do litígio. III – Importa, também, ter presente os princípios em matéria de presunções judiciais, socorrendo-nos a título de exemplo do Ac. do STJ de 17,01.2023, in www.dgsi.pt donde consta que, V - As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência (artigo 349.º do CC), não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência”, ou, noutra formulação, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade. VI - Para aferir da manifesta ilogicidade do juízo inferencial, deve partir-se, no plano metodológico, da teoria da “corroboração das hipóteses relevantes” e da “probabilidade lógica prevalecente”. IV – Ora, o mero confronto da posição das Partes, impõe realidade diferente daquela em que o Tribunal fundamenta a sua presunção, porquanto os Recorridos admitem, expressamente, que perante o Relatório técnico (cfr. ponto 12 dos factos provados), os Recorrentes apresentaram uma contraproposta, que aliás segundo eles foi aceite (cfr. artigo 20º da Contestação), o que converge com a posição dos Recorrentes que alegam que os Recorridos assumiram a obrigação de reparação dos defeitos e sanação das desconformidades apenas divergindo nas consequências retiradas, pois segundo os Recorrentes, ao invés da redução do preço, foi acordada a reparação/sanação, sendo evidente a divergência, porém, circunscrita à consequência retirada do Relatório Técnico. V - Porém, ao invés do que alegam em abono da sua tese, os Recorridos não lograram provar a redução alegada no artigo 20º da Contestação, o que resulta do teor da al. h) dos factos não provados, estando, ao invés, positivamente, provado que a redução de preço de € 595.000,00 para € 575 000,00, prendeu-se com a questão da água, situação que, aliás, nem sequer integra o Relatório Técnico, dado como reproduzido sob o ponto 12 dos factos provados, adiantando-se ainda que o Tribunal não considerou provada a aceitação das desconformidades e defeitos (patologias) conforme alegado nos artigos 61º e 104º da contestação. VI – Em concreto, em sede de reapreciação, no tocante aos Pontos 20 e 21, ao invés do assumido pelo Sr. Juiz, do depoimento da testemunha (…) decorre realidade distinta, designadamente que os Recorridos se ausentaram para Inglaterra e deixaram de viver na casa no final do ano de 2022, data a partir da qual, a testemunha passou a tomar conta da mesma, deslocando-se lá para o efeito, de 15 em 15 dias, esclarecendo que os problemas elétricos começaram logo em Janeiro, após visita do Técnico que elaborou o Relatório Técnico, data a partir da qual a bomba da piscina deixou de funcionar, e, só foram reparados em Junho. VII – Acresce que, a reserva da viagem apenas prova que nessa data, os Recorridos viajaram para Inglaterra, mas não prova que não tenham viajado antes e regressado, entretanto, uma ou mais vezes até porque, conforme consta no Contrato promessa (cfr. ponto 17 dos factos provados) residem em Albufeira, na (…), (…), Vale (…), portanto, os factos provados sob os pontos 20 e 21 deverão ser considerados não provados, o que aliás decorre do resumo que o Sr. Juiz assumiu em sede do depoimento da testemunha (…), sendo notório e incompreensível o erro de julgamento. VIII – Quanto ao ponto 36, previamente, adverte-se que nunca os Recorridos alegaram que a marquise era considerada uma obra de escassa relevância urbanística, dai que exista excesso de pronúncia, acrescendo que o ofício da CMO e o pedido de legalização subjacente são posteriores aos articulados das Partes e à fixação dos Temas da Prova na audiência previa, não obstante, a qualificação de uma obra como de escassa relevância urbanística, carece da ponderação da data em que foi executada e regime legal vigente, pois no direito administrativo, incluindo o direito do urbanismo, tal princípio (tempus regit actum) significa que os actos administrativos se regem pelas normas em vigor no momento em que são praticados e não pelas que vigoravam no momento da formulação do pedido. IX – Compulsado o Oficio da CMO e os seus emails (Informações e Processo de legalização) juntos aos autos pela CMO no dia 18.10.2024 (Ref.ª Citius 2861385), verifica-se que são omissos quanto a essa matéria, daí que o Ponto 36 dos factos provados, deva ser considerado não provado ou não escrito, pois sem prejuízo do excesso de pronúncia, verifica-se erro de julgamento, pois o oficio, da CMO, só por si, é inidóneo a tal prova. X – Quanto ao ponto 38 dos factos provados, para evitar interpretações desajustadas e indevidas, conforme aliás ocorre na sentença recorrida, entende-se que deverá ser alterado, aditando-se (parte sublinhada e realçada ) o seguinte: Os Autores pretendiam, após a compra do imóvel, demolir o «fechamento» existente no alpendre junto à sala para construir um telhado a todo o comprimento do edifício, o que era do conhecimento dos Réus, não tendo, contudo, pedido orçamentos nem decidido o prazo em que iriam executar essas obras, justificando-se essa alteração / correção do depoimento da testemunha (…), conforme supra demonstrado. XII – Quanto aos factos não provados (alíneas a), b) e c)), do depoimento da testemunha (…) decorre que os Recorridos incumbiram-no de tomar conta da casa, resultando inequívoco que não tinha acesso ao seu interior, daí que, na falta de outra prova, decorre, expressamente, do seu depoimento que os Recorridos não fizeram quaisquer trabalhos de manutenção no interior da casa. XIII – Depois, é um facto, aliás assumido pelo Sr. Juiz, que a propriedade ficou sem energia elétrica depois da vistoria realizada em Janeiro de 2023, inexistindo manutenção da piscina, porquanto a sua bomba não funcionava sem energia elétrica e quanto ao restante não está provado qualquer trabalho realizado pela testemunha, o que aliás provocou o estado da propriedade exibido pelas fotografias tirados pelos Recorrentes em Junho, sendo inaceitável as conclusões retiradas pelo Tribunal, pois do seu confronto, são evidentes a falta de manutenção e defeitos exibidos. XIV – A ausência de manutenção, pelo menos até à data da visita dos Recorrentes ocorrida em Junho, parece aliás decorrer da motivação do Tribunal, quando entende que, “Igualmente o jardim acabou por ser arranjado, com poda das árvores, e a habitação foi limpa, como resultou do depoimento de (…) e de (…) [pessoa que acompanhou-fiscalizou a limpeza geral da casa], desta forma, entende-se que a factualidade constante das alíneas a), b) e c) deve ser considerada provada, designadamente, que: “a) Que após a data do relatório técnico, os Réus não fizeram quaisquer trabalhos de manutenção e/ou reparação do prédio prometido vender, quer no interior, quer no exterior, deixando-o ao abandono. b) Que as situações evidenciadas no relatório técnico se agravaram substancialmente desde então, designadamente a nível de pintura, interior e exterior, fissuras, terraços, piscina e jardim. c) Que, excetuando a calcinação nas torneiras, outros tipos de defeitos se evidenciaram após a data do relatório técnico. XV – Quanto ao ponto d) dos factos não provados, não está alegado que a filha dos RR., Recorridos, sofria de autismo, existindo apenas uma declaração nesse sentido da testemunha (…) no seu depoimento, que aliás não manteve, que aqueles lhe terão dado essa explicação aquando da recusa aos AA. para visitar a casa, aliás se assim fosse não se percebe porque não aparece o seu nome na reserva da viagem junta à contestação como documento n.º 14, aliás sem qualquer ligação a esta factualidade. XVI – Portanto, entende-se que o Tribunal não pode assentar e fundamentar a recusa no acesso ao prédio, ainda que mediatamente, à situação de autismo da filha dos Recorridos, atenta a ausência de alegação nesse sentido, e, ainda que assim fosse inexiste prova segura de tal facto, omitindo ao invés, prova de outros factos instrumentais, designadamente, a recusa dos Recorridos em assinar o Contrato Promessa em finais de março, e, o facto (depoimento …) de só terem prosseguido com as negociações e assinatura, perante a ameaça de pagamento da comissão e despesas legais, o que pode explicar o seu comportamento posterior. XVII – Quanto aos pontos e) e f), verifica-se que o Tribunal em sede de motivação afirma que, …tal factualidade, relativa ao foro íntimo dos Autores, para ser presumida pelo Tribunal teria de ser bem respaldada nos factos objetivos a que o julgador tem acesso e, pelo contrário, tudo o conhecido vai de sentido contrário, ora, dá-se aqui por reproduzida a conclusão IV, pois o mero confronto das posições das Partes, impõe realidade distinta daquela em que o Tribunal fundamenta a sua presunção, sendo manifesto o erro de julgamento, pelo que a factualidade constante das alíneas e) e f) deve ser levada aos factos provados. XVIII – O Sr. Juiz ao fixar os Temas da prova, com inclusão da factualidade controvertida atinente à ilegalidade parcial do edificado e direito de preferência, decidiu implicitamente que, em sede de audiência de julgamento estes fundamentos da resolução, apesar de não invocados na interpelação resolutória, podiam/deviam ser considerados e objecto de pronúncia, aliás na senda da jurisprudência invocada em sede de Réplica. XIX – Portanto, à míngua de justificação cabal, entende-se que a douta sentença é nula com fundamento em contradição, obscuridade e omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do CPC), atentos os antecedentes lógicos da sua decisão de não conhecimento dos fundamentos resolutivos que não integraram a resolução comunicada extrajudicialmente. XX – Sem conceder, a exigência de licença de utilização válida, imposta pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 281/99, não pode ser postergada por não se tratar de uma simples formalidade que se traduza numa invalidade formal do contrato, mas visa proteger relevantíssimos interesses de ordem pública, tutelados pelo direito do urbanismo, onde se incluem a vida e saúde, a par de outros direito pessoais e coletivos, não só dos utilizadores dos prédios urbanos como de todos os habitantes do território, correspondendo a questão do conhecimento oficioso do Tribunal, sem prejuízo de entender-se que a outorga da escritura naquelas condições, faria incorrer as partes na comissão de um crime de falsas declarações. XXI – Quanto ao direito de preferência, a obrigação de comunicação do projeto de venda decorre da letra da lei, designadamente no disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CC, inexistindo nenhuma obrigação dos Recorrentes exigirem a comprovação antes da assinatura do CPCV, até porque o momento para tal comprovação será o da outorga da escritura de compra e venda, sublinhando-se que os Recorridos, apesar de solicitação expressa, nunca enviaram aos Recorrentes os comprovativos da notificação aos preferentes, o que apenas fizeram com a contestação daí que nunca tal comprovação podia ser solicitada em fase antecedente pois inclusivamente os recorrentes desconheciam se teria existido comunicação. XXII – Quanto aos erros de julgamento de facto e de direito, com o devido respeito, o Tribunal decide a causa e fundamenta a sentença recorrida numa realidade de facto estranha e alheia à posição que os Recorrentes e Recorridos alegaram nos seus articulados, até porque, conforme mencionado em sede de audiência previa, ao invés da presunção de que parte, não está e nunca esteve em causa o desconhecimento dos defeitos constantes no Relatório Técnico reproduzido sob o ponto 12 dos factos provados, daí que assentando em pressupostos de facto errados, não causa estranheza, que o Tribunal, também, erre na aplicação do direito e respetiva fundamentação. XXIII – Como é sabido, o problema da prova do facto só se coloca, depois de o réu, servindo-se do seu articulado, o ter feito controvertido, pois caso não esteja controvertido – ou carecido de prova –, não integra o thema decidendum em matéria de facto, não integrando o objeto da instrução e não se colocando o problema da sua prova, inscrevendo-se diretamente na base factual sobre a qual o tribunal decidirá a sorte da demanda, por outras palavras, apresentando o autor (Recorrentes) a sua narrativa dos factos, cabe ao réu (Recorridos) delimitar o objeto da questão de facto (n.º 1 do artigo 547.º), sinalizando os acontecimentos que considera estarem controvertidos. XXIV – Conforme supra referido, incompreensivelmente, o Sr. Juiz, em sede de Motivação, apenas atendeu ao teor do ofício de 03/07/2024, ignorando ou fazendo tábua rasa dos preciosos esclarecimentos remetidos pela CMO (Ref.ª Citius 2861385, de 18.10.2024) aliás em cumprimento de despacho proferido, omitindo a sua valoração em sede de interpretação e valoração da prova e na formação da sua convicção, o que potencia, consideravelmente, os erros de julgamento cometidos, violando a sua obrigação de valoração de todo o material probatório e do seu dever de consideração de todas as provas dos autos, porquanto do pedido de legalização, decorre, inequivocamente, a assunção dessa obrigação pelos Recorridos e nunca o contrário. XXV – Dúvidas subsistissem, da Informação e esclarecimentos prestados e documentos juntos pela CMO, decorre que os Recorridos deram entrada no dia 19/06/24 de um pedido de legalização de obras de ampliação de habitação, resultando da Memória Descritiva e Justificativa, que, “2. A proposta apresentada diz respeito às obras de legalização de Obras de Ampliação de Habitação Unifamiliar, pertencente a (…). A obra foi executada clandestinamente (a marquise) e a CMO entende que para poder ser viabilizada a legalização esta carece de parecer da Comissão Municipal da Defesa da Floresta“, realidade confirmada pela CMO que esclarece que, “O oficio n.º (…), de 03-07-2024, em sede de saneamento e apreciação liminar, refere-se única e exclusivamente ao projeto de Arquitetura apresentado no procedimento de legalização Processo n.º 8/2024, o qual apresenta somente uma marquise a legalizar (…) A referida marquise apresenta, conforme memória descritiva datada de 16/05/2024, a área de 6,61 m2, declarando este documento que, “(…) O objeto desta legalização é exclusivamente a introdução desta marquise lateral com 6,61 m2 (… )”. XXVI – Ao invés da posição perfilhada pelo Tribunal, em que, aliás, baseia e fundamenta toda a sua decisão de facto e de direito, é cristalino e pacifico que os Recorridos admitem, inequivocamente, que as conclusões do Relatório Técnico não foram ignoradas, e (cfr. pontos 11 e 12 dos factos provados) foram objeto de discussão/negociação entre Recorridos e Recorrentes, admitindo os Recorridos, inclusive, expressamente, a existência de uma contraproposta dos Recorrentes (cfr. artigo 20º da contestação), e acordo das Partes quanto a esta questão, tendo identificado sob o artigo 18º da contestação, detalhadamente, as situações objeto da contraproposta e do acordo (de redução do preço) que segundo eles foi conseguido. XXVII – Portanto, nos presentes autos, é inequívoco que os Recorrentes não prometeram comprar o prédio com os defeitos e desconformidades exibidos no Relatório (cfr. ponto 12 dos factos provados), divergindo, apenas no facto dos Recorridos afirmarem que tais defeitos foram objeto de uma redução de preço no montante de € 20.000,00, e os Recorrentes afirmarem que os defeitos e desconformidades deveriam estar sanados à data da escritura, duvidas subsistissem, o pedido de legalização apresentado e as reparações realizadas comprovam a admissão da sua responsabilidade. XXVIII – Ora, ao invés do que defendem, os Recorridos não lograram provar o alegado no artigo 20º da Contestação, o que resulta do teor da alínea h) dos factos não provados, decorrendo, ao invés, dos factos provados que tendo o preço de venda sido acordado em € 595.000,00 em 29.11.2022 (cfr. pontos 8 e 9 dos factos provados) e o Relatório sido elaborado posteriormente (pontos 10 a 12) a redução posterior (única) no montante de € 20.000,00 (cfr. ponto 13) não ficou a dever-se ao teor e conclusões do Relatório Técnico, mas, teve como fundamento razões diferentes, aliás, conforme depoimento de parte do A.. XXIX – Quanto à questão da falta de comprovação do depósito da FTH, adverte-se que se em sede de escritura publica tem que constar tal referencia, sem aquela certificação, a escritura publica estaria ferida de nulidade e/ou não poderia realizar-se, sublinhando-se que não está, nem nunca foi discutido nos presentes autos qualquer outra questão, designadamente se a FTH existia e/ou se era exigível a sua apresentação em sede de escritura, verificando-se, portanto o fundamento invocado em sede de resolução do contrato promessa. XXX – Ainda quanto a esta questão, dir-se-á que a efetivação da interpelação admonitória para verificação de uma situação de incumprimento definitivo é dispensável quando se verifique a recusa antecipada de cumprimento por parte do outro promitente, ou perante a verificação de circunstâncias que, analisadas objetivamente, revelem um comportamento concludente no sentido do incumprimento definitivo do contrato, realidade evidente na situação dos autos, conforme resulta do alegado no artigo 28º, que veio a demonstrar-se ser mentira (cfr. ponto 33 dos factos provados). XXXI – Quanto ao incumprimento contratual, decorre da factualidade provada sob os pontos 23 a 32 dos factos provados que, os Recorrentes interpelaram os Recorridos para realizarem as reparações necessárias (que identificaram) tendo aqueles respondido, numa primeira fase que, Os meus clientes pretendem colocar o imóvel nas exactas condições que o mesmo se encontrava aquando da tomada de decisão de compra pelos seus constituintes (cfr. ponto 24) e concretizado mais tarde (cfr. ponto 29) que o prédio “encontra-se nas mesmas condições das apresentadas após as cinco visitas ao imóvel e inspeção por técnico, pelo que, verificada a recusa de reparação e de sanação das desconformidades do licenciado com o edificado, perante o pedido de legalização apresentado pelos Recorridos e a não prova que a redução do preço em € 20.000,00 teve como contrapartida a aceitação dessas situações pelos Recorrentes, importará concluir pelo incumprimento definitivo, imputável aos Recorridos. XXXII – Quanto à violação dos princípios da cooperação e boa fé processual (cfr. artigos 7.º e 8.º do CPC) , para quem, como os Recorridos, pediram a condenação dos Recorrentes, como litigantes de má fé, é inadmissível, a dedução da exceção de incompetência territorial, e a forma truncada como transcreveram o contrato promessa, com omissão da sua cláusula 12ª e da sua própria residência, o que comprova, dúvidas subsistissem, a sua atuação e postura em todo este processo, assinale-se, que os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Recorridos são unânimes no reconhecimento que aqueles no final do ano 2022 decidiram regressar a Inglaterra, daí que, concerteza, a sua residência deixou de estar fixada em Ourique, onde apenas mantinham o domicilio fiscal. XXXIII – Acresce que, os Recorridos apresentaram requerimento nos autos com o teor seguinte: (…) e (…), RR. nos autos à margem referenciados e aí melhor identificados, vêm requerer que se digne admitir a junção do oficio (…), de 03/07/2024 do Município de Ourique, comprovativo que as obras de ampliação realizadas, objeto de um pedido de legalização junto do referido Município, foram por aquele declaradas isentas de controlo prévio, por constituírem obras de escassa relevância urbanística – cfr. artigo 6.º-A, n.º 1, alínea a), do D.L. n.º 555/99. XXXIV – Todavia, da Informação e esclarecimentos prestados e documentos juntos pela CMO, decorre que os Recorridos deram entrada no dia 19/06/24 de um pedido de legalização de obras de ampliação de habitação, resultando da Memória Descritiva e Justificativa, que, “2. A proposta apresentada diz respeito às obras de legalização de Obras de Ampliação de Habitação Unifamiliar, pertencente a (…). A obra foi executada clandestinamente (a marquise) e a CMO entende que para ser viabilizada a legalização esta carece de parecer da Comissão Municipal da Defesa da Floresta“, realidade confirmada pela CMO que esclarece que “O oficio n.º (…), de 03-07-2024, em sede de saneamento e apreciação liminar, refere-se única e exclusivamente ao projeto de Arquitetura apresentado no procedimento de legalização Processo n.º 8/2024, o qual apresenta somente uma marquise a legalizar (…) A referida marquise apresenta, conforme memória descritiva datada de 16/05/2024, a área de 6,61 m2, declarando este documento que, “(…) O objeto desta legalização é exclusivamente a introdução desta marquise lateral com 6,61 m2 (…)”. XXXV – Com efeito, os Recorridos induzem o Tribunal e os Recorrentes em erro, pois não fora a prova oficiosamente determinada pelo Sr. Juiz, ficaria a constar dos autos que as obras de ampliação realizadas (todas) pelos Recorridos estavam isentas de controlo prévio, sendo, portanto, notório o desrespeito pelo principio da boa fé processual, realidade contudo ignorada pelo Tribunal que omite valoração/referencia a tais meios de prova. Termos em que, nos melhores de Direito doutamente supridos por V. Exas. e conforme conclusões supra, requer-se a revogação da douta sentença na parte objecto de recurso, mantendo-se o pedido deduzido na petição inicial. Assim se fazendo JUSTIÇA.» I.3. Os recorridos apresentaram resposta às alegações, pugnando pela improcedência do recurso, e deduziram recurso subordinado, culminando com as seguintes conclusões: «1. Os réus (também) não se conformam com a sentença proferida. 2. Nessa medida, a título subsidiário, da mesma interpõem o presente recurso, 3. impugnando quer a matéria de facto, quer a de direito. 4. Na parte da matéria de facto, requerem a modificação dos pontos ponto 10 e 33 da matéria provada, bem como aditamento à mesma dos factos alegados nos pontos 42, 43 e, 45 da contestação. 5. Na parte de direito porquanto a circunstância de os autores terem resolvido infundadamente o contrato promessa de compra e venda (facto 32), tal equivale, por si só, a uma declaração antecipada de não cumprimento, porquanto aquela revela uma vontade séria, definitiva e consciente de não o querer cumprir e de se sujeitar às consequências desse incumprimento 6. Mas mesmo que assim não se entenda, é notório que os autores não querem cumprir a promessa feita. 7. Tal retira-se (i) do uso conscientemente dado a falsos argumentos resolutivos, (ii)o facto de “enxertarem” fundamentos resolutivos por via da presente demanda, (iii) não terem diligenciado pelo agendamento da escritura, (iv) não promoverem pela obtenção de documentação indispensável à celebração da mesma, (v) conjugado com o pedido de anulação da promessa com fundamento em erro vicio, é demonstração, inequívoca, concludente, que não querem cumprir. 8. Por conseguinte, tal configura um incumprimento definitivo, com a consequente perda do sinal. 9. O Tribunal a quo, ao assim não ter decidido, violou os artigos 433.º, 434.º, 289.º, 808.º, todos do Código Civil. Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que decrete o contrato promessa descrito em 17 dos factos provados, e, em consequência a quantia paga pelos autores perdida a favor dos réus. Mais requer a condenação daquelas nas custas processuais, fazendo-se assim a Justiça que é hábito». I.4. Os autores apelantes apresentaram resposta ao recurso subordinado, requerendo que na hipótese da respetiva procedência, seja determinada a restituição em singelo do sinal que pagaram aos reconvintes. I.5. Ambos os recursos foram recebidos pelo tribunal a quo, o qual também se pronunciou sobre as nulidades de sentença invocadas, defendendo a respetiva improcedência. Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC). II.2. No caso, cumpre conhecer das seguintes questões: II.2.1. Recurso principal 1 – Nulidades da sentença. 2 – Impugnação do julgamento de facto. 3 – Reapreciação do mérito da decisão. II.2.2. Recurso subordinado 1 – Impugnação do julgamento de facto. 2 – Reapreciação do mérito da decisão. II.3. FACTOS II.3.1. O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos: «1. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique sob a ficha n.º (…), da freguesia de Ourique, sob a Ap. (…), de (…), tem registo de aquisição, por compra, a favor dos Réus. 2. Os Réus, pretendendo vender o imóvel supra aludido, contrataram a Sociedade Imobiliária “(…) Alentejo, Mediação Imobiliária, Lda.” para promoção da venda. 3. No anúncio de venda publicitado no «site» da imobiliária supra referida, junto à petição inicial como doc. 5 e aqui dado por integralmente reproduzido, o prédio era identificado como 4. Em 11 de novembro de 2022, os Autores visitaram pela primeira vez o imóvel, data em que manifestaram interesse na sua aquisição. 5. Nessa altura, os Autores pediram plantas da moradia e do edifício de apoio agrícola, tendo os Réus lhes remetido aquelas que viriam a constar em anexo ao relatório técnico infra aludido, junto à contestação como documento n.º 3, aqui dado por integralmente reproduzido. 6. Em 16 de novembro de 2022, os Autores procederam a uma segunda visita ao imóvel. 7. Em 28 de novembro de 2022, os Autores procederam a uma terceira visita ao imóvel. 8. Em 29 de novembro de 2022, os Autores ofereceram o montante de € 585.000,00 para comprar o referido imóvel, ao que os Réus contrapropuseram € 595.000,00. 9. Em igual data, os Autores acederam a pagar os € 595.000,00, condicionado a verificação técnica e legal do imóvel. 10. Para dar execução à referida inspeção técnica, os AA contrataram (…) da Algarve (…). 11. No dia 11 de janeiro de 2023, o referido técnico, acompanhado dos AA, visitou o imóvel. 13. Posteriormente, os Autores baixaram a sua proposta de compra para € 575.000,00, valor que os Réus aceitaram. 14. Por email datado de 03 de fevereiro de 2023, junto à petição como documento n.º 9, aqui dado por integralmente reproduzido, os Autores remeteram aos Réus o relatório técnico supra aludido e comunicaram, entre o mais: Recebi instruções do M/ Cliente, (…), no sentido de o representar no processo de aquisição do prédio do seu Cliente (…) sito em (…), em Ourique. No sentido de dar início à preparação da minuta de CPCV, agradeço o envio dos seguintes documentos: - Identificação dos Vendedores; - Certidão do Registo predial e caderneta - Licença de utilização - Ficha Técnica de Habitação (FTH) - Comprovativos de pagamento do IMI dos últimos 3 anos e certidão de inexistência de dividas ao fisco. - Planta de localização e Projeto de arquitetura com plantas com carimbo da Câmara; - Decisão da Câmara com aprovação do projeto de arquitetura; - Levantamento topográfico e identificação de eventuais preferentes. Por último, agradeço confirmação das condições de compra e venda, a saber; - Confirmação do preço e forma de pagamento; - Prazo para outorga da escritura. 16. Por email datado de 22 de fevereiro de 2023, junto à contestação como doc. n.º 8, aqui dado por integralmente reproduzido, os Réus remeteram aos Autores a planta do edifício de apoio agrícola carimbada pelo município [doc. n.º 8.1] e comunicaram, entre o mais: Remeto a planta do apoio agrícola. 17. As partes, sendo os Réus como promitentes vendedores e os AA como promitentes compradores, celebraram, em 05 de abril de 2023, um contrato denominado «contrato-promessa de compra e venda», com reconhecimento de assinaturas, junto à petição como doc. n.º 1, aqui dado por integralmente reproduzido, no qual consta, entre o mais, o seguinte: 20. Em data não apurada, mas posteriormente a 14 de maio de 2023, depois de os Réus terem viajado para Inglaterra, houve um problema elétrico que fez disparar o disjuntor da piscina e a colocou num estado impróprio para uso. 21. Após tomarem conhecimento da situação, os Réus repararam a deficiência elétrica em 18 de junho de 2023 e a piscina foi limpa, regressando ao seu estado habitual. 22. Em 20 de junho de 2023, os Autores visitaram o prédio prometido vender. 23. Por email datado de 21 de junho de 2023, junto à petição como doc. n.º 6, aqui dado por integralmente reproduzido, os Autores anexaram as fotografias juntas à contestação como docs. 16 a 64 e comunicaram aos Réus, entre o mais: Tendo em vista a outorga da escritura publica, os M/ Clientes fizeram, ontem, após contacto prévio com a Agência Imobiliária, uma visita ao Prédio. O estado geral de abandono em que encontraram a propriedade (parte urbana e rústica) deixou-os em estado de choque. (cfr. reportagem fotográfica no email infra.) Com efeito, conforme decorre do CPCV, os M/ Clientes prometeram comprar o Prédio para sua habitação própria e permanente, o que, atento o seu estado de degradação, é manifestamente impossível. Desta forma, solicito ao Colega que junto dos Promitentes Vendedores providencie a reparação integral dos defeitos evidenciados nas fotografias (e outros que possam existir), quer a nível de pintura, fissuras, madeiras, parte elétrica, máquinas e eletrodomésticos. Mais solicitam os M/ Clientes seja providenciada a limpeza da piscina e colocação em funcionamento, limpeza das arvores do jardim, assim como limpeza da parte rústica, o que constitui uma obrigação legal do proprietário em matéria de incêndios. Os M/ Clientes mandaram ainda fazer análises à água do furo, estando neste momento a verificar quais as suas possibilidades de consumo humano e utilização na piscina. Só depois de realizados os trabalhos necessários, os M/ Clientes, após nova vistoria, decidirão se estão reunidas as condições para a outorga da escritura publica. Naturalmente, os M/ Clientes não pretendem criar dificuldades aos Clientes do Colega, daí que, caso seja essa a decisão, estão disponíveis para a resolução do contrato por mútuo acordo em condições a acordar. Na expectativa de resposta do Colega, subscrevo-me com consideração. 27. Em 11 de julho de 2023, os Autores, a pedido do Réus, densificaram as suas exigências da seguinte forma: 32. Por email datado de 09 de agosto de 2023, junto à petição como doc. 3, aqui dado por integralmente reproduzido, os Autores comunicaram aos Réus, entre o mais: tendo presente as comunicações mantidas entre o N/ Advogado e o Dr. (…) e V. Exas., designadamente, os emails desde 21 de Junho e a listagem dos trabalhos executados/reparados remetida através de email de 01.08.2023, lamentamos informar que não estão reunidas as condições para prosseguirmos para a outorga da escritura publica de compra e venda, pois entendemos que o Imóvel prometido vender não satisfaz, minimamente, os padrões de qualidade publicitados e que estiveram na base da N/ decisão de comprar. Com efeito, efetuadas as últimas vistorias (20.06.2023 e 04.08.2023) foi possível verificar as insuficiências e falta de qualidade dos materiais utilizados na construção, assim como dos bens que constituem o seu recheio e equipamento. Acresce que, após vistoria realizada ao imóvel pelo N/ representante no dia 04 de agosto, verificámos que uma parte substancial dos trabalhos de reparação solicitados não foram executados, e, os executados, foram reparados de forma incompleta e deficiente. À presente data, persiste ainda a comprovação de depósito na Câmara da FTH, nos termos prescritos no artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 68/2004, de 25 de março. Atento o supra exposto, na sequência da comunicação da nossa intenção de exercer o direito de resolução com fundamento em incumprimento definitivo do contrato, vimos desta forma proceder à sua efetiva resolução, de acordo com o estipulado na Cláusula 7.ª, n.º 3, do CPCV. Atento o supra exposto, ficamos, pelo prazo de 10 dias a aguardar propostas de resolução da situação determinada pelo incumprimento do contrato, sublinhando que caso não recebamos qualquer resposta presumiremos a indisponibilidade para uma solução extrajudicial. 34. O prédio prometido vender possui um terraço fechado junto à sala cujo fechamento não se encontra previsto no projeto de arquitetura aprovado, apenas constando como alpendre [identificado com o n.º 1 na planta junta à constatação como documento n.º 4.9]. 35. O prédio prometido vender possui uma «marquise» junta à cozinha [identificada com o n.º 14 no projeto de arquitetura junto aos autos sob o ofício datado de 18 de outubro de 2024 – ref.ª 2861385] cuja construção não se encontra prevista no projeto de arquitetura aprovado [planta junta à constatação como documento n.º 4.9]. 36. A «marquise» supra referida é considerada obra de escassa relevância urbanística para efeitos do artigo 6.º-A, n.º 1, al. a) do D.L. n.º 555/99, de 16 de dezembro [R.J.U.E.]. 38. Os Autores pretendiam, após a compra do imóvel, demolir o «fechamento» existente no alpendre junto à sala para construir um telhado a todo o comprimento do edifício, o que era do conhecimento dos Réus. 39. Os Autores não solicitaram junto do Município de Ourique parecer favorável à aquisição em compropriedade do imóvel prometido comprar a que alude o artigo 54.º da Lei n. 64/2003 de 23 de agosto.» c) Que, excetuando a calcinação nas torneiras, outros tipos de defeitos se evidenciaram após a data do relatório técnico. d) Que, excetuando um período em que os Réus passavam férias no imóvel com a sua filha que sofre de autismo, hajam os Autores estado impossibilitados/não autorizados a aceder à propriedade. f) Que os Autores contrataram com os Réus na convicção de que o prédio lhes seria vendido com os defeitos exibidos à data das visitas e vistoria, devidamente reparados. g) Que os Autores contrataram com os Réus na convicção de que o prédio prometido vender estaria totalmente licenciado aquando da compra e venda. h) Que a redução da proposta de compra pelos Autores em € 20.000,00 para o valor final de € 575.000,00, corresponda ao somatório das estimativas para fazer face à reparação das patologias identificadas no relatório técnico.» Por todo o exposto, conclui-se que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são imputados, improcedendo assim este segmento do recurso.
A - Ponto de facto provado n.º 20 – Em data não apurada, mas posteriormente a 14 de maio de 2023, depois de os Réus terem viajado para Inglaterra, houve um problema elétrico que fez disparar o disjuntor da piscina e a colocou num estado impróprio para uso – e ponto de facto provado n.º 21 - Após tomarem conhecimento da situação, os Réus repararam a deficiência elétrica em 18 de junho de 2023 e a piscina foi limpa, regressando ao seu estado habitual. Defendem os apelantes que estes enunciados de facto deverão ser julgados não provados, invocando o depoimento da testemunha (…). O julgador a quo motivou o seu julgamento no que àqueles pontos de facto respeita da seguinte forma: «Quanto à factualidade de pontos 20 e 21, tomou-se em consideração, além das fotografias juntas aos autos em que se pode vislumbrar a sujidade da piscina, o depoimento de (…) que a tanto se referiu, o depoimento, credível, de (…), pessoa que ficou incumbida pelos Réus de zelar pela habitação aquando da sua ausência; no que respeita às datas de partida dos Réus para Inglaterra e da reparação elétrica, atendeu-se ainda à reserva da viagem junta à contestação como doc. 14 e à fatura emitida pelo arranjo junta à contestação como doc. 15». Ouvido o depoimento da testemunha acima referida, nada resulta do seu conteúdo que imponha a alteração do ponto de facto provado n.º 21, bem como o essencial do ponto de facto provado n.º 20. Para o que ora releva, resultou do testemunho de (…) que foi já após o regresso dos réus ao Reino Unido, o qual situou em finais de novembro de 2022, que ocorreu um problema elétrico no imóvel e que em junho de 2023 foi chamado à casa pela agente imobiliária (…), tendo sido esta que contactou alguém para fazer a reparação; quando veio o técnico da eletricidade verificou-se que o contador tinha falta de potência para tantos equipamentos pois quando estava tudo ligado ao mesmo tempo a eletricidade estava sempre a ir abaixo; o problema foi resolvido e envolveu a substituição de um cabo da EDP e a piscina ficou bem de novo. Esta testemunha afirmou, ainda, que questão da eletricidade já se arrastava desde janeiro de 2023, pelo que se impõe proceder à alteração do primeiro segmento da redação do facto provado n.º 20 nos termos que infra se referirão. Em face do exposto: 1 – Mantém-se o ponto de facto provado n.º 21 no elenco dos factos provados tal como julgado pelo tribunal de primeira instância. 2 – Procede-se à alteração do ponto de facto provado n.º 20, que passará a ser a seguinte: «Em janeiro de 2023, e já tendo os Réus viajado para Inglaterra, houve um problema elétrico que fazia disparar o disjuntor da piscina e a colocou num estado impróprio para uso.» B - Facto provado n.º 36: «A «marquise» supra referida é considerada obra de escassa relevância urbanística para efeitos do artigo 6.º-A, n.º 1, alínea a), do D.L. n.º 555/99, de 16 de dezembro [R.J.U.E.]». É entendimento pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Embora não conste do Código Processo Civil vigente uma norma como a do artigo 646.º, n.º 4, do Código Processo Civil de 1961, que considerava não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito, decorre do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC que na sentença são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual e resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC que o tribunal da relação deve considerar não escritos os enunciados da matéria de facto que contenham juízos conclusivos e genéricos e matéria de direito. Por conseguinte, o enunciado em questão deverá ser eliminado, procedendo a impugnação quanto ao mesmo. C - Ponto de facto provado n.º 38 - Os Autores pretendiam, após a compra do imóvel, demolir o «fechamento» existente no alpendre junto à sala para construir um telhado a todo o comprimento do edifício, o que era do conhecimento dos Réus. Os apelantes/autores defendem a alteração da redação deste ponto de facto, passando a mesma a ser a seguinte: «Os Autores pretendiam, após a compra do imóvel, demolir o «fechamento» existente no alpendre junto à sala para construir um telhado a todo o comprimento do edifício, o que era do conhecimento dos Réus, não tendo, contudo, pedido orçamentos nem decidido o prazo em que iriam executar essas obras». Invocam, para esta alteração, os depoimentos de (…) e (…). A impugnação da decisão de facto visa modificar o julgamento sobre os factos que se consideram incorretamente julgados de molde a que, por essa via, se obtenha um efeito jurídico útil ou relevante. Se os factos a que se dirige a impugnação da decisão de facto forem irrelevantes para a decisão a proferir “segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois que, nesse caso, e ainda que se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que ora se considerou provada ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente – neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação de Coimbra de 24.04.2012, processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, consultável em www.dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021[4], em cujo sumário se escreveu o seguinte: «O Tribunal da Relação pode recusar-se a conhecer do recurso de impugnação da matéria de facto relativamente àqueles factos concretos objeto da impugnação, que careçam de maneira evidente de relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, evitando, de acordo com o artigo 130.º do CPC, a prática de um ato inútil». É justamente o caso: é irrelevante para a decisão de mérito se os promitentes-compradores já tinham, ou não, pedido orçamentos para as obras referidas no enunciado em questão ou se já tinham decidido o prazo das obras. Donde, não há que conhecer este segmento da impugnação da matéria de facto. D - Alínea a) do elenco dos factos não provados – Após a data do relatório técnico, os Réus não fizeram quaisquer trabalhos de manutenção e/ou reparação do prédio prometido vender, quer no interior, quer no exterior, deixando-o ao abandono –, alínea b) do elenco dos factos não provados – As situações evidenciadas no relatório técnico se agravaram substancialmente desde então, designadamente a nível de pintura, interior e exterior, fissuras, terraços, piscina e jardim – e alínea c) do elenco dos factos não provados – Excetuando a calcinação nas torneiras, outros tipos de defeitos se evidenciaram após a data do relatório técnico. * F - Alínea e) dos factos não provados – Se os Autores soubessem que os Réus pretendiam vender-lhes a casa no estado em que se encontrava e encontra, não teriam decidido comprá-la.
E G - Alínea f) dos factos não provados - Os Autores contrataram com os Réus na convicção de que o prédio lhes seria vendido com os defeitos exibidos à data das visitas e vistoria, devidamente reparados. De acordo com o disposto no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil na sentença o julgador deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. “Factos”, na aceção processual aqui a considerar, são as realidades apreensíveis e compreensíveis, respetivamente, pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, nelas se compreendendo tanto os acontecimentos externos como os internos ou psíquicos. Assim sendo, não podem estes enunciados integrar quer o elenco de factos provados, quer o elenco de factos não provados, pelo que se determina a sua eliminação. * DECISÃO Em face de todo o exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto apresentada pelos apelantes/autores e, em conformidade, determina-se: 1 – A alteração da redação do ponto de facto provado n.º 20, que passará a ser a seguinte: «Em janeiro de 2023, já depois de os Réus terem viajado para Inglaterra, houve um problema elétrico que fazia disparar o disjuntor da piscina e a colocou num estado impróprio para uso.» 2 – A eliminação do ponto de facto provado n.º 36. 3 – A eliminação das alíneas e) e f) do elenco dos factos não provados. III.4. O Direito Por via da presente ação os autores/apelantes pediram a condenação dos réus no pagamento do sinal em dobro ou, subsidiariamente, na devolução do sinal em singelo, com fundamento na resolução do contrato promessa que outorgaram com os réus/apelados na data de 5 de abril de 2023 e por via do qual estes últimos prometeram vender aos autores/apelantes e estes prometeram comprar-lhes o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique sob a ficha (…), da freguesia de (…), até dia 30 de junho de 2023. Para fundamentarem a resolução do contrato, os autores (e ora apelantes) imputam aos réus (ora apelados) o incumprimento do contrato-promessa. Os réus, por sua vez, defenderam que a resolução do contrato é ilícita, o que conjugado com as causas de pedir em que os autores alicerçam os seus pedidos torna evidente que os autores não querem o contrato prometido, o que é «equiparado a uma declaração antecipada de não cumprimento» e fundamentador da resolução, pelos réus, do contrato-promessa, podendo fazer sua a quantia que lhes foi entregue a título de sinal e princípio de pagamento. O tribunal de primeira instância decidiu que os fundamentos invocados para a resolução não procedem, pelo que a resolução do contrato-promessa não produziu os seus efeitos, mantendo-se o convénio celebrado entre as partes em vigor por não haver incumprimento definitivo de qualquer das partes. Julgou improcedentes quer o pedido dos autores quer o pedido reconvencional. Não vem posto em causa que através de missiva datada de 9 de agosto de 2023 os autores (apelantes) comunicaram aos promitentes-vendedores (apelados) a resolução do referido contrato-promessa, invocando os seguintes fundamentos: «o imóvel prometido vender não satisfaz minimamente os padrões de qualidade publicitados e que estiveram na base da decisão de comprar por parte dos promitentes-compradores» e «até à data de 9 de agosto de 2023 persiste a falta de comprovação de depósito na Câmara Municipal da FTH, nos termos do artigo 5.º do D/L n.º 68/2004, de 25 de março». Posteriormente, com a interposição da ação, os autores invocaram outros fundamentos resolutórios que não constam daquela interpelação resolutória, concretamente: i. a falta de licenciamento do fecho do alpendre junto à sala e da construção de uma marquise junta à sala; ii. a falta de notificação dos proprietários confinantes para o exercício do direito de preferência; iii. a falta de atempada promoção do registo provisório da aquisição da propriedade a favor dos autores. Na sentença recorrida, e a propósito dos fundamentos resolutórios invocados na missiva de 9 de agosto de 2023, o tribunal de primeira instância considerou «não fundamentada a primeira justificação para a resolução contratual» na medida em que os autores «iam comprar a coisa no estado em que se encontrava à data do contrato-promessa, com todas as suas qualidades e defeitos evidenciados no relatório técnico» e «não se provou que essas situações se agravaram desde então ou que outras hajam surgido [à exceção das torneiras, mas que, na verdade, os réus se disponibilizaram, em 4 de agosto a substituir – todas elas – na sequência da última vistoria realizada nesse mesmo dia, o que não mereceu resposta positiva dos autores, que, sem outras comunicações, resolveram logo o contrato em 9 de agosto. (…)»; para além de que «é uma situação tão ínfima ante o globo contratual – e que os réus se disponibilizaram a solucionar da melhor forma, como a substituição pura e simples, que não pode motivar a cessação contratual». Quanto à segunda justificação entendeu o tribunal recorrido que pese embora os réus não hajam enviado aos autores, até à data da concretização da resolução, o comprovativo do depósito da ficha técnica de habitação do prédio – apesar de o mesmo já existir desde 17 de janeiro de 2014 – aqueles não tinham obrigação de o fazer naquele momento, podendo fazê-lo até cinco dias antes do prazo aprazado para a realização da escritura de compra e venda nos termos da cláusula 5.ª, n.º 2, do contrato-promessa. Considerou assim o tribunal recorrido que os réus nunca entraram em mora quanto à obrigação de entrega de tal documento. No que respeita aos fundamentos resolutórios invocados (apenas) na presente ação, o tribunal a quo considerou que os fundamentos resolutivos a apreciar pelo Tribunal nos presentes autos estão “balizados” por aqueles efetivamente invocados entre as partes extrajudicialmente nos termos da missiva datada de 9 de agosto de 2023 e não também com base nos fundamentos só invocados na ação porque tal equivaleria declarar a resolução judicial do contrato com efeitos reportados à prolação da sentença, «o que nunca poderia proceder uma vez que a possibilidade de resolução contratual firmada entre as partes, nos termos da cláusula 7.ª, n.º 3, prevê que «A Parte que pretender exercer o direito de resolução com fundamento em incumprimento definitivo do contrato deverá notificar a outra Parte da sua intenção, estabelecendo um prazo não inferior a 15 dias para o cumprimento da obrigação em falta, findo o qual o incumprimento será considerado final e definitivo para todos os efeitos, permitindo assim à Parte não faltosa declarar, por notificação escrita, a imediata e efetiva resolução deste contrato» e que «Sempre quedaria, pois, a impossibilidade de se declarar resolvido o contrato sem que, por respeito aos demais fundamentos resolutivos, fosse concedido o prazo admonitório». No seu recurso de apelação os autores sustentam que existe incumprimento definitivo dos recorridos porque estes se recusaram a efetuar as reparações e a proceder à sanação das desconformidades do licenciado com o edificado, aduzindo que não se provou que a redução do preço em € 20.000,00 tivesse como contrapartida a aceitação de tais situações pelos recorrentes, defendendo também que os fundamentos resolutivos invocados na ação mas que não foram referidos na interpelação resolutória, a saber, a ilegalidade parcial do edificado e o direito de preferência, deveriam ter sido considerados pelo tribunal de primeira instância na sentença recorrida. Apreciando. Liminarmente se dirá que a violação ou todo o desvio de certa importância do programa contratual deverá conferir em princípio ao credor (à outra parte no contrato com prestações correspetivas) um direito de resolução. Como ensina Batista Machado[5], o direito de resolução é um direito potestativo extintivo que depende de um fundamento, o que significa que é necessário que se verifique um facto ou uma situação que crie tal direito. E esse facto é, por regra, um incumprimento contratual. Também por regra a resolução exerce-se extrajudicialmente, mediante declaração à outra parte (artigo 436.º/1, do Código Civil) e só excecionalmente é decretada pelo tribunal. Independentemente de a resolução extrajudicial ser fundada, ou não, operando ela através de uma declaração receptícia (artigo 436.º/1, do CC), esta produz os seus efeitos quando chega ao poder/conhecimento da contraparte (artigo 224.º do Código Civil). Já nos casos excecionais em que a resolução deva ser decretada pelo tribunal, os seus efeitos produzem-se apenas com o trânsito em julgado da decisão judicial. Quando o contrato resolvido é um contrato-promessa a respetiva resolução obriga à restituição do sinal em dobro ou em singelo, consoante os casos (artigo 442.º do CC). Como se disse, o direito de resolução está condicionado à verificação de um fundamento que, na maioria das situações, se traduz num incumprimento contratual. A resolução de um contrato-promessa e a sanção da perda do sinal ou da sua restituição em dobro (artigo 442.º do Código Civil) pressupõem o incumprimento definitivo da promessa[6]; se houver simples mora da parte de algum dos promitentes, já não se aplica o disposto no artigo 442.º do Código Civil. Nos termos do disposto no artigo 808.º Cód. Civil são equiparados ao não cumprimento definitivo as seguintes situações: i. a verificação de uma situação de mora que, por si, revele a falta de interesse objetivo na conclusão do contrato definitivo (artigo 808.º/1, 1ª parte e n.º 2, do Código Civil); e ii. o decurso de um prazo razoável que tenha sido concedido à contraparte para cumprir (artigo 808.º, n.º 1, 2ª parte, do Código Civil). Também no contrato promessa as duas situações previstas no artigo 808.º do Código Civil são equiparados ao não cumprimento definitivo[7]. A situação prevista na primeira parte do artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil – se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação – refere-se aos casos em que o interesse do credor (interesse que desapareceu durante a mora) se relaciona com uma finalidade (de uso ou de troca) que não entrou a fazer parte do conteúdo do negócio (nem deu origem a um termo essencial, absoluto ou relativo)[8]. O efeito resolutivo previsto naquele segmento normativo só se produz mediante declaração dirigida pelo credor ao devedor em que aquele declare a resolução do negócio, por perda de interesse na mesma. Dito de outro modo, não é qualquer mora que origina um direito potestativo de resolução, mas tão só aquela que teve uma consequência relativamente importante sobre a economia da relação, consequência essa que se traduz na perda do interesse na prestação por parte do devedor. À parte disso, a mora só pode conduzir ao direito de resolução se se verificar o outro pressuposto previsto no segundo segmento do n.º 1 do artigo 808.º do CC a que aludiremos de seguida. Note-se que nos termos do artigo 808.º, n.º 2, do Código Civil, a perda do interesse do credor na prestação é apreciada objetivamente, o que não significa «que se não atenda ao interesse subjetivo do credor e, designadamente, a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípios irrelevantes. O que essa objetividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afetado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objetivamente, com base em elementos suscetíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz) e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor».[9] O artigo 808.º, n.º 1, 2ª parte, do Código Civil prevê a possibilidade de o credor, quando o devedor esteja em mora, fixar a este último um prazo suplementar (razoável) perentório, dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do contrato. Trata-se de um remédio para os casos em que não foi estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial e em que o credor não pode alegar de modo objetivamente fundado uma perda de interesse na prestação em virtude da mora. A interpelação admonitória com fixação de prazo perentório para o cumprimento é uma intimação formal dirigida ao devedor para que cumpra a sua obrigação dentro de prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo. Trata-se de uma declaração receptícia que se torna definitiva e irrevogável a partir do momento em que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (artigo 224.º do Código Civil). O princípio da pontualidade no cumprimento dos contratos (artigo 406.º C.Civil) impõe a execução das prestações nos exatos termos em que foram acordados. Consequentemente, haverá incumprimento não apenas nos casos de incumprimento total da prestação, mas também quando esta seja cumprida de forma defeituosa ou parcial, ou seja, qualitativa ou quantitativamente em desconformidade com aquilo que foi acordado. Diz-nos Batista Machado, ob. cit., que por cumprimento inexato quer-se significar todo aquele em que a prestação efetuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correção e boa-fé. Reportando-nos agora à inexecução qualitativa do cumprimento - aquela que releva para o caso em apreço - ela pode traduzir-se, por exemplo, numa deformidade, num vício ou na falta de qualidade da prestação. Em qualquer dos casos, o credor pode recusar a prestação e exigir uma prestação nova, exata, sempre que isso for possível, ou exigir a eliminação da deformidade ou dos vícios; ou, ainda, se perder o interesse por força da mora, resolver o contrato, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, 1ª parte, Cód. Civil. Destarte, no caso de a prestação ser inexata, ocorre incumprimento e o devedor entra em mora, logo que se esgote o prazo do cumprimento; em face de tal incumprimento, tem o credor, entre outros, o direito de exigir a eliminação dos defeitos ou deformidades da prestação efetuada; sendo possível a eliminação dos defeitos da prestação, o credor não pode, desde logo, recorrer à resolução do contrato porque a resolução pressupõe um incumprimento definitivo. O que significa que o credor só pode recorrer à resolução depois de ter operado a conversão da mora em incumprimento definitivo, nos termos e segundo o processo indicado no artigo 808.º do Código Civil. Note-se, por fim, que o credor não pode resolver o contrato se a inexatidão da prestação tiver, em relação ao seu interesse, escassa importância. Retornando ao caso em apreço, impõe-se começar por avaliar se o julgador a quo decidiu corretamente ao julgar não haver justificação para a resolução comunicada pelos promitentes - compradores aos promitentes vendedores por email de 9 de agosto de 2023 (resolução extrajudicial). O primeiro pressuposto a verificar é a existência de um incumprimento contratual, isto é, cumpre aquilatar se existiu efetivamente um desvio ao programa contratual, se se verifica, ou não, uma falta de conformidade do prédio com o seu estado prometido vender. No presente recurso não vem posto em causa que inexistiu um acordo - anterior, contemporâneo ou posterior ao contrato promessa - firmado entre autores e réus sobre o estado do prédio, isto é, de um acordo verbal que completasse ou modificasse o teor do contrato-promessa. Donde, e para aferir sobre o que as partes efetivamente acordaram quanto ao objeto do contrato-promessa, isto é, sobre as qualidades que o mesmo deveria revestir, o tribunal a quo, e bem, socorreu-se dos critérios hermenêuticos da interpretação das declarações contidas naquele convénio. Diz-se na sentença recorrida, o seguinte: «Quedamos, pois, na pura interpretação das declarações plasmadas no contrato, na averiguação daquela que seja a melhor interpretação do negócio celebrado entre as partes.(…) Está em causa o sentido que um homem médio, colocado na posição do destinatário, extrairia de uma concreta declaração; o significado que um destinatário medianamente instruído, diligente e sagaz, atribuiria a certo significante, num determinado contexto. Sendo que, nos contratos formais, como é o dos autos, ter-se-á de atentar ainda no artigo 238.º, n.º 1, do CC (…). Ou seja, o elemento gramatical guia o processo interpretativo, partindo e havendo que nele determinar o respetivo resultado (…). E neste percurso interpretativo valem todos os elementos sobejamente conhecidos: a inserção sistemática, a finalidade das partes, o elemento histórico. Ora, sub judice, o elemento gramatical não é evidente a ponto de permitir por si uma conclusão linear pelo intérprete. Quer isto dizer, o texto contratual, como seria de esperar, não responde diretamente à questão colocada: em que estado deve ser vendido o imóvel, com que qualidades e defeitos, com que grau de aprimoramento se deverá apresentar à data da venda, melhor ou pior do que se encontrava à data da outorga do contrato-promessa. (…)», ali se aduzindo que no texto do contrato-promessa o imóvel prometido vender «encontra-se identificado por recurso a elementos meramente formais [o registo predial, a inserção na matriz, a dimensão métrica, a composição urbana e rústica]. (…) Temos de começar por um argumento inolvidável [que corresponde ao elemento histórico]. Os Autores não só visitaram, e várias vezes, o imóvel antes da sua decisão de prometer comprar, como o inspecionaram, ainda que por interposta pessoa por si contratada para o efeito. Conheciam o estado em que se apresentava o prédio. Dessarte, a lógica das coisas [o elemento teleológico da interpretação] diz-nos que quem declara comprar um imóvel, pretende fazê-lo no estado do prédio por si conhecido a essa data; se pretende que o mesmo seja aprimorado, algo ressalvará a tal respeito. Promete-se comprar uma coisa com as suas qualidades atuais, não com atributos futuros, sendo a sua atualidade que é valorada para efeitos de acerto do preço. Para mais, quando, precisamente, se diligenciou por conhecer tal estado. (…) Portanto, os autores iam comprar a coisa no estado em que se encontrava à data do contrato-promessa, com todas as suas qualidades e defeitos evidenciadas no relatório técnico. E não se provou que essas situações se agravaram desde então ou que outras haja surgido [à exceção das torneiras mas que, na verdade, os réus se disponibilizaram, em 4 de agosto, a substituir – todas elas – na sequência da última vistoria realizada nesse mesmo dia, o que não mereceu resposta positiva dos Autores que, sem outras comunicações, resolveram logo o contrato em 9 de agosto; (…)» (negritos nossos). Contra esta fundamentação afirmam os autores-recorrentes que «é inequívoco que os recorrentes não prometeram comprar o prédio com os defeitos exibidos no relatório (…)» (ponto n.º 122 da motivação do recurso) e que «está positivamente provado que a redução do preço de € 595.000,00 para € 575.000,00 prendeu-se com a questão da água, situação que, aliás, nem integra o relatório dado como reproduzido sob o ponto 12 dos factos provados (ponto n.º 124 da motivação do recurso), concluindo que «verificada a recusa de reparação e de sanação das desconformidades do licenciado com o edificado, perante a não prova que a redução do preço em € 20.000,00 teve como contrapartida a aceitação dessas situações pelos recorrentes, importará concluir pelo incumprimento definitivo resultante da omissão dos Recorridos» (ponto n.º 155 da motivação de recurso). Na perspetiva dos apelantes a prova de que a redução do preço em € 20.000,00 esteve relacionada com “questões da água do furo” – e, portanto, não com as patologias do imóvel apontadas no relatório resultante da vistoria realizada por perito por eles contratado – leva à conclusão que os promitentes compradores não aceitaram comprar o imóvel com aquelas deformidades; e, assim sendo, os apelantes / promitentes compradores tinham direito a obter a eliminação/reparação das mesmas e tendo os promitentes vendedores se recusado a eliminá-las, estes últimos incorreram em incumprimento contratual, estando assim justificada a resolução do contrato. Contudo, a argumentação dos recorrentes não procede. Não consta do elenco dos factos provados que a redução do preço de € 595.000,00 para € 575.000,00 se tenha devido à “questão da água” ou que «os recorrentes não aceitaram a realização da compra e venda com as situações identificadas no relatório de vistoria»; e ao contrário do que os apelantes afirmam, não houve acordo das partes quanto a tal matéria, atento o alegado pelos réus nos artigos 12º a 22º da sua contestação, nos quais os réus alegaram que o preço de € 595.000,00 que resultou de uma contraproposta dos autores após a realização de três visitas à casa ficou condicionado a uma verificação técnico-legal e o técnico contratado pelo autores para aferir da existência de patologias e irregularidades do imóvel objeto da venda recomendou aos autores que as reparações fossem executadas antes da assunção do compromisso para a compra mas que não obstante essa recomendação os autores optaram por apresentar uma contraproposta, reduzindo o preço anteriormente oferecido em € 20.000,00, fixando-o assim em € 575.000,00, valor correspondente aproximadamente ao somatório das estimativas para a reparação das patologias identificadas no relatório, preço novo que os réus aceitaram. Nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. A presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado (facto-base/facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fático de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos.[10] O indício constitui o ponto de partida da presunção na medida em que constitui um sinal que aponta para um determinado resultado. O facto-base e o facto presumido devem estar vinculados entre si por uma relação lógica de causa-efeito, segundo as máximas da experiência.[11] A inferência presuntiva baseada nas regras da experiência limita-se a afirmar que a relação entre dois factos ocorre na maior parte dos casos conhecidos, isto é, é uma relação que se pode considerar normal ou frequente. A relevância desta prova ressalta sobretudo nas situações de grande dificuldade na prova direta de alguns factos que, de outro modo, poderiam ficar por provar. Subjacente à presunção encontra-se, deste modo, a possibilidade de uma prova indiciária ou indireta, ao permitir que o juiz conheça o facto através de outro facto, quer porque a lei o estabelece, quer porque assim resulta de operações lógico-racionais e probabilísticas levadas a cabo pelo julgador e racionalmente justificáveis[12]. Dispõe o artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável aos acórdãos por força do disposto no artigo 663.º/2, do mesmo diploma normativo, que na fundamentação da sentença o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência. A propósito deste preceito legal, escreve Luís Filipe de Sousa[13]o seguinte: «o funcionamento da presunção judicial deve ocorrer, num primeiro momento, logo na decisão sobre os factos provados e não provados (…) insertos nos temas de prova. (…) após a fixação dos factos provados e não provados por referência direta aos temas de prova, não se deve admitir a formulação de presunções judiciais como (i) expediente para suprir a falta de prova de factos, (ii) para alterar uma convicção negativa (no sentido da não prova de um facto), (iii) para alterar um facto anteriormente tido como provado dentro de certos moldes. O propósito preconizado no segmento em causa do artigo 607.º, n.º 4, do Código Processo Civil só pode ser este: deixando incólumes os factos que, num primeiro momento, são tidos como provados e não provados, permite-se ao juiz que extrapole a partir desses factos provados (numa primeira fase) outros novos factos por presunção judicial desde que: (i) os factos novos relevem na apreciação de mérito segundo as várias soluções plausíveis de direito; (ii) exista uma máxima de experiência que vincule o facto já anteriormente apurado ao novo facto; (iii) os factos novos não colidam com os factos julgados provados no primeiro momento. Os factos provados constituem, assim e de forma potencial, factos-indiciários de novas presunções judiciais que o juiz está habilitado a construir num segundo momento. Podemos classificar estas novas presunções judiciais, de modo descritivo, como presunções de segunda geração. (…)» (negritos nossos). Revertendo ao caso em apreço, resulta da factualidade julgada provada (cfr. factos provados n.ºs 4, 6, 7, 9, 19, 11 e 12) que os autores (promitentes-compradores) não só visitaram o prédio objeto do contrato-promessa três vezes como promoveram uma vistoria ao imóvel por técnico por eles contratado que, após, produziu um relatório com as patologias que identificou no imóvel. Tudo isto aconteceu antes da outorga do contrato-promessa. Ora, estes factos permitem inferir (artigos 349.º e 350.º do CC) que os autores tomaram pleno conhecimento da existência das patologias do imóvel antes de se vincularam à respetiva compra. E que ao assinarem o contrato-promessa não só sabiam qual o exato estado do imóvel como aceitaram-no tal como então aquele se apresentava. E tanto assim é que no email de 3 de fevereiro de 2023 – portanto, posteriormente à produção do relatório técnico acima referido (cfr. facto provado 12) – os autores remeteram aos réus o dito relatório técnico e apenas lhes solicitaram o envio dos documentos que ali identificam a fim de poderem dar início à preparação da minuta do contrato-promessa e a confirmação do preço e da forma de pagamentos bem como do prazo para outorga da escritura (facto provado 14), nada referindo quanto a quaisquer reparações das patologias verificadas e apontadas no dito relatório resultante da vistoria técnica. Não cremos, portanto, que a inferência do julgador a quo, a saber, que os autores iam comprar a coisa no estado em que ela se encontrava à data do contrato-promessa, com todas a suas qualidades e defeitos evidenciados no relatório técnico, mereça censura. Dir-se-á, ainda, que incumbia aos autores/apelantes, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar que outros defeitos se evidenciaram após a data do referido relatório técnico ou que as patologias evidenciadas naquele relatório se agravaram, o que não lograram fazer. Consequentemente, não tinham os promitentes-vendedores qualquer obrigação de procederem à eliminação/reparação dos defeitos que foram evidenciados naquele relatório técnico. E, assim sendo, não incorreram em incumprimento contratual ao se negarem a proceder a tais reparações [com exceção da reparação do equipamento da piscina e limpeza da mesma, bem como da limpeza geral da casa, da limpeza das árvores e da parte rústica (facto provado n.º 24) e ainda da substituição das torneiras (cfr. facto provado n.º 31), e que os promitentes-vendedores acederam a fazer]. Concluindo, bem andou o tribunal recorrido ao julgar não verificado o primeiro fundamento da resolução contratual realizada extrajudicialmente. Relativamente ao segundo fundamento invocado na missiva de resolução – falta de entrega do comprovativo de depósito da ficha técnica de habitação – extrai-se da sentença recorrida o seguinte trecho: «Diremos que, efetivamente, os Réus não enviaram para os Autores, até à data da resolução contratual, o comprovativo do depósito da ficha técnica de habitação do prédio, pese embora o mesmo até existisse desde 17 de janeiro de 2014 [facto de ponto 33]. Sucede que essa não comprovação, a essa altura, nada implica. É que os Réus não tinham nenhuma obrigação de o fazer naquele momento, podendo fazê-lo até cinco dias antes do dia aprazado para a realização da escritura de compra e venda, nos termos da cláusula 5ª, n.º 2. Mais: podiam enviar tal documentação diretamente para o cartório notarial designado pelos Autores e não para estes. Ora, nunca os Autores interpelaram os Réus para a outorga do contrato, como se vincularam nos termos da cláusula 5.ª, n.º 1. Em suma, não só os Réus nunca entraram em mora na entrega desse documento [como de todos os demais necessários ao contrato], como, na verdade, quem se colocou em mora na designação de data para a outorga do contrato prometido foram os Autores, uma vez que a essa data já ultrapassado estava o dia 30 de junho de 2023». Contra argumentam os apelantes, dizendo que «(…) se em sede de escritura pública tem de constar a referência à data do depósito da FTH, sem aquela certificação, a escritura pública estaria ferida de nulidade e/ou não poderia realizar-se, sublinhando-se que não está, nem nunca foi discutido nos presentes autos qualquer outra questão, designadamente se a FTH existia e/ou se era exigível a sua apresentação em sede de escritura, verificando-se, portanto, o fundamento invocado em sede de resolução do contrato-promessa». Vejamos. Ainda que porventura os promitentes-vendedores estivessem obrigados à entrega de documento comprovativo do depósito da ficha técnica de habitação do prédio – o que até é contestado pelos recorridos na sua resposta às alegações de recurso – sempre se dirá que o cumprimento de tal obrigação, a existir, estaria sujeito ao prazo fixado no contrato-promessa; de acordo com a cláusula sétima, número dois, do contrato-promessa, o cumprimento daquela obrigação estava sujeito a um prazo dies a quo de cinco dias, contado desde a data de notificação da data agendada para a realização da escritura pública. Estando aquela obrigação sujeita àquele termo inicial, os promitentes-vendedores não poderiam ser compelidos a cumpri-la antes de decorrido aquele lapso de tempo, a partir da sua constituição. Ora, decorre da factualidade provada que aquele termo/prazo nunca chegou sequer a constituir-se porque os promitentes-compradores sobre os quais recaía a obrigação de designarem a data de celebração da escritura de compra e venda e de notificarem os promitentes-vendedores da data, hora e Cartório Notarial – cfr. cláusula 5ª, n.º 1, do contrato-promessa – nunca o fizeram, isto é, nunca procederam àquela notificação, tendo, ao invés, procedido ao envio, na data de 9 de agosto de 2023, de uma interpelação resolutória. Em face do exposto, também não nos merece censura a decisão do tribunal de primeira instância ao julgar inválido/ineficaz este fundamento resolutório. * Os apelantes insurgem-se contra o facto de o julgador a quo não ter ponderado na sentença recorrida os fundamentos resolutórios que aqueles não haviam invocado na comunicação resolutória extrajudicial, mas que vieram invocar já no âmbito da presente ação, fundamentos esse relativos à desconformidade entre o licenciamento e o edificado, à (falta) de notificação atempada dos proprietários dos prédios confinantes para o exercício do direito de preferência e à falta atempada da promoção do registo provisório de aquisição da propriedade a favor dos autores. Como se referiu supra o tribunal recorrido decidiu que os fundamentos resolutivos a considerar são apenas aqueles que constam da missiva resolutória datada de 9 de agosto de 2023 e não também aqueles que foram invocados (apenas) na presente ação pois que a validação da resolução contratual com base em fundamentos só agora invocados «equivaleria a declarar uma resolução judicial do contrato-promessa com efeitos reportados à prolação da sentença, o que nunca poderia proceder uma vez que nos termos da cláusula 7ª, n.º 3, do contrato-promessa a parte que pretende exercer o direito de resolução com fundamento em incumprimento definitivo do contrato deverá notificar a contraparte da sua intenção, estabelecendo um prazo não inferior a 15 dias para o cumprimento da obrigação em falta, findo o qual o incumprimento será considerado final e definitivo para todos os efeitos, permitindo assim à parte não faltosa declara, por notificação escrita, a imediata e efetiva resolução do contrato»; em síntese, o contrato-promessa não pode ser judicialmente resolvido sem que previamente tivesse sido concedido prazo admonitório à parte faltosa para cumprir. No seu recurso os apelantes parecem defender que pelo facto de o juiz a quo ter incluído nos “Temas de Prova” factualidade controvertida atinente à ilegalidade parcial do edificado e ao direito de preferência, «decidiu implicitamente, que, em sede de audiência de julgamento, estes fundamentos de resolução, apesar de não invocados na interpretação resolutória, podiam e deviam ser considerados e objeto de pronúncia». Aduzem que «se é certo que (…) a resolução é balizada pelos fundamentos invocados (…), não é menos certo que, conforme entendimento adotado no Ac. da Relação do Porto de 13.10.2022, in www.dgsi.pt., que II- A ineficácia da declaração resolutória operada por via da carta enviada aos réus e por estes recebidas, não coarta ao tribunal a possibilidade de atribuir relevância jurídica à factualidade dada como provada na presente ação em ordem a aferir se se encontram reunidos os pressupostos legais para aferir da validade da resolução». Que dizer? Já referimos supra que a enunciação dos “Temas de Prova” é um instrumento processual que tem um conteúdo meramente orientador e que nem tem necessariamente de coincidir com o objeto da instrução. Acresce que na enunciação dos “Temas de Prova” o julgador deve tomar em consideração as soluções possíveis configuradas pela doutrina e pela jurisprudência para as questões suscitadas, devendo, por isso, acautelar solução jurídica divergente daquela que o julgador repute adequada. Donde, não tem sentido a afirmação de que o despacho de enunciação dos temas de prova contém, implicitamente, uma decisão da relevância dos fundamentos de resolução ali enunciados mas que não foram invocados na comunicação extrajudicial de resolução do contrato. Avançando. Os apelantes invocam o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.10.2022 para sustentar a sua posição de que o julgador a quo poderia conhecer na presente ação dos fundamentos de resolução que não foram invocados pelo promitentes-compradores na missiva resolutiva. Ora, como se escreveu no supra citado acórdão, «(…) se é certo nada termos a objetar ao entendimento seguido pelo Tribunal a quo de que a autora, aqui Apelante, por via das aludidas cartas, não exerceu corretamente o direito de resolução do contrato, o que acarretou a ineficácia da declaração resolutória operada por via da carta, enviada aos réus e por estes recebidas, a verdade é que, nas circunstâncias dos autos, não está vedada ao tribunal a possibilidade de atribuir relevância jurídica à factualidade dada como provada na presente ação, impondo-se-nos, por isso, a necessidade de indagar se, malgrado a ineficácia daquela declaração resolutória, a instauração da presente ação contra os réus, para exigir dela a indemnização por incumprimento e demais responsabilidades assumidas, pode ser entendida como declaração resolutiva tácita, o que merece da nossa parte uma resposta afirmativa». Mas ali se acrescenta também o seguinte: «Com efeito, mostrando-se reunidas as condições necessárias para a autora, aqui apelante, poder romper o contrato por vontade unilateral, de acordo com o expressamente acordado entre as partes, a propositura da presente ação não pode deixar de ser entendida como a vontade da autora em resolver o contrato em causa, valendo como resolução convencional tácita e unilateral, de harmonia com o disposto no artigo 436.º, n.º 1, do CPC, considerando-se o mesmo resolvido a partir do momento em que levou essa vontade ao conhecimento dos réus – cfr., neste sentido Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7ª ed., págs. 454 e 461, o que no caso corresponde ao momento da sua citação para os termos da ação – cfr., neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.2005 (processo n.º 0533731), acessível in wwwdgsi.pt» (negrito nosso). Ora, in casu, está provado que nos termos da cláusula sétima, número três, do contrato-promessa a Parte que pretender exercer o direito de resolução com fundamento em incumprimento definitivo do contrato deverá notificar a outra Parte da sua intenção, estabelecendo um prazo não inferior a 15 dias para o cumprimento da obrigação em falta, findo o qual o incumprimento será considerado final e definitivo para todos os efeitos, permitindo assim à Parte não faltosa declarar, por notificação escrita, a imediata e efetiva resolução deste contrato. Ou seja, nos termos acordados entre as partes, para que a mora no cumprimento de quaisquer obrigações contratuais se converta em incumprimento definitivo, possibilitando a resolução do contrato, a parte não faltosa tem de notificar a parte faltosa da sua intenção de resolver o contrato, mas concedendo-lhe um prazo de 15 dias para o cumprimento da(s) obrigação em falta. Tal interpelação admonitória deve conter a intimação para o cumprimento, com a expressa indicação do prazo fixado contratualmente (15 dias) e, ainda, a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. No caso concreto: 1) No email de 21 de junho de 2023 que os promitente-compradores enviaram aos promitentes-vendedores, os primeiros aludiram «ao estado geral de abandono em que encontraram a propriedade» e solicitaram aos segundo que providenciassem pela reparação integral dos defeitos «evidenciados nas fotografias e de outros que pudessem existir, a nível de pintura, fissuras, madeiras, parte elétrica, maquinarias e eletrodomésticos, e, ainda, que providenciassem pela limpeza da piscina e colocação da mesma em funcionamento, pela limpeza das árvores do jardim e pela limpeza da parte rústica da propriedade». Para além desta missiva não cumprir os requisitos de uma interpelação admonitória, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 808.º, n.º 1, 2ª parte, CC; ali não há qualquer alusão quer à desconformidade entre o licenciamento e o edificado, quer à falta de notificação dos proprietários dos prédios confinantes para o exercício do direito de preferência quer ainda à falta atempada da promoção do registo provisório de aquisição da propriedade a favor dos autores. 2) No email de 5 de julho de 2023 que os promitentes-compradores enviaram aos promitentes-vendedores, os primeiros já aludem à falta de realização do registo provisório de aquisição «conforme estipulado na cláusula 10ª, n.º 2, do contrato-promessa» e concedem aos segundos «o prazo até ao final do presente mês de julho, de acordo com o estipulado na cláusula 7ª, n.º 3, do CPCV. Persistindo o incumprimento, consideraremos o contrato promessa definitivamente resolvido, o que será objeto de notificação oportuna». Neste email os autores fizeram a interpelação admonitória prevista no contrato-promessa relativamente à obrigação de registo provisório do imóvel a favor delas, mas está provado que na mesma data os réus promoveram o registo provisório de aquisição a favor dos autores (cfr. facto provado n.º 26). 3) Em 11 de julho de 2023, os promitentes-compradores “densificaram“ as exigências de reparações, sem se referirem a qualquer um dos fundamentos de resolução que vieram invocar apenas na presente ação, nomeadamente à desconformidade entre o licenciado e o edificado e à alegada falta de notificação dos proprietários dos prédios confinantes para o exercício do direito de preferência. Assim, à luz da factualidade provada não se mostravam reunidos os pressupostos convencionados para que através da instauração da presente ação os autores pudessem exigir aos réus a restituição do sinal em dobro ou em singelo com fundamento em incumprimento de obrigações contratuais que não invocaram na missiva resolutiva. Donde, não tinha efetivamente o tribunal a quo de conhecer daqueles fundamentos resolutórios, improcedendo este segmento do recurso. * Na motivação do seu recurso os autores/apelantes alegam que no âmbito da ação foram os réus/recorridos que violaram com a sua atuação o princípio da cooperação e o seu dever de boa-fé processual, mas não deduzem, a final, qualquer pedido relacionado com a alegada violação, pelos réus/recorridos, de deveres processuais, violação que, aliás, não alegaram ter-se verificado na presente instância recursiva. Por conseguinte, não tem este tribunal de 2ª instância de emitir pronúncia sobre aquela alegada violação de deveres processuais, por banda dos recorridos/réus na ação. * Por todo o exposto, improcede totalmente o recurso interposto pelos promitentes compradores, autores na ação. IV. Do Recurso Subordinado IV.I. Impugnação da decisão de facto Neste segmento do seu recurso subordinado, os réus impugnaram o julgamento relativo aos pontos de facto provados n.ºs 10 e 33 e pugnaram pelo aditamento ao elenco dos factos provados da factualidade alegadas nos artigos 42, 43 e 45 da sua contestação. Apreciando. Os pontos de factos provados acima referidos têm o seguinte teor: «10 - Para dar execução à referida inspeção técnica, os Autores contrataram (…) da Algarve (…).» «33 - Os Réus não enviaram aos Autores o comprovativo de depósito da Ficha Técnica de Habitação na Câmara Municipal de Ourique [depositada junto do município desde 17 de janeiro de 2014 – ofício datado de 24 de maio de 2024 – ref.ª 2759873].» Invocando o depoimento de parte do autor, defendem os autores que o ponto de facto provado n.º 10 deverá passar a ter a seguinte redação: «Para dar execução à referida inspeção técnica, os Autores contrataram (…) da Algarve (…) e, para a parte legal, em janeiro de 2023 o advogado, subscritor da petição inicial.» Invocando o depoimento n.º 4 anexo à contestação e bem assim o depoimento da testemunha (…), funcionário do Município de Ourique, os réus defendem que o ponto de facto provado n.º 33 deverá passar a ter a seguinte redação: «Em 13 -02-2023, os Réus enviaram aos Autores a Ficha Técnica de Habitação que se encontrava depositada junto da Câmara Municipal de Ourique, embora da mesma não constasse a data do efetivo depósito efetuado em 17-01-2014.» A impugnação da decisão de facto não se justifica de forma autónoma e independente da decisão de mérito proferida, assumindo, ao invés, um caráter instrumental face à mesma. Quer isto dizer que a impugnação da decisão de facto visa a modificação do julgamento operado sobre factos que se consideram incorretamente julgados para, face à nova realidade fática assim alcançada, se conseguir modificar a decisão de mérito anteriormente proferida. Em síntese, a impugnação do julgamento de facto há-de ter um efeito jurídico útil ou relevante. Donde, o tribunal ad quem não dever reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) que é/são objeto da impugnação não tiver relevância jurídica à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, logo proibida por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais – assim, por exemplo, Ac. STJ de 19.05.2021, processo n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 e Ac. RC de 27.05.2014, processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt. Dito isto, a modificação que os réus/recorridos pretendem introduzir no ponto de facto provado n.º 10 é manifestamente irrelevante para de decisão de mérito quer da ação, quer do pedido reconvencional, pelo que este Tribunal de segunda instância não tem de conhecer da mesma. No que respeita à alteração que os réus/recorridos pretendem introduzir no enunciado de facto provado n.º 33, em face do que ficou decidido pela primeira instância e foi confirmado pelo tribunal de recurso a propósito da falta de envio da ficha técnica aos autores como fundamento da resolução extrajudicial do contrato, não se justifica que este tribunal proceda à reapreciação do julgamento de facto quanto a tal questão, sob pena de se proceder a uma atividade processual inútil, logo proibida por lei (artigo 130.º do CPC). Em face do exposto, não se conhecerá da impugnação do julgamento relativamente aos pontos de facto provados n.ºs 10 e 33. * Pretendem os réus que este tribunal adite ao elenco dos factos provados factualidade que alegaram na respetiva contestação e que não foi objeto de pronúncia pelo tribunal, a saber: (i) «No dia 03-07-2023, o advogado dos AA. endereçou comunicação aos RR. pela qual declara rescindir o contrato promessa de compra e venda, alegando para o efeito o estado de degradação do imóvel e indisponibilidade dos RR. em proceder aos trabalhos de reparação e limpeza e à reposição das condições de habitabilidade e utilização, assim como ao preenchimento dos requisitos e padrão de qualidade constantes do anúncio de venda.» (ii) «Mais informou haver divergência nas áreas entre o registo predial e a matriz fiscal e faltar carimbo do depósito da ficha técnica.» (iii) «Em 05-07-2023, os autores comunicaram aos réus não ratificar a comunicação do seu advogado datada de 03.07.2023, pela qual este resolvera o contrato-promessa de compra e venda». A factualidade em causa é irrelevante para a decisão de mérito atento o teor do ponto de facto provado n.º 32 – Por email datado de 09 de agosto de 2023, junto à petição como documento n.º 3, aqui dado por integralmente reproduzido, os Autores comunicaram aos Réus, entre o mais: tendo presente as comunicações mantidas entre o N/ Advogado e o Dr. (…) e V. Exas., designadamente, os emails desde 21 de Junho e a listagem dos trabalhos executados/reparados remetida através de email de 01.08.2023, lamentamos informar que não estão reunidas as condições para prosseguirmos para a outorga da escritura publica de compra e venda, pois entendemos que o Imóvel prometido vender não satisfaz, minimamente, os padrões de qualidade publicitados e que estiveram na base da N/ decisão de comprar. Com efeito, efetuadas as últimas vistorias (20.06.2023 e 04.08.2023) foi possível verificar as insuficiências e falta de qualidade dos materiais utilizados na construção, assim como dos bens que constituem o seu recheio e equipamento. Acresce que, após vistoria realizada ao imóvel pelo N/ representante no dia 04 de agosto, verificámos que uma parte substancial dos trabalhos de reparação solicitados não foram executados, e, os executados, foram reparados de forma incompleta e deficiente. À presente data, persiste ainda a comprovação de depósito na Câmara da FTH, nos termos prescritos no artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 68/2004, de 25 de março. Atento o supra exposto, na sequência da comunicação da nossa intenção de exercer o direito de resolução com fundamento em incumprimento definitivo do contrato, vimos desta forma proceder à sua efetiva resolução, de acordo com o estipulado na Cláusula 7ª, n.º 3, do CPCV. Atento o supra exposto, ficamos, pelo prazo de 10 dias a aguardar propostas de resolução da situação determinada pelo incumprimento do contrato, sublinhando que caso não recebamos qualquer resposta presumiremos a indisponibilidade para uma solução extrajudicial.». Na sentença sob recurso, o julgador a quo decidiu diferentemente; ali se escreveu que a resolução que não se mostra fundamentada, é ineficaz, não opera os seus efeitos, o contrato não cessa e que «uma resolução infundada de um contrato não tem necessariamente o significado jurídico de um incumprimento definitivo». Vejamos. No presente recurso subordinado está em causa o mérito do pedido reconvencional, isto é, saber se os promitentes - compradores incorreram no incumprimento do contrato-promessa que outorgaram com os réus e, consequentemente, se podem fazer seu o sinal que os primeiros lhes entregaram. Com efeito, os réus preconizam a revogação da sentença recorrida que julgou improcedente o pedido reconvencional de os réus/reconvintes fazerem sua a quantia que lhes foi entregue a título de sinal, pedido que eles haviam fundado no facto de a resolução do contrato - promessa por banda dos promitentes-compradores configurar um incumprimento definitivo do contrato-promessa, conferindo aos promitentes-vendedores o direito de fazer atuar o regime do sinal previsto no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil[14]. A questão que se coloca é se uma declaração resolutiva infundada pode ser equiparada a uma recusa antecipada e definitiva de cumprimento do contrato-promessa e, consequentemente, permitir a atuação do regime do sinal previsto no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil. A perda do sinal pelo promitente faltoso só se justifica no caso de incumprimento definitivo e não perante a simples mora. Como já referimos supra, à luz do artigo 808.º do Código Civil, o incumprimento definitivo do contrato ocorre: i) se existir perda objetiva do interesse do credor por via da mora do credor; ou ii) se o devedor não cumprir depois de o credor lhe ter fixado um prazo perentório mas razoável para o cumprimento. A estas duas hipóteses se junta uma outra: o devedor assume de forma inequívoca e expressa uma recusa antecipada de cumprimento da prestação. Situação que torna dispensável a interpelação admonitória por banda da contraparte. Donde, se o devedor declara antecipadamente não pretender cumprir a obrigação que assumiu ou se adota um comportamento que revela de forma inequívoca a sua intenção de não cumprir a prestação a que se vinculou, incorre desde logo em incumprimento definitivo e, neste caso, o credor fica automaticamente legitimado a resolver o contrato, sem ter de aguardar pelo vencimento da obrigação ou, havendo já mora do devedor, fica desonerado da obrigação de transformar a mora e incumprimento definitivo. Assim se defendeu, por exemplo: - No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2015[15], no qual se escreveu o seguinte: «é de admitir a resolução do contrato por recusa de cumprimento decorrente de um comportamento concludente, quando este se insere num quadro de comportamentos sintomáticos que, sem colocarem diretamente em causa o cumprimento, o tornam improvável e de molde a criar no declaratário a convicção que o devedor não realizará a prestação no prazo fixado ou no decurso de uma subsequente interpelação admonitória». - No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2021[16], no qual se escreveu que: «Quando uma declaração de resolução deva qualificar-se como ilícita e representar-se como uma declaração definitiva e peremptória de recusa de cumprimento, a contraparte dispõe do direito potestativo de resolução do contrato cuja cumprimento tenha sido recusado». - No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-01-2020[17], no qual se escreveu: «Havendo por parte dos promitentes vendedores uma recusa de cumprimento que os constituiu em incumprimento definitivo, e não sendo, por isso, a não concretização do contrato de compra e venda devida a não estar demonstrado o pagamento do imposto por ela devido, a não celebração da escritura é imputável aos promitentes vendedores». - No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2016[18], em cujo sumário se escreveu: «X - O incumprimento definitivo do contrato-promessa caracteriza-se por, pelo menos, uma de quatro situações: recusa de cumprimento (“repudiation of a contract”; “riffuto di adimpieri”); termo essencial ou prazo fatal; cláusula resolutiva expressa, a impor irretractibilidade; perda do interesse na prestação. XI - Para relevar, a recusa de cumprimento (“antecipatory breach of a contract”) tem de traduzir-se numa declaração absoluta, peremptória e inequívoca do propósito de não outorgar o contrato prometido, sem deixar que sobre essa vontade e propósito subsistam quaisquer dúvidas». - no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2015[19] no qual se escreveu que: «Na falta de convenção das partes, a resolução de um contrato de fornecimento pressupõe a verificação de uma situação de incumprimento definitivo decorrente da falta de interesse objectivo na prestação, do decurso de um prazo inderrogável, da transformação de uma situação de mora em incumprimento definitivo ou de uma actuação que traduza uma antecipada recusa de cumprimento». Ora, partindo nós do entendimento de que a declaração de resolução infundada se encontra desprovida de eficácia extintiva, na esteira da jurisprudência constante, designadamente, dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2025[20], de 30.06.2020[21] e de 22.11.2018[22]vejamos agora se uma declaração de resolução infundada pode ser equiparada ao incumprimento definitivo e, dessa forma, permitir à contraparte acionar o regime do sinal. A propósito citamos Joana Farrajota[23]: «A equiparação (ou a recondução) da recusa de cumprimento, em geral, e da declaração de resolução infundada, em particular, ao incumprimento justifica-se, desde logo, pelo facto de tais comportamentos consubstanciarem uma verdadeira ruptura com a declaração de vinculação emitida aquando da celebração do contrato. De facto, e no que diz respeito especificamente à resolução infundada, embora esta não tenha a força necessária para modificar a substância jurídica da relação visada, nem tão pouco a respetiva força vinculativa, a verdade é que perturba de forma significativa a ligação obrigacional criada entre as duas partes, à semelhança do que sucede em caso de incumprimento. Entendemos, por isso, que a declaração de resolução infundada, quando manifeste uma vontade séria e definitiva do devedor de não cumprir o contrato, de se desvincular dele – e não os casos em que, por exemplo, tenha por base um erro, designadamente quanto à existência de fundamento para a cessação do contrato, reveste-se de uma gravidade tal, na medida em que atinge o âmago da relação obrigacional, que torna imperativo colocar à disposição do credor os instrumentos de reação mais vigorosos de que o sistema dispõe: as faculdades para fazer face a uma situação de incumprimento. (…)». E em outro passo[24] afirma a mesma autora que a relação obrigacional «é uma realidade que flui para o cumprimento (…) é esta unidade e esta continuidade, (…) que fazem relevar o comportamento do devedor antes mesmo do vencimento da obrigação. Ao agir em contradição com este movimento, o devedor retira força à relação, minando-a, de forma mais ou menos acentuada, consoante o caso. Tal é o que sucede no caso de recusa antecipada de cumprimento em geral e da resolução infundada, em particular. Trata-se aqui de uma conduta que, na medida em que é claramente contrária àquele fluxo, àquela que deve ser a vontade do devedor ao longo da relação obrigacional, isto é, uma vontade tendente ao cumprimento, atinge de forma grave um elemento crucial da relação obrigacional, podendo mesmo conduzir à extinção do interesse que lhe deu origem. Face à gravidade do comportamento, surge-nos a disponibilização ao credor das faculdades previstas na lei para o incumprimento como um meio necessário para assegurar a tutela adequada e eficiente dos interesses daquele, em particular, e do comercio jurídico, em geral». Na jurisprudência que admite a equiparação da resolução infundada ao incumprimento definitivo do contrato exige-se que a declaração de resolução tenha ínsita uma inequívoca e definitiva vontade de não cumprir o contrato. Assim, por exemplo, no sumário do acórdão do STJ de 13-02-2025[25] escreveu-se que «A verificação de incumprimento do contrato dependerá de uma ponderação casuística em torno do circunstancialismo da declaração de resolução sem fundamento, que segundo as regras da experiência comum, levarem à conclusão de que se evidencia uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração»; e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2018, citado na sentença recorrida, escreveu-se que «(…) a declaração resolutiva infundada é apta a extinguir o contrato-promessa em curso, mas só representa um incumprimento definitivo quando significa o propósito de não querer ou não poder cumprir. Só nestes casos se poderá falar em incumprimento antecipado e definitivo do contrato-promessa, a justificar então a atuação do regime do sinal. Não é o que se passa quando a resolução emerge da representação, ainda que ilícita e culposa, que o declarante faz acerca da suposta inadimplência da contraparte, pois que este comportamento não representa (nem equivale) a uma recusa séria, perentória e definitiva de cumprimento. Nesta hipótese, o contrato mantém-se, podendo a contraparte exigir o seu cumprimento (em espécie, sendo tal possível, ou através de sucedâneo indemnizatório), ou então resolvê-lo, posto que dentro do circunstancialismo do artigo 808.º do Código Civil». No caso sub judice julgamos que emerge dos autos que os promitentes-compradores / reconvindos não querem cumprir o contrato-promessa, senão vejamos: logo no email de 21 de junho de 2023, através do qual os promitentes-compradores invocaram «o estado geral de abandono do prédio» e «o seu estado de degradação», interpelando os promitentes-vendedores para procederem «à reparação integral dos defeitos evidenciados nas fotografias (e outros que possam existir), quer a nível de pintura, fissuras, madeiras, parte elétrica, máquinas e eletrodomésticos», assim como «à limpeza da piscina e colocação em funcionamento, limpeza das arvores do jardim, assim como limpeza da parte rústica, o que constitui uma obrigação legal do proprietário em matéria de incêndios», os autores - reconvindos afirmaram «estar disponíveis para a resolução do contrato por mútuo acordo em condições a acordar» (cfr. facto provado n.º 23). Ou seja, ainda antes de saberem qual a disponibilidade da contraparte para efetuar as reparações e limpezas solicitadas, os promitentes-compradores anunciaram logo “estarem disponíveis para uma resolução do contrato por mútuo acordo”; acresce que na missiva de resolução do contrato, os promitentes-compradores invocaram a falta dos “padrões de qualidade” publicitados no anúncio de venda (e que alegadamente teriam estado na base da sua decisão de contratar), quando está provado que o contrato-promessa foi outorgado depois de os autores terem visitado pessoalmente o imóvel três vezes e de terem contratado um técnico que se deslocou à propriedade e produziu um relatório sobre o estado da mesma, donde a invocação daquele anúncio alegadamente enganoso nada mais é do que um (novo) pretexto para os promitentes-compradores não cumprirem o contrato. Estas circunstâncias a acrescer ao facto de a resolução do contrato se ter fundado, além do mais, numa recusa de eliminação de defeitos por parte dos promitentes-vendedores quando tais defeitos eram do seu conhecimento dos promitentes-compradores quando outorgaram o contrato promessa evidenciam um propósito dos promitentes-compradores de não quererem cumprir o contrato-promessa, o que permite à contraparte considerar o contrato incumprido e acionar o regime legal do sinal, sem ter que previamente interpelar os promitentes-compradores para o cumprimento. Em face do exposto, acordam em julgar improcedente o recurso principal e em julgar procedente o recurso subordinado. Consequentemente revogam parcialmente a sentença do tribunal de primeira instância na parte em que julgou o pedido reconvencional improcedente e declaram resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre (…) e mulher, (…), e (…) e mulher, (…), na data de 5 de abril de 2023 e que teve por objeto o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique sob a ficha n.º (…), da freguesia de (…), e perdida, a favor dos segundos (réus/reconvintes), a quantia que lhes foi paga pelos primeiros (autores/ reconvindos) a título de sinal e princípio de pagamento. As custas são da responsabilidade dos apelantes / autores / reconvindos, sendo que na presente instância de recurso o único pagamento que é devido a esse título são as custas de parte porque a parte vencida já procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual. Notifique. DN. Évora, 13 de novembro de 2025 Cristina Dá Mesquita Maria Domingas Simões Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
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