Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MIGUEL TEIXEIRA | ||
| Descritores: | MEIOS DE PROVA REJEIÇÃO RECURSO DE APELAÇÃO PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | - O despacho que indefere a junção dos documentos, constituindo uma decisão que rejeita um meio de prova, é suscetível de apelação autónoma, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC); - Não sendo impugnado autonomamente, transita em julgado, não podendo a questão ser novamente suscitada no recurso da decisão final; - O princípio do inquisitório, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e da igualdade das partes, bem como da imparcialidade do tribunal não serve para suprir a omissão das partes na apresentação dos meios de prova, sobretudo aqueles cuja obtenção está ao seu alcance; - O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1571/22.6T8FAR.E1 - Recurso de Apelação Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 3 Recorrente – (…); Recorridos – (…), (…) e (…) * Sumário: (…)** Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora* 1. RELATÓRIO1.1. (…) instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…). Pede que a. Seja “reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AO”, correspondente ao 2.º Andar Direito, destinado a habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização da (…), Rua (…), Lote 15 (Edifício …), freguesia de (…), concelho de Lagos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…), da freguesia de (…), e inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de (…); e, consequentemente”, b. Seja “o Réu condenado a entregar à Autora a fracção autónoma em causa, com todos os bens móveis e electrodomésticos que a mesma tinha à data em que o Réu começou a ocupá-la, e livre e desocupada de pessoas e dos demais bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições”. Alegou, para tanto, que adquiriu a referida fração por doação de seus pais. Durante algum tempo partilhou com o réu, seu irmão, a utilização da fração e, a partir de 2014, essa utilização passou a ser feita apenas pelo réu e a sua companheira, sempre a título gratuito. Desde 2018 que o réu passou a residir noutro local mas recusa-se a entregar-lhe o imóvel. O réu contestou. Alega que a doação pela qual a autora adquiriu a fração é nula por simulação. A fração AO foi adquirida pelo seu pai juntamente com outras duas no mesmo edifício que se destinavam, uma aos pais, outra à autora, e outra ao réu. O réu passou logo a residir na fração AO que lhe foi atribuída pelo seu pai. Em 2012, as sociedades de que o pai era sócio e gerente estavam a atravessar dificuldades e em risco de entrar em incumprimento junto dos bancos, com dívidas que os pais tinham garantido com fianças e avales pessoais. Para salvaguardar o património pessoal dos credores das sociedades, foi acordado entre todos fazerem a doação dos imóveis à autora, que era a única que não tinha qualquer relação com as sociedades, tendo a autora, simultaneamente, prometido doar/vender ao réu os imóveis doados. Pela mesma razão a autora, os filhos desta e a mãe repudiaram a herança do pai. O réu assumiu as sociedades e tentou cumprir o desígnio do pai aguentando a situação das empresas durante cinco anos para evitar impugnações paulianas. Com as doações em causa, os pais não tiveram intenção de fazer doação do património à autora e deserdar o réu. Em reconvenção, pede: - i. que seja “declarada nula a doação efectuada à Autora respeitante às fracções “AO” e “AM”, por simulada e, em consequência, serem declarados nulos os registos de aquisição efectuados com base em tal transmissão, concretamente a descrição (…), junto da Conservatória do Registo Predial competente, assim como, canceladas as inscrições matriciais a favor da Autora;” ii. que seja “reconhecido o direito de propriedade do Réu, por usucapião da fracção “AO”, correspondente ao 2º andar direito, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização da (…), Rua (…), Lote 15, Edifício (…), descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de (…), concelho de Lagos;” iii) que sejam “canceladas as inscrições matriciais existentes a favor da Autora, assim como, o cancelamento do registo lavrado a favor da Autora, concretamente a descrição (…) junto da Conservatória do registo Predial competente;” iv) que a Autora seja “condenada em multa como litigante de má-fé e em indemnização justa a fixar prudentemente pelo Douto Tribunal, por não ser possível ao Réu, neste momento, apurar da totalidade dos prejuízos causados, nem dispor dos elementos necessários à produção da prova dos prejuízos sofridos, a não ser da taxa de justiça ora paga no valor de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros)”. A Autora apresentou réplica. Diz que é inadmissível o pedido reconvencional de declaração de nulidade da doação, invoca a exceção de ilegitimidade quanto à reconvenção por violação de litisconsórcio necessário passivo, alega que existe abuso de direito por parte do Réu / Reconvinte, na modalidade de venire contra factum proprium, e impugna os factos alegados na reconvenção. O Réu/Reconvinte, notificado para o efeito, tomou posição sobre as exceções invocadas na réplica. Por despacho de 04.11.2023, foi (i) admitido o pedido reconvencional e (ii) admitida “a intervenção principal provocada do lado passivo (para a reconvenção) da chamada (…)”. Ainda por despacho de 17.04.2024, foi admitida a intervenção principal de (…), marido da Autora. Os chamados, citados, fizeram seus os articulados da autora. Foi proferido despacho saneador, no qual foi enunciado o objeto do litígio e fixados os temas da prova. 1.2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que: 1. Reconheceu “a autora como proprietária da fração AO, correspondente ao 2º Andar Direito, do prédio urbano, sito na Urbanização da (…), Rua (…), Lote 15 (Edifício …), freguesia de (…), concelho de Lagos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…);” 2. Julgou “improcedente a reconvenção, por não provada;”, e 3. Condenou “o réu a restituir a fração identificada em 1 livre e devoluta”. 1.3. O Réu/Reconvinte, inconformado com a decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo: «1. O presente recurso tem por objeto a impugnação da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Portimão-Juiz 3, que julgou procedente a ação de reivindicação da propriedade da Recorrida e, simultaneamente, improcedente a reconvenção deduzida pelo Recorrente, na qual invocou: (i.) a simulação do negócio jurídico que esteve por base na aquisição da propriedade da fracção relativamente à qual a Recorrida reivindica a propriedade, (ii.) a aquisição dessa fracção por usucapião. 2. A decisão recorrida padece de erro de julgamento, quer na apreciação da matéria de facto, quer na aplicação do direito, designadamente por: a) incorreta valoração da prova documental produzida nos autos; b) omissão de análise de documentos essenciais; c) rejeição indevida de documentos cuja junção se justificava; d) desconsideração de depoimentos fundamentais, em especial o da Interveniente Principal … (própria doadora). 3. O Tribunal a quo, para efeito da fundamentação de facto, fixou como factos provados e não provados os elencados nos pontos 1 e 2, respectivamente, do ponto III da sentença, transcritos em II das presentes alegações de recurso: 4. Quanto às motivações da sentença e seus fundamentos transpostos em 3 do ponto III, transcritos em III das presentes alegações de recurso: 4.1 O Tribunal a quo incorreu em erro ao afirmar que o Recorrente não apresentou prova documental que indiciasse a simulação das doações “como registos de participações sociais, dívidas garantidas ou situação das sociedades” – ix do presente ponto III –, quando do doc. 7 junto com a contestação, composto por 175 folhas, constam, precisamente, tais documentos, que corroboram a versão do Recorrente. 4.2 O Tribunal a quo atribuiu igual fragilidade às teses da Recorrida e do Recorrente, ignorando a documentação concreta apresentada por este, que comprova a simulação na doação, incluindo participações sociais, dívidas garantidas, certidões permanentes das sociedades e Processos Especiais de Revitalização, fundamentando-se numa omissão inexistente. 4.3 Foi desvalorizado de forma arbitrária o contrato promessa assinado pela Recorrida e seu marido, contemporâneo das doações, o qual, conjugado com a restante prova, evidencia a divergência entre a vontade real e a declarada. 4.4 O Tribunal a quo considerou isoladamente insuficiente o contrato-promessa assinado pela Recorrida e marido, sem contextualizá-lo no conjunto probatório, apesar de demonstrar a intenção de integrar metade do património na esfera do Recorrente e ter sido assinado na mesma data da escritura de doação, evidenciando a salvaguarda dos seus direitos e consequente a simulação do negócio. 4.5 O Tribunal a quo desconsiderou ainda, elementos circunstanciais relevantes que apontam para a simulação, não fundamentando adequadamente a razão pela qual a tese do Recorrente foi considerada apenas “plausível”, mas não convincente por falta de prova circunstancial, quando: 4.5.1 As próprias doações foram efetuadas com constituição do direito de uso e habitação a favor dos doadores (manutenção do status real) – docs. 1 e 2 da contestação – pontos 17 e 18 dos factos provados; 4.5.2 A existência de dois contratos promessa, referentes a todos os bens desonerados constantes das escrituras de doação, um deles – docs. 5 e 6 da contestação, assinado pela Recorrida e seu marido – ponto 22 dos factos provados; 4.5.3 O próprio repúdio da herança do pai pela Recorrida, pela mãe – Interveniente Principal (…) e pelos filhos da Recorrida, formalizado em 03.03.2014 – doc. 3 da contestação – ponto 25 dos factos provados; 4.5.4 O próprio depoimento do Recorrente foi coerente, consentâneo com a prova documental e temporalmente situado, demonstrando a verdadeira intenção das doações e a realidade das sociedades, ao contrário do desconsiderado pelo Tribunal a quo. 4.6. Foram indevidamente recusados documentos essenciais à descoberta da verdade, como o Relatório de Situação Societária e Patrimonial Imobiliária datado de 18.09.2012 e o e-mail datado de 17.10.2012, que demonstravam claramente a intenção de salvaguarda do património familiar através das doações. 5. Verifica-se, assim, um erro de julgamento na apreciação da prova e uma decisão incongruente com a realidade factual demonstrada nos autos. 6. Impunha-se, em face da prova produzida, a declaração de nulidade da doação por simulação relativamente às frações “AO” e “AM”. 7. Em consequência, deve ser reconhecido o direito de propriedade do Recorrente sobre a fração “AO”, também por via da usucapião, face à posse pública, pacífica e continuada desde 2004. 8. Deve, por isso, o recurso ser julgado procedente, alterando-se a sentença recorrida e substituindo-a por decisão que declare a nulidade das doações simuladas e reconheça o direito de propriedade do Recorrente sobre a fração “AO”. A. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 9. Nos termos dos artigos 640.º e 662.º do CPC, o Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, indicando os concretos pontos da sentença que foram incorretamente julgados, bem como os concretos meios de prova (documentais e testemunhais) que impunham decisão diversa: 10. Factos incorretamente julgados: ponto 3 dos factos provados e ponto 3 dos factos não provados. 10.1 Sentença recorrida: Provado: “Detinha participações sociais em várias sociedades, juntamente com o seu irmão (…), e ambos geriam as empresas.” e Não provado: “O pai da autora e do réu tivesse participações sociais nas Sociedades Comerciais (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. Cervejaria (…), Lda., (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., (…) – Sociedade Imobiliária de Lagos, Lda. e (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., das quais era sócio e gerente”. 10.2 Apreciação: A decisão é logicamente contraditória. O Tribunal a quo dá como não provado que o pai do Recorrente detinha participações nas Sociedades Comerciais (…) – Hotelaria, Comércio e Indústria, Lda., Cervejaria (…), Lda., (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., (…) – Sociedade Imobiliária de Lagos, Lda. e (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., quando simultaneamente reconheceu, de forma contraditória, referindo in fine “das quais era sócio e gerente”. 10.3. Meios de prova: (i.) Docs. 5, 6 e 7 do doc. 7 junto com a contestação (certidões de registo comercial das sociedades …, Cervejaria … e …), confirmam a titularidade das quotas; (ii.) Depoimento do Recorrente em audiência (18.02.2025, min. 13:19 a 14:09), onde identifica nominalmente as cinco sociedades em que o pai detinha quotas; (iii.) Artigos 53º da contestação e 54º da réplica – facto a considerar admitido por acordo (artigo 574.º, n.º 2, do CPC). 10.4 Decisão a proferir: Eliminar o ponto 3 dos factos não provados e substituir a redação do ponto 3 dos factos provados por: “3. O pai da autora e do réu, juntamente com o seu irmão (…), detinha participações sociais nas sociedades (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda., Cervejaria (…), Lda., (…) – Atividades Hoteleiras, Lda., (…) – Sociedade Imobiliária de Lagos, Lda., e (…) – Atividades Hoteleiras, Lda., das quais era sócio e gerente (doc. 7 da contestação).” 11. Facto incorretamente julgado: ponto 5 dos factos provados 11.1 Sentença recorrida: “A 16 de Agosto de 2004, (…), casado com (…), adquiriu, por compra, a propriedade da fração autónoma designada pelas letras AN, correspondente ao 2.º Andar frente, destinado a habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização da (…), Rua (…), Lote 15 (Edifício …), da freguesia de (…), concelho de Lagos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … (doc. 4 da petição)”. 11.2 Apreciação: A data constante é a da apresentação do registo predial (artigo 77.º, n.º 1, do CRP) e não a da compra e venda. 11.3 Reformulação da decisão a proferir: “5. A 16 de Agosto de 2004, (…), casado com (…), registou em seu nome a propriedade da fração autónoma designada pelas letras AN, correspondente ao 2.º Andar frente, destinado a habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização da (…), Rua (…), Lote 15 (Edifício …), freguesia de (…), concelho de Lagos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … (doc. 3 da petição e doc. 4 da juntada via Citius)”. 12. Facto incorretamente julgado: ponto 17 dos factos provados. 12.1 Sentença recorrida: “No dia 2 de Novembro de 2012, (…) e (…), outorgaram uma escritura, ela qual declararam doar à aqui autora, por conta da sua quota disponível, cinco imóveis urbanos, que constituíam bens próprios de (…), e outros três, dois urbanos e um misto, que constituam bens comuns do casal (doc. 1 da contestação)”. 12.2 Apreciação: A escritura prevê reserva de uso e habitação para a doadora, elemento omitido pela sentença. 12.3 Reformulação da decisão a proferir: “No dia 2 de Novembro de 2012, (…) e (…), outorgaram uma escritura, na qual declararam doar à aqui autora, por conta da sua quota disponível, com reserva do direito de uso e habitação para a doadora, cinco imóveis urbanos, que constituíam bens próprios de (…), e outros três, dois urbanos e um misto, que constituam bens comuns do casal (doc. 1 da contestação)”. 13. Facto incorretamente julgado: ponto 22 dos factos provados. 13.1 Sentença recorrida: “Com data de 2 de Novembro de 2012, a autora e marido assinaram um documento particular, no qual declararam prometer doar ou vender ao réu os prédios constantes da escritura de doação referida em 15, supra (doc. 5 contestação). ”13.2 Apreciação: A promessa incidia apenas sobre metade dos prédios. 13.3 Reformulação da decisão a proferir: “Com data de 2 de Novembro de 2012, a autora e marido assinaram um documento particular, no qual declararam prometer doar ou vender ao réu, metade dos prédios constantes da escritura de doação referida em 15, supra (doc. 5 contestação)”. 14. Facto incorretamente julgado: ponto 1 dos factos não provados. 14.1 Sentença recorrida: “Aquando da sua aquisição das frações por (…) este tenha atribuído a fração AO ao réu, e a fração AM, à autora, e tenha reservado para si a fração AN;” 14.2 Apreciação: Juízo negativo desconforme com as versões convergentes de ambas as partes (PI artigo 18º, réplica artigo 115º, contestação artigo 31º), facto admitido por acordo (artigo 574.º, n.º 2, do CPC); 14.2.1 Depoimentos do Recorrente, da mãe (…) e do cunhado (…), que confirmam a afetação das frações (fração AO – réu; fração AM – autora; fração AN – pais); 14.2.2 Documentos juntos aos autos (e-mail junto com requerimento de 04.12.2023 – Ref.ª 11940601 e certidão de arquivamento de processo-crime junto em 09.06.2023 – Ref.ª 11382227), ambos reconhecendo a posse do réu sobre a fração AO). 14.3 Decisão a proferir: Inclusão do facto em análise na matéria de facto provada com alteração da sua redacção e eliminação do ponto 1 dos factos não provados, nos termos transcritos: “Aquando da aquisição das frações por (…), foi atribuída a fração AO ao réu, a fração AM à autora, reservando para si a fração AN.” 15. Factos incorretamente julgados: pontos 4, 5, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos não provados. 15.1 Os factos da matéria de facto dados como não provados respeitam, à situação económico-financeira das sociedades participadas pelo pai do Recorrente e da Recorrida, às garantias pessoais (avais e fianças) prestadas pelos progenitores, à existência de processos especiais de revitalização (PER), bem como, ao volume das dívidas e das ações executivas a elas conexas, que por estarem interligados são analisados de forma sequencial e conjunta. 15.2 O Tribunal a quo incorreu em erro ao considerá-los como não provados, uma vez que da prova documental constante dos autos, bem como do depoimento do Recorrente – corroborado por essa mesma prova documental – resulta de forma inequívoca uma realidade distinta daquela acolhida na sentença recorrida. 15.3 O Tribunal a quo não cumpriu integralmente o dever de investigação oficiosa que lhe impõe o artigo 411.º do Código de Processo Civil, nomeadamente, quanto a factos cuja verificação dependia apenas da consulta de processos judiciais expressamente indicados nos articulados. 16. Factos incorretamente julgados: ponto 4 dos factos não provados. 16.1 Sentença recorrida: “No ano de 2012 as sociedades do pai atravessavam sérias dificuldades, estando em vias de entrar em incumprimento junto de entidades bancárias”. 16.2 Apreciação: A decisão do Tribunal a quo carece de fundamentação, na medida em que a conjugação da prova documental com o depoimento do Recorrente demonstra inequivocamente a situação de dificuldades financeiras das sociedades em 2012. 16.2.1. Os documentos juntos (docs. 8 a 11 do doc. 7 da contestação) comprovam a existência de processos executivos, instaurados em 2013 e processos especiais de revitalização (PER) das sociedades (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. (homologado em 2013) Cervejaria (…), Lda. (homologado em 2015), evidenciando a inviabilidade económico-financeira que se agravou em 2012; 16.2.2 O depoimento do Recorrente, em audiência de 18.02.2025 (min. 03:23 a 05:10 e 14:59 a 16:58), detalha de forma clara e circunstanciada as dificuldades financeiras, os encargos com avais pessoais dos progenitores e a decisão de avançar com os PER para salvaguardar o património familiar. A situação descrita inclui a doença grave do pai, o aumento do IVA da restauração em 2012, e o impacto directo sobre a liquidez das sociedades, reforçando que estas se encontravam em iminente incumprimento junto das instituições bancárias. 16.3 Decisão a proferir: Incluir na matéria de facto provada o facto em apreciação e eliminar o ponto 4 dos factos não provados: “No ano de 2012, as sociedades do pai atravessavam sérias dificuldades, estando em vias de entrar em incumprimento junto de entidades bancárias”. 17. Factos incorretamente julgados: ponto 5 dos factos não provados. 17.1 Sentença recorrida: “O pai e a mãe da autora e do réu tinham subscrito avais e fianças em garantia das dívidas das sociedades”. 17.2 Apreciação: A decisão do Tribunal a quo não se mostra conforme à prova produzida. 17.2.1 A prova documental demonstra, de forma inequívoca, que tanto o pai como a mãe do Recorrente subscreveram avais em garantia das obrigações contraídas pelas sociedades: (i.) os docs. 8 e 15 do doc. 7 da contestação evidenciam a assunção de tais responsabilidades pessoais; (ii.) o e-mail junto com o requerimento de 04.12.2023 (Ref.ª 11940601) confirma a preocupação expressa do Recorrente quanto a um dos avais subscritos pela mãe, reforçando a realidade documental. 17.2.2 O depoimento do Recorrente em audiência (18.02.2025, min. 02:50 a 05:10; 42:03 a 42:51 e 01:00:08 a 01:00:59) é claro e circunstanciado quanto à existência e ao impacto dos avais prestados, bem como às tentativas de renegociação com a Caixa Geral de Depósitos para afetar as frações “AO” e “AM” como garantia, precisamente com o objetivo de libertar a mãe dessa responsabilidade pessoal. 17.3 Decisão a proferir: Inclusão do facto na matéria de facto provada com alteração da sua redacção, nos termos transcritos infra e eliminação ponto 5 dos factos não provados: “O pai e a mãe da autora e do réu subscreveram avais e fianças em garantia das obrigações bancárias constituídas em nome das sociedades (docs. 8 e 15 do doc. 7 da contestação)". 18. Factos incorretamente julgados: ponto 14 dos factos não provados. 18.1 Sentença recorrida: “Ainda em vida do pai o réu tenha submetido a sociedade (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. a Processo de Revitalização;” 18.2 Apreciação: A decisão do Tribunal a quo é incorreta e incompleta. 18.2.1 A prova documental confirma a existência de dois PER instaurados em 2013, ainda em vida do pai do Recorrente: (i.) Proc. n.º 341/13.7TBLGS da sociedade “Cervejaria (…), Lda.” (doc. 10 do doc. 7 da contestação); (ii.) Proc. 276/13.3TBLGS da sociedade “(…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda.”, expressamente identificado nos articulados (artigos 19º e 70º da contestação). 18.2.3 Ainda que, quanto ao PER da (…), não tenha sido junta certidão, incumbia ao Tribunal a quo, ao abrigo do artigo 411.º do CPC, diligenciar oficiosamente pela consulta do processo, dado estar concretamente identificado. 18.2.4 O depoimento do Recorrente em audiência (18.02.2025, min. 14:59–19:16) é igualmente claro: refere expressamente que, logo após as doações de novembro de 2012, foram preparados e requeridos dois PER – um da “(…)” e outro do “(…)” – que entraram em vigor, respectivamente, em fevereiro e março de 2013. 18.3 Decisão a proferir: Inclusão do facto na matéria de facto provada com alteração da sua redacção, nos termos transcritos infra e eliminação ponto 14 dos factos não provados: “Ainda em vida do pai do réu, as sociedades (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. e Cervejaria (…), Lda. foram submetidas a Processos Especiais de Revitalização”. 19. Factos incorretamente julgados: ponto 15 dos factos não provados. 19.1 Sentença recorrida: “O PER referido em 34 dos factos provados fosse o terceiro relativamente à sociedade (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda., já tinham existido outros processos de revitalização: o primeiro, processo n.º 276/13.3TBLGS 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, e o segundo, n.º 1353/15.1T8OLH, no Juízo 1 do Juízo do Comércio de Olhão”. 19.2 Apreciação: A decisão do Tribunal a quo não corresponde à prova produzida. 19.2.1 A prova documental existente nos autos é clara quanto à existência de um segundo e terceiro PER da sociedade “(…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda.”: (i.) O segundo PER – Processo n.º 1353/15.1T8OLH, correu seus termos na Instância Central da Secção de Comércio de Olhão-J1 do Tribunal da Comarca de Faro – doc. 11 do doc. 7 da contestação; (ii.) O terceiro PER – Processo 23/19.6T8LGA, correu seus termos no Juízo de Comércio de Lagoa-Juiz 2 do Tribunal da Comarca de Faro – doc. 4 junto com a contestação. 19.2.1.1 No que respeita ao primeiro PER descrito nos artigos 19º e 70º da Contestação – Processo n.º 276/13.3TBLGS, correu seus termos na Instância Central – Sec. Comércio de Olhão-J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, ainda que a respectiva prova documental não tenha sido junta, o processo foi expressamente identificado, com número, juízo e tribunal. 19.2.1.2 Competia, assim, ao Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do inquisitório, diligenciar oficiosamente pela confirmação da sua existência, nos termos do artigo 411.º do CPC, se dúvidas subsistissem. Com efeito, não faria sentido que o Recorrente auto recriasse, por si só, um número de processo inexistente, com a referência concreta a tribunal e juízo, sendo este facto de fácil verificação. 19.2.2 O depoimento do Recorrente em audiência (18.02.2025, min. 19:12–19:45) confirma de forma categórica a existência de três PER sucessivos da (…). 19.2.3 O artigo 70º da contestação, onde o facto foi alegado, não foi impugnado pela Autora (artigos 54º e 55º da réplica), devendo considerar-se admitido por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do CPC. 19.3 Decisão a proferir: Inclusão do facto na matéria de facto provada com alteração da sua redacção, nos termos transcritos infra e eliminação ponto 15 dos factos não provados: “O PER referido em 34 dos factos provados foi o terceiro relativamente à sociedade (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda., tendo já existido dois anteriores: o primeiro em 2013 (Proc. 276/13.3TBLGS, Tribunal Judicial de Lagos) e o segundo em 2015 (Proc. 1353/15.1T8OLH, Juízo de Comércio de Olhão)”. 20. Factos incorretamente julgados: ponto 16 dos factos não provados. 20.1 Sentença recorrida: “O réu tivesse de cumprir o acordo feito no PER e o pagamento da dívida hipotecária que onerava a fração AN”. 20.2 Apreciação: A decisão recorrida é contrária à prova e à lógica das regras da experiência comum. 20.2.1 O Recorrente era sócio único e gerente das sociedades (docs. 5 e 6 do doc. 7 da contestação), pelo que lhe incumbia o cumprimento dos acordos celebrados nos PER. 20.2.2 O funcionamento do PER pressupõe o cumprimento dos compromissos assumidos, sob pena de caducidade do plano e declaração de insolvência. O facto de terem sido homologados sucessivos PER (2013, 2015 e 2019) implica que os anteriores foram cumpridos. 20.2.3 Quanto à fração AN, se a dívida hipotecária não tivesse sido paga, a garantia teria sido executada, o que não sucedeu. O imóvel permaneceu no património do Recorrente (doc. 3 da petição inicial e doc. 4 junto via Citius), prova suficiente, ainda que indireta, do cumprimento da obrigação. 20.2.4 O depoimento do Recorrente (18.02.2025, min. 19:16–19:45; 01:00:08–01:00:59) confirma a execução das obrigações; concretizando o cumprimento integral do PER do “(…)” e referindo encontrar-se a cumprir o terceiro do PER da “(…)”; incluindo alienação de imóveis para redução do passivo e cumprimento das responsabilidades bancárias. 20.3 Decisão a proferir: Inclusão do facto na matéria de facto provada com alteração da sua redacção, nos termos transcritos infra e eliminação ponto 16 dos factos não provados: “O Réu, na qualidade de sócio e gerente das sociedades e como titular dos empréstimos contraídos junto do Banco (…), assumiu o dever de cumprir os acordos celebrados nos PER e o pagamento da dívida hipotecária que onera a fração AN”. 21. Factos incorretamente julgados: pontos 17 e 18 dos factos não provados. 21.1 Sentença Recorrida “À data do falecimento do pai as sociedades apresentassem um passivo de € 4.500.000,00” (ponto 17). “Presentemente essa dívida seja de € 3.530.557,65” (ponto 18). 21.2 Apreciação: A decisão recorrida não corresponde à prova produzida. 30.2.1 O depoimento do Recorrente em audiência (18.02.2025, min. 04:12 a 19:45 e 01:00:59) é claro ao referir que, à data do falecimento do pai, o conjunto das sociedades apresentava um passivo entre € 4.500.000,00 e € 5.000.000,00, e que atualmente esse passivo foi reduzido para cerca de € 3.530.000,00, após alienação de imóveis. 21.2.2 Adicionalmente, o facto do ponto 18 foi expressamente alegado no artigo 68º da contestação e não foi impugnado pela Autora (artigos 54º e 55º da réplica). Deve, assim, considerar-se admitido por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do CPC. 21.3 Decisão a proferir: Inclusão dos na matéria de facto provada nos termos transcritos e eliminação dos pontos 17 e 18 dos factos não provados: “À data do falecimento do pai as sociedades apresentavam um passivo de € 4.500.000,00”. e “Presentemente a dívida das sociedades é de € 3.530.557,65”. 21. Factos incorretamente julgados: ponto 19 dos factos não provados. 21.1 Sentença recorrida: “A sociedade Portal do Infante Actividades Hoteleiras, Lda., enfrente o processo executivo n.º 802/22.7T8SLLV, no Juízo de Execução de Silves-J2, do Tribunal da Comarca de Faro onde também são executados o réu a sua mãe”. 21.2 Apreciação: A decisão do Tribunal a quo não respeita os elementos de prova. 31.2.1 O depoimento do Recorrente (18.02.2025, min. 05:08 a 05:10 e 16:57 a 16:58) confirma que a sociedade (…) – Actividades Hoteleiras, Lda. e os respetivos avalistas (o Recorrente e sua mãe, …) estão a ser executados no âmbito de créditos relacionados com o projeto do Turismo de Portugal. 21.2.2 O doc. 15 do doc. 7 da contestação (contrato de abertura de crédito com a Caixa Geral de Depósitos) comprova documentalmente a prestação de avais pelo Recorrente e pela sua mãe, fundamento da sua inclusão no processo executivo. 21.2.3 Ademais, o facto foi alegado no artigo 20º da contestação e não foi impugnado pela Autora (artigo 55º da réplica), devendo considerar-se admitido por acordo (artigo 574.º, n.º 2, do CPC). 21.3 Decisão a proferir: Inclusão do facto na matéria de facto provada com alteração da sua redacção, nos termos transcritos infra e eliminação do ponto 19 dos factos não provados: “A sociedade (…) – Actividades Hoteleiras, Lda. é parte em processo executivo, no âmbito do qual o réu e a sua mãe, (…), se encontram igualmente a ser executados, enquanto avalistas”. 22. Factos incorretamente julgados: pontos 6, 7, 12 e 13 dos factos não provados. Os pontos impugnados respeitam à real intenção subjacente às doações, passando a ser sequencialmente analisados. 22.1 O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar não provados os pontos 6, 7, 12 e 13 da matéria de facto, não obstante a prova documental e o depoimento do Recorrente produzidos (que se interligam e complementam) apontar em sentido contrário. 23. Factos incorretamente julgados: pontos 6 e 13 dos factos não provados. 23.1 Sentença recorrida: Ponto 6: “As doações referidas em 17 e 18 dos factos provados tivessem resultado de um acordo entre todos no sentido de salvaguardar o património familiar dos credores das sociedades”. e Ponto 13: “A intenção dos pais da autora e do réu não fosse fazer a doação definitiva dos bens constantes das escrituras referidas em 17 e 18 dos factos provados à autora”. 23.2 Apreciação: A decisão do Tribunal a quo não respeita os elementos de prova produzidos. 23.2.1 A prova documental junta aos autos: (i.) contratos promessa – Docs. 5 e 6 da contestação – 22 dos factos provados; (ii.) escritura de repúdio – Doc. 3 da contestação – 25 dos factos provados; (iii.) agravamento da situação económico-financeira das sociedades – Docs. 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 do doc. 7 da contestação); (iv.) Manutenção dos contratos de água, gás e electricidade em nome dos pais – Docs. juntos em 18.04.2023 – 35 dos factos provados; (v.) Email datado de 28.09.2016, oferecido aos autos com o requerimento de 04.12.2023 (Ref.ª 11940601); (vi.) despacho de arquivamento de queixa-crime oferecido aos autos em 09.09.2023 (Ref.ª 11382227). 23.2.2 Estes documentos demonstram de forma inequívoca que as doações não tiveram natureza de liberalidade definitiva, mas antes se inseriram numa estratégia concertada para salvaguardar o património familiar perante a forte pressão dos credores. 23.2.3 Este enquadramento resulta ainda do timing dos atos: logo após a realização das doações foram iniciados processos de revitalização (PER), o que evidencia a conexão direta entre os negócios jurídicos e a necessidade de ganhar tempo face ao risco de impugnações paulianas. 23.2.4 O depoimento do Recorrente (18.02.2025, min. 02:11 a 05:10, 11:30 a 13:12, 32:28 a 32:55, 42:03 a 42:51, 50:33 a 53:10 e 57:02 a 58:39) corrobora o teor dos documentos e o espaço temporal dos mesmos, revelando o verdadeiro propósito das doações (salvaguardar o património) sendo claro em afirmar que: (i.) as doações foram realizadas sob pressão da mãe e apenas com a finalidade de proteger o património familiar perante a iminência de credores; (ii.) não houve intenção de transmissão definitiva, mas antes uma estratégia para ganhar tempo, evitando a impugnação pauliana no prazo de cinco anos; (iii.) logo no dia seguinte às doações foi iniciado o processo de revitalização (PER), o que demonstra a conexão direta entre os atos. 23.2.5. O depoimento da Interveniente Principal … (18.02.2025. min. 33:24 a 36:54). O depoimento da Interveniente Principal, (…), revela a verdadeira intenção subjacente às doações, contrariando a letra das escrituras, quando refere que no nascimento do neto (filho do Recorrente), afirmou que este seria “tão herdeiro quanto os outros”, admitindo que tinha feito um “negócio” com a filha para que fosse possível assegurar ao neto a atribuição futura de um dos bens. 23.3 Decisão a proferir: Inclusão dos factos na matéria de facto provada com alteração da sua redacção, nos termos transcritos infra e eliminação dos pontos 6 e 13 dos factos não provados: “As doações referidas em 17 e 18 dos factos provados resultaram de um acordo entre todos no sentido de salvaguardar o património familiar dos credores das sociedades”. e “A intenção dos pais da autora e do réu não foi fazer a doação definitiva dos bens constantes das escrituras referidas em 17 e 18 dos factos provados à autora”. 24. Factos incorretamente julgados: pontos 7 dos factos não provados. 24.1 Sentença recorrida Ponto 7 “O objetivo de todos (pais, autora e réu) fosse aguentar a situação das sociedades de modo a não entrarem em incumprimento nos cinco anos seguintes de modo a evitar impugnações paulianas”. 24.2 Apreciação 33.2.1 O depoimento do Recorrente foi claro quanto a este facto: as doações de 02.11.2012 e de 07.12.2012 foram realizadas com o objetivo comum de assegurar a continuidade das sociedades durante cinco anos, evitando o risco de impugnações paulianas. 24.2.2 O Recorrente declarou expressamente que os pais e a família procuraram resguardar o património no período em que o direito de impugnação podia ser exercido (até 02.11.2017), suportando pessoalmente encargos e dificuldades financeiras nesse período (18.02.2025, min. 14:59 a 15:04, 46:21 a 46:49 e 01:00:08 a 01:00:59). 24.3 Decisão a proferir: Inclusão do facto na matéria de facto provada com alteração da sua redacção, nos termos transcritos infra e eliminação do ponto 7 dos factos não provados: “Um dos objetivos dos pais, autora e réu seria aguentar a situação das sociedades de modo a não entrarem em incumprimento nos cinco anos seguintes, de forma a evitar acções de impugnação pauliana”. 25. Factos incorretamente julgados: ponto 12 dos factos não provados. 25.1 Sentença recorrida: “Em 2 de Novembro de 2012, a autora e o marido tenham subscrito outro documento com conteúdo semelhante, pelo qual tivessem prometido doar ou vender ao réu as frações AO e AM”. 25.2 Apreciação: 25.2.1 A prova documental é inequívoca: o Doc. 6 da contestação (contrato promessa truncado) evidencia a intenção de a autora e o marido prometerem doar ou vender ao Recorrente, metade das frações AO e AM. 25.2.2 Tal documento deve ser interpretado em conjunto com o Doc. 5 da contestação, contrato promessa completo e subscrito, elaborado com a mesma letra e estrutura, respeitante aos bens transmitidos na escritura de 02.11.2012. 25.2.3 O depoimento do Recorrente (18.02.2025, min. 11:53 a 11:57) confirmou que ambas as escrituras foram assinadas na mesma data, apesar de uma ter sido registada apenas em 07.12.2012, reforçando a ligação entre as doações formais e os contratos promessa. 25.3 Decisão a proferir: Inclusão de novo facto na matéria de facto provada, nos seguintes termos: “A autora e o marido tiveram a intenção de formalizar um outro documento com conteúdo semelhante ao referido em 22, pelo qual prometiam doar ou vender ao réu, metade indivisa das frações AO e AM”. B. Impugnação da decisão de recusa de documentos essenciais (artigos 644.º, n.º 3 e 423.º, n.º 3, do CPC). 26. O Tribunal a quo indeferiu indevidamente a junção de documentos essenciais para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio, em violação do disposto nos artigos 423.º, n.º 3, primeira parte, e 644.º, n.º 3, do CPC. 27. Os documentos recusados consistem em: (i.) Relatório de Situação Societária e Patrimonial Imobiliária (18.09.2012), contendo análise das sociedades do pai do Recorrente e alternativas de transmissão do património; (ii.) E-mail de 17.10.2012 do Cartório Notarial com minuta das escrituras de doação, prevendo reversão parcial para o Recorrente. 28. Ambos foram referidos pelo Recorrente em audiência (18.02.2025, min. 05:10, 12:20 a 13.02) e são determinantes para corroborar a sua versão sobre as doações realizadas. 29. O Tribunal a quo, não obstante a manifesta relevância dos documentos, indeferiu a junção, determinando o desentranhamento por despacho de 05.03.2025 (Ref.ª 135551087), notificado em 06.03.2025 (Ref.ª 135597953). 30. A impossibilidade de apresentação anterior dos documentos decorreu de circunstâncias objetivas, pois dependiam de diligências junto de terceiros por se reportarem a período em que o pai do Recorrente ainda estava vivo. 31. É contraditório que o Tribunal a quo reconheça ausência de prova documental acerca da situação das sociedades (avais e fianças), mas recuse a juntada de documentos diretamente pertinentes, contendo essa informação. 32. A decisão recorrida deve ser revogada, permitindo a juntada dos documentos, garantindo a adequada formação da convicção judicial e a justa composição do litígio. FUNDAMENTOS DE DIREITO 33. Direito de Propriedade e Simulação das Escrituras de Doação. 33.1 O Tribunal a quo considerou as escrituras válidas e eficazes, concluindo não provada a simulação nos termos dos artigos 240.º e 286.º do Código Civil. 33.2 Contudo, a fundamentação revela fragilidades críticas: (i.) aplicação meramente abstrata do artigo 240.º do Código Civil, sem análise concreta da prova documental e depoimentos, que indicam divergência entre a vontade real e a declarada nas doações efectuadas; (ii.) desvalorização injustificada de documentos probatórios, nomeadamente, contratos promessa e escrituras com datas coincidentes, que indiciam intenção de doar metade das frações ao Recorrente; (iii.) o depoimento do Recorrente sobre a formalidade das datas e registos não foi adequadamente articulado com a prova documental, violando o dever de análise crítica previsto no art. 607.º, n.º 4, CPC. 33.3 A doutrina e a jurisprudência confirmam que a simulação se prova por indícios e sinais exteriores do negócio, não sendo necessário prova direta, podendo resultar da interpretação crítica de factos e documentos correlatos (Pires de Lima, Antunes Varela, Menezes Cordeiro). 33.4 A sentença padece de fundamentação deficiente ao não integrar a prova documental e depoimentos, devendo ser revista quanto à validade das escrituras. 34. Pedido de Restituição e Usucapião 34.1 O Tribunal a quo concluiu que não se verificam os requisitos legais da usucapião (artigos 1287.º e seguintes do Código Civil), por inexistir posse exclusiva e autónoma do Recorrente. 34.2 Contudo, tal conclusão apresenta fragilidades relevantes: (i.) ignora provas documentais de encargos suportados pelo Recorrente (água, eletricidade, condomínio) que evidenciam exercício de poderes de proprietário; (ii.) desconsidera e-mails da Recorrida reconhecendo a titularidade da fração “AO” ao Recorrente; (iii.) desconsidera o despacho de arquivamento de queixa-crime, no qual ficou patente o reconhecimento da Recorrida quanto à posse do Recorrente relativa à fracção “AO”; (ii.) os depoimentos dos Intervenientes Principais, (…) e (…), confirmam que a fracção pertence ao Recorrente, contradizendo a narrativa de gestão partilhada; 34.3 A decisão aplica uma noção formalista de posse exclusiva, desconsiderando que a usucapião pode ocorrer em situações de compropriedade aparente ou gestão partilhada, desde que haja sinais de atuação pública e prolongada em nome próprio. 34.4 A sentença incorre, assim, em erro notório na apreciação da prova (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC) e falta de fundamentação crítica (artigo 607.º, n.º 4, do CPC), devendo ser revista quanto ao reconhecimento da usucapião e restituição do imóvel ao Recorrente. 35. Enquadramento conclusivo da sentença: 35.1 A sentença recorrida errou ao desvalorizar depoimentos essenciais, designadamente do Recorrente e da Interveniente Principal (…), que revelaram a real intenção subjacente às doações: assegurar uma partilha equitativa do património entre os filhos. 35.2 Exigiu prova documental para sustentar a simulação, prova essa existente nos autos e outra comprovativa dessa mesma exigência, recusou-a, também ignorando que a simulação se prova, em regra, por presunções judiciais e factos indiciários, como decorre da jurisprudência consolidada e da doutrina clássica. 35.3 O contrato-promessa junto aos autos, a par dos documentos societários e patrimoniais apresentados, constituem elementos suficientemente reveladores da divergência entre a vontade real e a declarada, não podendo ser isoladamente desvalorizados, sob pena de violação do artigo 607.º, n.º 4, do CPC. 35.4 O Tribunal a quo incorreu em contradição ao afirmar inexistirem documentos relevantes quanto à situação das sociedades e ao mesmo tempo recusar a valoração dos documentos que o Recorrente apresentou e que precisamente demonstravam e reforçavam tais circunstâncias. 35.5 Ao concluir que ambas as teses (da Autora e do Réu) eram plausíveis mas não convincentes, o Tribunal assumiu uma falsa neutralidade, omitindo que a versão do Recorrente encontrava suporte em factos objetivos: (i) as próprias escrituras de doação, formalizadas no mesmo dia, mas uma registada com data posterior, ambas com construção do direito de uso e habitação a favor dos doadores de todos os bens doados; (ii.) Existência de contratos promessa nos quais a donatária prometia doar ou vender metade dos bens doados ao Recorrente, assinados, um deles com a mesma data da escritura; (iii.) Escritura de repúdio; (iv.) E-mails existentes nos autos, onde a Recorrida confessa a titularidade da fracção “AO”; (v.) Despacho de arquivamento de queixa-crime, no qual ficou patente o reconhecimento da posse do Recorrente relativa à fracção “AO”; (vi.) a continuidade da gestão das frações e património pelo Recorrente; (vii.) o pagamento regular das despesas inerentes aos imóveis pelas sociedades, existentes na esfera jurídica do Recorrente; (iii.) a declaração inequívoca da doadora de que o neto seria seu herdeiro e que fez um negócio com a Recorrida sua filha, nesse; 35.6 A sentença menosprezou o valor dos depoimentos e da prova documental produzida, fragmentando os elementos de prova (alegando mesmo o seu desarreigamento) não os analisando global e criticamente, como impõe o artigo 607.º, n.º 4, do CPC. 35.7 Ao recusar a valoração integrada da prova, o Tribunal a quo violou o princípio da descoberta da verdade material e concluiu de forma errada, impondo-se a revogação da decisão. 35.8. Deve, assim, ser reconhecida a simulação das doações em causa, por não corresponderem à real vontade dos doadores, declarando-se a sua nulidade nos termos dos artigos 240.º e 286.º do Código Civil, assim como, reconhecido o direito de propriedade do Recorrente por usucapião nos termos dos artigos 1287.º e seguintes do Código Civil da fracção “AO” e ordenada a consequente restituição da mesma ao Recorrente.» Pede que seja A) Admitida “a juntada dos documentos recusados pelo Tribunal a quo, sejam: - Relatório de Situação Societária e Patrimonial Imobiliária; - E-mail do Cartório Notarial, com minuta das escrituras de doação”. B) Alterada “a decisão do Tribunal a quo quanto à validade da escritura de doação datada de 07 de Dezembro de 2012, reconhecendo a existência de simulação e divergência entre a vontade real e a declarada, nos termos dos artigos 240.º e 286.º do Código Civil, à luz da prova documental e depoimentos produzidos”. C) Reconhecido “o direito de propriedade do Recorrente sobre a fração objeto do litígio e conceder a restituição do imóvel, declarando a ocorrência da usucapião, nos termos dos artigos 1287.º e seguintes do Código Civil, considerando a posse prolongada, pública, contínua e exercida com animus domini”. D) “Subsidiariamente, caso não sejam acolhidos integralmente os pedidos acima, (…) determinado qualquer outro meio de provimento que se considere adequado para assegurar a justa resolução do litígio e a adequada proteção dos direitos do Recorrente”. E) a Recorrida condenada “nas custas e demais encargos legais decorrentes deste recurso”. 1.4. Os Recorridos apresentaram resposta, concluindo do seguinte modo: «a. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, designadamente no que se refere aos depoimentos e documentação supostamente comprovativos da sua versão dos factos, assim como uma incorrecta aplicação do Direito aos factos, entendendo que a Sentença recorrida deveria ter declarado nula a doação efectuada à Autora/Recorrida respeitante às fracções “AO” e “AM”, por simulada, e ter reconhecido o direito de propriedade do Recorrente, por usucapião, da fracção “AO”, julgando procedente o pedido reconvencional. b. Consideram, porém, os Recorridos que não assiste qualquer razão ao Recorrente, porquanto o Tribunal a quo exerceu de forma cabal e correcta a sua função, apreciando livremente a prova, e proferindo a Sentença justa, devendo o Recurso ser julgado totalmente improcedente. “Impugnação sobre a matéria de facto” c. Apesar de o Recorrente alegar que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, na verdade, se se atentar nos vários argumentos aduzidos, aquilo que o Recorrente pretende obter, por parte do douto Tribunal da Relação, é uma valoração subjectiva distinta da prova produzida nos Autos, em detrimento da valoração levada a cabo pelo Tribunal a quo, que, de resto, beneficiou da oralidade e da imediação na apreciação da prova. d. Não pode, contudo, o Recorrente pretender uma valoração subjectiva distinta da prova produzida por parte do Tribunal de Recurso – nomeadamente das suas declarações de parte (em que assenta grande parte da impugnação do julgamento da matéria de facto), que o Tribunal a quo considerou “interessado” e ao qual não atribuiu credibilidade diferente da atribuída aos demais depoimentos de parte, àquele contrários – apenas em busca de uma apreciação mais conforme à por si desejada, não tendo o Tribunal ad quem beneficiado da imediação na apreciação da referida prova nem tendo o Tribunal a quo errado nessa apreciação. “Ponto 3 dos factos provados e ponto 3 dos factos não provados” e. Não se verifica qualquer contradição no modo como foram julgados os referidos factos porquanto não resultou da prova produzida nos Autos pelo Recorrente as concretas sociedades participadas pelo Pai da Autora/Recorrida e do Recorrente, prova essa que não pode ser feita por depoimento de parte, mas apenas através dos documentos referentes às sociedades em questão, não tendo sido junta documentação válida. “Ponto 17 dos factos provados” f. Cabia ao Tribunal dar como provado, ou não, a outorga da escritura de doação alegada, conforme documento nº 1 da Contestação, sendo que o Tribunal a quo, apreciada a prova produzida, deu esse facto com provado. Nada há, pois, a apontar ao referido julgamento, estando o Recorrente apenas a pretender, desnecessariamente, reescrever factos da maneira – diga-se, tendenciosa – que mais lhe convém. g. Tanto assim é que, tendo este facto sido alegado pelo próprio Recorrente, no artigo 8º da sua Contestação, aquele não faz menção à precisão que agora exige, referindo que “Pelas escrituras notariais realizadas em 02 de Novembro de 2012 e 07 de Dezembro de 2012, foram doados à Autora os bens imóveis, bens próprios da mãe do Réu e da Autora, com consentimento do pai e os bens comuns dos pais do Réu e da Autora, cfr. cópia das escrituras que junta como Docs. 1 e 2, que junta e dá por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais”. h. Neste sentido, o Tribunal a quo deu, precisamente, como provado que “No dia 2 de Novembro de 2012, (…) e (…), outorgaram uma escritura, pela qual declararam doar à aqui autora, por conta da sua quota disponível, cinco imóveis urbanos, que constituíam bens próprios (…), e outros três, dois urbanos e um misto, que constituíam bens comuns do casal (doc. 1 da contestação)”. “Ponto 22 dos factos provados” i. Relativamente ao ponto 22 dos factos provados, alega o Recorrente que tal juízo probatório deveria conter que a Autora/Recorrida e o seu Marido, Chamado/Recorrido, prometeram doar ou vender metade dos prédios constantes da escritura de doação datada de 02 de novembro de 2012. j. Neste caso, verifica-se, efectivamente, que foram alegados, nos presentes Autos, contratos-promessa tendo por objeto, concretamente, “metade” dos bens doados à Autora/Recorrida. Ou seja, para que o julgamento do facto constante do ponto 22 dos factos provados esteja correcto, é necessário que se faça menção a “metade” dos prédios, e não à sua totalidade – o que, em qualquer caso, decorre dos documentos juntos aos Autos e é facilmente apreensível. k. Isto, obviamente, sem prejuízo do alegado pela Autora/Recorrida a respeito dos mencionados contratos-promessa. “Ponto 1 dos factos não provados” l. Não merece qualquer censura o modo como o Tribunal a quo julgou o referido facto, porquanto não resultou provado que “aquando da sua aquisição das frações por (…), este tenha atribuído a fração AO ao réu, e a fração AM à autora, e tenha reservado para si a fração AN”. m. O que se provou, conforme bem resulta dos factos provados n.ºs 8, 9, 10 e 11, foi, nomeadamente, que o Réu residiu na fração AO, correspondente ao 2º andar direito; a Autora, quando se deslocava ao Algarve, juntamente com a sua família, permanecia na fração AO, onde residia o Réu; os pais da Autora e do Réu permaneciam na fração AN, correspondente ao 2.º andar frente; e a fração AM foi arrendada/cedida a terceiros. Tudo isto num contexto de utilização informal e pacífica das frações, no seio familiar, enquanto (…), Pai da Autora e do Réu, foi vivo. n. (…) apenas “atribuiu” frações a alguém quando as doou, juntamente com a sua Mulher, à filha de ambos, aqui Autora/Recorrida – mais propriamente, as frações AO e AM. o. Não corresponde à verdade que o facto constante do ponto 1 dos factos não provados tenha sido admitido por acordo. p. Importa, a este propósito, atentar devidamente nos depoimentos de (…) – cfr. min. [00:05:37] a [00:20:47] – e (…) – cfr. min. [00:16:08] a [00:16:36], os quais foram invocados pelo Recorrente de forma parcial e incompleta. q. Resulta claro do depoimento de (…) que os três apartamentos eram, inicialmente, ainda em vida do Pai da Recorrida e do Recorrente, utilizados pela família de modo pacífico e informal, não tendo existido qualquer “atribuição” dos apartamentos ao Recorrente e à Recorrida – que utilizavam, ambos, o mesmo apartamento! –, exceto quando os Pais da Recorrida doaram dois dos apartamentos à Recorrida (frações AM e AO), sendo que o terceiro apartamento (fracção AN) seria para ficar propriedade do Recorrente, e ficou. r. Não é verdade que (…) “reconhece expressamente que o imóvel em causa sempre pertenceu ao seu filho”. s. O depoimento do Recorrente, (…), invocado nas suas Alegações de Recurso, foi, naturalmente, um depoimento interessado em defender a sua tese, i.e., a de que é legítimo proprietário da fração sub judice – que não é. t. No que respeita à suposta prova documental invocada pelo Recorrente a este respeito, a mesma nada demonstra acerca da alegada titularidade da fracção sub judice por parte do Recorrente, conforme supra demonstrado. u. Os e-mails invocados não identificam qualquer imóvel ou fracção autónoma, pelo que não se pode retirar qualquer conclusão legítima a respeito de qualquer concreto bem. Sem conceder, reitera-se que os apartamentos de Lagos eram, inicialmente, utilizados pela Autora/Recorrida, pelo Recorrente e pelos seus pais de um modo informal, próprio das relações familiares próximas e pacíficas, tal como era informal o modo como se referiam a tais apartamentos, no contexto da utilização familiar que então lhes era dada. v. Não é verdade que os e-mails invocados demonstrem que é verdadeira a versão do Recorrente – que não é – nem que, nesses e-mails, a Autora/Recorrida reconheça que a fracção “AO” pertence ao Recorrente – que nunca reconheceu, nem a fracção alguma vez lhe pertenceu. w. Relativamente ao documento junto aos Autos em 09.06.2023, ou seja, a Certidão Judicial de Despacho de Arquivamento referente ao Inquérito com o n.º 1264/21.1S6LSB que correu termos no DIAP – Secção de Lagos da Procuradoria da República da Comarca de Faro, tal documento nada prova a respeito da tese do Recorrente nos presentes Autos, conforme supra demonstrado. “Pontos 4, 5, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos não provados” x. Não foi feita qualquer prova dos factos invocados pelo Recorrente. y. O doc. nº 7 da Contestação respeita a uma Acção Judicial cujo objecto nada tem a ver com o objecto destes Autos, nem com a fracção aqui em causa, Acção que não se encontra julgada e não pode, como é óbvio, servir de prova às pretensões do Recorrente. z. À excepção deste suposto documento probatório – que nada prova –, o Recorrente nenhuma prova documental válida fez (nem invoca) dos factos ora em questão, conforme decidido na Sentença recorrida. aa. No que respeita ao depoimento de parte do Recorrente – que é basicamente a única “prova” que aquele invoca para sustentar que os factos agora em apreço foram mal julgados pelo Tribunal a quo – não só é manifesto que foi um depoimento interessado, como referido na Sentença recorrida, como se verifica que foi contrariado, nomeadamente, pelo depoimento de (…) – cfr. min. [00:14:14] a [00:15:10]. bb. Importa ainda considerar, a respeito da situação económico-financeira das sociedades e das suas supostas dívidas, que, não só o Recorrente continua a viver dos rendimentos que retira da atividade das sociedades que herdou, como tais sociedades, à data das doações que o Recorrente alega terem tido como propósito proteger património dos credores sociais, tinham, elas próprias, património com valor, como reconhecido pelo próprio Recorrente. cc. O Recorrente aceitou a herança do seu Pai, não sendo crível, nem minimamente conforme às regras da experiência comum, que o fizesse se essa herança fosse o poço de problemas que o Recorrente pretende fazer crer, lançando mão de uma teoria que não visa senão ficar com um apartamento que sabe não lhe pertencer. É que, na verdade, tais sociedades não só tinham património imobiliário, como eram estruturas de negócio montadas potencialmente rentáveis e duradouras através das quais, como o futuro veio a demonstrar, o Recorrente exerce a sua atividade profissional. dd. Não apenas não foi feita qualquer prova dos factos impugnados pelo Recorrente (pontos 4, 5, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos não provados), como foi feita prova no sentido da viabilidade dos negócios pelos quais o Recorrente ficou responsável. ee. Acresce que, em qualquer caso, a situação económico-financeira das sociedades que eram detidas pelo Pai do Recorrente e da Autora/Recorrida nada prova, por si só, relativamente à tese do Recorrente de que a doação de que foi beneficiária a Autora/Recorrida, e por via da qual esta se tornou proprietária da fração sub judice, foi simulada – tese essa que não ficou minimamente comprovada nos presentes Autos, como não poderia deixar de ser, pois não corresponde à verdade. ff. Não é verdade que os factos alegados nos artigos 68º e 70º da Contestação do aqui Recorrente, que correspondem, respectivamente, aos pontos 18 e 15 dos factos não provados, não tenham sido impugnados pela Autora/Recorrida na sua Réplica. gg. Se a Autora/Recorrida alegou, na sua Réplica, um afastamento e desconhecimento – seus e da sua Mãe (Chamada/Recorrida) – relativamente aos negócios familiares, e se impugnou todos os factos alegados pelo Réu que estivessem em oposição com a sua defesa, não poderão os factos acima identificados considerar-se admitidos por acordo, pois a Autora/Recorrida não tinha conhecimento das questões relacionadas com as sociedades, nomeadamente os PER que tiveram lugar ou a dívida das sociedades geridas pelo seu Pai e Irmão, aqui Recorrente. “Pontos 6, 7, 12 e 13 dos factos não provados” hh. Não foi feita prova de que as doações feitas pelos Pais da Autora/Recorrida e do Recorrente a favor da Autora/Recorrida, nomeadamente a doação través da qual esta adquiriu a titularidade da fracção em apreço nos presentes Autos, tiveram como objectivo salvaguardar o património familiar face aos credores das sociedades participadas pelo Pai da Autora/Recorrida e do Recorrente, pelo que a decisão do Tribunal a quo relativamente a tais factos não merece qualquer reparo. ii. Não houve qualquer deserdação do Recorrente. Tal como não houve qualquer deserdação da Autora/Recorrida, o que seria a consequência inevitável da procedência da tese do Recorrente, se esta fosse verdadeira, que não é. jj. As doações celebradas entre (…) e (…), Pais da Recorrida e do Recorrente – designadamente, a doação da fracção sub judice – , correspondem, efectivamente, à vontade das Partes, não existindo qualquer intuito de salvaguardar património e de prejudicar terceiros. kk. Tal como alegado nestes Autos, tendo em conta a realidade familiar, em particular a proximidade e distanciamento, respectivamente, do Recorrente e da Autora/Recorrida relativamente aos negócios do seu Pai – foi intenção dos Pais da Recorrida e do Recorrente doar à primeira o seu património imobiliário e deixar ao segundo as participações sociais (de elevado valor, até porque as sociedades detinham – como detêm –, elas próprias, património imobiliário) e restante património do Pai, nomeadamente os seus automóveis. O Recorrente ficou, igualmente, destinatário de uma outra fracção (AN) do prédio de Lagos, mesmo prédio onde se situa a fracção sub judice. – cfr. min. [00:08:25] a [00:15:37] do depoimento de (…) e min. [00:03:20] a [00:06:32] do depoimento de (…). ll. É evidente que não só o Recorrente não ficou sem bens, como alega, como existiu uma razão para que os seus pais deixassem de ter património em seu nome, e que resultou da mencionada decisão de partilha em vida desse património pelos seus filhos. mm. O próprio Recorrente declarou em Tribunal que as sociedades “eram para si”, porque “ninguém [leia-se, a sua irmã, Autora/Recorrida] tinha interesse em Lagos, ninguém tinha interesse na restauração” – cfr. min. [00:22:35] a [00:23:03] do depoimento de (…). nn. É claramente contrário ao normal acontecer e inconcebível à luz das regras da experiência comum que o Recorrente tenha aceitado a herança do seu Pai, com todo o património societário (sendo que, como demonstrado nos Autos, a sua Mãe (Chamada/Recorrida) e a sua Irmã (Autora/Recorrida) repudiaram à herança por forma a concretizar o que havia sido combinado em matéria de partilha do património familiar, para que o Recorrente pudesse ficar com as sociedades), se tal património fosse “só passivo” e não tivesse qualquer valor, como o Recorrente pretende fazer crer. oo. Tal como é contrário às regras da experiência comum – e à realidade, que se impõe! – que o Recorrente pudesse fazer de negócios que “não valem nada” o seu modo de vida e o seu sustento e da sua Família! pp. O contrato-promessa junto aos Autos pelo Recorrente como documento n.º 5, que nenhuma relação tem com a fracção autónoma que constitui o objecto dos presentes Autos, nem tão pouco com a Escritura de Doação outorgada em 7.12.2012, foi assinado e rubricado pela Autora/Recorrida e pelo seu marido como mera salvaguarda, em benefício do Recorrente, relativamente ao que havia sido acordado em família e que se alegou. qq. Foi feito um contrato que permitisse acautelar a situação do Recorrente, enquanto toda a partilha acordada em família não se mostrasse concretizada, assim dando algum conforto à posição do Recorrente. rr. Tal contrato nunca chegou a ser assinado nem rubricado pelo próprio Recorrente, porquanto nunca as Partes decidiram concretizar a sua celebração, dado que a partilha acordada em família foi concretizada através do repúdio da herança de (…), Pai da Recorrida e do Recorrente, nomeadamente por parte da Recorrida e do seu Marido (igualmente em nome dos seus Filhos menores). ss. Existia, efetivamente, um objectivo concreto a prosseguir com o repúdio, que o Recorrente bem conhece, e que consistiu em concretizar a partilha combinada em família ainda em vida do seu Pai. Não é, pois, verdade que o repúdio da herança só se explique com o objetivo de evitar a responsabilização por dívidas das sociedades – que nunca seriam da responsabilidade da Autora/Recorrida. tt. Relativamente ao alegado agravamento da situação económico-financeira das sociedades, invocada pelo Recorrente para sustentar que a doação a favor da Autora/Recorrida (nomeadamente, da fracção sub judice) foi motivada pela necessidade de salvaguardar património face aos credores sociais, reitera-se o que supra se referiu a respeito dos pontos 4, 5, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos não provados. uu. À luz das regras da experiência comum, é usual (até por descuido ou passividade dos novos titulares) que a titularidade de contratos de fornecimento de água, energia, etc., de determinado imóvel permaneçam em nome de outros membros da família, não obstante a efetiva titularidade desse imóvel pertencer já a outra pessoa. Daí não decorre, obviamente, que a nova titularidade seja posta em causa! Por outro lado, seguindo o argumento do Recorrente, e se se concluísse que o imóvel – por tal razão! – não pertencia à Autora/Recorrida, evidentemente também não poderia pertencer ao Recorrente (como este pretende fazer crer), pois os contratos dos fornecimentos invocados também não estão em seu nome. vv. Ao contrário do que alega o Recorrente, este não suportou nem suporta todas as despesas inerentes às fracções de que é proprietária a Autora/Recorrida. ww. O depoimento do Recorrente não é apto a fazer qualquer prova a respeito dos factos ora em apreço, porquanto, como bem entendeu o Tribunal a quo, foi um depoimento interessado e que é, manifestamente, insuficiente para demonstrar a alegada intenção de salvaguarda de património, em prejuízo dos credores sociais, que o Recorrente diz ter sido o motivo da celebração do contrato de doação através do qual a Recorrida se tornou proprietária da fracção em causa nos presentes Autos. Cabe, em todo o caso, relembrar, que tal depoimento foi contrariado pelos depoimentos prestados pelos Chamados/Recorridos, (…) e (…), dos quais claramente resultou que a doação a favor da Autora/Recorrida, em causa nestes Autos, foi outorgada num contexto de partilha, em vida, do património dos Pais da Recorrida e do Recorrente – cfr., nomeadamente, minutos [00:08:25] a [00:17:03] do depoimento de (…), e minutos [00:03:20] a [00:07:00] do depoimento de (…). xx. Não se diga, como alega o Recorrente, que o depoimento de (…) “é revelador na real intenção das doações, uma vez que refere, de forma clara, que enviou mensagem ao Recorrente, no dia em que o seu neto, filho do Recorrente (nascido no ano de 2017), que aquele neto seria tão herdeiro quanto os outros – tendo a mesma doado todos os seus bens – dando a entender que poderia junto da filha recuperar um dos bens para o neto, por ter feito esse negócio com a mesma”. É que a única coisa que essa declaração é susceptível de revelar é uma intenção de transmitir a possibilidade de obter consensos entre todos, no seio familiar, e de não distinguir os netos. yy. Nada do que alega o Recorrente é apto a provar a simulação por si invocada. zz. Em suma, é cristalino que, ao contrário do que o Recorrente alega, o Tribunal a quo andou bem ao não ter considerado provado que a doação em apreço nestes Autos foi feita para salvaguardar o património familiar dos credores das sociedades e que os bens não foram doados a título definitivo à Autora/Recorrida. aaa. Não concedendo que não tenha feito prova suficiente da “tese” por si alegada, a Autora/Recorrida sempre dirá que, em caso de dúvida do Tribunal a quo, a Acção tinha, no mínimo, de ser julgada como foi, porquanto é inequívoco que, provada e propriedade da Autora/Recorrida sobre a fracção sub judice e a ausência de título legítimo para a sua ocupação por parte do Recorrente, este não fez qualquer prova dos factos por si alegados. bbb. Não merece censura a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, pelo que deve a mesma ser mantida, como impõe a prova produzida nos Autos, e que foi suficientemente apreciada e valorada pelo Tribunal a quo. “Impugnação da decisão de recusa de documentos essenciais para a decisão da causa” ccc. O recurso do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova – como foi o caso, dado que o Tribunal a quo proferiu despacho a rejeitar um meio de prova – deve ser interposto de imediato, no prazo de 15 dias, não podendo ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão que põe termo à causa, nos termos do disposto, conjugadamente, no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), e n.º 3, e no artigo 638.º, n.º 1, 2ª parte, do CPC. ddd. Assim, o recurso da decisão do Tribunal a quo que rejeitou o mencionado meio de prova deveria ter sido apresentado no prazo de 15 dias a contar da notificação da referida decisão, proferida em 5 de março de 2025, o que não aconteceu. eee. Deste modo, o recurso interposto pelo Recorrente é, nesta parte (impugnação da decisão do Tribunal a quo de rejeição de documentos), extemporâneo, devendo ser liminarmente rejeitado. fff. Sem conceder, por mera cautela e dever de patrocínio, sempre se dirá que, ainda que o recurso tivesse sido interposto em tempo, nenhuma censura poderia merecer a decisão tomada pelo Tribunal a quo porquanto os documentos juntos pelo Réu em 17 de fevereiro de 2025 jamais poderiam ser admitidos, em virtude da manifesta intempestividade da sua junção, conforme supra explicitado. “Fundamentos de Direito” ggg. A matéria de facto fixada não permite decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo. hhh. O Tribunal a quo procedeu a uma apreciação crítica da prova produzida, não se tendo limitado a decretar que os pressupostos legais da simulação não se acham verificados no caso concreto. Entendeu, isso sim – e bem – que, considerada e apreciada a prova feita nos Autos, tal prova não permite concluir pela verificação dos mencionados pressupostos. iii. Decidiu bem, e fundamentadamente, o Tribunal a quo ao determinar que “não estão reunidos os pressupostos legais da simulação, motivo pelo qual não se pode concluir pela invalidade do contrato de doação” e que “a autora adquiriu, por contrato de doação, a propriedade da fração AO reivindicada, a qual se encontra registada em seu nome na Conservatória do Registo Predial”. jjj. É manifesto que o facto de o Recorrente ter residido na fracção objecto dos presentes Autos pelas razões alegadas e demonstradas pela Autora/Recorrida, não lhe confere a qualidade de possuidor, muito menos lhe permite adquirir a propriedade da fracção por usucapião. kkk. Não resultou provado que alguma vez a fracção sub judice tenha sido atribuída, designadamente pelo pai, ao Recorrente, como este pretendeu sustentar. Foi provado que a única atribuição que houve da fracção foi à Autora/Recorrida, aquando da doação realizada pelos pais a seu favor. lll. O Recorrente nunca poderia invocar a qualidade de possuidor antes do falecimento do seu pai, porquanto, até então, conforme provado nos presentes Autos, nunca o Recorrente teve o dominium sobre a fracção, não geriu a sua utilização, nem tão-pouco suportou quaisquer despesas associadas à mesma, pois tal domínio de facto e tais despesas estavam a cargo do pai. Jamais o Recorrente provou que tenha exercido ele esse domínio de facto sobre a fracção. E, se dúvidas houvesse, é manifesto que só por ter o domínio de facto sobre a fracção em apreço é que o pai da Autora/Recorrida, juntamente com a sua mulher, a doou à filha! mmm. Em qualquer caso, não se acha cumprido o prazo para a usucapião. nnn. Não é verdade que o Recorrente tenha suportado, com dinheiro seu, as despesas e encargos com a fracção em apreço, assim como não é verdade que alguma vez a Autora/Recorrida tenha reconhecido que o apartamento em questão pertence ao Recorrente. ooo. É, igualmente, falso que a (…) tenha confessado no seu depoimento que a fracção sub judice é do Recorrente, bastando atentar no seu depoimento acima transcrito, cfr. minutos [00:16:08] a [00:17:13], onde afirma peremptoriamente que o apartamento do filho é o 2.º Frente e que o apartamento em causa nestes Autos pertence à sua filha, aqui Autora/Recorrida. ppp. Em suma, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo de que “não se verifica, pois, a aquisição da propriedade da fração AO pelo réu por usucapião”». Pugna pela improcedência do recurso e, portanto, pela manutenção da decisão recorrida. * 2. QUESTÕES A DECIDIR:O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes. Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC). Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação. No caso concreto, perante as conclusões das alegações do recorrente importa decidir: a) se é de admitir a junção dos documentos oferecidos pelo Recorrente em 18.02.2025; b) se procede a impugnação da matéria de facto; c) se procedendo ou não a impugnação da matéria de facto, a decisão recorrida deve ser alterada. * Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.* 3. FUNDAMENTAÇÃO3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos: “1. A autora e o réu são irmãos e filhos de … e … (doc. 5 da contestação); 2. (…) era empresário na área da restauração, e exercia a sua atividade em Lagos; 3. Detinha participações sociais em várias sociedades, juntamente com o seu irmão (…), e ambos geriam as empresas; 4. (…) e a filha, aqui autora, sempre residiram em Lisboa; 5. A 16 de Agosto de 2004, (…), casado com (…), adquiriu, por compra, a propriedade da fração autónoma designada pelas letras AN, correspondente ao 2.º Andar frente, destinado a habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização da (…), Rua (…), Lote 15 (Edifício …), da freguesia de (…), concelho de Lagos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … (doc. 4 da petição): 6. E adquiriram também a propriedade das frações designada pelas letras AO, correspondente ao 2.º Andar Direito, e AM, correspondente ao 2º andar esquerdo, ambas destinadas a habitação, localizadas no mesmo prédio sito na Urbanização da (…), Rua (…), Lote 15 (Edifício …), da freguesia de (…), concelho de Lagos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…); 7. No ano de 2004 o réu veio trabalhar com o pai nas empresas deste; 8. Tendo passado a residir na fração AO, correspondente ao 2º andar direito, referida em 6 supra; 9. A autora quando se deslocava ao Algarve, juntamente com a sua família, permaneciam na fração AO, onde residia o réu; 10. Os pais, (…) e (…), esta quando se deslocava ao Algarve, permaneciam na fração AN, correspondente ao 2º andar frente; 11. A fração AM foi arrendada/cedida a terceiros; 12. Em 19 de Março de 2008, pela apresentação 9, sobre a fração AN, foram registadas duas hipotecas voluntárias a favor do (…) – Banco (…), S.A. para garantia de duas dívidas relativas a empréstimos concedidos ao aqui réu (doc. 4 da petição); 13. Em 2009, o réu assumiu a gerência das sociedades em substituição do pai; 14. Em 2011 o réu adquiriu as participações do tio (…) nas sociedades, tornando-se sócio do pai; 15. A autora sempre residiu e trabalhou em Lisboa onde exerceu e exerce a atividade não relacionada com os negócios do pai; 16. Nunca teve participações ou responsabilidades nos negócios das sociedades do pai; 17. No dia 2 de Novembro de 2012, (…) e (…), outorgaram uma escritura, pela qual declararam doar à aqui autora, por conta da sua quota disponível, cinco imóveis urbanos, que constituíam bens próprios (…), e outros três, dois urbanos e um misto, que constituam bens comuns do casal (doc. 1 da contestação); 18. Por escritura datada de 7 de Dezembro de 2012, (…) e (…), por conta da sua quota disponível, com reserva do direito de uso e habitação para o doador, declararam doar à autora a propriedade das frações AO e AM, referidas em 6 supra (doc. 2 da contestação); 19. A propriedade da fração autónoma AO, correspondente ao 2º andar direito, está registada em nome da autora pela Ap. (…), de … (doc. 2 da Petição); 20. A propriedade da fração AM está registada em nome da autora pela apresentação 171, de 2012/12/24 ( doc. junto a 18.12.2023); 21. Sobre objeto dos contratos referidos em 17 e 18 supra, não estão registadas quaisquer ónus ou encargos (doc. 2 da Petição e docs. juntos a 18.12.2023 e 9.2.2024); 22. Com data de 2 de Novembro de 2012, a autora e marido assinaram um documento particular, no qual declararam prometer doar ou vender ao réu os prédios constantes da escritura de doação referida em 15, supra (doc. 5 contestação); 23. O réu teve conhecimento e participou na preparação dos contratos de doação referidos, 17 e 18, supra; 24. Em 5 de Dezembro de 2013 faleceu (…), pai da autora e do réu (doc. 3 da contestação); 25. No dia 3 de Março de 2014, (…), a aqui autora e marido (…), estes por si e em representação dos seus filhos menores, outorgaram uma escritura pública, na qual declararam repudiar a herança aberta por óbito de … (doc. 3 da contestação); 26. Na mesma escritura o réu declarou ser cabeça-de-casal e único herdeiro de seu pai (…), em virtude dos repúdios de sua mãe, irmã e sobrinhos (doc. 3 da contestação); 27. A partir do ano de 2014, o réu continuou a viver na fração AO, com a sua companheira (…); 28. E, desde essa altura, a autora quando se deslocava a Lagos, utilizava fração AN, correspondente ao 2º andar frente; 29. Em 14 de Dezembro de 2018, o réu e a sua companheira, (…), adquiriram, para sua habitação própria permanente, a fração autónoma designada pelas letras “BL”, correspondente ao Bloco G, 1.º andar esquerdo, destinada a habitação, do prédio urbano sito na (…), Lote n.º 7, Rua Prof. (…), n.os 8, 10 e 12 e Rua da (…), n.os 7, 9, 11, 13, 15 e 17, da freguesia de (…), concelho de Lagos, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…), da freguesia (…), e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de … ( doc. 6 petição); 30. Onde passaram a residir no ano 2019; 31. Pela apresentação n.º 1855 de 2016/04/20 foi registada provisoriamente a propriedade da fração AN a favor do réu por dissolução da comunhão conjugal, sucessão hereditária e repudio da herança (doc. 4 da Petição); 32. O réu recusa-se a entregar a fração AO à autora, apesar de esta lha ter solicitado; 33. Em 15 de Setembro de 2016, a (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. Cervejaria (…), Lda. e (…) – Actividades Hoteleiras, Lda. intentaram contra a aqui autora e a interveniente (…), pedindo a declaração de nulidade por simulação das doações efetuadas pela escritura referida em 16, supra (doc. 7 da contestação); 34. A 27 de Setembro de 2019 foi proferido despacho de homologação de acordo entre a sociedade (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. e os seus credores, com vista à revitalização desta sociedade, no âmbito do processo n.º 23/19.6T8LGA, que correu termos no juiz 2 do Juízo de Comercio de Lagoa (doc. 3 da contestação); 35. As faturas da água e gás relativas à fração AO continuam a ser emitidas em nome de (…), e as faturas de eletricidade em nome de … (docs. juntos a 18.4.2023); 36. Sendo o réu quem diligencia pelo seu pagamento; 37. O réu é quem se tem apresentado perante o condomínio do edifício do lote 15 – Edifício (…), como o representante das frações AM, AN e AO (docs. juntos a 18.4.2023)”. E como não provados, os seguintes: “1. Aquando da sua aquisição das frações por (…), este tenha atribuído a fração AO ao réu, e a fração AM, à autora, e tenha reservado para si a fração AN; 2. Tenha sido o (…) a fazer o pagamento do preço das quotas cedidas ao réu, pelo anterior sócio (…); 3. O pai da autora e do réu tivesse participações sociais nas Sociedades Comerciais (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. Cervejaria (…), Lda., (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., (…) – Sociedade Imobiliária de Lagos, Lda. e (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., das quais era sócio e gerente; 4. No ano de 2012 as sociedades do pai atravessavam sérias dificuldades, estando em vias de entrar em incumprimento junto de entidades bancárias; 5. O pai e a mãe da autora e do réu tinham subscrito avais e fianças em garantia das dividas das sociedades; 6. As doações referidas em 17 e 18, dos factos provados, tivessem resultado de um acordo entre todos no sentido de salvaguardar o património familiar dos credores das sociedades; 7. O objetivo de todos (pais, autora e réu) fosse aguentar a situação das sociedades de modo a não entrarem em incumprimento nos cinco anos seguintes de modo a evitar impugnações paulianas; 8. Os pais da autora e do réu, (…) e (…), em conjunto com os seus filhos e com a total concordância destes, tivessem decidido distribuir em vida o seu património, tendo entre todos acordado que a filha aqui autora ficaria com o património imobiliário do casal e o filho aqui réu, que trabalhava com o pai nos negócios da família, ficaria com as participações sociais e restante património do pai, automóveis com e um apartamento sito em Lagos; 9. As sociedades tivessem elas próprias património imobiliário de valor elevado; 10. Só não foi formalizada a transferência das participações sociais para o réu porque o pai entretanto faleceu; 11. O contrato promessa referido em 22 dos factos provados visasse acautelar a situação do réu, enquanto toda a partilha acordada não se mostrasse concretizada; 12. Em 2 de Novembro de 2012, a autora e o marido tenham subscrito outro documento com conteúdo semelhante, pelo qual tivessem prometido doar ou vender ao réu as frações AO e AM; 13. A intenção dos pais da autora e do réu não fosse fazer a doação definitiva dos bens constantes das escrituras referidas em 17 e 18 dos factos provados à autora; 14. Ainda em vida do pai o réu tenha submetido a sociedade (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. a Processo de Revitalização; 15. O PER referido em 34 dos factos provados fosse o terceiro relativamente à sociedade … – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda, já tinham existido outros processos de revitalização: o primeiro, processo n.º 276/13.3TBLGS 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, e o segundo, n.º 1353/15.1T8OLH, no Juízo 1 do Juízo do Comércio de Olhão; 16. O réu tivesse de cumprir o acordo feito no PER e o pagamento da divida hipotecária que onerava a fração AN; 17. À data do falecimento do pai as sociedades apresentassem um passivo de € 4.500.000,00; 18. Presentemente essa divida seja de € 3.530.557,65; 19. A sociedade (…) Actividades Hoteleiras, Lda. enfrente o processo executivo n.º 802/22.7T8SLLV, no Juízo de Execução de Silves-J2, do Tribunal da Comarca de Faro onde também são executados o réu a sua mãe; 20. Após 2014 o réu tenha mantido a sua morada fiscal na fração AO e para facilitar de matrícula escolar do seu filho menor e do seu enteado também menor; 21. Em 2021 o réu tenha informado a autora de que não poderia continuar a usar essa fração AN porque teria que a arrendar porque precisava de dinheiro; 22. Tenha sido sempre o réu quem pagou todas as despesas inerentes àquelas frações, condomínio, seguros, obras de manutenção, as faturas de agua e eletricidade; 23. A autora, nunca tenha praticado quaisquer atos como proprietária das frações; 24. A fração AO tenha sido dada de arrendamento pelo Réu em Setembro de 2019, a (…) e (…), pela renda de € 300,00; 25. A fração AM atualmente também se encontre arrendada a terceiros”. * 4. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO4.1. A junção dos documentos oferecidos pelo Recorrente em 18.02.2025 Em 05.03.2025, foi proferido o seguinte despacho: “O réu requereu a junção aos autos um relatório datado de 18 de Setembro de 2012 e um e-mail de 17 de Outubro de 2012, alegando que os mesmos são relevantes para a boa decisão da causa e que só agora encontrou. A autora opôs-se à junção alegando a extemporaneidade da junção. Dispõe o artigo 423.º do Código de Processo Civil que: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação e da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Porque os documentos têm datas de 2012, o réu contestou esta ação em 30.9.2022, os documentos respeitam a factos que o réu alega na sua defesa, não apresenta qualquer prova de que tenha perdido tais documentos nem das diligências que fez para os localizar, nem justifica a demora de mais de dois anos para essa localização. Em face do exposto, porque o réu não demonstrou a impossibilidade de junção dos documentos nos prazos referidos nos n.º 1 e 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, não admito a sua junção aos autos. Em consequência, ordeno o desentranhamento dos documentos juntos pelo réu a 17.2.2025”. O artigo 644.º do CPC, sob a epígrafe “Apelações autónomas”, dispõe que “1 - Cabe recurso de apelação: a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos. 2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal; c) Da decisão que decrete a suspensão da instância; d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; g) De decisão proferida depois da decisão final; h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; i) Nos demais casos especialmente previstos na lei. 3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1”. “A lei elenca, assim, uma série de decisões intercalares que admitem recurso imediato, relegando a impugnação das demais para momento ulterior, juntamente com o recurso da decisão final (cfr. n.º 3) ou, se este não existir e a impugnação tiver interesse autónomo para a parte, em recurso único a interpor depois do trânsito em julgado daquela decisão (n.º 4). O recorrente, de entre as diversas alíneas do n.º 2 do artigo 644.º do CPC que admitem apelações autónomas tendo por objecto decisões diversas das enunciadas no seu n.º 1, louvou-se nas identificadas alíneas d) e h), nas quais se prevêem apelações autónomas das decisões de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova ou cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil. O despacho de admissão ou rejeição de meios de prova é, assim, impugnável por via de apelação autónoma, o que significa que o recurso sobe imediatamente e não com o recurso que venha a ser interposto da decisão final, como sucede com os recursos das decisões não incluídas nos números 1 e 2 do referido preceito legal – cfr. artigo 644.º, n.º 3, do CPC. Esta solução legal justifica-se, atenta a importância da prova para a decisão da matéria de facto e expressa a necessidade de atenuar os riscos da ulterior anulação do processado, maxime da decisão final – cfr. José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, 3ª edição, pág. 121; cfr. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 253; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-11-2015, processo n.º 569/10.1TBVRS-A.E1. E é assim porque a impugnação destas decisões com a impugnação da decisão final não implicaria uma inutilidade absoluta do recurso, mas uma inutilidade relativa (a inutilização parcial do processado), o que as exclui da previsão da alínea h) do n.º 2 do referido artigo 644.º do CPC, que permite a apelação autónoma das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil. (…) António Abrantes Geraldes refere que a previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC abrange os casos em que o juiz admite ou não o depoimento de parte ou a prova por declarações de parte; admite ou rejeita um rol de testemunhas, autoriza ou não o seu aditamento ou substituição, defere ou indefere a realização de uma perícia ou inspecção judicial, admite ou desconsidera determinados documentos ou defere ou indefere a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder da outra parte ou de terceiros – cfr. op. cit., pág. 253; com idêntica enumeração de situações abrangidas pela mencionada norma, cfr. José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 121” – Ac. da Relação de Lisboa de 02.05.2023. Parece-nos evidente que a decisão que indeferiu a junção dos documentos, constituindo uma decisão que rejeita um meio de prova, era suscetível de apelação autónoma (artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC). Não a tendo impugnado o Recorrente, transitou em julgado, considerando-se definitivamente resolvida a questão. Também por essa razão, os documentos não poderão ser apresentados na fase de recurso, devendo ser determinado o seu desentranhamento. * 4.2. Reapreciação da matéria de factoO recurso vem interposto, também, da decisão da matéria de facto de primeira instância, considerando o recorrente que foram incorretamente apreciados factos dados como provados e não provados. Prevê o artigo 640.º do C.P.C.: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. No caso concreto, a Recorrente impugna a decisão de facto respeitante aos pontos 3, 5, 17 e 22 dos factos provados e aos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, dos factos não provados. Analisemos, em primeiro lugar, a fundamentação da decisão de facto do Tribunal recorrido. Lê-se, na sentença, que: “O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada e não provada, na posição assumida pelas partes nos articulados, no conjunto da prova documental apresentada conjugada com os depoimentos do réu e dos intervenientes principais e das testemunhas ouvidas em audiência, todas analisadas global e criticamente de acordo com as regras probatórias aplicáveis e à luz das regras da experiência comum. Concretizando: Os factos provados sob os pontos 1, 5, 12, 17 a 22, 24, 25, 26, 29, 31, 33, 34, 35 e 37 resultam diretamente do teor dos documentos juntos ao processo e devidamente identificados à frente de cada um desses factos. Os factos provados sob os pontos 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 23, 27, 28 e 30, resultam de acordo das partes nos articulados. O facto provado sob o ponto 32 resulta evidente do litígio subjacente a esta ação. O facto 36 retira-se do facto de ser o réu a exibir as faturas, de vários anos, ainda que emitidas em nome dos pais, inclusive do pai após ter falecido, sendo admitido pela autora que é o réu quem paga tais faturas, ainda que esse acordo não exista quanto à propriedade dos valores usados no pagamento. Neste aspeto, do contexto factual que se deu por provado, nomeadamente de, que o pai da autora e do réu tinha a sua atividade em Lagos e tratava de todos os assuntos que a família tinha nesta cidade, comprou três frações com vista a serem usadas pela família e as contas dos fornecimentos dessas frações continuam hoje em seu nome, pode retirar-se que após a sua morte, tendo-lhe sucedido o filho na gestão dos seus negócios em Lagos, este tivesse continuado com o mesmo tipo de atitude do pai quanto à gestão das frações. Não sendo incomum, neste tipo de situações, que as despesas das frações estivessem a ser pagas, inclusivamente, pelas sociedades. Relativamente às questões centrais que divergem a autora e o réu, que se prendem com a intenção posta pelos intervenientes nas doações feitas e quanto aos termos de utilização da fração reivindicada pela autora, a prova foi parca e pouco consistente. Em audiência foram produzidas as seguintes provas: depoimentos de parte do réu, e dos chamados (…) e (…) e da testemunha (…), companheira do réu. Os depoimentos das partes foram depoimentos interessados, mantendo cada lado a sua versão já resultante dos respetivos articulados. A testemunha (…), companheira do réu, sustentou a versão deste. Tais depoimentos não trouxeram nada de novo que pudesse fazer a diferença entre uns e outros em termos de credibilidade. O réu sustentou nestes autos a tese da simulação dos contratos de doação. Se é certo que a divergência entre a vontade real e a declarada e o acordo simulatório muito dificilmente resultam de prova direta, para o tribunal concluir pela sua existência tem que apurar a vontade real das partes para além do que ficou declarado, e isso acontece a partir de factos circunstanciais dos quais possa deduzir essa vontade real. O mesmo acontecendo com o acordo simulatório. Segundo a versão do réu, a formalização das doações destinou-se a ocultar o património próprio dos doadores dos credores das sociedades a cujas dividas tinham prestado fianças e avais. A tese da autora sobre esta questão é a de que os pais decidiram partilhar o seu património em vida, assegurando o quinhão de cada filho de acordo com os interesses de cada um e atenta a ligação do réu às sociedades. Quer uma quer outra das teses defendidas são plausíveis face ao normal acontecer da vida. Sucede que nenhuma das teses foi convincente por ausência de prova de factos circunstanciais que a isso conduzam. Motivo pelo qual o tribunal se limitou a dar como provados os factos que resultam dos documentos. O réu, sustentando a versão da ocultação de património, não provou, como podia facilmente fazer com recurso a documentos que, a existirem, estão na sua posse, designadamente: a titularidade de participações sociais, as responsabilidades assumidas pelos pais perante os credores das sociedades (avais e fianças), as sociedades cujas dívidas foram garantidas, as próprias dívidas garantidas, e as dificuldades económicas atravessadas pelas sociedades na altura em que foram celebrados os contratos de doação. Tal prova, não se faz por depoimento/declarações de parte do próprio. Saliente-se que o réu não juntou ao processo um único documento societário, designadamente um registo comercial ou um balanço das sociedades. A assinatura de um contrato promessa pela autora e marido prometendo doar/vender bens doados ao réu, ainda que seja questionada a intenção subjacente a essa assinatura, poderia dar sustentação à tese do réu mas tal facto desarreigado dos demais alegados cai na dúvida levantada pela autora. A tese da partilha em vida não completamente concretizada com a transferência das participações sociais para o réu em virtude do falecimento do pai, também não colhe porque entre as doações à autora a morte do pai decorreu um ano, tempo mais que suficiente para concretizar tal desiderato. Daquilo que o tribunal não tem dúvida é que, de seja qual tenha sido a intenção real dos intervenientes, na sua concretização estiveram envolvidos a autora e o réu e ambos são responsáveis pelas atuais circunstâncias. A mãe de ambos, (…), atualmente de más relações com o réu, colou-se à versão da autora, que provavelmente também é a que lhe interessa. No que respeita à forma como as frações foram distribuídas/ocupadas pelos membros da família, resulta relativamente claro dos factos admitidos por acordo pelas partes, que embora as três frações tivessem sido adquiridas com vista a serem uma para o réu e outra para a autora, não parece que tenha havido qualquer atribuição de uso especifico de uma ou outra, o que se apurou foi que as frações iam sendo usadas conforme as conveniências dos membros da família, que na altura se davam todos bem. E só essa relação permitia que autora e réu ficassem na mesma casa quando aquela vinha ao Algarve e quando o réu quis viver com a companheira a autora passasse a permanecer noutra fração. Neste entretanto, o pai de ambos, que era o proprietário das três, assegurava a sua manutenção e pagava as respetivas despesas conforme resulta da titularidade dos respetivos contratos de fornecimento de serviços domésticos, que ainda hoje estão em nome do pai e da mãe, conforme faturas juntas aos autos. Relativamente aos demais factos não provados, quanto a eles não foi feita qualquer prova ou estão em contradição com outros dados por provados e cuja fundamentação já se expôs”. Vejamos, seguindo a ordem da impugnação. Pontos 3 dos factos provados e não provados Quanto aos pontos 3 dos factos provados e não provados, não vislumbramos a existência de contradição. Ainda que se tenha demonstrado que (…), pai de A. e R., “Detinha participações sociais em várias sociedades, juntamente com o seu irmão (…), e ambos geriam as empresas.”, poderia admitir-se que não se tivesse demonstrado, em concreto, que “tivesse participações sociais nas Sociedades Comerciais (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. Cervejaria (…), Lda., (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., (…) – Sociedade Imobiliária de Lagos, Lda. e (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., das quais era sócio e gerente”. Por outro lado, a menção, na parte final do ponto 3 dos factos provados – “das quais era sócio e gerente” – não representa que o Tribunal a quo tenha admitido que o pai de A. e R. era sócio e gerente das indicadas sociedades, mas apenas que não se provou que tivesse participações sociais e fosse sócio e gerente daquelas sociedades em concreto. Os documentos em que se baseia o Recorrente para pedir a reapreciação são a cópia de uma petição inicial e dos documentos que com essa petição foram apresentados. Concretamente, cópia das certidões permanentes das sociedades Cervejaria (…), (…) e (…). “Estando em causa a prova de factos que a lei declara sujeitos a registo comercial, a respetiva prova deverá ser efetuada através de certidão comprovativa da inscrição dos factos em causa no registo (…)” – Ac. da Relação de Guimarães de 07.04.2022, www.dgsi.pt. Admite-se, contudo, uma menor exigência quanto aos documentos necessários para prova de factos que não visem, diretamente, o objeto do processo, sobretudo quando, como parece ser o caso, nem sequer há divergência de fundo entre as partes quanto à matéria em causa. Assim, com recurso ao documento 7 junto com a contestação, o ponto 3 dos factos não provados transitará para os factos provados com a seguinte redação: “3-A O pai da autora e do réu teve participações sociais nas Sociedades Comerciais (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda., Cervejaria (…), Lda., (…) – Actividades Hoteleiras, Lda., das quais foi sócio e gerente”. Ponto 5 dos factos provados O Tribunal deu como provado: “5- A 16 de Agosto de 2004, (…), casado com (…), adquiriu, por compra, a propriedade da fração autónoma designada pelas letras AN (…), descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … (doc. 4 da petição)”. Está em causa a data da aquisição do imóvel. Efetivamente, o que resulta do documento 3 junto com a petição inicial é que a data de 16.08.2004, corresponde à data do registo e não necessariamente à data da celebração do negócio. Assim, mesmo tratando-se de precisão que se parece ter pouco relevo para a decisão, altera-se o ponto 5 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação: “5- A 16 de Agosto de 2004, foi inscrita a favor de (…), casado com (…), a aquisição, por compra, da propriedade da fração autónoma designada pelas letras AN (…), descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º … (doc. 3 da petição)”. Ponto 17 dos factos provados O Tribunal deu como provado: “17. No dia 2 de Novembro de 2012, (…) e (…), outorgaram uma escritura, pela qual declararam doar à aqui autora, por conta da sua quota disponível, cinco imóveis urbanos, que constituíam bens próprios (…), e outros três, dois urbanos e um misto, que constituam bens comuns do casal (doc. 1 da contestação)”. Está em causa, na perspetiva da Recorrente, a omissão de referência à constituição do direito de uso e habitação a favor da doadora. Consta da escritura que, no ato de doação, foi reservado a favor da doadora (...) o direito de uso e habitação sobre os imóveis, razão por que deve esse segmento integrar o facto 17, que passará a ter seguinte redação: “17. No dia 2 de Novembro de 2012, (…) e (…), outorgaram uma escritura, pela qual declararam doar à aqui autora, por conta da sua quota disponível, com reserva de direito de uso e habitação para a doadora, cinco imóveis urbanos, que constituíam bens próprios (…), e outros três, dois urbanos e um misto, que constituam bens comuns do casal”. Ponto 22 dos factos provados O Tribunal deu como provado: “22. Com data de 2 de Novembro de 2012, a autora e marido assinaram um documento particular, no qual declararam prometer doar ou vender ao réu os prédios constantes da escritura de doação referida em 15, supra (doc. 5 contestação)”. Do documento em que se baseou o Tribunal para dar como demonstrado este facto resulta, efetivamente, que o contrato promessa versava apenas sobre metade indivisa dos imóveis, circunstância que deve figurar nos factos provados. Assim, o ponto 22 dos factos provados passará a ter a seguinte redação: “22. Com data de 2 de Novembro de 2012, a autora e marido assinaram um documento particular, no qual declararam prometer doar ou vender ao réu metade indivisa dos prédios constantes da escritura de doação referida em 15, supra (doc. 5 contestação)”. Ponto 1 dos factos não provados O Tribunal deu como não provado que: “1. Aquando da sua aquisição das frações por (…), este tenha atribuído a fração AO ao réu, e a fração AM, à autora, e tenha reservado para si a fração AN”. O Recorrente pretende que este facto transite para os factos provados. Em primeiro lugar, diz que as partes convergem a este respeito “(PI artigo 18º, réplica artigo 115º, contestação artigo 31º), facto admitido por acordo (artigo 574.º, n.º 2, do CPC)”. Vejamos. O artigo 18º da p.i. nada refere a este respeito. O que da p.i. decorre não é a atribuição das frações nos termos descritos mas antes a forma como foi distribuída a sua utilização, no contexto da necessidade e da conveniência dos vários elementos da família. Isso mesmo resulta também da réplica (cfr. os artigos 115º a 117º), razão por que não é exato que o artigo 31º da contestação esteja admitido por acordo. Os emails juntos com o requerimento de 04.12.2023 e a certidão do despacho de arquivamento proferido no processo n.º 1264/21.1S6LSB também não apontam no sentido da distribuição das frações pela forma descrita. Deles apenas decorre que a A. invoca ser proprietária da fração AO, fração que era utilizada pelo R. – o que não merece contestação. Já no que se refere aos depoimentos/declarações prestados pelas partes, trata-se de prova que deve ser apreciada com particular cautela. Com efeito, como é habitual, deles não emerge posição substancialmente diversa daquela que foi vertida nos articulados, o que de resto foi também reconhecido pelo Tribunal recorrido, que ademais beneficiou da imediação e da oralidade, decisivos na apreciação da prova. Acresce que as partes, e concretamente o R., assumiu estar subjacente a alguns dos negócios realizados um propósito de duvidosa legalidade – impedir a satisfação de créditos por parte de alguns credores (cfr. os artigos 5º a 12º – o que não pode deixar de levantar fortes reservas quanto à versão que cada uma delas sustentou na ação e em julgamento, condicionando a perceção de veracidade de tudo quanto não esteja documentalmente demonstrado. Mais. Ainda que em determinado momento a intenção dos pais de A. e R. pudesse ter sido a de afetarem/distribuírem as frações pelos filhos, daí não decorre, necessariamente, que esse propósito tivesse permanecido inalterado. De resto, a invocada atribuição das frações – uma para cada um dos filhos – parece até ser algo incompatível com a circunstância de o R. reclamar para si a propriedade da fração AO, tendo já registado a seu favor, em 20.04.2016, também a aquisição da fração AN (por dissolução da comunhão conjugal, sucessão hereditária e repúdio da herança”), como decorre do doc. 3 junto com a p.i. e do ponto 31 dos factos provados, constituindo indício de que a versão da A. pode estar alinhada com a realidade. Mantém-se por isso o ponto 1 dos factos não provados. Pontos 4, 5, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos não provados Ponto 4: “4. No ano de 2012 as sociedades do pai atravessavam sérias dificuldades, estando em vias de entrar em incumprimento junto de entidades bancárias”. O documento 7 junto com a contestação contém documentos alusivos à instauração de ações executivas em que figuravam também como executados os pais de A. e R. (Processos n.º 1321/13.8TBLGS e n.º 1086/13.3TBLGS) e a processos especiais de revitalização em que eram devedores as sociedades Cervejaria (…), Lda. e (…) – Hotelaria Comércio e Industria Lda. (Processos n.º 341/13.7TBLGS e 1353/15.1T8OLH), elementos que, conjugados com as declarações do R., permitem dar como demonstrado, no que respeita ao ponto 4, que: “No ano de 2013, foram instauradas ações executivas nas quais figuravam como executados os pais de A. e R., um PER em que era devedora a sociedade Cervejaria (…), Lda. e, no ano de 2015, um PER em que era devedora a sociedade (…) – Hotelaria Comércio e Indústria Lda.”. Ponto 5: “5. O pai e a mãe da autora e do réu tinham subscrito avais e fianças em garantia das dividas das sociedades”. Do documento 7 junto com a contestação, constam dois documentos com relevo para a questão suscitada: (i) o doc. 8, que se reporta a uma ação executiva (Processo n.º 1321/13.8TBLGS) instaurada, entre outros, contra os pais de A. e R., com fundamento na subscrição de uma livrança por parte da sociedade “Cervejaria (…), Lda.”, com aval de (…) e (…), entre outros; e (ii) o doc. 15, um contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado entre a CGD e a sociedade (…) – Atividades Hoteleira, Lda., no qual figuram como avalistas os pais de A. e R., cujas responsabilidades ficaram tituladas por uma livrança em branco, subscrita pela sociedade e avalizada pelos segundos, e um contrato para prestação de garantia bancária celebrado entre as mesmas entidades, cujas responsabilidades ficaram tituladas em idênticas condições. Dá-se assim como demonstrado, relativamente ao ponto 5, que “O pai e a mãe da autora e do réu tinham subscrito avais e fianças em garantia de dívidas das sociedades Cervejaria (…), Lda. e (…) – Atividades Hoteleiras, Lda.”. Ponto 14: “14. Ainda em vida do pai o réu tenha submetido a sociedade (…) – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. a Processo de Revitalização”. Está demonstrado que “Em 5 de Dezembro de 2013 faleceu (…), pai da autora e do réu” (ponto 24 dos factos provados). Está em causa, neste ponto, o PER da sociedade (…). O doc. 10 do documento 7 junto com a contestação reporta-se a um PER da sociedade Cervejaria (…), Lda.. O doc. 11 refere-se a um PER da sociedade (…), mas dele não resulta que tenha sido instaurado antes de 05.12.2013. De resto, o processo tem o n.º 1353/15.1T8OLH, o que indicia ter sido instaurado em data posterior. Não foi junta prova documental que permita dar como demonstrado o facto vertido no ponto 14. Não são suficientes, para tal, as declarações prestadas pelo R., a quem, em primeira linha, incumbia a instrução do processo, não impondo o princípio do inquisitório ao Tribunal o dever de suprir essa omissão, ademais tratando-se de documento que, como outros, ao R. estava acessível – neste sentido, entre outros, o Ac. da Relação de Guimarães de 20.03.2018, em www.dgsi.pt: “1- De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade. 2- Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir”; e o Ac. da Relação de Coimbra de 16.09.205, em https://trc.pt/: “VI – De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411.º do CPCivil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade. VII – Mas esse princípio não poderá ser usado para colmatar toda e qualquer “falta” das partes a respeito da apresentação dos meios de prova, pois se assim fosse estaria a fazer-se do mesmo uma interpretação normativa e aplicação prática em colisão com outros importantes princípios, do processo civil e até constitucionais, mormente o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (cfr. artigos 20.º e 62.º da CRP)”. Mantém-se, portanto, o ponto 14 nos factos não provados. Ponto 15: “15. O PER referido em 34 dos factos provados fosse o terceiro relativamente à sociedade … – Hotelaria Comércio e Indústria, Lda. já tinham existido outros processos de revitalização: o primeiro, processo n.º 276/13.3TBLGS 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, e o segundo, n.º 1353/15.1T8OLH, no Juízo 1 do Juízo do Comércio de Olhão”. O PER referido no ponto 34 dos factos provados é o processo n.º 23/19.6T8LGA relativo à sociedade (…). Valem aqui, as considerações tecidas a respeito do ponto 14, no sentido de que não existe prova documental a que o Tribunal possa atender, razão por que se mantém o ponto 15 nos factos não provados. Ponto 16: “16. O réu tivesse de cumprir o acordo feito no PER e o pagamento da divida hipotecária que onerava a fração AN”. O R. alega que a decisão recorrida é contrária à prova e à lógica das regras da experiência comum. Enquanto sócio único e gerente das sociedades, incumbia-lhe o cumprimento dos acordos celebrados no PER. Pressupondo o PER o cumprimento dos compromissos assumidos, o facto de terem sido homologados sucessivos PER (2013, 2015 e 2019) implica que os anteriores foram cumpridos. Quanto à fração AN, se a dívida hipotecária não tivesse sido paga, a garantia teria sido executada, o que não sucedeu, já que o imóvel permaneceu no património do Recorrente. O R. parte do pressuposto que o ponto 15 teria transitado para os factos provados, o que não aconteceu. O Tribunal desconhece se foram “homologados sucessivos PER” e os contornos dos planos de recuperação, desconhecendo igualmente o concreto fundamento da constituição da hipoteca que onerava a fração AN. Não são suficientes, a este respeito, as declarações do R. exigindo-se prova documental que permitisse a demonstração do ponto 16, que assim se manterá nos factos não provados. Pontos 17 e 18: “17. À data do falecimento do pai as sociedades apresentassem um passivo de € 4.500.000,00; 18. Presentemente essa divida seja de € 3.530.557,65”. O R. diz que “o facto do ponto 18 foi expressamente alegado no artigo 68º da contestação”, o que resultará certamente de lapso, já a que alegação correspondente aos pontos 17 e 18 consta, respetivamente, dos artigos 16º e 17º da contestação. Os artigos 16º e 17º da contestação foram impugnados pela A. – cfr. o artigo 55º da réplica. Não foi junto qualquer documento de onde resulte o montante total do passivo das sociedades, seja à data do falecimento do pai de A. e R., seja no momento da apresentação da contestação, não se reputando suficiente, para prova desse facto, as declarações do A., desacompanhadas de outros elementos, designadamente documentais, que certamente existirão e cuja obtenção estaria naturalmente ao seu alcance. Neste contexto, os pontos 17 e 18 mantêm-se nos factos não provados. Ponto 19: “19. A sociedade (…) Actividades Hoteleiras, Lda., enfrente o processo executivo n.º 802/22.7T8SLLV, no Juízo de Execução de Silves-J2, do Tribunal da Comarca de Faro onde também são executados o réu a sua mãe”. Não foi junta prova documental da existência do indicado processo. O doc. 15 do doc. 7 junto com a contestação reportar-se-á ao contrato cujo incumprimento, de acordo com o R. terá determinado a instauração da execução, mas não à existência da execução em si. As declarações do Recorrente, desacompanhadas de outros elementos, não são suficientes para dar como demonstrada a matéria em apreço. A alegação consta do artigo 20º da contestação, expressamente impugnado pela A. (cfr. o artigo 55º da réplica). Assim, mantém-se o ponto 19 nos factos não provados. Pontos 6 e 13: “6. As doações referidas em 17 e 18, dos factos provados, tivessem resultado de um acordo entre todos no sentido de salvaguardar o património familiar dos credores das sociedades”. “13. A intenção dos pais da autora e do réu não fosse fazer a doação definitiva dos bens constantes das escrituras referidas em 17 e 18 dos factos provados à autora”. O R. pretende que os pontos 6 e 13 transitem para os factos provados, invocando os seguintes meios de prova: (i.) contratos promessa – Docs. 5 e 6 da contestação – 22 dos factos provados; (ii.) escritura de repúdio – Doc. 3 da contestação – 25 dos factos provados; (iii.) agravamento da situação económico-financeira das sociedades – Docs. 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 do doc. 7 da contestação); (iv.) Manutenção dos contratos de água, gás e eletricidade em nome dos pais – Docs. juntos em 18.04.2023 – 35 dos factos provados; (v.) Email datado de 28.09.2016, oferecido aos autos com o requerimento de 04.12.2023 (Ref.ª 11940601); (vi.) despacho de arquivamento de queixa-crime oferecido aos autos em 09.09.2023 (Ref.ª 11382227). Invoca ainda as declarações que prestou e as declarações prestadas pela chamada (…). A este respeito, o Tribunal a quo, analisado o conjunto da prova produzida, escreveu na decisão recorrida: “Os depoimentos das partes foram depoimentos interessados, mantendo cada lado a sua versão já resultante dos respetivos articulados. A testemunha (…), companheira do réu, sustentou a versão deste. Tais depoimentos não trouxeram nada de novo que pudesse fazer a diferença entre uns e outros em termos de credibilidade. O réu sustentou nestes autos a tese da simulação dos contratos de doação. Se é certo que a divergência entre a vontade real e a declarada e o acordo simulatório muito dificilmente resultam de prova direta, para o tribunal concluir pela sua existência tem que apurar a vontade real das partes para além do que ficou declarado, e isso acontece a partir de factos circunstanciais dos quais possa deduzir essa vontade real. O mesmo acontecendo com o acordo simulatório. Segundo a versão do réu, a formalização das doações destinou-se a ocultar o património próprio dos doadores dos credores das sociedades a cujas dividas tinham prestado fianças e avais. A tese da autora sobre esta questão é a de que os pais decidiram partilhar o seu património em vida, assegurando o quinhão de cada filho de acordo com os interesses de cada um e atenta a ligação do réu às sociedades. Quer uma quer outra das teses defendidas são plausíveis face ao normal acontecer da vida. Sucede que nenhuma das teses foi convincente por ausência de prova de factos circunstanciais que a isso conduzam. Motivo pelo qual o tribunal se limitou a dar como provados os factos que resultam dos documentos. O réu, sustentando a versão da ocultação de património, não provou, como podia facilmente fazer com recurso a documentos que, a existirem, estão na sua posse, designadamente: a titularidade de participações sociais, as responsabilidades assumidas pelos pais perante os credores das sociedades (avais e fianças), as sociedades cujas dividas foram garantidas, as próprias dividas garantidas, e as dificuldades económicas atravessadas pelas sociedades na altura em que foram celebrados os contratos de doação. Tal prova, não se faz por depoimento/declarações de parte do próprio. Saliente-se que o réu não juntou ao processo um único documento societário, designadamente um registo comercial ou um balanço das sociedades. A assinatura de um contrato promessa pela autora e marido prometendo doar/vender bens doados ao réu, ainda que seja questionada a intenção subjacente a essa assinatura, poderia dar sustentação à tese do réu mas tal facto desarreigado dos demais alegados cai na dúvida levantada pela autora. A tese da partilha em vida não completamente concretizada com a transferência das participações sociais para o réu em virtude do falecimento do pai, também não colhe porque entre as doações à autora a morte do pai decorreu um ano, tempo mais que suficiente para concretizar tal desiderato. Daquilo que o tribunal não tem dúvida é que, de seja qual tenha sido a intenção real dos intervenientes, na sua concretização estiveram envolvidos a autora e o réu e ambos são responsáveis pelas atuais circunstâncias. A mãe de ambos, (…), atualmente de más relações com o réu, colou-se à versão da autora, que provavelmente também é a que lhe interessa. No que respeita à forma como as frações foram distribuídas / ocupadas pelos membros da família, resulta relativamente claro dos factos admitidos por acordo pelas partes, que embora as três frações tivessem sido adquiridas com vista a serem uma para o réu e outra para a autora, não parece que tenha havido qualquer atribuição de uso especifico de uma ou outra, o que se apurou foi que as frações iam sendo usadas conforme as conveniências dos membros da família, que na altura se davam todos bem. E só essa relação permitia que autora e réu ficassem na mesma casa quando aquela vinha ao Algarve e quando o réu quis viver com a companheira a autora passasse a permanecer noutra fração. Neste entretanto, o pai de ambos, que era o proprietário das três, assegurava a sua manutenção e pagava as respetivas despesas conforme resulta da titularidade dos respetivos contratos de fornecimento de serviços domésticos, que ainda hoje estão em nome do pai e da mãe, conforme faturas juntas aos autos”. Como se lê no Ac. da Relação de Coimbra de 03.06.2015, www.dgsi.pt, “(…) se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõe uma outra convicção. Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção. Tudo isto vem para se dizer que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado. O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão”. O Tribunal a quo fundamentou de forma adequada a sua convicção. Teve em consideração a prova produzida em audiência, que conjugou com a prova documental que as partes juntaram ao processo. A leitura que faz o Recorrente da prova produzida é, admite-se, uma leitura possível. Como é possível a leitura da Recorrida, ambas, naturalmente sem o distanciamento exigido ao Tribunal. Ouvidas as declarações produzidas em audiência, delas resulta, em síntese, a confirmação, pela A. e pelos chamados, da versão avançada na p.i. e na réplica e, pelo R., da versão avançada na contestação. A testemunha (…), companheira do R. há cerca de 10 anos – desde 2014 –, está naturalmente alinhada com a posição por este manifestada. Não tinha relação com o R., à data da celebração dos negócios e acordos que terão sido feitos entre os membros da família. O conhecimento que diz ter resulta do que lhe terá sido transmitido pela chamada (…). Viveu no apartamento do 2º Dto. (fração AO), com o R., entre agosto de 2014 e setembro de 2019, revelando que o apartamento do 2º Frente (fração AN) era utilizado pela chamada e pela A., quando se deslocavam ao Algarve. Declarou que nunca teve dúvida que a fração do 2º Dto. pertencia ao R. porque “era onde ele vivia e as coisas eram dele” e porque nunca a A. ou chamada contrariaram a estadia dele naquele apartamento ou questionaram a possibilidade de ali permanecer. Sempre falaram no “teu” e no “vosso” apartamento. Referiu-se ainda às conversas mantidas entre os membros da família – a que assistiu – a respeito do destino que planeavam a dar aos apartamentos. Subsistem, portanto, os documentos juntos aos autos, que não fazem pender decisivamente, num ou noutro sentido, dando respaldo às reservas suscitadas pelo Tribunal a quo a este respeito. Não é, portanto, evidente que a prova produzida impusesse decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal Recorrido. Como se lê no Ac. da Relação de Guimarães de 13.01.2011, em www.dgsi.pt, “Cumpre recordar aqui, e para além do que acima deixamos dito, outras regras e limites a observar quanto à reapreciação pelo Tribunal da Relação da matéria de facto. Consagra o artigo 655.º do C.P.C. o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Segundo este princípio, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. “O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (...): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis. (…) Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova.” (J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., 2008, pág. 668, em anotação ao artigo 655.º). Sobre o recurso da matéria de facto diz-se, por outro lado, no preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, que veio a prever e a regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e, ainda, “... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova ...”. Verificamos, assim, que a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior há-de ser apenas justificada por manifesto e excepcional erro de julgamento, contrário à evidência das provas, não pela leitura e convicção que estas geram no julgador – que é livre, não sendo determinada por qualquer hierarquização das provas, como dissemos – mas pela clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto. Ou seja, os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto estão reconduzidos aos casos de flagrante desadequação entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão. É esta, aliás, a posição defendida no Ac. da RC de 22.1.08 (Proc. 738/04.TBTMR, in www.dgsi.pt): “... a existência de um sistemático novo julgamento no âmbito factual, sempre circunscrito aos elementos – audíveis e documentais – disponíveis para a instância de recurso, acabaria por implicar, para os próprios recorrentes, uma inevitável diminuição de base qualitativa nas decisões assim proferidas. Com efeito, toda a indescritível panóplia de elementos visualizáveis que necessariamente rodeia a imediação da apreciação da prova na 1ª instância estaria então absolutamente ausente na instância de recurso. Permitir um segundo julgamento sem a riqueza de um tal cenário de análise seria o mesmo que deliberadamente retirar ao novo julgador um considerável número de instrumentos para uma conscienciosa formação da respectiva convicção, porventura tão ou mais determinantes do que os facultados pelo mero registo magnético, amputando-se o processo decisório da possibilidade de crítica dos elementos genéticos globalmente nele influentes, com um natural e acrescido risco de erro para o resultado final. De forma que, sem prejuízo do indispensável cotejo com todo o sustentáculo fundamentador da decisão impugnada, só limitando a intervenção do tribunal de recurso à detecção de flagrantes e excepcionais situações de inadequação ou irrazoabilidade do juízo e convicção que integram aquele sustentáculo, sindicados no confronto com o peso de certos e discriminados elementos probatórios (a que o recorrente atribui uma relevância desprezada pela instância recorrida) se consegue o desiderato de um melhor julgamento do ponto ou pontos em questão.” O Ac. do STJ de 10.5.07 (Proc. 06B1868, relatado pelo Conselheiro J. Pires da Rosa) sintetizou, de forma particularmente expressiva, os poderes do Tribunal da Relação sobre a reapreciação da matéria de facto: “O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. Claro – repete-se – que por mais sugestiva ou adequada que seja ou pareça a fundamentação do tribunal recorrido, o tribunal tem de conhecer as provas produzidas, tem de ouvir as cassetes (nos pontos indicados, ao menos) sempre, porque só a partir dessa audição – e do confronto dela com as mais provas - pode aferir dessa adequação ou razoabilidade. Mas se esta existe não há que alterar o que quer que seja, não há que substituir a razoabilidade afirmada por uma outra razoabilidade à qual necessariamente faltariam alguns elementos de suporte – já se falou nisso acima - que ajudaram a estruturar a primeira. Estaria a substituir-se uma razoabilidade por uma outra, todavia mais débil”. Em suma: no recurso sobre a decisão da matéria de facto não deve ser sindicada a convicção do Juiz de 1ª instância, e apenas deve determinar-se a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, traduzido na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão. É nos moldes descritos que tem de compreender-se a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior, na certeza de que não pode o tribunal ad quem substituir-se, pura e simplesmente, na convicção formada pelo Juiz no tribunal a quo”. Permanecerão, pois, nos factos não provados os pontos 6 e 13. Ponto 7: “7. O objetivo de todos (pais, autora e réu) fosse aguentar a situação das sociedades de modo a não entrarem em incumprimento nos cinco anos seguintes de modo a evitar impugnações paulianas”. Valem aqui as considerações tecidas a respeito dos pontos 6 e 13. Acrescenta-se, porém, que a única prova em que o Recorrente baseia a impugnação são as suas declarações, tendo sido produzida prova de sinal contrário, igualmente plausível e com idêntica adesão às regras da experiência comum. O ponto 7 permanecerá, portanto, nos factos não provados. Ponto 12: “12. Em 2 de Novembro de 2012, a autora e o marido tenham subscrito outro documento com conteúdo semelhante, pelo qual tivessem prometido doar ou vender ao réu as frações AO e AM”. Do ponto 22 dos factos provados resulta que “Com data de 2 de Novembro de 2012, a autora e marido assinaram um documento particular, no qual declararam prometer doar ou vender ao réu os prédios contantes da escritura de doação referida em 15, supra; (doc. 5 contestação)”. O ponto 12 é expressão dos artigos 22º e 23º da contestação e o documento em causa é o doc. 6 que com a contestação foi junto ao processo. O R. alega, nos artigos 22º e 23º da contestação: “22º E de tal forma, conhece a Autora que os bens imóveis não lhe pertencem que, no momento da outorga das escrituras de doação, assinou dois contratos promessa de compra e venda a favor do Réu, um referente aos bens próprios da mãe e o outro respeitante aos bens comuns dos pais, concretamente às fracções “AO” e “AM”, das quais se arroga proprietária, cfr, cópia do primeiro que junta como Doc. 5 e parte do segundo que junta como Doc. 6. 23º O contrato promessa oferecido como doc. 5 está assinado pela Autora e marido e a parte do contrato promessa oferecido doc. 6, apesar de não estar completo, refere-se às fracções “AO” aqui em causa e “AM”, ambos os contratos foram feitos na mesma altura, pela mesma pessoa, e apresentam a mesma letra e são a demonstração clara das razões pelas quais as doações foram feitas e que aqui já se demonstrou”. Trata-se, de acordo com o alegado, da primeira página de um contrato promessa que teria sido assinado nas mesmas circunstâncias em que foi assinado o contrato referido no ponto 22 (doc. 5 da contestação). Fica por explicar por que razão não está completo, por que razão não está assinado, por que razão, segundo alegado pelo R., teriam sido assinados dois contratos promessa, ao invés de apenas um, versando sobre a totalidade dos imóveis objeto das doações, a tal não obstando, ao que se crê, a circunstância de uns serem bens próprios da progenitora de A. e R. e outros serem comuns dos progenitores. Assim, não existe motivo que leve o Tribunal a incluir o ponto 22 dos factos não provados nos factos provados ou a aditar à matéria de facto provada um novo facto, com a redação proposta na conclusão 25.3 (“A autora e o marido tiveram a intenção de formalizar um outro documento com conteúdo semelhante ao referido em 22, pelo qual prometiam doar ou vender ao réu, metade indivisa das frações AO e AM”), de resto incompatível com o teor do artigo 22º da contestação – ou bem que a A. assinou dois contratos promessa ou bem que assinou apenas um e tinha intenção de assinar outro. Em resumo, a impugnação da matéria de facto procede apenas parcialmente, nos termos expostos. * 3.3. Debrucemo-nos agora sobre a questão de saber se, em face da parcial procedência do recurso no segmento da reapreciação da matéria de facto, a decisão recorrida deve sofrer alteração. A resposta, antecipa-se desde já, não pode deixar de ser negativa. A procedência da impugnação da matéria de facto incide sobre aspetos que não põem em causa os fundamentos da decisão recorrida, que aqui sintetizamos. Dos factos assentes resulta que a A. adquiriu a propriedade da fração AO por doação dos pais de A. e R., em 7 de dezembro de 2012. O réu invocou a nulidade do contrato de doação alegando tratar-se de negócio simulado. As partes, dizia, não quiseram fazer qualquer doação, mas antes salvaguardar o património imobiliário pessoal dos pais, ante o risco de ser executado caso as sociedades de que o pai era sócio e gerente entrassem em incumprimento dos créditos bancários garantidos pessoalmente pelo casal. Segundo o artigo 240.º do CC se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. O declarante, com o conhecimento e acordo do declaratário, emite uma declaração negocial que não coincide com a sua vontade real – faz a declaração, mas não quer o declarado –, com o objetivo de enganar (ou mesmo prejudicar) uma terceira pessoa. São, assim, três, os requisitos da existência de um negócio simulado: a) divergência entre a vontade real e a vontade declarada; b) intuito de enganar terceiros (basta a intenção de enganar, não sendo necessário que esse engano vise o prejuízo efetivo dos terceiros); c) acordo simulatório (entre declarante e declaratário) – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 155. A simulação em referência exige o conluio (o acordo) entre as partes (simuladores) e tanto pode ser absoluta, quando a vontade real das partes é a de não concluir qualquer negócio, ou relativa, quanto a vontade real das partes é celebrar efetivamente um negócio, mas diferente daquele que aparentemente concluíram. No caso em apreço, o alegado pelo réu remete para uma situação de simulação absoluta, no sentido de que os doadores teriam declarado fazer a doação dos imóveis à autora, mas na verdade não teriam querido qualquer negócio, apenas subtrair os imóveis à ação dos credores. A versão da autora sobre estes acontecimentos é diversa, alegou que subjacente às doações de que foi beneficiária esteve a intenção dos pais fazer uma partilha do seu património em vida, de modo a que a autora ficasse com os imóveis de que o casal era proprietário, e o réu com as participações sociais e o património inerente às mesmas, dada a ligação profissional do réu às sociedades e a ausência de ligação da autora. Para se concluir pela existência de simulação era necessário que tivesse sido feita a prova da real vontade dos declarantes e do acordo simulatório. Não tendo tal prova sido feita, não estão reunidos os pressupostos legais da simulação, motivo pelo qual não se pode concluir pela invalidade do contrato de doação. Temos, pois, que a autora adquiriu, por contrato de doação, a propriedade da fração AO reivindicada, a qual se encontra registada em seu nome na Conservatória do Registo Predial. Reconhecida a propriedade, a restituição do imóvel ao proprietário só é impedida se o réu provar que tem um direito incompatível com essa restituição. O réu alegou ter adquirido a propriedade do imóvel por usucapião, por ter a posse do imóvel desde 2004, se ter comportado como proprietário dessa fração, sem que ninguém se lhe opusesse, nomeadamente a autora. O artigo 1287.º do CC dispõe que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício correspondente a sua atuação: é o que se chama usucapião. O artigo 1251.º estabelece que posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. Apenas as situações de posse são suscetíveis de levar à aquisição do direito de propriedade por usucapião. Destas se distinguindo as situações de mera detenção ou posse precária, que traduzem situações de tolerância do verdadeiro titular da posse ou do direito real correspondente. A aquisição do direito de propriedade por usucapião pressupõe que quem assim adquire não tem, à partida tal direito de propriedade, mas adquire de forma originária esse direito pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício desse direito durante o período previsto na lei para o efeito, sem que o titular originário do direito de propriedade a isso se oponha. “Neste caso concreto, o réu sustenta o seu pedido de reconhecimento na aquisição da fração AO por usucapião no uso que vem fazendo da fração desde 2004. Ficou provado que o réu, filho do proprietário, começou a usar a fração quando, em 2004, veio trabalhar para o Algarve com o pai, tendo até 2014, partilhado essa utilização com a autora quando esta se deslocava ao Algarve. Embora o réu tenha alegado que o pai lhe atribuiu a fração AO a si, em execução do propósito que esteve subjacente à aquisição de três frações, segundo o qual uma delas se destinava a si e outra à aqui autora, sua irmã, não se provou que a disponibilização da fração pelo seu pai, nessa altura, tenha tido como objetivo consolidar a afetação das frações. Sendo que a doação dessa mesma fração, pelo pai, à aqui autora, posteriormente, em dezembro de 2012, contraria essa intenção. Acresce que não há qualquer prova de que enquanto o pai da autora e do réu foi vivo, este tenha deixado de exercer os direitos inerentes ao seu direito de propriedade sobre as frações e que o réu o tenha substituído nesse exercício. O facto de o réu morar na fração não lhe atribui a posse do imóvel. Assim, como, o facto de o proprietário não residir no imóvel, não significa que não tenha a posse do mesmo A ocupação por tolerância do proprietário não é uma verdadeira posse. E a doação feita pelos pais à autora da fração AO, em Dezembro de 2012, é a clara manifestação do poder de disposição do proprietário e que deita por terra qualquer eventual ideia de posse por parte do réu até essa data. Após a doação do imóvel à autora, a propriedade passou para esta e o réu continuou a ocupar a fração como vinha fazendo: até 2014, morando nela, e depois mantendo a disponibilidade da mesma, recusando a sua entrega à autora. O facto de o réu ter morado na fração e agora manter o acesso à mesma, diligenciar pelo pagamento das respetivas despesas e apresentando-se como condómino perante o condomínio do prédio desde dezembro 2013, únicos factos provados que revelam algum poder de facto do réu sobre a fração, o que faz dando seguimento à administração do património da família conforme o seu pai o fazia, dificilmente, neste contexto, se pode considerar estar a agir no âmbito de uma posse em nome próprio e como se de verdadeiro proprietário se tratasse.”. Não se verifica, pois, a aquisição da propriedade da fração AO pelo réu por usucapião. O recurso, é, por isso, improcedente. 4. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em: - determinar o desentranhamento dos documentos apresentados com as alegações com a resposta da Recorrida; - julgar improcedente o recurso interposto pela R. e, em consequência, - manter a decisão recorrida; * As custas do recurso serão suportadas pelo R..Notifique. Évora, 27.11.2025 Miguel Teixeira Mário João Canelas Brás José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho |