Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO MARQUES DA SILVA | ||
Descritores: | LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ INDEMNIZAÇÃO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):
- ao direito de indemnização fundado em litigância de má fé e afirmado em decisão judicial transitada em julgado é aplicável o prazo de prescrição comum (20 anos). | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 840/15.6T8EVR
Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. AA intentou o presente incidente de liquidação contra BB, alegando, no essencial, que: - a requerida foi condenada, como litigante de má fé, no pagamento das despesas suportadas com a acção, incluindo os honorários devidos ao mandatário do requerente. - em 08.05.2018, a requerida foi notificada para proceder à liquidação da nota de honorários do mandatário do requerente, que não foi objecto de reclamação e que se fixou em 57.020,60 euros Terminou pedindo a liquidação da indemnização em 57.020,60 euros, quantia a que acresciam juros de mora vencidos e vincendos, ou, caso assim se não entendesse, em montante a fixar equitativamente. A requerida deduziu oposição, invocando, no que ora releva, que: - estando-se no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, o direito de indemnização prescrevia em 3 anos, prazo já consumado considerando que o requerente teve conhecimento do seu direito com o trânsito em julgado da decisão em 23.04.2018. Notificado, o requerente respondeu sustentando que a requerida não liquidou as despesas suportadas pelo R., que não constituem custas de parte nem indemnização, pelo que não caducaram nem prescreveram. Foi depois proferida decisão que declarou a prescrição do crédito invocado, decisão esta assente nos seguintes pressupostos: i. trata-se de um crédito devido a título de indemnização por factos ilícitos, ii. crédito constituído por acórdão transitado em 23.04.2018, iii. de que o credor teve conhecimento aquando da sua notificação a 15.03.2018, pelo que o prazo prescricional é de três anos (art. 498º n.º1 do CC), tendo-se verificado a prescrição em 23.04.2021. Desta decisão vem interposto o presente recurso, no qual o recorrente formula as seguintes conclusões: 1.ª O Recorrente não aceita a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, pois esta é claramente parcial e desprovida de justiça. 2.ª O presente recurso vem interposto pelo aqui Recorrente, da douta Sentença recorrida que pretende ver alterada e que decidiu: “o crédito do Réu a título de indemnização como litigante de má fé em que o autor tinha sido condenado ao abrigo do artigo 543.º, n.º 1, al. b) e 2, do Código de Processo Civil sido peticionado apenas a 23/11/2023, julga-se a mesma procedente e, em consequência, se declara a prescrição do referido crédito.” 3.ª É que o Tribunal a quo faz uma incorreta apreciação da decisão transitada em julgado (artigo 639.º, n.º 2 alínea b) do CPC) que condenou o A. “no pagamento das despesas suportadas pelo réu em consequência da interposição da presente acção, aí incluindo-se os honorários devidos ao seu ilustre mandatário”, estando em causa a indemnização estabelecida no artigo 543.º, n.º 1 alínea b) do CPC. 4.ª Isto porque, apenas em 23.11.2023, foi possível fizar a indemnização em crise no valor de € 57.020,60, daí se ter, apenas nessa data, intentado o respetivo incidente de liquidação. 5.ª A douta sentença proferida pelo tribunal a quo apreciou incorrectamente, e sem clareza e rigor técnico, o prazo prescrional para reclamação da aludida indemnização, merecendo, por isso, aquela douta sentença censura. 6.ª Para o efeito, dispõe o art. 498.º, n.º 1 do C.Civil: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”. 7.ª Nos termos do art. 309.º do C.Civil: “o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos”. 8.ª Assim, o art. 498.º, n.º 1 do C.Civil estabelece um prazo especial (curto) de prescrição do direito à indemnização que começa a contar-se desde que o lesado tenha conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil. 9.ª Porém, tal prazo mais curto não prejudica a verificação da prescrição do mesmo direito, no prazo de 20 anos, contados a partir do “facto danoso”, sendo que, para o início deste prazo é apenas relevante a data da prática do facto ilícito, como decorre expressamente da parte final do art. 498.º, n.º 1 do C.Civil. 10.ª Este entendimento que inequivocamente decorre da lei tem sido sufragado pela nossa jurisprudência e doutrina, como por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/6/93, processo 082332, in www.dgsi.pt: “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral do dano, sem prejuízo da prescrição ordinária se decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”; 11.ª E o Acórdão do STA, de 14.12.2004 – Processo n.º 0792/04, in www.dgsi.pt: “A solução legal não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores”; 12.ª E ainda, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, anotação ao art. 498.º “São dois os prazos de prescrição estabelecidos no n.º 1. Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos”; 13.ª E, ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª ed., p. 627 “não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária não se tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores”. É, portanto, pacífico o entendimento, segundo o qual o prazo de prescrição ordinária contado desde a prática do facto configura o prazo máximo, dentro do qual o direito pode ser exercido sem ocorrer a prescrição. 14.ª Ora, é evidente que dos elementos probatórios reproduzidos nestes autos, o aqui Recorrente, ora Réu, apenas quando intentou o incidente de liquidação em 23.11.2023, teve conhecimento da indemnização a liquidar pelo A., pelo que a sentença proferida pelo Tribunal a quo é merecedora de reparo. 15.ª A tese do douto tribunal a quo não tem qualquer sustentação lógica e baseia-se apenas numa interpretação desajustada e errada na sua apreciação. 16.ª Pelo que, sem mais, a douta sentença recorrida jamais poderia decidir no sentido em que decidiu, pois que, o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2 alínea b) do CPC) deveria ter sido outro, ou seja, julgar improcedente a exceção perentória – prescrição do crédito – suscitada pelo A. 17.ª Indubitavelmente, o crédito peticionado não se encontra prescrito, pois o prazo ordinário para que tal suceda é de 20 anos, ao abrigo do disposto no artigo 309.º do Código Civil. A requerida respondeu, tendo suscitado questão atinente à tempestividade do recurso, e pugnado pela manutenção da decisão impugnada. O recurso foi depois considerado tempestivo. II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa». Assim, importa avaliar se o direito invocado pelo recorrente se mostra prescrito. III. Concretizando os elementos constantes do relatório, relevam os seguintes factos (colhidos de peças processuais): Por sentença de 22.09.2017, transitada em julgado em 23.04.2018, a agora recorrida (então autora) foi condenada «como litigante de má fé numa multa de 3 UC e em indemnização a pagar ao réu, na importância de 3 UC, bem como no pagamento das despesas suportadas pelo réu em consequência da interposição da presente acção, aí incluindo-se os honorários devidos ao seu ilustre mandatário». Por requerimento de 23.11.2023, o recorrente intentou incidente de liquidação pedindo que se fixe em 57.020,60 euros o montante que lhe é devido a título de despesas, incluindo honorários, quantia a que acresciam juros de mora vencidos e vincendos, ou, caso assim se não entendesse, em montante a fixar equitativamente, incidente que foi admitido e tramitado nos termos dos art. 358º e ss. do CPC. IV.1. Tendo o recorrente invocado a litigância de má fé da recorrida, veio esta a ser condenada, além do mais, no pagamento das despesas suportadas pelo agora recorrente em consequência da interposição da acção, onde se incluíram os honorários devidos ao mandatário do recorrente. É o direito ao pagamento destes honorários que se julgou estar prescrito, por aplicação do prazo de prescrição (3 anos) decorrente do art. 498º n.º1 do CC, regime este tido por aplicável por estar em causa um direito de indemnização baseado em responsabilidade civil extracontratual. A aplicabilidade do regime daquele art. 498º n.º1 do CC a esta responsabilidade por litigância de má fé não vem discutida no recurso, o que até excluiria a avaliação dessa questão (estaria tida por assente), dado o regime de reponderação do recurso e a sua limitação ao objecto definido pelo recorrente (embora também se possa admitir, pese embora alguns possíveis escolhos [1], o acerto da solução em tese geral, sendo que o art. 498º do CC, tendo recorte especial face ao regime geral ou comum, tem já vocação geral quanto à responsabilidade extracontratual). Como quer que seja, de tal aplicabilidade se não segue necessariamente, porém, que o regime daquele art. 498º n.º1 do CC deva valer na situação em apreciação. Dispõe este artigo que «o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso». Cumpre distinguir a situação do direito antes e depois do seu acertamento judicial. O regime deste art. 498º n.º1 do CC dirige-se ao direito de indemnização antes daquele acertamento. A prescrição opera por o lesado, dispondo dos elementos suficientes (conhecimento do direito), não exercer aquele direito de forma eficaz, especialmente quando, por falta de cooperação do lesante, tem que o demonstrar judicialmente (para poder impor o cumprimento àquele lesante). A razão do prazo curto assenta no risco de o decurso do tempo tornar a prova do direito (facto e dano) mais insegura e incerta [2]. Já após o acertamento judicial do direito, após o seu reconhecimento e fixação judicial (por decisão transitada), se alteram as coisas. Com este reconhecimento fica, com efeito, o direito consolidado em face do devedor (que já não o pode discutir), não tendo o lesado qualquer encargo probatório adicional (quanto ao direito em si, na sua existência e consistência [3]). Por isso que o legislador tenha previsto que nessa situação, e no que ora monta, «o direito para cuja prescrição (...) a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça (...)» (art. 311º n.º1 do CC), passando desse modo a valer o prazo ordinário ou comum de prescrição do art. 309º do CC (20 anos). Ora, no caso, o recorrente não está, no incidente pendente, a invocar o direito de indemnização com vista a demonstrar a sua existência e extensão, com vista a torná-lo incontrovertido perante o devedor. Isso já está feito, com a sentença que reconheceu a existência de litigância de má fé por parte da recorrida e a condenou no pagamento da indemnização. O direito está, pois, judicialmente fixado e definido o seu objecto (o dano), o que exclui o prazo prescritivo do art. 498º n.º1 do CC, substituído pelo prazo do art. 309º do CC, por força daquele art. 311º n.º1 do CC. 2. É certo que o direito foi reconhecido em termos ilíquidos, supondo subsequente quantificação (o dano está fixado; falta apenas fixar o seu valor), sendo esta quantificação (liquidação) que está agora em causa. Mas a iliquidez da indemnização judicialmente reconhecida não perturba o exposto, não se opondo à aplicação do art. 311º n.º1 do CC nem, em rigor, permitindo sequer a aplicação do art. 498º n.º1 do CC. Com efeito: 2.1. Quanto àquele art. 311º n.º1 do CC, a sua aplicação depende apenas, nos termos da sua previsão, do reconhecimento judicial do direito (com o trânsito em julgado da decisão), não exigindo a norma, no seu enunciado, que esteja em causa uma obrigação líquida. A letra da norma não sustenta, pois, esta restrição do seu alcance normativo (a exclusão da obrigação ilíquida). O que é ainda confortado pelo facto de a única restrição legal a este regime dizer respeito às prestações ainda não vencidas (art. 311º n.º2 do CC), realidade distinta da obrigação ilíquida. Sendo também que esta excepção (quanto às obrigações ainda não vencidas) se justifica por, na medida em que se entende que estão em causa obrigações previstas mas ainda não constituídas (v.g. juros futuros), continuar a valer para elas a razão de ser do prazo curto [4], fundamento este que não vale para a obrigação ilíquida, já constituída e reconhecida. Donde não ter esta excepção qualquer conexão literal ou funcional com a obrigação ilíquida, deste modo corroborando a asserção de que as obrigações ilíquidas não constituem excepção ao regime, a que este não seria aplicável. Do ponto de vista da razão de ser daquele art. 311º n.º1 do CC, aponta-se como fundamento do regime, sem discrepância, a «certeza e estabilidade do direito» conferida pela decisão judicial (tornando menos merecido um prazo curto) e o facto de, perante aquela consolidação do direito, o credor se sentir mais à vontade para não exercer o direito com a prontidão com que o faria valer antes da sentença [5], referindo-se ainda a circunstância de o credor já ter revelado alguma diligência, contrariando assim um dos fundamentos da prescrição (a inércia do credor) [6]. Todas estas razões são integralmente válidas para o direito cujo objecto é ilíquido. Sendo que, além de o direito ter sido judicialmente exercido, esta iliquidez apenas respeita à fixação do valor da prestação, o que não contende com a consolidação do direito e efeitos inerentes. Inexistindo, pois, também deste ponto de vista, qualquer razão para afastar a aplicação do art. 311º n.º1 do CC. Acresce que, ao contrário da verificação da existência e extensão do direito, a liquidação (da indemnização) opera em termos mais simplificados, e termina sempre com uma quantificação [7], ainda que com base na equidade (v. art. 566º n.º3 do CC e 360º n.º4 do CPC, o que é ainda confortado, na litigância de má fé, pelo art. 543º n.º3 do CPC). O que significa que a consistência do direito está verificada e a sua completa exequibilidade alcança-se de forma simplificada e, sobretudo, segura: a liquidação nunca conduz à exclusão do direito, cuja existência ficou já estabilizada. Não se justificando, também por isso, a aplicação de um prazo curto de prescrição. Por fim, nota-se que a iliquidez tem, no regime da prescrição, um alcance limitado: condiciona o momento inicial da contagem do prazo prescricional (art. 306º n.º4 do CC) mas não determina ou co-determina o prazo aplicável. A determinação deste prazo faz-se em função de outras normas, sendo para tais normas indiferente que o crédito seja ou não ilíquido. Constatação esta que é ainda confortada pelo art. 310º al. d) do CC, no qual fica evidenciada a irrelevância do carácter liquido ou ilíquido do direito para a fixação do prazo pois o mesmo prazo vale independentemente do carácter liquido ou ilíquido da obrigação. Donde que o regime referido deva valer ainda que a prestação seja ilíquida [8]. 2.2. De outra banda, nota-se que aquele art. 498º n.º1 do CC não se pode ter sequer por aplicável ao direito ilíquido mas judicialmente reconhecido. Com efeito, essa aplicação significaria que, apesar do reconhecimento judicial (e assim da consolidação do direito), a iliquidez do direito continuaria a impor ou justificar a aplicação do prazo curto de prescrição. Para além de a solução ser contrariada, como se viu, pelo regime do art. 311º n.º1 do CC, ela é excluída pela própria intenção regulativa do art. 498º n.º1 do CC. Deve, com efeito, levar-se em conta que o prazo de prescrição que este artigo prevê corre ainda que o lesado desconheça a extensão integral dos danos, ou seja, ainda que o seu direito seja ilíquido. Isto é assim porquanto o lesado pode pedir a sua fixação ou quantificação em momento posterior [9], após a fixação do seu direito. Isto revela que a liquidação do direito é questão que fica fora da regulação desta norma (para o seu regime, é indiferente a iliquidez da obrigação), e por isso não pode pretender-se aplicar o seu regime ao direito já reconhecido mas ilíquido: é a própria norma que coloca a iliquidez fora do seu âmbito de aplicação. O que se conjuga com a situação do direito reconhecido, a qual também não corresponde à razão de ser deste art. 498º n.º1 do CC (a já referida falibilidade da prova tardia) pois, na indemnização ilíquida, o dano está fixado [10] e apenas falta a sua quantificação (a qual, como referido, sempre se alcança, de uma forma ou de outra), a qual não coloca, de todo, os mesmos problemas de envelhecimento da prova. 3. Assim, o direito está pacificado e reconhecido por decisão judicial, transitada, sem admitir já controvérsia quanto à sua existência e conteúdo, pelo que deve valer o regime do referido art. 311º n.º1 do CC e, por essa via, o prazo comum de prescrição. 4. A decisão recorrida faz referência a que o crédito foi constituído por sentença transitada em julgado, o que parece sugerir que a sentença é que criou o direito (a qual seria uma decisão constitutiva). A asserção não parece correcta. O direito (à indemnização) nasce com a prática do ilícito processual (com o facto que preenche uma das cláusulas de ilicitude tipificadas no CPC) e o inerente dano, direito que a sentença, avaliando os pressupostos de tal direito, apenas reconhece e declara (e não constitui). Assim, a decisão avalia situação pré-existente, não criando uma nova situação jurídica. Donde que inexista decisão com natureza constitutiva do direito, natureza esta que poderia alterar os termos da avaliação. 5. O espaço próprio do art. 498º n.º1 do CC neste domínio da litigância de má fé (admitindo-se, claro, a sua aplicabilidade) seria encontrado apenas nas situações em que se invoque o direito à indemnização fundada em litigância de má fé decorridos mais de 3 anos sobre o conhecimento do facto constitutivo do direito, quer a invocação ocorra no próprio processo (embora uma invocação tão tardia seja naturalmente anómala) quer ocorra em acção autónoma (a ser admitida esta possibilidade, o que constitui questão controversa). 6. Assim, e face ao prazo prescricional aplicável (20 anos), não ocorreu a invocada prescrição, procedendo assim o recurso. 7. Decaindo, suporta a recorrida as custas do recurso (art. 527º n.º1 e 2 do CPC). V. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida. Custas pela recorrida. Notifique-se. Datado e assinado electronicamente. Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original). António Marques da Silva - Relator Manuel Bargado - Adjunto Ricardo Manuel neto Miranda Peixoto - Adjunto
____________________________________________ 1. Mormente porque a recondução da litigância de má fé à responsabilidade civil extracontratual não é, na verdade, pacífica (com relevo porquanto também se tende a restringir a aplicação do art. 498º do CC àquela modalidade de responsabilidade).↩︎ 2. V., por todos, Gabriela P. Fernandes, in Comentário ao CC, Direito das obrigações, parte geral, UCP Editora 2021, pág. 374/5.↩︎ 3. O facto lesivo e o dano (coisa diferente da sua quantificação) estão demonstrados de modo, em princípio, inatacável.↩︎ 4. V. V. Serra, Prescrição extintiva e caducidade, BMJ 106, pág. 139.↩︎ 5. J. Gomes, Comentário ao CC, Parte Geral, UCP Editora 2023, pág. 923, e V. Serra, ob. cit., pág. 923.↩︎ 6. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e caducidade, Anotação, Coimbra Editora 2008, pág. 88.↩︎ 7. Ou deveria terminar, embora por vezes ocorram anomalias face ao sistema.↩︎ 8. Solução que aparenta ser pacífica. V. Ac. do TRL proc. 2342/14.9TTLSB-C.L1-4, de 13.01.2016 ou do TRG 600/10.0TBPTL-B.G1 de 10.07.2019 (em 3w.dgsi.pt), a cuja solução aderiu J. Gomes, na ob. e loc. citados.↩︎ 9. V. P. de Lima e A. Varela, CC Anotado vol. I, Coimbra editora 1987, pág. 503.↩︎ 10. É pacífico o entendimento de que a liquidação apenas visa quantificar danos alegados e provados e não demonstrar novos danos. Para estes, o regime será outro.↩︎ |