Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
184/11.2TTBJA.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
ADMISSIBILIDADE
NULIDADE
Data do Acordão: 05/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A celebração de um contrato de trabalho temporário só é admitida nas situações, elencadas no art.º 175º, nº 1, do Código do Trabalho, em que é admitido celebrar um contrato de utilização de trabalho temporário.
2. Concorrendo causas de nulidade de ambos os contratos, a consequência é a do art.º 180º, nº 3, do mesmo código: o trabalho considera-se prestado ao utilizador, em regime de contrato de trabalho sem termo.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 184/11.2TTBJA.E1

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:


No Tribunal do Trabalho de Beja, e em ação com processo comum, instaurada a 30/11/2011, B…, identificado nos autos, e patrocinado oficiosamente pelo MºPº, demandou C…, Empresa de Trabalho Temporário, Lda., e D.., S.A., ambas com sede em Lisboa, pedindo que sejam declarados nulos os contratos de utilização de trabalho temporário, bem como os contratos de trabalho temporário, celebrados respetivamente entre a 1ª e a 2ª RR., e entre o A. e a 1ª R., e bem assim que a 2ª R., ‘D…’ seja condenada a reintegrar o demandante nos seus quadros, com efeitos a partir da data do despedimento, e a pagar-lhe as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde que foi despedido, até ao trânsito em julgado da sentença. Para o efeito, alegou em resumo ter celebrado com a 1ª R., antes designada …, a partir de 1/11/2005, sucessivos contratos de trabalho temporário, pelo prazo de um mês, renovável até onze meses, para trabalhar na 2ª R, enquanto empresa utilizadora, no atendimento de chamadas telefónicas feitas por clientes do universo empresarial …; o motivo invocado para a aposição do termo – acréscimo temporário da atividade – não corresponde porém à verdade, dado visar satisfazer necessidades permanentes da empresa utilizadora, e tanto assim é que a situação se manteve até 31/1/2011, com a sucessiva celebração de contratos idênticos, mas com uma ininterrupta prestação de trabalho para a 2ª R., desde a data do início do primeiro contrato celebrado com a 1ª R.; é por isso nula a aposição do termo nos contratos celebrados, e a caducidade invocada do último contrato corresponde a um despedimento ilícito.
Gorada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), vieram as RR. de seguida contestar, a ‘C… excecionando a ineptidão da p.i., por nenhum pedido ter sido contra si formulado, e bem assim a sua ilegitimidade, e ambas as demandadas pugnando pela plena validade dos contratos celebrados com o A., donde concluíram pela improcedência da ação e consequente absolvição.; a título subsidiário, a 1ª R. invocou ainda a compensação de créditos com o A., relativamente à quantia a ele paga pela caducidade dos contratos em causa, e que deverá ser restituída caso venha a concluir-se pela invalidade dos mesmos.
O A. veio ainda responder às exceções deduzidas pela ‘C…”, pugnando pela respetiva improcedência.
A Ex.ª Juíza proferiu de seguida despacho saneador, considerando as exceções improcedentes, e consignando a matéria assente e relevante para a decisão de mérito; daí, passou a conhecer desde logo do fundo da causa, concluindo por fim pela procedência da ação, e decidindo o seguinte:
A- Julgar nulos os contratos celebrados entre as rés e a ré C… e o autor.
B- Condenar, em consequência, a ré D… a reintegrar o autor por entre estas partes vigorar um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
C- Condenar a ré D… a pagar ao autor todas as retribuições que se venceram desde trinta dias antes da propositura da acção até à data do trânsito em julgado desta sentença, fixando-se o montante do capital devido neste momento em seiscentos e setenta e um euros e oitenta e cinco cêntimos.
D- Quantia acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento contados desde a data de vencimento do pagamento de cada uma das retribuições em dívida.
E- Absolver o autor do pedido de compensação de créditos formulado pela ré C…
F- Condenar a ré a pagar ao ISS IP, o montante de seis mil oitocentos e nove euros e quarenta cêntimos.
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Inconformada com o assim decidido. Desse saneador/sentença veio então apelar a R. ‘D…’. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
Por não terem qualquer suporte probatório e porque a factualidade respetiva foi especificadamente impugnada, por isso estando controvertida, devem ser eliminadas as alíneas E), I), N), O), U), V), W) e Y) do elenco da matéria de facto dada por assente na douta sentença recorrida.
Em qualquer circunstância, deve ser dado por assente a factualidade constante dos arts. 1º a 7º, 9º a 15º, 17º a 37º, 39º a 45º, 47º a 53º, 99º a 103º, 105º e 106º da contestação da ora recorrente, por se tratar de matéria relevante para o mérito da causa e que se acha provada por documentos que não foram impugnados na sua genuinidade;
Podendo ainda ser útil, à luz das plausíveis soluções de direito da lide, a inserção no saneamento fáctico da ação do que se contém, nomeadamente, nos arts. 58º, 59º, 80º a 89º e 108º a 110º da contestação da ora recorrente.
Os contratos de utilização de trabalho temporário (CUTTs) celebrados entre as rés (bem como os correlativos contratos de trabalho temporário celebrados entre o A. e a R. C… são válidos, quer do ponto de vista substantivo, quer do ponto de vista formal, quer ainda quanto à respectiva duração;
Todos os contratos de utilização (CUTTs) dados aos autos contêm, expressamente, os fundamentos e causas justificativas, reais e suficientemente concretizados, subjacentes à sua outorga.
Tais fundamentos enquadram dois dos fundamentos abstractos legalmente legitimadores do recurso ao regime do trabalho temporário (acréscimo temporário de actividade e tarefa precisamente definida e não duradoura).
A tese expendida na douta sentença recorrida, segundo a qual os fundamentos invocados nos contratos de utilização (CUTTs) dados aos autos não consubstanciam um acréscimo temporário da actividade da R. D…em virtude de esta, por regra, se dedicar à prestação de serviços de atendimento e de contacto telefónico, não é admissível;
Pois que, por essa ordem de ideias, mesmo perante um acréscimo temporário de actividade ou uma terefa precisamente definida e não duradoura (p.ex., a adjudicação de uma empreitada a uma empresa de construção civil), as empresas nunca poderiam contratar trabalhadores em regime de trabalho temporário ou a termo, salvo se fosse para desenvolver uma actividade fora do seu objecto social;
A D… só recorreu ao regime do trabalho temporário quando foi contratada pelos seus clientes para prestar serviços de duração limitada que exigiam, caso a caso, um acréscimo temporário da atividade da empresa, nos termos a que atualmente se refere o artigo 175.º do Código do Trabalho, observando todos os respetivos requisitos legais e competindo à ETT, em exclusivo, selecionar, contratar e ceder a disponibilidade da força de trabalho de diversos trabalhadores temporários (entre os quais o A.).
10º Os contratos de utilização (CUTTs) dados aos autos também respeitaram os prazos máximos previstos na lei para a duração dos contratos de utilização, actualmente previstos nos números 2 a 4 do artigo 175.º do Código do Trabalho (que correspondem, no essencial, ao artigo 18.º da Lei n.º 19/2007, de 22 de Maio), assim como os correlativos contratos de trabalho temporário respeitaram integralmente os prazos previstos actualmente no artigo 182.º do Código do Trabalho (que corresponde, no essencial, ao artigo 27.º da Lei n.º 19/2007, de 22 de Maio);.
11º Os contratos (CUTTs) em causa tiveram motivos justificativos autónomos e distintos, que estiveram na origem da respectiva celebração (assim como distintos foram os postos de trabalho ocupados pelo A. recorrido);
12º Cada um dos contratos de prestação de serviços celebrados pela D…, de duração limitada, originou postos de trabalho de natureza temporária, confinada à duração daqueles contratos, nascendo e extinguindo-se com o seu início de execução e com a sua cessação.
13º A autonomia de tais contratos de prestação de serviços, enquanto causa justificativa autónoma, cada um deles, dos CUTTs respectivos (ao abrigo dos quais o A. recorrido foi contratado pela R. C…) resulta da sua natureza temporária perfeitamente delimitada (e, sobretudo, da circunstância de a outorga de cada um deles depender decisivamente do sucesso (de verificação incerta) das negociações que a todos precederam e das condições de preço e de qualidade mais vantajosas proporcionadas aos clientes pela R. recorrente.
14º O A. recorrido esteve ao serviço da R. recorrente ao abrigo de diversos CUTTs autónomos entre si e com causas justificativas (temporárias) distintas.
15º Nenhum dos mencionados CUTTs (ou dos correlativos contratos de trabalho temporário), bem como nenhuma das respectivas causas justificativas, teve duração superior a 12 meses
16º Sendo certo que não se pode considerar esses CUTTs como um único contrato de utilização de trabalho temporário, nem as suas distintas causas justificativas como uma única causa justificativa.
17º Os postos de trabalho ocupados pelo A. recorrido, tendo cada um deles natureza temporária, delimitada pelo âmbito de vigência temporal de cada um dos autónomos contratos de prestação de serviços firmados entre a R. recorrente e os seus clientes (…) não integram a estrutura organizativa permanente da R. recorrente.
18º No caso vertente, não existe sequer uma sucessão de contratos de trabalho para o mesmo posto de trabalho;
19º Tanto mais que, ao invés do que se conclui na douta sentença recorrida, o conceito de posto de trabalho não se confunde com o do local de trabalho nem com a afinidade de tarefas cujo denominador comum é o do atendimento telefónico.
20º A condenação da R. recorrente no pagamento ao ISS IP da quantia de € 6.809,40 não tem suporte legal, cumprindo ao Tribunal tão só o dever de comunicação a que alude o nº 2 do art. 75º do CPT.
Terminou a recorrente pedindo o provimento do recurso, revogando-se a sentença recorrida, e absolvendo-se as RR. dos pedidos formulados ou, assim se não entendendo, sendo anulada a sentença apelada e ordenada a baixa dos autos à 1ª instância para que a ação prossiga a sua normal tramitação até final.
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Notificados o A. e a 1ª R. da interposição do recurso, apenas o primeiro veio contra-alegar, nesse âmbito concluindo o seguinte:
- Não vemos qualquer fundamento para que a matéria vertida nas alíneas A a GG não possa ser considerada assente nos termos em que o foi;
- É legal e legítima a contratação a termo, ou ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário, de trabalhadores cujo atividade se insere plenamente no âmbito do objeto social das empresas;
- Desde que a atividade contratada tenha carácter transitório, se destine a acorrer a acréscimos excecionais de atividade, e não a suprir necessidades de natureza duradoura;
- É esta a tese contida na douta sentença recorrida;
- E o carácter transitório ou ocasional das tarefas contratadas não pode ser subjetivamente considerado pelas entidades patronais, mas antes deve sê-lo à luz de critérios de objetividade;
- No caso vertente, o A. trabalhou mais de cinco anos, ao abrigo de vários contratos de trabalho temporário, executando sempre as mesmas tarefas, no mesmo local de trabalho e sempre para a mesma utilizadora;
- A qual, aliás, pertence ao mesmo grupo empresarial das beneficiárias do serviço, as outras sociedades …, unidas num mesmo interesse comum;
- A descrição do conteúdo funcional dos sucessivos contratos de utilização de trabalho temporário permite constatar, ao contrário do que pretende a recorrente, uma manifesta identidade, demonstrando-se assim que o A. foi contratado para exercer funções idênticas em todos eles;
- Podendo-se pois concluir que o A. ocupou sempre o mesmo posto de trabalho;
- Os fundamentos dos contratos de utilização de trabalho temporário são essencialmente idênticos em todos eles e até os tempos de duração, normalmente 30 dias, coincidem;
- Não há qualquer autonomia entre os vários contratos de utilização de trabalho temporário, uma vez que o motivo que lhes subjaz é o mesmo, constituindo mero artifício a alteração pontual de alguns dos conteúdos funcionais do A.;
- O que existiu verdadeiramente foi um único contrato, com duração superior a quatro anos, mas que a R. subtilmente desdobrou em vários negócios jurídicos, com o propósito de evitar a ultrapassagem dos prazos legais;
- O conteúdo das funções efetivamente exercidas pelo A. insere-se plenamente no âmbito da atividade desenvolvida pela R., insere-se na sua gestão empresarial corrente, devendo por isso o posto de trabalho que lhe corresponde fazer parte da sua estrutura organizativa permanente.
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Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, os mesmos vieram depois a ser redistribuídos ao ora relator.
Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir.
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E decidindo, recordemos antes de mais que a presente ação foi tramitada, toda ela, ainda na vigência do Código de Processo Civil (C.P.C.) anterior à versão que veio a ser aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26/6, ao qual doravante reportaremos portanto as referências legislativas que a propósito venham a ser feitas.
Mas relembremos antes de mais a matéria de facto considerada provada pela 1ª instância, que foi a seguinte:
A - A primeira ré, C… é uma empresa de trabalho temporário que se dedica à cedência temporária a terceiros de trabalhadores, em várias áreas profissionais e é titular do alvará nº 4 de 27 de Julho de 1990 que para esse efeito admite e renumera, nomeadamente, no sector das telecomunicações.
B - Originariamente a sua denominação social era …, Ldª.
C - No domínio dessa actividade, o autor e a então …, primeira ré, celebraram entre si um acordo escrito a termo certo, com início no dia 11 de Novembro de 2005 e término, a 31 de Novembro de 2005, com renovação automática e sem poder exceder o limite da data de 31 de Outubro de 2006.
D - Segundo esse acordo, constante do documento junto como nº 1 à petição inicial e cujo conteúdo se dá como reproduzido, o autor foi contratado para ser cedido à segunda ré D…, segunda ré.
E - Ao autor foi atribuída a categoria profissional de comunicador, categoria cujo conteúdo funcional era o de realizar contactos telefónicos com clientes auxiliando na resolução de problemas resultantes da utilização de serviços da internet (sapo) e telefone comercializados pela ….
F - Nos termos desse contrato, o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da empresa utilizadora, a segunda ré, a qual dava directivas concretas sob a forma de actuação como mantinha controle e vigilância permanente sobre a prestação de trabalho do autor.
G - A remuneração horária acordada foi de 2,16€, acrescido de subsídio de alimentação de 5, 75€ por dia.
H - E o horário praticado era de 30 horas semanais, distribuídas em cinco dias da semana.
I - O motivo subjacente à realização desse contrato consta no contrato, que se dá aqui como reproduzido, como sendo devido a um acréscimo temporário e um significativo aumento ocasional da actividade da D… devido à celebração da existência de um contrato de agência de duração limitada entre a sociedade E… e a D…, com início a 1 de Novembro de 2005 e termo a 31 de Outubro de 2006, segundo o qual a D… se obrigara a prestar serviços de assistência comercial e técnica e outros à E…, de acordo com o teor do contrato junto aos autos pela segunda ré, cujo teor se dá como reproduzido. (alterado infra)
J - Invoca-se, também, a transitoriedade do contrato de prestação de serviços celebrado entre a D…e E… e da adjudicação dos serviços prestados serem insusceptíveis de renovação, o que justificaria a celebração do contrato a termo.
K - No dia 11 de Outubro de 2006, a primeira ré enviou ao autor uma carta na qual lhe comunicava a caducidade do contrato, com efeitos a partir de 31 de Outubro de 2006, documento junto sob o nº 67 à petição inicial, fls. 81 dos autos.
L - A 1 de Novembro de 2006, a primeira ré, propôs ao autor a celebração de um novo contrato de trabalho, também a termo e sujeito a renovações, com a duração de 30 dias e como data limite, 31 de Julho de 2007, conforme documento nº 68 junto à petição inicial. (alterado infra)
M - Nesse contrato a empresa utilizadora era a segunda ré, o local de trabalho, o mesmo do anterior – as instalações da D… em Beja e o vencimento do autor de 2,23€ de retribuição horária, acrescido de um subsídio de alimentação de 5,75 diários, sendo o trabalho realizado devido efectuado pelo cumprimento de 30 horas semanais distribuídas por cinco dias da semana.
N - O autor continuou a realizar as mesmas tarefas que cumpria ao abrigo do primeiro contrato, prestando assistência técnica em “call center” da … nas instalações desta de Beja, com a categoria profissional de comunicador. (alterado infra)
O - O motivo subjacente à contratação era idêntico ao do primeiro, de acordo com o teor do documento de fls. 68, junto à petição inicial, fls. 81, cujo teor se dá como reproduzido.
P - Sucederam-se a estes, contratos celebrados com a primeira ré e, entre esta e a primeira ré, a 1 de Novembro de 2007, a 1 de Maio de 2008, a 1 de Maio de 2009 e a 1 de Maio de 2010, de acordo com o teor do documento nº 69 e seguintes, junto à petição inicial e documentos juntos pelas rés. (alterado infra)
Q - Antes do início de novo contrato com o autor, a primeira rescindia sempre o anterior no tempo previsto.
R - A 4 de Janeiro de 2011, a C… enviou ao autor uma carta, junta como documento nº 73 à petição inicial, na qual lhe comunicava a intenção de não renovar o contrato de trabalho que caducava no final do prazo contratado no último acordo e que ocorreu a 31 de Janeiro de 2011.
S - As funções atribuídas ao autor foram sempre de atendimento telefónico.
T - O que aconteceu, não tendo mais voltado a trabalhar para a ré.
U - Os serviços prestados pela D… à … continuam hoje a ser prestados. (alterado infra)
V - As empresas do Grupo funcionam em rede, prestam serviços umas às outras, através dos serviços descritos nos contratos de prestação de serviços celebrados entre a segunda ré e essa empresa e que constam dos autos, juntos pela segunda ré. (alterado infra)
W - A D… continua a prestar serviços para a … e a ré C… continua a fornecer mão-de-obra para a D… para o exercício de funções idênticas à que o autor prestava.
X - O motivo indicado para a celebração dos vários contratos foi sempre a necessidade de fazer face ao acréscimo de trabalho temporário ou tarefa precisamente definida e não duradoura, em regime de “out-sourcing” cuja adjudicação seria insusceptível de renovação, o que impedia a D… de contratar o trabalhador por termo indeterminado.
Y - As rés são empresas do mesmo grupo empresarial. (eliminada infra)
Z - A D… exerce a actividade de prestação de serviços nas áreas de telecomunicações, serviços e sistemas de informação, designadamente consultoria, comercialização, exploração e gestão de contact centers, telemarketing, tecnologias de informação, produtos de hardware e software, outsourcing e formação, podendo ainda desenvolver actividades conexas, complementares ou sucedâneas no âmbito da sociedade de informação.
AA - Os contratos de prestação de serviços ajustados pela segunda ré com a … têm duração limitada no tempo, em regra um ano e podem ser denunciados com 30/60 dias de antecedência, de acordo com o teor dos documentos juntos aos autos pela segunda ré.
BB - Em cada um dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre as duas rés e que deram origem ao recrutamento do autor para trabalhar pela primeira ré estipulou-se que os contratos de trabalho temporário poderiam ser efectuados por um período de tempo inferior ao da duração do contrato de utilização de modo a adaptar os recursos ao volume dos serviços contratados.
CC - A ré detém alvará para o exercício de actividade de trabalho temporário, emitido em 27 de Julho de 1990 pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional.
DD - Os fornecimentos dos serviços de assistência de telefone e internet constituem parte da actividade empresarial da D… e a sua promoção junto de clientes e o apoio técnico aos mesmos insere-se no seu objecto social.
EE - A ré C… pagou ao autor a quantia total de 1273,34€, a título de compensação pela caducidade dos contratos de trabalho acima referidos.
FF - O autor encontra-se a receber subsídio de desemprego desde Fevereiro de 2011 até Dezembro de 2011, no montante mensal de 523,80€, estando previsto o seu recebimento até 27 de Março de 2012.
GG - O último salário base recebido pelo autor era de 356,25€, acrescido de 6,00€ de subsídio de refeição por cada dia de trabalho efectivo.
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Sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-Aº, nº 1, ambos do C.P.C.), são fundamentalmente duas as questões que na hipótese dos autos vêm suscitadas pela recorrente, sobre as quais a esta Relação caberá pronunciar-se. São elas:
- a impugnação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido;
- a validade, ou não, dos contratos de trabalho temporário em causa, e da respetiva cessação.
Vejamos então se à apelante assiste razão em cada um dos segmentos da sua alegação de recurso.
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Para contrariar o sentido condenatório da sentença recorrida a apelante veio desde logo pôr em causa a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal a quo, pugnando pela eliminação de determinados pontos dessa factualidade, e bem assim sustentando a inclusão de outros, que em seu entender seriam relevantes e como tal deveriam ser consignados.
Não estando em causa matéria probatória que tenha sido objeto de discussão em audiência de julgamento, e que agora cumpra reapreciar, a decisão a proferir neste parte do recurso deve pois ser tomada, necessariamente, à luz dos factos alegados pelas partes nos respetivos articulados, e da prova documental que aos mesmos foi junta. Afinal, tal como procedeu a 1ª instância, na consideração da matéria que na sentença recorrida foi julgada como estando provada e como sendo pertinente à decisão de mérito.
(…)
Decidida que está a impugnação da recorrente quanto à decisão de facto, e para além da eliminada al. Y), relembremos então qual a nova redação das diversas alíneas que foram objeto de alteração. São elas:
I - O motivo subjacente à realização desse contrato consta no contrato, que se dá aqui como reproduzido, como sendo devido a um acréscimo temporário e um significativo aumento ocasional da actividade da D…devido à celebração da existência de um contrato de duração limitada entre a sociedade E… e a D…, com início a 1 de Novembro de 2005 e termo a 31 de Outubro de 2006, segundo o qual a D… se obrigara a prestar serviços de assistência comercial e técnica e outros à E…, de acordo com o teor do contrato junto aos autos pela segunda ré, cujo teor se dá como reproduzido.
L - A 1 de Novembro de 2006, a primeira ré, propôs ao autor a celebração de um novo contrato de trabalho, também a termo e sujeito a renovações, com a duração de 30 dias e como data limite, 31 de Outubro de 2007, conforme documento nº 68 junto à petição inicial.
N - O autor continuou a realizar tarefas idênticas às que cumpria ao abrigo do primeiro contrato, prestando assistência técnica em “call center” da D… nas instalações desta de Beja, com a categoria profissional de comunicador.
P - Sucederam-se a estes, contratos celebrados com a primeira ré e, entre esta e a segunda ré, a 1 de Novembro de 2007, a 1 de Maio de 2008, a 1 de Maio de 2009 e a 1 de Maio de 2010, de acordo com o teor do documento nº 69 e seguintes, junto à petição inicial e documentos juntos pelas rés.
U - A R. D… continua hoje a prestar serviços a outras empresas do Grupo ….
V - As empresas do Grupo … funcionam em rede, podendo prestar serviços umas às outras, tais como aqueles que a R. D… contratou e a que se referem os documentos pela mesma juntos aos autos com a sua contestação.
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Abordando agora a matéria de direito, importa antes de mais referir que o enquadramento jurídico a considerar no caso dos autos é o que respeita à disciplina do trabalho temporário, figura que se reconduz a uma relação laboral de natureza ‘triangular’, em que a posição contratual da entidade empregadora se desdobra entre a empresa de trabalho temporário (no caso dos autos a R. ‘C…’), que contrata, remunera, e exerce o poder disciplinar sobre o trabalhador, e o utilizador (no caso a R. D…), que sobre ele exerce os poderes de autoridade e direção.
No ordenamento jurídico português esta realidade foi pela primeira vez sistematicamente regulada pelo Dec.-Lei nº 358/89, de 7/10[2], sendo-o depois pela Lei nº 19/2007, de 22/5, vindo a mesma por fim a ser objeto dos arts.º 172º a 192º do Código do Trabalho (C.T.), aprovado pela Lei nº 7/2009.
Não havendo grandes diferenças substanciais entre estes três sucessivos regimes jurídicos, por uma questão de facilidade de exposição aludiremos apenas ao último deles, do C.T. vigente, ao abrigo do qual foram de resto formalizados os contratos de 1/5/2009 e de 1/5/2010. A todos aqueles regimes subjaz porém uma ideia comum: a de impor uma filosofia restritiva ao recurso ao trabalho temporário, definindo claramente, e em termos rigorosos, as situações em que será permitida a utilização desse tipo de mão de obra.
Nesse sentido, a lei impõe neste âmbito a formalização de dois contratos, que estão umbilicalmente ligados entre si: o contrato de trabalho temporário (a celebrar entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário), e o contrato de utilização de trabalho temporário (a firmar entre a referida empresa e o utilizador). Ambos os contratos são celebrados a termo resolutivo, e com duração máxima limitada no tempo. A lei enumera também, taxativamente, em grande medida em termos semelhantes ao que sucede com os contratos de trabalho a termo, os casos em que será admissível a celebração de contrato de utilização, reconduzindo também a essas situações a admissibilidade da celebração de contrato de trabalho temporário (cfr. arts.º 175º, nº 1, e 180º, nº 1, ambos do C.T.).
Ora, na hipótese dos autos, o sentido condenatório da sentença recorrida assentou essencialmente na consideração da invalidade dos contratos de utilização celebrados entre a 1ª e a 2ª RR., o que implicaria também a nulidade dos contratos de trabalho temporário firmados entre o A. e a 1ª R., por força do art.º 176º do C.T..
Relembremos o que referiu a propósito a Ex.ª Juíza a quo:
‘…é evidente que os contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre as rés não são válidos uma vez que invocam fundamentos legais que não abarcam a situação que levou à sua celebração e, consequentemente, os contratos de trabalho temporários celebrados entre o autor e a primeira ré encontram-se também inquinados de nulidade, nos termos do disposto no artigo 176 do Código do Trabalho de 2009.
A celebração de um contrato de prestação de serviços com a duração de onze meses, passível de ser denunciado com 60 dias de antecedência celebrado entre a utilizadora e uma outra empresa, para a qual aquela irá prestar serviços que constituem parte do seu objecto social permanente e âmbito usual de actividade empresarial, não constitui uma tarefa ocasional ou um serviço determinado precisamente definido ou não duradouro ou a execução de uma actividade transitória ou de acréscimo excepcional da actividade da empresa, uma vez que a segunda ré se dedica precisamente à prestação daquele tipo de serviços a terceiros.
O carácter transitório, ocasional e não duradouro das tarefas não podem ser subjectivamente consideradas pelas entidades empregadoras mas têm de ser assim consideradas, de acordo com critérios objectivos e não apenas motivados por decisões empresariais no modo de contratar, como acontece no caso dos autos; na verdade, os contratos de prestação de serviços não têm vocação duradoura e podem ser denunciados com alguma antecedência por qualquer das partes, como é da própria natureza do contrato de prestação de serviços, não podendo a empregadora, com base na celebração desse tipo de contratos, considerar que as tarefas ao mesmo correspondentes são ocasionais e transitórias, servindo assim de pretexto para não contratar trabalhadores por tempo indeterminado, transferindo, assim, o risco empresarial para o próprio trabalhador, dando carácter precário ao vinculo laboral de que necessitam para exercerem o seu próprio objecto de actividade.
Os contratos, em causa nos autos, são nulos por violarem o fim visado pela contratação a termo em trabalho temporário que é o de cobrir os casos em que se visa a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade, artigo 140 do Código do Trabalho e artigo 182 do mesmo código.
Considerou portanto o tribunal recorrido que não pode aqui falar-se duma tarefa ocasional, dum serviço determinado precisamente definido ou não duradouro, duma atividade transitória, ou dum acréscimo excecional da atividade da empresa, que legitime a celebração de um contrato de utilização de trabalho temporário, na precisa medida em que o que está em causa é uma atividade que constitui o próprio objeto social da empresa utilizadora, a ora recorrente D….
Para contrariar o entendimento da 1ª instância, o acento tónico da tese da apelante, sustentando a plena validade dos contratos de utilização que celebrou com a R. C… assenta numa ideia muito clara: a de que subjacente a cada um desses contratos esteve um diferente contrato de prestação de serviços celebrado com outras empresas do Grupo …, cada um deles configurando um conteúdo diferenciado de serviços a desenvolver, e cada um deles com duração limitada no tempo, não excedente a doze meses. Na lógica da recorrente, estaria por isso suficientemente demonstrada a autonomia e a distinção que foi contratada em cada um dos sucessivos períodos em que o A. esteve vinculado às RR., e a transitoriedade contratual que justificaria que tal vinculação pudesse ter ocorrido ao abrigo do regime do trabalho temporário.
Em termos meramente formais, aceita-se que alguma razão assista à recorrente.
Mas ainda que se reconheça não haver uma inteira coincidência entre os vários contratos de prestação de serviços celebrados entre a apelante e outras empresas do Grupo …, em particular no que respeita aos concretos serviços envolvidos, não é menos verdade que as tarefas desenvolvidas pelo A., ao longo dos mais de cinco anos em que se manteve ao serviço das RR., foram essencialmente as mesmas: a prestação de assistência técnica a clientes da D…, no ‘call center’ de Beja, mediante a realização de contactos telefónicos visando a resolução de problemas, designadamente resultantes da utilização de serviços de internet e telefone comercializados por aquele grupo empresarial, e sempre com a categoria profissional de comunicador (cfr. factos E e N).
Mais: sendo a gestão de ‘contact centers’ precisamente uma dos conteúdos do objeto social desenvolvido pela recorrente (cfr. facto Z), está por demonstrar (e incumbia à R. fazê-lo) que o caso de Beja assumia caráter excecional e transitório, e se diferenciava daquela que era a sua normal e permanente atividade empresarial. É que nessa lógica, atenta a constante flutuação dos mercados, e a consequente instabilidade duma clientela, estaria legitimado, a toda e qualquer empresa e em qualquer situação, o recurso ao trabalho temporário.
Há por isso que reconhecer estar correta a lógica de raciocínio desenvolvida na sentença recorrida.
Nesse sentido, e fazendo também apelo ao registo restritivo que informa todo o regime jurídico do trabalho temporário, concluímos também que os contratos de utilização aqui em causa não se reconduzem a nenhuma das situações em que a lei taxativamente os admite, sendo por isso nulos em face do disposto no art.º 176º, nº 2, do C.T..
Para qualquer sensibilidade comum não deixará aliás de parecer algo chocante a prestação ininterrupta de funções idênticas, pelo A., a uma mesma empresa e durante mais de cinco anos, em regime de absoluta precariedade, e ao evidente arrepio da regra da estabilidade do emprego que é constitucionalmente reconhecida.
No mesmo sentido pode ainda apontar-se um outro aspeto, que não foi diretamente abordado na sentença recorrida, mas que reforça a conclusão condenatória nela acolhida.
É que muito embora os vários contratos de utilização tivessem uma duração anual, os correspondentes contratos de trabalho temporário foram celebrados por períodos de trinta dias (!), renováveis até àquele limite máximo anual. A cláusula contratual nesse sentido inserida, e sistematicamente reproduzida[3], viola frontalmente o nº 1 do já referido art.º 180º, sendo por isso nula, nos termos do respetivo nº 2.
Tal nulidade porém, concorrendo com a nulidade que vicia o próprio contrato de utilização, nos termos que se referiram, acarreta consequência idêntica à que já decorre da sentença proferida nos autos: o trabalho considera-se prestado ao utilizador, em regime de contrato de trabalho sem termo – nº 3 do mesmo art.º 180º. Logo, a invocação da caducidade do contrato celebrado com o A., reconduz-se necessariamente a um despedimento ilícito.
A decisão da sentença recorrida não merece pois censura, improcedendo todas as conclusões da alegação da apelante, salvo quanto aos aspetos pontuais da decisão de facto, já oportunamente referidos.
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Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 26-05-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Joaquim António Chambel Mourisco
José António Santos Feteira
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[1] (…)
[2] Alterado pela Lei nº 39/96, de 31/8, e pela Lei nº 146/99, de 1/9
[3] ‘Atendendo às condições contratuais estabelecidas nos contratos de prestação de serviços segundo as quais as capacidades contratadas podem variar substancialmente mês a mês, é necessário adequar os recursos humanos às necessidades do cliente, neste sentido o presente Contrato de Trabalho Temporário é efetuado por um período de tempo inferior ao da duração do referido Contrato de Utilização de Trabalho Temporário.’