Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1989/23.7T9STB.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES
CONEXÃO DE PROCESSOS
NULIDADE
DEVOLUÇÃO DO PROCESSO
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: I – Sendo arguidas duas pessoas coletivas diferentes, por factos de diferente natureza, não há conexão de processos, nem existe a possibilidade de condenação, em cúmulo jurídico das coimas aplicadas a ambas, de apenas uma dessas pessoas coletivas.
II – Perante a nulidade do processado, o processo deve ser devolvido à primeira instância, para remessa à autoridade administrativa (com vista ao processamento, em separado, dos autos de contraordenação relativos a cada uma das arguidas).
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos com o nº 1989/23.7T9STB.E1, recurso de contraordenação, proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo local Criminal (....), a arguida “…..”, com sede no (…), não se conformando com a sentença que nestes autos foi proferida com a referência Citius 97965581 dela veio recorrer, sendo que através da sentença recorrida esta foi condenada nos seguintes termos:
“-Pelo exposto, decide este Tribunal alterar a decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e, em consequência:
a) condenar a Arguida “…..” pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, na coima de €13.000,00;
b) condenar a Arguida “…..” pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, na coima de € 7.000,00;
c) condenar a Arguida “…..” pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, na coima de € 7.000,00;
d) Efectuar o cúmulo jurídico e condenar a Arguida (….) na coima única de € 20.000,00.”

Veio a arguida “…..” no seu recurso, apresentar as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo entendeu que se encontram preenchidos os requisitos legalmente exigidos para a apensação dos processos de contraordenação nº 543/18.0.AMB e 804/18.8.AMB, por força do disposto no artigo 25º do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi do disposto no artigo 2º, nº 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto e artigo 19º, nº 1, do RGCO.
B. Não obstante, cumpre notar que nem por via da aplicação do disposto no artigo 24º do Cód. Proc. Penal, a que aludiu a decisão administrativa objeto de impugnação, nem por via do disposto no artigo 25º do mesmo Código podem dar-se por verificados os requisitos legais dos quais depende a conexão dos processos.
C. Não foi o mesmo agente que cometeu (alegadamente) as contraordenações em causa através da mesma ação ou omissão; Não foi o mesmo agente que cometeu (alegadamente) as contraordenações em causa, não sendo uns causa ou efeito dos outros, nem destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; Não se trata da mesma contraordenação, cometida por vários agentes em comparticipação; Não foram vários agentes a cometerem diversas contraordenações em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, não sendo uns causa ou efeito dos outros, nem destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou Não foram vários agentes a cometerem diversas contraordenações reciprocamente na mesma ocasião ou lugar; Nem está em causa responsabilidade cumulativa do agente da contraordenação e da pessoa coletiva ou entidade equiparada a que a contraordenação é imputada.
D. Os dois processos de contraordenação não foram instaurados contra a mesma pessoa coletiva.
E. Andou mal o Tribunal a quo ao decidir pela existência de conexão entre ambos os processos, nos termos do disposto no artigo 25º, do Cód. De Proc. Penal.
F. Vem a Recorrente condenada pelo Tribunal a quo pela violação do disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 81º do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio e na alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de agosto.
G. Salvo sempre melhor opinião, a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto no 379º, nº 1, al. a) do CPP, ex vi artigo 41º, nº 1 do RGCO, por violação do disposto no artigo 374º, nº 2 do CPPA decisão que se impugna é nula.
H. Crê a Recorrente que o Tribunal a quo andou mal na fixação da matéria de facto, não tendo considerado factos como provados que poderiam afastar a responsabilidade contraordenacional da Recorrente e por isso não aplicou corretamente o direito.
I. As omissões verificadas são geradoras da nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119º do Código de Processo Penal, disposição legal aplicável ex vi do nº 1 do artigo 41º, do Regime Geral das Contraordenações e nº 1 do artigo 2º da LQCOA, em concreto:
J. O Tribunal a quo não fundamenta a imputação a título subjetivo da infração.
K. A Recorrente atuou sempre de boa fé e com evidente diligência.
L. A Recorrente cumpriu todas as diligências a que estava obrigada e de que era capaz, na presente situação e com a experiência e recursos técnicos que possui,
M. Não agiu em desconformidade, com as obrigações que lhe eram exigíveis e de que era capaz.
N. Pelo que, no caso subjudice, salvo melhor opinião, não se encontra preenchido o elemento subjetivo do tipo contraordenacional.
O. Face ao exposto forçoso se torna concluir que se o Tribunal a quo tivesse subsumido os factos ao direito a decisão seria no sentido da absolvição da Recorrente.
P. Tudo visto, o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito ao desconsiderar os elementos que compõe o tipo subjetivo das contraordenações, pois que se assim não fosse, não teria condenado o Recorrente no pagamento de qualquer coima.
Q. Deveria o Tribunal a quo, nos melhores termos de Direito, absolver a Recorrente.
Termos pelos que se requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores que o presente recurso seja considerado procedente e, em consequência, se digne arquivar o presente processo contraordenacional, determinando a não aplicação de qualquer coima à requerente;
Assim se fazendo a costumada Justiça.

O recurso foi admitido através de despacho judicial com a referência citius nº 98067473.
O Mº Pº junto da primeira instância, respondeu à motivação do recurso apresentado pela arguida em 29-10-2023, que aqui damos por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso interposto, e como tal, deverá ser mantida a decisão proferida em primeira instância na sua integra.
Aberta vista nos termos do art. 416 nº 1 do CPP, o Digno Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal, elaborou douto parecer, através do qual pugna pela procedência do recurso interposto pela arguida pelos motivos que claramente escalpeliza e torna visíveis.
Foi cumprido o art. 417º nº 2 do CPP.
A arguida silenciou.

II.
Assim:
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.
Poderes de cognição do tribunal “ad quem” e delimitação do objecto do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO
Nestes termos:
De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
Constituindo os presentes autos um recurso de uma contraordenação é certo que está vedado a impugnação da matéria de facto, pois nos termos do disposto no art. 75º do Regime Geral das Contraordenações, RGCO, aprovado pelo DL nº 433/82 de 27-10, o recurso no Tribunal da Relação apenas pode versar matéria de direito.
Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412º, nº 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pela arguida, o qual é circunscrito pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões:
-Indevida apensação dos dois processos determinada pelo Tribunal “a quo”, à luz do disposto no art. 25º do CPP, pois dizem respeito dois sujeitos diferentes;
- Nulidade da sentença nos termos do artigo 379º nº 1 al. a) do CPP, 41º, nº 1 do RGCO por violação do artigo 374º nº 2 do CPPA;
- Omissão da sentença que gera a nulidade insanável nos termos do disposto na alínea c) do art. 119º do CPP, 41º nº 1 do RGCO e nº 1 e 2 da LQCOA;
- Não preenchimento do elemento subjectivo do tipo contraordenacional.

Tem o seguinte teor a sentença recorrida nos segmentos que interessam:
“I – Relatório
“…..”, com sede no (…..), foi condenada por decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, numa coima única de € 40.000,00, pela prática de uma contraordenação ambiental grave, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades contantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA, p. e p. pelo artigo 111º, nº 2, alínea e), do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos previstos no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção actual, uma contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, e de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto.
As referidas contra-ordenações consistiram no facto de a Arguida ter incumprido as condições impostas no título de utilização de recursos hídricos e inobservado as condições fixadas na Licença Ambiental.
A Arguida foi condenada a título negligente.
*
Inconformada com aquela decisão, veio a Arguida interpor recurso de impugnação judicial, alegando a falta de verificação dos requisitos para a apensação dos processos, a nulidade da notificação efectuada nos termos do disposto no artigo 49º, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, por não conter a indicação das concretas condutas típicas e ilícitas imputadas, qualquer referência ao elemento subjectivo, à medida concreta da coima e da sanção acessória que a autoridade pretende aplicar.
No que diz respeito à monitorização da FF3, a Recorrente alega que, além do incumprimento do VLE ser excepcional e ter resultado de diversas anomalias no sistema de alimentação de biomassa à caldeira e da variação de características da biomassa, nomeadamente o seu teor de humidade, cumpriu os limites mássicos impostos pelo PTN, onde foi integrada e realizado intervenções significativas no electrofiltro e caldeira de biomassa, com o objectivo de reduzir as emissões de partículas, tendo descriminado os trabalhos e as alterações efectuadas e os respectivos custos. Invoca assim que o seu comportamento é revelador de uma total ausência de vontade ou intenção no cometimento da contraordenação de que vem acusada.
Relativamente ao incumprimento da frequência trimestral de envio de resultados de autocontrolo, admite que, por lapso, não enviou em tempo à APA os resultados obtidos no âmbito do programa de auto-controlo relativos aos primeiro e terceiro trimestres de 2016, mas alega que a periodicidade da realização das monitorizações foi integralmente cumprida bem como a obrigação de reporte, sendo certo que o mero atraso não causou impacto ao descritor ambiental protegido.
Mais invoca não ter violado o disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 81º, do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, na medida em que, no cômputo geral de todos os furos associados à Fábrica de Pasta, o volume anual captado fica muito aquém do limite fixado nos títulos concedidos, não tendo sido posta em causa a estabilidade dos recursos hídricos, recarga do aquífero ou a sua integridade.
No que diz respeito à falta de monitorização do parâmetro hidrocarbonetos em 2016, a Recorrente alegou que, por razões que desconhece, o analista responsável pela recolha das amostras enviou as mesmas apenas para EPAL, e não para o ISQ LABQUI, tendo acrescentado que todos os resultados dos ensaios de carbono orgânico total foram inferiores ao limite de quantificação e, uma vez que os hidrocarbonetos também são carbono orgânico, conclui que inexiste contaminação, que sempre resultaria numa subida da concentração de carbono orgânico.
Quanto à data da caracterização de outros parâmetros, alega que as determinações que não foram realizadas em Abril foram efectuadas logo em Junho de 2016, nos furos em serviço à data e, em Outubro de 2016, sem que isso tenha causado qualquer impacte ao descritor ambiental protegido.
Invoca que enviou o RAA três dias úteis após o termo do prazo fixado na sua LA, o que se deveu meramente a razões de ordem administrativa.
Invoca ainda que o facto de o parâmetro PH ter apresentado um resultado desconforme com o intervalo de VLE fixado na LA correspondeu a uma ocorrência pontual e excepcional e alheia à vontade da Navigator.
Entende que o valor limite do parâmetro SST na amostragem de 13 de Outubro de 2016 está dentro do intervalo da incerteza do resultado porque a incerteza relativa do ensaio de sólidos era em 2016 igual a 10%.
Quanto ao resultado do parâmetro SST na amostra de 10 de Fevereiro de 2016 justifica tal resultado pela existência de vegetação no filtro utilizado na determinação laboratorial de SST, situação que foi prontamente ultrapassada após a realização de operações de limpeza da Bacia de Águas Pluviais.
Quanto à falta de comunicação de dados relativos às amostragens associadas às fontes FF8 e FF9, alega que comunicou os resultados em 13 de Maio de 2017 e que tal falha não fez perigar qualquer descritor ambiental.
Invoca ainda que agiu sem culpa, o que isenta de censurabilidade a sua conduta.
Conclui, pugnando pela exclusão de culpa e de responsabilidade contraordenacional.
A Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território não alterou a sua decisão.
*
O Ministério Público recebeu os autos, apresentou-os a juízo e indicou prova.
*
Tendo-se verificado inexistir qualquer uma das circunstâncias a que se refere o artigo 63º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27-10, o recurso foi admitido e autuado como processo de contra-ordenação.
*
A Recorrente entende que não se mostram preenchidos os requisitos para a apensação dos processos, por não se encontrar verificar nenhuma das situações elencadas no artigo 24º, do Cód. Proc. Penal.
Analisados os autos de notícia que deram origem aos presentes autos, verifica-se que ambos foram levantados contra a aqui Recorrente, por esta ser o operador PCIP, conforme resulta do acordo de transferência de responsabilidades decorrentes da licença ambiental junta aos autos a fls. 367 a 370 verso.
Foram, assim, instaurados dois recursos de contra-ordenação contra a mesma pessoa colectiva, respectivamente em 14 de Março de 2017 e 15 de Março de 2017.
Nos termos do disposto no artigo 25º, do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi do disposto no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto e artigo 19º, nº 1, do RGCO, para além dos casos previsto no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes.
O normativo procedeu a um alargamento da conexão subjectiva, independentemente da verificação dos pressupostos de conexão previstos no art. 24º, aos vários crimes cometidos pelo “mesmo agente”, cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na “mesma comarca” (…). – António Gama in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I Artigos 1º a 123º, Almedina, 2019, páginas 365 e 366.
Esse julgamento conjunto possibilita uma melhor avaliação da personalidade do agente, potencia a economia e a celeridade processual e, no caso de condenação, uma pronta definição do seu estatuto jurídico nos casos em que lhe é aplicada uma pena única (art. 77º CP). – idem.
Correndo termos dois processos de contra-ordenação contra a mesma pessoa colectiva, pela prática de contra-ordenações da mesma natureza, existe conexão entre ambos os processos, nos termos do disposto no artigo 25º, do Cód. Penal.
Refira-se ainda que, atenta a natureza das contra-ordenações imputadas à Recorrente e à circunstância da prova testemunhal ser comum, existem vantagens próprias da conexão objectiva relacionadas com a facilitação da produção da prova e descoberta da verdade material, sendo certo que a apensação dos processos não trouxe prejuízo para a sua celeridade processual.
Em face de tudo o que se deixou exposto, entende-se que se encontram preenchidos os requisitos legalmente exigidos para a apensação dos processos de contra-ordenação nº 543/18.0.AMB e 804/18.8.AMB.
*
A Recorrente arguiu a nulidade do processo de contra-ordenação por a notificação que lhe foi efectuada nos termos do disposto no artigo 49º, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, omitir aspectos fulcrais para o exercício do seu direito de defesa, tais como a imputação subjectiva do tipo de infracção ou a medida concreta da coima que pretende aplicar.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, o auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente.
Analisada a notificação efectuada nos termos do artigo 49º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, juntas a fls. 1 e 315, verifica-se que em anexo às mesmas foram remetidos os autos de notícia, de onde consta uma descrição dos factos imputados à Arguida bem como a indicação das normas violadas pela Arguida e das respectivas consequências legais.
A Arguida faz apelo ao Assento 1/2003 que estabelece que “se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283º, nº 3, do Código de Processo Penal e 41º, nº 1 do regime geral das contra-ordenações), arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120º, nº 1, do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações), no prazo de 10 dias após a notificação (artigos 105º, nº 1 do Código de Processo Penal e 41º, nº 1 do regime geral das contra-ordenações), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação [artigos 120º, nº 3, alínea c), e 41º, nº 1 do regime geral das contra-ordenações)”.
Contudo, o assento não se fica por aqui, continuando nestes termos : “Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa (…).
Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41º, nº 1 do regime geral das contra-ordenações]”.
Ora, da análise da defesa apresentada pela Arguida, verificamos que a mesma se prevalece na impugnação judicial do direito preterido, invocando que:
i) No que diz respeito à monitorização da FF3, além do incumprimento do VLE ser excepcional e ter resultado de diversas anomalias no sistema de alimentação de biomassa à caldeira e da variação de características da biomassa, nomeadamente o seu teor de humidade, cumpriu os limites mássicos impostos pelo PTN, onde foi integrada e realizou intervenções significativas no electrofiltro e caldeira de biomassa, com o objectivo de reduzir as emissões de partículas, tendo descriminado os trabalhos e as alterações efectuadas e os respectivos custos. Invoca assim que o seu comportamento é revelador de uma total ausência de vontade ou intenção no cometimento da contraordenação de que vem acusada.
ii) Não enviou em tempo à APA os resultados obtidos no âmbito do programa de auto-controlo relativos aos primeiro e terceiro trimestres de 2016, mas que a periodicidade da realização das monitorizações foi integralmente cumprida bem como a obrigação de reporte, sendo certo que o mero atraso não causou impacto ao descritor ambiental protegido.
iii) Não violou o disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 81º, do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, na medida em que, no cômputo geral de todos os furos associados à Fábrica de Pasta, o volume anual captado fica muito aquém do limite fixado nos títulos concedidos, não tendo sido posta em causa a estabilidade dos recursos hídricos, recarga do aquífero ou a sua integridade.
iv) No que diz respeito à falta de monitorização do parâmetro hidrocarbonetos em 2016, o analista responsável pela recolha das amostras enviou as mesmas apenas para a EPAL, e não para o ISQ LABQUI, mas que todos os resultados dos ensaios de carbono orgânico total foram inferiores ao limite de quantificação e, uma vez que os hidrocarbonetos também são carbono orgânico, que inexiste contaminação, que sempre resultaria numa subida da concentração de carbono orgânico.
v) Quanto à data da caracterização de outros parâmetros, que as determinações que não foram realizadas em Abril foram efectuadas logo em Junho de 2016, nos furos em serviço à data e, em Outubro de 2016, sem que isso tenha causado qualquer impacte ao descritor ambiental protegido.
vi) Enviou o RAA três dias úteis após o termo do prazo fixado na sua LA, o que se deveu meramente a razões de ordem administrativa.
vii) O facto de o parâmetro PH ter apresentado um resultado desconforme com o intervalo de VLE fixado na LA correspondeu a uma ocorrência pontual e excepcional e alheia à vontade da Navigator.
viii) O valor limite do parâmetro SST na amostragem de 13 de Outubro de 2016 está dentro do intervalo da incerteza do resultado porque a incerteza relativa do ensaio de sólidos era em 2016 igual a 10%.
ix) O resultado do parâmetro SST na amostra de 10 de Fevereiro de 2016 se deveu à existência de vegetação no filtro utilizado na determinação laboratorial de SST, situação que foi prontamente ultrapassada após a realização de operações de limpeza da Bacia de Águas Pluviais.
x) Quanto à falta de comunicação de dados relativos às amostragens associadas às fontes FF8 e FF9, comunicou os resultados em 13 de Maio de 2017 e que tal falha não fez perigar qualquer descritor ambiental.
xi) Agiu sem culpa, o que isenta de censurabilidade a sua conduta.
Daqui resulta que a Arguida percebeu e interpretou exactamente o objecto dos presentes autos de contra-ordenação, já que a sua defesa abarca todos os aspectos de facto e de direito presentes na decisão.
Nestes termos, entende-se que, a existir omissão de elementos na notificação efectuadas nos termos do artigo 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o que não se concede, a subsequente nulidade se encontra sanada.
Pelo exposto, improcede a arguida nulidade invocada pela Recorrente.
*
Arguida vem também arguir a nulidade decisão administrativa, por a mesma não conter todos os elementos factuais objectivos e subjectivos, aspectos fulcrais para o exercício do seu direito de defesa.
A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias (cfr. artigo 58º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).
A descrição dos factos imputados impõe que sejam expressos, em sede de decisão condenatória administrativa, os factos que integram os elementos objectivo e subjectivo, constitutivos da contra-ordenação imputada, uma vez que, ao abrigo do disposto nos artigos 1º e 8º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, é necessário, para que estejamos na presença de uma contra-ordenação, a ocorrência de um facto ilícito praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Mesmo em matéria contra-ordenacional, da narração acusatória devem constar os factos relativos à culpabilidade, onde se reconheça o conhecimento (representação) e a vontade de realização do facto material típico – do tipo objecto (elementos objectivos, naturalísticos ou normativos) de uma infracção. – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2011, processo nº 990/10.5T2OBR.C1, disponível in www.dgsi.pt.
Esta decisão assume o carácter de uma sentença condenatória em matéria contra-ordenacional. Assim sendo, é verdade que esta decisão deverá ter uma estrutura semelhante à prevista para a sentença penal no artigo 374º, do Cód. Proc. Penal.
Contudo, não se pode esquecer que o processo contra-ordenacional é (até à fase judicial) um procedimento administrativo, adstrito a valores de celeridade e simplicidade, diferentes dos que regem as decisões judiciais em matéria penal, não lhes sendo, por isso, aplicável, na sua totalidade e sem a devida adaptação, o disposto no artigo 374º, do Cód. Proc. Penal.
Assim sendo, a jurisprudência tem entendido que a decisão administrativa não tem que conter uma fundamentação com o rigor e a exigência previstos no artigo 374º, do Cód. Proc. Penal.
Têm sido avançadas duas ordens de razão para tal entendimento: em primeiro lugar, o ilícito contra-ordenacional não se confunde com o ilícito penal, na medida em que as contra-ordenações não respeitam à tutela de bens jurídicos ético-penalmente relevantes, mas apenas e tão só à tutela de meras conveniências de organização social e económica; por outro lado, porque aquela decisão, quando impugnada, se converte em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (artigo 62º, nº 1 do Decreto-Lei 433/82 de 27-10, doravante Regime Geral das Contra-Ordenações), pelo que não faria qualquer sentido que a decisão administrativa tivesse de obedecer a um rigorismo de fundamentação semelhante ao da sentença penal.
Assim, em razão da génese e teleologia do procedimento contra-ordenacional, a fundamentação, tal como está estabelecida no artigo 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações, será, pois suficiente desde que justifique as razões pelas quais – atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas – é aplicada, esta ou aquela sanção ao arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos – Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Julho de 2011, processo nº 990/10.5T2OBR.C1, disponível in dgsi.pt.
Em suma, os requisitos previstos no artigo 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências ali feitas deverão considerar-se satisfeitas quanto as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos – Neste sentido, Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 3ª edição, 2006, Visilis Editores.
Da leitura da decisão verificamos que constam todos os elementos indicados no artigo 58º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, uma vez que a mesma contém a identificação da Arguida, a descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a coima aplicada.
Concatenando o supra exposto quanto ao rigor e exigência da fundamentação da decisão administrativa com a factualidade dada como provada na decisão administrativa aqui em causa, o Tribunal entende que a decisão contém todos os elementos legalmente previstos, nomeadamente, a descrição suficiente dos factos objectivos e subjectivos imputados à Arguida.
Acresce que, e em face do acima explanado, importa sublinhar que da leitura da impugnação apresentada ressalta que a Arguida se apercebeu das razões pelas quais foi condenada. Tanto assim é que a mesma impugnou judicialmente a referida decisão, exercendo, assim, efectivamente o seu direito de defesa, pelo que, e de acordo com o entendimento jurisprudencial acima exposto, deverá considerar-se que a decisão administrativa não sofre de qualquer falta ou vício, razão pela qual se julga não verificada a nulidade arguida pela Recorrente.
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Não se suscitam outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

II – Fundamentação
1. Factos provados

Com interesse para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos:
1. No dia 14 de Março de 2017, pelas 10H00M, foi realizada uma acção de inspecção ao estabelecimento denominado (…..), sito no (…..), pertencente a “…..” (doravante, Arguida), NIPC (…..), com sede no mesmo local.
2. O operador mantinha em laboração, à data e hora da acção de inspecção supra referida, a instalação industrial em apreço, desenvolvendo a actividade a que se dedica, designadamente de “produção de electricidade de origem térmica” (CAE Ver.3 35112).
3. A instalação do Complexo Industrial de Setúbal da (…..) é composta pelas seguintes unidades:
“…..” (NIPC …..) - produção de pasta de papel, vapor e energia;
“…..” (NIPC …..) - produção de papel;
“…..” (ATF) - produção de papel, vapor e energia.
4. As mencionadas unidades são operadas por diferentes entidades jurídicas.
5. A instalação está licenciada pela Licença Ambiental (LA) nº 11/2005, datada de 14-04-2005.
6. Foram emitidos o primeiro e segundo Aditamentos à LA, datados respectivamente, de 09-10-2009 e 04-08-2011, decorrentes das alterações introduzidas com a entrada em funcionamento da ATF e de denominação social.
7. O prazo da LA foi prorrogado até à data de conclusão do procedimento de emissão da nova LA.
8. A instalação em questão é a cogeração da Fábrica de Pasta do Complexo Industrial de Sines (CIS) que tem atualmente a designação de (…..), anteriormente designada por (…..).
9. A central de cogeração da fábrica de pasta da (…..) é constituída pelos seguintes equipamentos:
- a caldeira de biomassa, com uma capacidade térmica de 134 MW, a que corresponde a fonte fixa FF3;
- a caldeira de recuperação com uma potência térmica de 290 MW, a que corresponde a fonte fixa FF2;
- um turbogerador associado às 2 caldeiras, para a produção de electricidade;
- uma turbina de contrapressão – turbina de vapor II (24,8MWEléctrico);
- uma turbina de condensação – turbina de vapor III(53,9 MWEléctrico);
- caldeira de fuel-óleo (potência de 40MWtérmico).
10. O vapor de alta pressão produzido nas 2 caldeiras é turbinado para produzir electricidade, existindo ainda 3 saídas de vapor, que constituem as fontes de fornecimento de vapor da fábrica de pasta.
11. A caldeira de fuel-óleo apenas funciona nas fases de arranque.
12. A unidade de cogeração renovável é detentora de duas fontes fixas de emissão atmosférica identificadas na LA nº 11/2005 como: - FF2 Caldeira de recuperação; - FF3 Caldeira de biomassa.
13. O VLE para o parâmetro PARTÍCULAS está definido no Quadro II.2, Anexo II da LA nº 11/2005 e é de 95 mg/Nm3.
14. Os valores atingidos para este parâmetro nos meses de Julho e Agosto foi de 115,1 mg/Nm3 e 107,5 mg/Nm3, respectivamente.
15. No dia 15 de Março de 2017, pelas 10H00M, foi realizada uma acção de inspecção ao estabelecimento denominado “…..”, sito no (…..), pertencente a “…..” (doravante, Arguida), NIPC (…..), com sede no (…..).
16. O operador mantinha em laboração, à data e hora da acção de inspecção supra referida, a instalação industrial em apreço, desenvolvendo a actividade a que se dedica, designadamente de “produção de pastas celulósicas, seus derivados e produtos afins” (CAE Principal Ver.3 17110).
17. O Operador PCIP do Complexo Industrial de Setúbal (CIS) é a entidade (…..), entidade que, desde 01-01-2016, assumiu a titularidade da LA nº 11/2015.
18. Em 08-02-2016, (…..) alterou a sua designação para (…..).
19. De acordo com o estabelecido no ponto 7.3 da LA nº 11/2015, e considerando o ofício da APA, I.P. de referência SO4126-201401-DGLA.DEI, datado de 18-02-2014, a Arguida está obrigada a enviar à APA, I.P. um Relatório Ambiental Anual (RAA) até ao dia 30 de Abril do não seguinte ao ano a que se reportam os dados.
20. A Arguida apresentou à APA, I.P. o RAA relativo ao ano 2016 no dia 06-05-2017.
21. De entre outros pontos de descarga de águas resíduas, associado às actividades desenvolvidas na ATF existe o ponto de descarga das águas pluviais EH2.
22. Em termos de autocontrolo associado ao ponto EH2, a Arguida está obrigada a dar cumprimento às condições previstas no Quadro II.9 do Anexo II da LA nº 11/2005, na sua actual redacção, não devendo nenhum parâmetro de emissão exceder os Valores Limite de Emissão (VLE) aí mencionados.
23. Os parâmetros a monitorizar, e respectivos VL”, são, de entre outros, os seguintes: “pH, VLE 6,0-9,0; e Sólidos Suspensos Totais (SST), 60 mg/l.”
24. A citada LA refere que devem ser realizadas quatro colheitas anuais, das quais, segundo a nota (2) do referido Quadro, duas devem ser realizadas no período de Outubro a Janeiro e duas no Período de Fevereiro a Abril.
25. De entre outros documentos, a Arguida apresentou cópia dos Relatórios de Autocontrolo associados às amostragens realizadas nos dias 13-10-2016 e 10-02-2017.
26. Na amostragem efectuada no dia 13-10-2016 foram obtidos os valores de 10,1 relativamente ao parâmetro pH e 61 mg/l relativamente ao parâmetro SST e na amostragem efectuada no dia 10-02-2017 foi obtido o valor de 98 mg/l relativamente ao parâmetro SST.
27. O processo existente de produção de papel na ATF gera emissões atomesféricas.
28. De acordo com o estabelecido na LA nº 11/2005, considerando a redacção dada pelo 1º Aditamento (ponto 2.4.3. do 1º Aditamento), as fontes pontuais de emissões atomesféricas associadas à ATF são as seguintes: “FF8 – Secador 1; FF9 – Secador 2; e FF10 – Calandra”.
29. A referida LA impõe à Arguida obrigações de monitorização pontual das emissões com origem em cada uma destas fontes, de diversos poluentes, estando obrigada a remeter à APA, I.P. os resultados desta monitorização no prazo de 60 dias seguidos contados da data da realização da monitorização pontual.
30. As amostragens associadas às fontes fixas FF8 e FF9 foram realizadas nos dias 10-05-2016 e 14-11-2016 e no caso da FF10 foram realizadas nos dias 11-05-2016 e 26-11-2016.
31. A comunicação dos resultados por parte da Arguida à APA, I.P. foi realizada no dia 13/05/2017.
32. No Complexo Industrial de Setúbal existem em exploração diversas captações subterrâneas, das quais três são exploradas para fornecimento de água ao processo da ATF.
33. De acordo com a informação da Arguida, apresentada através do RAA relativo ao ano 2016, quadro 3.3.1, são os furos AC P31A, AC P32A e AC P33A, que correspondem, respectivamente, às captações AC24, AC25 e AC15 da LA 11/2005, com as alterações introduzidas pelo 1º aditamento.
34. Arguida é titular da Autorização de Utilização de Recursos Hídricos para Captação de Água Subterrânea nº 31/CSB/MLT/SD/2011, emitida em 07-10-2011 e sem data de validade, com Averbamento notificado em 23-04-2013, através da qual é autorizada a utilização das referidas captações para as utilizações dadas pelo operador, assim como outras nele referidas.
35. Relativamente à “Quantidade – Volume de água extraído”, a Arguida não demonstrou ter assegurado o envio trimestral à ARH do Alentejo, I.P. dos resultados obtidos no âmbito do programa de auto-controlo, uma vez que não apresentou comunicações para os primeiro e terceiro trimestres do ano 2016, apenas segundo e quarto trimestres.
36. No que diz respeito ao volume de águas subterrâneas captado pelo operador no ano 2016, a partir das captações abrangidas pela Autorização de Utilização de Recursos Hídricos para Captação de Água Subterrânea n.º 31/CSB/MLT/SD/2011, analisada a informação reportada à autoridade competente constata-se que o somatório do volume anual extraído da totalidade das captações foi de 19459186 m3, excedendo o volume autorizado.
37. Em termos de Qualidade, a Arguida não evidenciou que tivesse procedido a qualquer quantificação do parâmetro hidrocarbonetos e a determinação dos restantes parâmetros foi realizada no mês de Junho de 2016.
38. A Arguida declarou em sede de IRC (Modelo 22), relativamente ao período de tributação de 2016, um lucro tributável de € 8.995.180,09.
39. A Arguida exerce actividade regulada por lei e pela Licença Ambiental n.º 11/2005 de que é titular, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma.
40. Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz.
41. A instalação da (…..) foi selecionada para integrar o plano de transição nacional, no período entre 1 de Janeiro de 2016 e 30 de Junho de 2020, no âmbito do qual é fixado um limiar nacional, para cada poluente, com base no limiar anual das emissões de todas as instalações abrangidas pelo plano.
42. No cômputo anual das medições, o limar de emissão máximo da FF3 não pode exceder, no caso, em 2016, 79 t/ano.
43. A Arguida cumpriu integralmente o limiar anual de emissão previsto no PTN para 2016.
44. A Arguida tem vindo a realizar intervenções no electrofiltro e caldeira de biomassa, com o objectivo de reduzir as emissões de partículas.
45. A periodicidade da realização das monitorizações foi cumprida, como foi a obrigação de reporte.
46. No cômputo geral de todos os furos associados à Fábrica de Pasta, o volume anual captado ficou aquém do limite fixado nos títulos concedidos.
47. Os resultados dos ensaios de carbono orgânico total foram inferiores ao limite de quantificação.
48. Os hidrocarbonetos são carbono orgânico.
49. As determinações que não foram realizadas em Abril foram efectuados em Junho de 2016 nos furos em serviço à data e em Outubro de 2016.
50. A Arguida diligenciou pela limpeza da bacia de retenção das águas pluviais.

2. Factos não provados
Não existem factos a considerar não provados.
O Tribunal não teve em consideração quaisquer outros factos constantes da decisão administrativa e da impugnação judicial por consubstanciarem mera impugnação da factualidade constante da decisão administrativa e por não se mostrarem relevantes para a boa decisão da causa.

3. Motivação de facto
O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada, na análise crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, valorada à luz das regras de experiência comum, nos termos do disposto no artigo 127º do Cód. Proc. Penal.
O Tribunal ponderou toda a documentação junta aos autos, nomeadamente, os autos de notícia e os documentos anexos, mormente a certidão comercial permanente da Arguida, a licença Ambiental nº 11/2005, o relatório ambiental anual e respectivos anexos, bem como a documentação junta aos autos pela Arguida, nomeadamente, os relatórios de ensaios de fls. 463 a 471, os boletins de análises de fs. 472 a 495, a autorização de utilização dos recursos hídricos de fls. 496 a 515, o relatório intermédio de limpeza da bacia de águas pluviais da ATF de fls. 516 a 520 e o modelo 22 do IRC.
O Tribunal ponderou o depoimento das testemunhas (…..).
Todas as testemunhas depuseram de forma espontânea e objectiva, motivo pelo qual mereceram a credibilidade do Tribunal.
As testemunhas (…..) e (…..), ambas inspetoras do IGAMAOT à data dos factos, relataram em sede de audiência de julgamento a inspecção que levaram a cabo, tendo as mesmas esclarecido que procederam à análise da documentação que lhes foi entregue pela própria Arguida e daí extraindo as conclusões que deram azo aos autos de notícia que, por seu turno, deram origem a estes autos.
Confirmaram, em suma, o teor dos autos de notícia.
Considerando o depoimento isento e objecto das referidas testemunhas, que corroboraram o teor dos autos de notícia, e cujo depoimento não se mostrou contrariado por qualquer outro elemento probatório, e, bem assim, o teor da certidão comercial permanente, da Licença Ambiental junta aos autos e do Relatório Anual e respectivos anexos, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como provados os factos constantes em 1. a 37..
O facto 38. resultou provado com base na declaração de IRC junta aos autos pela própria Arguida.
Relativamente aos factos constantes em 41. a 50., o Tribunal teve em consideração o depoimento das testemunhas (…..), que prestam ou prestaram serviços à Arguida.
No que diz respeito aos factos constantes em 41. a 44., o Tribunal teve em consideração o depoimento das testemunhas (…..).
As testemunhas (…..) esclareceram o Tribunal sobre a integração da Arguida no plano de transição nacional, que cumpriram na íntegra, e as melhorias que efectuaram para reduzir a emissão de partículas da caldeira de biomassa, mormente a instalação de um filtro de mangas.
Estas duas testemunhas explicaram ainda o método utilizado para a medição das emissões de partículas e as possíveis causas para haver uma variação de valores, mormente estar a lente suja e/ou uma incerteza do equipamento de medição, conforme também referido pela testemunha (…..). O depoimento das testemunhas, nesta parte, não se mostrou assertivo, limitando-se a tentar explicar ao Tribunal as possíveis causas para a ultrapassagem dos valores limites em dois meses, que não lograram identificar com certeza, não se mostrando, assim, suficiente para afirmar de forma indubitável que esses valores tenham resultado de uma avaria e/ou da incerteza do equipamento.
A testemunha (…..) explicou em sede de audiência de julgamento a forma de gestão dos furos de água a que a Arguida pode recorrer, tendo explicado que, em face de tal gestão, no ano aqui em questão, captaram menos água do que tinham direito, motivo pelo qual se deu como provado o facto 46.
Por seu turno, a testemunha (…..) concretizou que procederam à monitorização do volume de água, não tendo apenas cumprido o prazo de entrega de tais monitorizações.
De igual modo, explicou que procederam à monitorização das emissões das FF8, FF9 e FF10, que foi feita por laboratórios externos acreditados, não tendo apenas cumprido o prazo de comunicação da monitorização.
Os factos constantes em 47. e 48. resultaram do depoimento da testemunha (…..), que explicou o motivo pelo qual não foi feita a análise ao parâmetro hidrocarboneto, que são carbono orgânico, tendo este sido objecto de análise, cujos resultados foram inferiores ao limite de quantificação.
As testemunhas (…..) explicaram ainda que o excesso dos valores relativamente à EH2 se ficou a dever a uma grande acumulação de vegetação, que não criava qualquer dano ambiental, tendo sido realizado de imediato uma operação de limpeza da bacia.
Não obstante as explicações fornecidas pelas testemunhas (…..), a verdade é que da factualidade dada como provada com as regras da experiência comum apenas se pode concluir que a Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada.
Relativamente ao excesso de água captada, do depoimento das testemunhas (…..) resulta que a Arguida tinha pleno conhecimento dos termos dos novos títulos emitidos, sabendo que devia cumpri-los.
Assim, e não se pondo em causa a gestão criteriosa aqui descrita pelas referidas testemunhas, se a Arguida excedeu o limite do valor fixado num dos furos apenas se pode concluir que, nesse furo, a Arguida não agiu com o cuidado a que se encontrava obrigada, sendo certo que não foi apresentada qualquer justificação que infirmasse esta conclusão.
O mesmo se diga quanto ao valor das emissões de partículas. Com efeito, a Arguida tinha conhecimento dos termos da licença emitida e cabia-lhe realizar todas as diligências necessárias para cumprir tais valores, o que também era do seu conhecimento. Tanto assim é que foi procedendo às alterações dadas como provadas para reduzir tais emissões.
Quanto ao prazo de entrega do RAA e das monitorizações a que esta obrigada, dir-se-á que cabia à Arguida cumprir as condições impostas na licença e realizar todas as diligências necessárias atempadamente para lograr cumpri-las, tal como verificar o estado da bacia de contenção, e proceder, caso necessário, à sua limpeza, enviar os ensaios para o laboratório correcto, elaborar o RAA atempadamente e proceder ao envio das monitorizações nos prazos estipulados.
Assim sendo, sabendo das condições da Licença Ambiental e ao não respeitá-las, seja por ultrapassar os valores aí consagrados seja por não remeter atempadamente os documentos que lhe eram exigidos, apenas se pode considerar que a Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada.

- Aspecto Jurídico da causa
À Arguida é imputada a prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental grave, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades contantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA, p. e p. pelo artigo 111º, nº 2, alínea e), do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos previstos no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção actual, uma contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, e de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do n.º 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto.
As referidas contra-ordenações consistiram no facto de a Arguida ter incumprido as condições impostas no título de utilização de recursos hídricos e inobservado as condições fixadas na Licença Ambiental.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio que constitui contra-ordenação ambiental muito grave o incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título.
Da factualidade dada como provada resulta que o volume anual captado nos furos titulados pela Autorização nº 31/CSB/MLT/SO/2011 (15.200.000 m3 em 2015) é superior ao volume anual máximo fixado (19.459.186 m3). Mais ficou provado que ao não cumprir com as condições impostas na Autorização de Captação que possuía (TURH Nº 31/CSB/MLT/SD/2011 emitido em 7 de Outubro de 2011 para as captações subterrâneas ACP 24, ACP 25 e ACP 15 - não tendo cumprido com os valores estipulados, tendo ultrapassado o volume anual captado), a Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada.
É verdade que ficou provado que, no cômputo geral de todos os furos associados à Fábrica de Pasta, o volume anual captado ficou aquém do limite fixado nos títulos concedidos.
No entanto, o conjunto normativo em apreço indubitavelmente não exige, para o preenchimento da contra-ordenação, a produção de qualquer dano ambiental ou a criação de um perigo concreto da sua verificação, sendo que o requisito da «censurabilidade», a que se refere o nº 2 do art. 1º da Lei nº 50/2006 de 29/8, não obsta à tipificação como contra-ordenação de uma conduta que não provoque dano ao ambiente ou crie um perigo concreto da sua verificação. – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/07/2017, processo nº 44/16.0T8ABF.E1, disponível in www.dgsi.pt.
Pelo exposto, a circunstância de a conduta da Arguida não ter provocado qualquer dano ambiental mostra-se irrelevante para o preenchimento dos elementos objectivo e subjectiva da presente infracção.
Assim sendo, considerando a factualidade dada como provada, dúvidas não restam que se encontram preenchidos os elementos objectivos da contra-ordenação muito grave imputada à Arguida.
Nestes termos, conclui-se que a Arguida praticou uma contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto.

Dispõe o artigo 111º, nº 2, alínea e), do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, que constitui contra-ordenação ambiental grave, nos termos da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, alterada e republicada pela Lei nº 89/2009, de 31 de Agosto, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore um ou mais actividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA.
Considerando a factualidade dada como provada, dúvidas não restam que se encontram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo da presente infracção.
Com efeito, a Arguida não cumpriu com as condições impostas na sua LA nº 11/2005 relativamente à fonte de emissão FF3, na medida em que nos meses de Julho e Agosto não foram cumpridos os VLE.
Acresce que, no estabelecimento denominado “…..”, também não foram cumpridas as condições impostas na LA nº 11/2005 concedida à aqui Arguida, na medida em que não entregou o RAA no prazo estipulado, não cumpriu os VLE’s para os parâmetros pH e SST relativamente à EH2 - águas pluviais e não foi remetido atempadamente as monitorizações pontuais das emissões atmosféricas associadas à ATF FF8, FF9 e FF10.
Mais ficou provado que ao agir da forma descrita a Arguida não agiu como cuidado a que estava obrigada.
Assim sendo, deverá a Arguida ser condenada pela prática de duas contra-ordenações ambientais grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto.
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Nos termos do disposto no artigo 20º, nº 1, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto.
Acrescenta o número 2 do referido preceito legal que na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.
A coima tem um fim de prevenção especial negativa, isto é, visa evitar que o agente repita a conduta infractora, bem como um fim de prevenção geral negativa, ou seja, visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta. – Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações (…), Universidade Católica Editora, 2011, página 84.
O critério fundamental de determinação do montante da coima é o da perda do benefício económico resultante do acto ilícito. Este é o limite mínimo correspondente às necessidades de prevenção especial negativa.
Se a coisa não atingir pelo menos o valor do benefício económico resultante do acto ilícito o infractor terá um incentivo para repetir a conduta infractora, perdendo a norma violada toda a força jurídica e contra-fáctica. Portanto, se o limite máximo da coima for inferior ao valor do benefício económico resultante do acto ilícito, a coima deve atingir aquele valor, para satisfação do fim da prevenção especial negativa. Se o limite máximo da coima for superior ao valor do benefício económico resultante do acto ilícito, a coima pode ainda fixar-se acima deste valor, para satisfação do fim da prevenção geral negativa. – idem.
O benefício económico é uma noção mais ampla do que o lucro, pois inclui todas as vantagens económicas, permanentes, temporárias e ocasionais, repetitivas e isoladas, presentes e futuras, desde que previsíveis, sem dedução das despesas suportadas pelo agente para aquisição do dito benefício, uma vez que o agente só incorreu nestas despesas porque quis. – idem.
Nos termos do disposto no artigo 23º-A, nº 1, do referido diploma legal, para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.
Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido; b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.
Considerando que resultou provado que, no cômputo geral de todos os furos associados à Fábrica de Pasta, o volume anual captado ficou aquém do limite fixado nos títulos concedidos; que a Arguida diligenciou pela limpeza da bacia de retenção das águas pluviais; que efectuou alterações significativas para reduzir as emissões de partículas; que cumpriu integralmente o limiar anual de emissão previsto no PTN para 2016; que a periodicidade da realização das monitorizações foi cumprida, como foi a obrigação de reporte; que os hidrocarbonetos são carbono orgânico e os resultados dos ensaios de carbono orgânico total foram inferiores ao limite de quantificação, entendemos que todo o comportamento adoptado pela Arguida diminui de forma acentuada a ilicitude dos factos, a culpa da Arguida e a necessidade da coima, na medida em que a mesma diligenciou no sentido de minimizar eventuais danos ambientais provenientes da sua actividade e cumprir, mesmo que tardiamente, com as condições impostas na licença.
Pelo exposto, entendemos que as coimas a aplicar à Arguida deverão ser atenuadas especialmente.
Sempre que houver lugar à atenuação especial da coima, os limites mínimos e máximos da coima são reduzidos a metade (cfr. artigo 23º-A, do referido diploma legal).
Pelo exposto, a contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, é sancionável nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, com uma coima de €12.000,00 a €72.000,00; e a contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, é sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, com uma coima de €6.000,00 a €36.000,00.
Tendo presente o que se deixou exposto, passamos, de seguida, à determinação do montante coima aplicável à Arguida, tendo em conta que:
- A Arguida agiu de forma negligente;
- A ilicitude se situa abaixo da média, considerando o valor do excesso de água captada pela Arguida e a natureza dos incumprimentos identificados;
- Nada ficou provado quanto ao benefício económico que a Arguida retirou da prática das contra-ordenações.
Ponderando todos os aspectos acabados de referir, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação à Arguida:
- de uma coima de €13.000,00 pela contra-ordenação muito grave de que vem acusada;
- de uma coima de €7.000,00 por cada uma das contra-ordenações grave de que vem acusada.
*
Posto isto, cabe agora proceder ao cúmulo jurídico das coimas ora aplicadas, de acordo com as regras previstas no artigo 27º, nº 1, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto.
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso, ou seja, in casu, €27.000,00, e como limite mínimo a mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações, ou seja, neste caso, €13.000,00.
Assim sendo, e tendo em consideração a factualidade dada como provada, nomeadamente que nada ficou provado quanto ao benefício económico que a Arguida retirou com a prática das infracções, considera-se justo e adequado aplicar à mesma uma coima única de €20.000,00.
*
A aplicabilidade da pena de admoestação contraordenacional está dependente de dois requisitos, a “gravidade da infracção e a culpa do agente”. A “gravidade da infracção” mede-se, naturalmente, pela sua ilicitude e nas contra-ordenações essa ilicitude tem espelho legislativo na consagração de três graus de ilicitude. Sendo a admoestação a menos grave das sanções – tanto que até a sua natureza sancionatória foi posta em causa – às contraordenações leves está reservada a possibilidade de aplicação da pena de admoestação. – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8/03/2018, processo n.º 2551/17.9T8ENT.E1, disponível in www.dgsi.pt.
Considerando a natureza das contra-ordenações aqui em causa (grave e muito grave), não se mostra possível a aplicação de uma admoestação.

III – Da responsabilidade por custas
É devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1ª instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição (art. 513º, nº 1 do Cód. Proc. Penal e 92º, nº 1 do Regulamento Geral das Contra-Ordenações).
O arguido condenado em taxa de justiça paga também os encargos a que a sua actividade houver dado lugar (art. 514.º, nº 2 do Cód. Proc. Penal).
In casu, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III (art. 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais).
“…..” ficou vencida no presente recurso.
Pelo exposto, decide-se condenar a Arguida no pagamento de 2 [duas] U.C. de taxa de justiça e nas demais custas do processo, nos termos dos arts. 513º, nº 1 e 2 e 514º do Cód. Proc. Penal e art. 8º, nº 9 e da tabela III anexa ao RCP.

IV – Decisão
Pelo exposto, decide este Tribunal alterar a decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e, em consequência:
a) condenar a Arguida “…..” pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, na coima de €13.000,00;
b) condenar a Arguida “…..” pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, na coima de € 7.000,00;
c) condenar a Arguida “…..” pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, na coima de €7.000,00;
d) Efectuar o cúmulo jurídico e condenar a Arguida “…..” na coima única de € 20.000,00.
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Já acima se delimitou o âmbito do conhecimento do recurso interposto pela arguida perante este Tribunal, os qual é composto por vários segmentos.
Ora bem, que dizer ou fazer face aos temas a decidir “in casu”?
Citando-se o douto parecer elaborado pelo digno Procurador Geral Adjunto, e uma vez que os argumentos ali esgrimidos possuem o poder de argumentação necessário para a resolução parcial do presente recurso, ali se diz:
“(…) Compulsados os autos verifica-se que a aqui recorrente (…..), com sede no (…..), foi condenada por decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, numa coima única de € 40.000,00, pela prática de uma contraordenação ambiental grave, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades contantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA, p. e p. pelo artigo 111º, nº 2, alínea e), do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos previstos no artigo 22º, nº 3, alínea b), da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção actual, uma contra-ordenação ambiental muito grave, p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável nos termos da alínea b) do nº 4 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto, e de uma contra-ordenação ambiental grave, p. e p. pela alínea e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto, sancionável nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 22º da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto, republicada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto.
Mais resulta dos autos que as referidas contra-ordenações consistiram no facto de a arguida (ora recorrente) ter incumprido as condições impostas no título de utilização de recursos hídricos e inobservado as condições fixadas na Licença Ambiental.
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A primeira questão apresentada a Vossas Excelências prende-se com a apensação dos processos de contraordenação NUI/CO/000543/18.0.AMB (relativo ao auto de notícia lavrado em 14-03-2017 – processo interno 120/2017) e ao NUI/CO/00804/18.8.AMB (relativo ao auto de notícia de 15-03-2017, processo interno nº 114/2017).
Cumpre referenciar que a Inspecção-Geral enviou conjuntamente ao Tribunal com o mesmo ofício ambos os processos acima referenciados conforme se alcança com meridiana clareza do ofício a fls…..
Segundo a IGAMOT em ambos os processos figura como arguida a mesma entidade “…..”.
É aqui que reside, no nosso modesto entender, o “nó górdio” deste processo.
A Mm Juiz “a quo” refere, com relevância para os autos que: “… Analisados os autos de notícia que deram origem aos presentes autos, verifica-se que ambos foram levantados contra a aqui Recorrente, por esta ser o operador PCIP, conforme resulta do acordo de transferência de responsabilidades decorrentes da licença ambiental junta aos autos a fls. 367 a 370 verso.
Foram, assim, instaurados dois recursos de contra-ordenação contra a mesma pessoa colectiva, respectivamente em 14 de Março de 2017 e 15 de Março de 2017.
Nos termos do disposto no artigo 25º, do Cód. Proc. Penal, aplicável ex vi do disposto no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto e artigo 19º, nº 1, do RGCO, nos termos do disposto no artigo 25º, do Cód. Penal, para além dos casos previsto no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes.
O normativo procedeu a um alargamento da conexão subjectiva, independentemente da verificação dos pressupostos de conexão previstos no art. 24º, aos vários crimes cometidos pelo “mesmo agente”, cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na “mesma comarca” (…). – António Gama in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I Artigos 1º a 123º, Almedina, 2019, páginas 365 e 366.
Esse julgamento conjunto possibilita uma melhor avaliação da personalidade do agente, potencia a economia e a celeridade processual e, no caso de condenação, uma pronta definição do seu estatuto jurídico nos casos em que lhe é aplicada uma pena única (art. 77º CP). – idem.
Correndo termos dois processos de contra-ordenação contra a mesma pessoa colectiva, pela prática de contra-ordenações da mesma natureza, existe conexão entre ambos os processos, nos termos do disposto no artigo 25º, do Cód. Penal.
Porém, compulsados os autos verifica-se a existência de 2 (dois) autos de notícia lavrados em 14-03-2017 e 15-03-2017.
O auto de notícia nº 120/2017 lavrado por (…..) em que se dá nota de que a “…..”, no dia 14-03-2017 dedicava-se à produção de electricidade de origem térmica”.
Mais resulta do referido auto:
“Nos meses de julho e agosto foram excedidos os valores médios mensais para o parâmetro PARTÍCULAS emitido pela fonte fixa de emissões atmosféricas FF3-Caldeira de Biomassa (…)
Foram apresentados os respectivos certificados de verificação metrológicos dos disposditivos de medição em continuo utilizados (…)
Foi contactado(a) o (a) Técnica superior de ambiente do complexo Industrial de Setúbal daquele (a) estabelecimento (…..).
O relatório de inspeção nº 256/2017 faz parte integrante deste auto.
Com efeito, compulsados os autos “in totum” verifica-se (vide fls. 267 v.) 1 (a que se refere no documento 3) que (transcrição integral): Sob o título – “Auto de notícia nº 114/ 2017 – (Processo de contraordenação – nº CO/00804/18)
No dia 15-03-2017, pelas 10 horas, foi realizada uma acção de inspecção ao estabelecimento denominado (…..), sito em (…..), pertencente à “…..” (doravante, arguida) com o NIPC (…..), com sede no (…..), tendo como presidente do Conselho de Administração (…..).
“Proc de contraordenação nº CO/000804/18
3. Da alegada violação do disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 81º do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, na redação actual (o) incumprimento da frequência trimestral de envio de resultados de autocontrolo; b) Ultrapassagem do volume máximo anual autorizado (TURH 31/CSB/MLT/SD/2011); c) falta de monitorização do parâmetro hidrocarbonetos em 2016 e determinação dos restantes parâmetros não realizada em janeiro de 2016)”.
Mais consta da alínea c) desse relatório da inspeção Geral
“A instalação do complexo industrial de Setúbal da Portucel é composta pelas seguintes unidades: “…..” (…..) produção de pasta de papel vapor e energia: “…..” (NIPC …..) produção de papel, “…..”, produção de papel, vapor e energia; As quais são operadas por diferentes entidades jurídicas.
Mal andou a Inspecção Geral ao não apurar os demais dados da “…..”, alvo da fiscalização e do subsequente processo de contraordenação.
Porém, consta dos autos que a “…..” (actualmente, “…..“), encontra-se matriculada no Registo Comercial de Setúbal com o NIPC …...
Por outro lado, a “…..”, encontra-se inscrita no Registo Comercial de Setúbal com o NIPC …...
Estamos, de forma clara, perante 2 (duas) entidades jurídicas distintas – objecto cada uma delas de registo comercial autónomo.
Não se consegue alcançar a razão pela qual a Inspecção Geral faz constar dos autos:
“No dia 15-03-2017 pelas 10h00 foi realizada uma ação de inspeção ao estabelecimento denominado “…..”, sito em (…..), pertencente a “…..” (doravante arguida) NIPC …..
Aliás, em diversos passos dos processos de contraordenação é referida a expressão “As quais são operadas por diferentes entidades jurídicas”.
Porém, com alguma estranheza, a Inspecção Geral apresenta os dois processos contraordenacionais (NUI/CO/000543/18.0.AMB e NUI/CO/000804/18.8.AMB) ao Mº Pº, sendo (apenas) visada a “…..”.
Sintetizando:
Conforme consta dos autos instruídos pela Inspecção Geral:
“Proc. Contraordenação nº CO/000543/18
Provados
No dia 14-03-2017, pelas 10h00 foi realizada uma ação de inspeção ao estabelecimento denominado “…..”, sito em (…..), pertencente a “…..” (doravante arguida) NIPC ….., com sede no mesmo local, tendo como Presidente do Conselho de Administração ...”
Resulta, em nosso entender, com meridiana clareza a existência de dois autos de contrordenação – o nº CO/000543/18 que visava a “…..”, que teve o seu início em 14-03-2017, - e o nº CO/000804/18 que visava a “…..”, que teve o seu início em 15-03-2017.
Também resulta que estamos a falar de entidades jurídicas diversas que partilham espaço físico, sinergias e conhecimentos entre si o que nos parece pacífico.
Porém, não sufragamos a tese constante no despacho judicial ora posto em crise quando refere: “Correndo termos dois processos de contra-ordenação contra a mesma pessoa colectiva, pela prática de contra-ordenações da mesma natureza, existe conexão entre ambos os processos, nos termos do disposto no artigo 25º, do Cód. Penal”.
Com efeito, em nosso entender, estamos perante 2 (duas) pessoas colectivas distintas (com ligações entre si), mas do ponto de vista jurídico-formal autónomas.
A Mma Juiz “a quo” também refere serem contraordenações da “mesma natureza”, querendo referir-se, certamente, a contraordenações de natureza ambiental, o que está certo.
Porém, de escopo diverso - uma tem a ver com a ultrapassagem os valores médios mensais referentes ao parâmetro “partículas” e outro a falta de monitorização do parâmetro “hidrocarbonetos”.
A não identificação – clara – desta situação jurídica, traduz-se, perdoe-se-nos a expressão de “pecado original”, que vai inquinar, em nosso entendimento, todo o processo, porquanto vai responsabilizar (ainda que contrordenacionalmente), unicamente, a “…..”.
Pese embora se tenham dado como provados os factos 15 e segs. (intimamente relacionados com a “…..”) e que serviram para fundamentar a decisão relativamente à “…..”.
Incorrendo, salvo sempre o máximo e devido respeito em erro na esteira da decisão da Inspecção-Geral que na sua proposta de sanção refere-se, sempre a “a arguida”, no singular, “maxime” a “…..”, com o NIPC ….., pese embora um dos autos referir-se, especificamente a ela (…..) e outro à “…..” com o NIPC …...
Acresce que, a Inspecção Geral refere que relativamente ao processo de contraordenação
“Proc de contraordenação nº CO/000543/18
A contraordenação ambiental grave, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA p.p. pela al. e) do nº 2 do artigo 111º do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto.”

Relativamente ao outro processo
“Processo de contraordenação nº CO/000804/18
b) Uma(1) contraordenação ambiental muito grave o incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título p.p. pela al. c) do nº 3 do art. 81º do DL nº 226-A/2007, de 31 de Maio.
c) Uma contraordenação ambiental grave, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA p.p. pela al. e) do nº 2 do art. 111º do Decreto Lei nº 127/2013 de 30 de Agosto”.
Porém, na decisão posta em crise, todas as infracções são vistas como um todo e praticadas pela mesma arguida, o que face ao que consta dos autos não merece a nossa concordância, uma vez que estamos perante entidades jurídicas diversas.
Nessa conformidade, parece-nos salvo sempre melhor e mais elevado entendimento que a razão assiste à recorrente.
Nesta conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, conceder provimento ao recurso apresentado pela arguida/recorrente “…..”.
*
Decidindo, diremos:
- Como questão prévia surge desde logo a apreciação da conexão dos processos de contraordenação efectuada pela IGAMOT e que depois foi transplantada para decisão recorrida, onde depois foi chancelada, como se pode bem ver no início daquela decisão e, depois, no transcurso desta e as consequências que gerou.
O certo é que decorre de forma cristalina dos factos provados que a arguida nos presentes autos e que assim foi considerada pelo Tribunal “a quo” como tendo praticado todas as contraordenações pela qual foi condenada (tendo sido até efectuado um cúmulo jurídico) é só uma, quando na verdade, e como bem refere o Digno PGA, são duas empresas/pessoas colectivas diferentes, como decorre até dos autos de notícia constantes do oficio 7282613 do sistema Citius e dos diversos documentos que contêm e que constituem em rigor o processo administrativo de contraordenação, a saber:
- “…..”, com o NIPC ….., e
- “…..”, com o NIPC …...
O certo é que mesmo em sede de sentença o Tribunal persistiu em validar pressupostos claramente errados, os quais até resultam de uma melhor observação e estudo dos autos, que conduzem e evidenciam que a conexão de processos operada e mantida na sentença recorrida é inválida, não tendo qualquer âncora legal.
Ora, não temos quaisquer dúvidas de que tal “status quo” não é, sob qualquer prisma, legalmente admissível, não tendo assim o Tribunal “a quo” equacionado devidamente tal questão, e esta, inelutavelmente, veio até a contaminar o elenco dos factos que deu como provados, como se pode bem ver, pois até no elemento subjectivo das contraordenações, este (contido no nº 40. dos factos provados) - com a seguinte redação: “Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz” -, encontra-se deficiente, não abarcando no nosso entender todas as acções que constam dos factos provados e do seu elenco, parecendo reportar-se (e com muito boa vontade) tão só à situação que o precede, já para não falar na “unificação” dos dois processos de contraordenação erradamente na mesma arguida, ou seja na “…..”, quando decorre que o auto de noticia levantado pela entidade administrativa em 15/03/2017 diz respeito à “…..”.
Vejamos então o quadro legal e que consequências extrair:
O RGCO estabelece no seu artigo 41º o seguinte:
Direito subsidiário:
“1. Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.”
Por sua vez, o art. 24º CPP dispõe:
“1 - Há conexão de processos quando:
a) O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão;
b) O mesmo agente tiver cometido vários crimes, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros;
c) O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação;
d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros; ou
e) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar.
f) Esteja em causa responsabilidade cumulativa do agente do crime e da pessoa coletiva ou entidade equiparada a que o mesmo crime é imputado.
2 - A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento.
3 - A conexão não opera quando seja previsível que origine o incumprimento dos prazos de duração máxima da instrução ou o retardamento excessivo desta fase processual ou da audiência de julgamento.”
Nesta matéria, importa ainda ter em atenção o art. 25º do mesmo diploma, a propósito de conexão de processos da competência de tribunais com sede na mesma comarca: “- Para além dos casos previstos no artigo anterior, há ainda conexão de processos quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca, nos termos dos artigos 19º e seguintes.”
Ora tendo em consideração o quadro factual e as evidências factuais já salientadas, e bem, supra pelo parecer do PGA (se bem que este omita concretamente as consequências jurídicas a retirar de tal patologia), acrescentamos ainda e transcrevendo por ter interesse colateral, e não só, aplicando-se aqui os argumentos e fundamentação para os presentes autos de processo de contraordenação e o presente recurso e a sua decisão, as seguintes decisões:
“(…) - conflito negativo de competência, decisão singular do TRC DE 10-07-2018, in www.dgsi.pt, onde se refere que: “A conexão (subjectiva) prevista no preceito legal acabado de citar tem como pressuposto a existência de concurso de infracções, para além dos casos de unidade de acção ou de omissão da alínea a) do nº 1 do artigo 24º.
Prevê-se aqui a pluralidade de comportamentos integrantes de vários crimes da competência material de tribunais sedeados na mesma comarca; haverá, então, conexão de processos, que são julgados em conjunto, da competência do tribunal que resultar da aplicação das regras de competência determinadas pelo artigo 28º (vide Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 99/100). A razão da conexão de processos radica na celeridade e economia processual e na vantagem dela advinda para o agente, que, julgado conjuntamente, pelos diversos crimes, vê a sua situação jurídico-penal unitariamente definida (a propósito, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. I, 6ª edição, pág. 210).Dito isto, subscrevemos, sem nenhuma reserva, a interpretação do preceito que conduz à existência da conexão prevista no artigo 25º apenas quando existe pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente.
A não se entender deste modo, resultaria incompreensivelmente sacrificado o basilar princípio da economia e celeridade na gestão e decisão dos processos. Com efeito, o posicionamento que, por economia de palavras, agora designarei de “mais alargado”, poderia conduzir - em situações pontuais, conduziria seguramente -, ao julgamento conjunto de uma imensa multiplicidade de processos, com um cortejo inimaginável de arguidos, em que as situações fácticas reveladas não teriam nenhuma relação entre si.
Como está escrito no já aludido despacho do Sr. Presidente das Secções Criminais da Relação de Évora, a exegese acolhida “não impedirá que, para além dos casos previstos nas alíneas d) e e) do art. 24º do CPP, e em caso de vários arguidos, agindo em coautoria, possa ocorrer a apensação de processos crime, pendentes na mesma comarca, ao processo a que respeitar o crime determinante da competência por conexão, segundo os critérios enunciados no artigo 28º (pena mais grave, arguido preso, prioridade da notícia do crime) quando os agentes dos crimes forem os mesmos em todos os processos. Neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 6 de Julho de 2005, relator Agostinho de Freitas, acessível in www.dgsi.pt/jtrp.” Em jeito de síntese conclusiva, cabe dizer: a conexão (subjectiva) prevista no artigo 25º do CPP apenas se verifica quando, em princípio, existe uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, para cujo conhecimento sejam competentes tribunais com sede na mesma comarca.”(…)
Também na decisão singular (conflito negativo de competência) do TRE de 11-10-2016 in www.dgsi.pt , ali se refere:
(…) “A questão da competência por conexão é privativa da orgânica interna dos Tribunais, encontrando-se vinculada à forma mais ajustada para a melhor realização da justiça quando se verifiquem os respectivos pressupostos legais.
Como é sabido a regra é a de que a cada crime corresponde um processo para o qual é competente o tribunal predeterminado em função das regras sobre competência material, funcional e territorial, respondendo a exigências precisas de determinação prévia do tribunal competente, para prevenir a manipulação avulsa ou arbitrária de competência em contrário do respeito pelo princípio do juiz natural.
O princípio, no entanto, e respeitando ainda exigências mínimas, pode sofrer adequações, previstas na lei e formadas segundo critérios objetivos, organizando-se um só processo para uma pluralidade de crimes, e assim afastando a competência primária relativamente a alguns dos crimes, desde que entre os vários crimes se verifique uma ligação que torne conveniente para melhor realização da justiça que todos os crimes sejam apreciados conjuntamente.
No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, entre outros, no acórdão nº 21/2012, datado de 12-01-2012: “A regra geral é a de que a cada crime corresponde um processo, para o qual é competente determinado tribunal, em resultado da aplicação das regras de competência material, funcional e territorial. Contudo, tendo em vista objetivos de harmonia, unidade e coerência de processamento, celeridade e economia processual, bem como para prevenir a contradição de julgados, em certas situações previstas nos artigos 24º e 25º do Código de Processo Penal, a lei admite alterações a esta regra, permitindo a organização de um único processo para uma pluralidade de crimes, exigindo-se, no entanto, que entre eles exista uma ligação (conexão) que torne conveniente para a melhor realização da justiça que todos sejam apreciados conjuntamente”.
Portanto, a competência por conexão tem a sua razão de ser, essencialmente, na melhor realização da justiça, na conveniência da justiça e na celeridade e economia processuais, evitando a multiplicação de atos e diligências semelhantes, visando não só a racionalização de gastos com a administração da justiça, mas também o menor incómodo possível para as testemunhas, prevenindo a contradição de julgados, etc.
Deve, contudo, existir entre os crimes que hão de ser julgados conjuntamente uma tal ligação, que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou completo quando processados conjuntamente. É o que resulta das regras sobre conexão dos artigos 24º e seguintes do CPP.
Diferente da conexão de processos é a apensação ou processamento conjunto do mesmo arguido por vários crimes, quando o tribunal material e funcionalmente competente para de todos conhecer seja o mesmo.
Neste caso não há desvio às regras processuais sobre a competência, mas apenas o processamento conjunto, aconselhado por razões de economia processual, mas também para melhor aplicação da regra da punição do concurso de crimes (artigo 77º do CP).
A partir do momento da apensação a continuidade processual e os atos de sequência passam a ser praticados num só processo, que é então o processo principal, isto é, no processo que determinou a competência por conexão [Henriques Gaspar, Anotação ao art. 29º do Código de Processo Penal Comentado].
As vantagens de atribuir a um mesmo tribunal (ou juiz) a possibilidade de julgar os casos em que vários crimes eram cometidos pela mesma pessoa ou por várias pessoas foram sendo reconhecidas, paulatinamente, ao longo do tempo, remontando - como explica José Lobo Moutinho, in a Competência por conexão no Novo Código de Processo Penal, 1992, Direito e Justiça - Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa - ao direito Romano, estando presentes nas Ordenações, nas Reformas Judiciárias do século XIX e no Código de Processo Penal de 1929.
A conexão de processos prefigura-se, assim, em dois momentos: no primeiro, verifica-se, em concreto, os pressupostos para a unificação, organização de um só processo (artigos 24º, 25º, 26º, 29º e 30º do Código de Processo Penal) e, só depois, se fixa a competência do tribunal para julgar o processo já unificado (artigos 27º, 28º e 31º daquele diploma legal).
A determinação da competência do tribunal para apreciar e julgar o processo único depende necessariamente da relação fundamento que justifica a junção dos vários processos num só. Sem este não se pode apreciar aquela.
Como ensinava Cavaleiro Ferreira – Lições de Processo Penal, 1985-1986, pág. 180 e 181 –: «haverá que definir a pluralidade que pode fundamentar o julgamento conjunto; e haverá que determinar qual o tribunal competente, quer em razão da matéria, quer em razão do território».
Os artigos 27º, 28º e 31º do Código de Processo Penal, atribuem competência a um tribunal, nos casos em que a prática de vários crimes, devam ser processados em conjunto, num único processo ou por apenso (artigo 29º).
Ou seja, quando existam vários crimes praticados nas condições previstas nos artigos 24º e 25º do Código de Processo Penal, a competência do tribunal para processar e julgar todos eles, é definida nos termos dos artigos 27º, 28º, e 31º do mesmo diploma.
Dito de outro modo, a fixação da competência para julgar os vários crimes que, por via da conexão, devem juntar-se num único processo, depende necessariamente da verificação do respetivo fundamento – a verificação dos casos de conexão.
O legislador processual penal configura nos artigos 24º, nº 1 e 25º do CPP as seguintes situações de conexão, a que chama indistintamente conexão de processos:
- Unidade de agente mas pluralidade de crimes, corporizando um concurso de infrações (através da mesma ação ou omissão ou quando os crimes continuem ou ocultem outros) [nº 1, al. a) e b) do artigo 24º)].
- Pluralidade de agentes, em comparticipação, e unidade de crime [nº 1, al. c) do art. 24º].
- Pluralidade de agentes, em comparticipação, e pluralidade de crimes, na mesma ocasião ou lugar, ligados por causa e efeito ou por unidade de intenção criminosa (crimes que continuem ou ocultem outros) [nº 1, al. d) do art. 24º]. Estão em causa situações de comparticipação criminosa que se incluem na área da conexão objetiva ou material.
- Pluralidade de agentes e pluralidade de crimes, reciprocamente, na mesma ocasião, no mesmo lugar [nº 1, al. e) do artigo 24º]. São também casos de conexão objetiva ou material.
- Unidade de agente, mas pluralidade de crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca (artigo 25º).
Como se anotou no acórdão desta Relação de 27-09-2011, de que foi relator o Exmo. Desembargador Dr. Sérgio Corvacho, acessível in www.dgsi.pt, “existe uma diferença qualitativa entre as causas de conexão enumeradas no nº 1 do art. 24º do CPP e a situação a que se refere o art. 25º do mesmo Código. Na primeira das disposições legais mencionadas, o legislador procurou assegurar que, sempre que possível, o mesmo acontecimento de vida real ou um processo histórico definido em função de um elemento relevante de unificação fosse julgado num único procedimento, evitando, por essa via, uma indesejável fragmentação dessa realidade, que poderia resultar de uma aplicação incondicional do paradigma «um crime – um processo – um arguido», que, até certo ponto, continua subjacente à vigente tramitação do processo penal. Trata-se de uma preocupação que tem por finalidade última garantir uma busca tão exaustiva quanto possível da verdade material e uma decisão substancialmente justa da causa.
Diferentemente sucede com a disposição do art. 25º do CPP. Neste último caso, a conexão de processos não tem na sua base qualquer afinidade genética entre os diferentes crimes conexos, mas obedece somente a imperativos de mera economia processual, mais precisamente evitar a pendência simultânea de mais do que um processo contra o mesmo arguido na mesma comarca.
Dito por outras palavras, a conexão do art. 25º é estritamente processual, enquanto a do nº 1 do art. 24º antes de ser processual é sobretudo substantiva.”
Portanto, a situação de conexão prevista no artigo 25º do CPP acresce àquelas que se encontram previstas no artigo 24º do mesmo código, não estando dependente da verificação das mesmas, nem se destinando a concretizá-las. A expressão usada pelo legislador no artigo 25º é clara no sentido de conformar a conexão subjetiva como um tipo de conexão diferente das situações de conexão objetiva previstas no artigo 24º e sendo mesmo autónoma das situações aí elencadas, de resto esta é a única interpretação destes preceitos legais permitida pelo artigo 9º, nº 2 do Código Civil.”(…) fim de citação.
Ora o tribunal “a quo“ de forma ostensiva fez uma errada interpretação de direito, primeiro quanto à “permissiva” conexão de conexos, que manteve, a qual legalmente não é consentida por não se verificarem os pressupostos para tal, quer no art. 24º, quer no 25º do C.P.P. aplicáveis por via do art. 41º do RGCO, pois não se encontra nos autos “uma só arguida sociedade comercial”, como decidiu o Tribunal “ a quo”, a que foi por tudo condenada nestes autos, ou seja a “…..”, que se encontra inscrita no Registo Comercial de Setúbal com o NIPC ….., mas também a “…..” matriculada no Registo Comercial de Setúbal com o NIPC ….., esta última sociedade, entidade autónoma portanto, que ficou alegadamente desonerada de qualquer condenação contraordenacional, quando contra ela deveria ter sido levantado concretamente o auto de notícia do dia 15-03-2017.
Desta forna e erradamente o Tribunal “a quo” veio a condenar os actos pretensamente praticados por esta como sendo da responsabilidade, enfim, da única arguida destes autos a “…..”.
Por tudo o que atrás se deixou exarado, temos assim que inexiste qualquer sustentação legal para a operada e mantida pelo tribunal “a quo” conexão de processos, o que se declara, a qual gerou as idiossincrasias peculiares destes autos com a decisão proferida, quer sobre a questão em apreço que se espelhou e muito mal na decisão final, a qual foi proferida sem qualquer alicerce jurídico e “contra legem”.
Concluímos, pois, não se encontrarem verificados os pressupostos da conexão de processos previstas no art. 24º e 25º do CPP.
A circunstância de as contraordenações (e são três) inexplicavelmente terem sido processadas de forma conjunta e concentrada na arguida e ora recorrente, em fase anterior e em fase posterior à dedução da decisão administrativa, não determina só por si, como parece entender a decisão recorrida, que exista conexão entre eles na fase do julgamento, pois como já se disse e repete-se estas não foram cometidas alegadamente só pela arguida, mas também alegadamente por outra sociedade comercial diversa e acima identificada, como também bem identificada está no elenco dos factos provados da sentença recorrida, não se entendendo muito bem o raciocínio legal que levou a tal “unificação”, o qual é inválido.
Desta forma, uma vez que não se verificam os pressupostos da conexão de processos nos termos do art. 24º e 25º do CPP, o recurso neste segmento terá que proceder, e que tem por consequência a anulação da apensação dos autos feita pela autoridade administrativa e de todos os actos posteriores, com as legais consequências de cada um dos autos de noticia serem processados em separado e da necessidade de os mesmos, face ao que acima se indicou como motivador da ilegal apensação, indicarem em concreto qual a pessoa colectiva contra a qual o mesmo se dirige.
Com a anulação decretada, mostram-se prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso e que que se mostram supra elencadas.

III.
Tudo visto e ponderado, decide-se conceder provimento ao recurso interposto pela arguida “…..”, anulando-se a apensação dos processos/autos de noticia e demais actos subsequentes, determinando-se a devolução dos autos à 1ª Instância, para remessa à autoridade administrativa para o processamento em separado dos autos e demais formalidades nos termos e finalidade supra descrita.
Sem custas.

Feito e revisto pelos dpois primeiros signatários - relator por vencimento

Évora, 23 de janeiro de 2024
Fernando Pina
João Carrola
Filipa Costa Lourenço
(vencida nos termos de voto que junta)
*
Voto de vencida (com mudança da juíza desembargadora relatora que agora apresenta o seu voto de vencida):
Tendo em conta o acórdão precedente e concordando-se parcialmente com a inoperante conexão de processos efectuada, a conclusão/ decisão que retiro quanto ao presente recurso é incompatível com a decisão tomada no presente recurso.
E tal deriva de vários predicados, os quais, julgo não são passiveis de “recuperação”.
Assim:
Efectivamente entendo que, uma vez que não se verificam os pressupostos da conexão de processos nos termos do artº 24º e 25º do CPP, o recurso neste segmento teria que proceder, e que tem por consequência a absolvição da única arguida e ora recorrente de todas as contraordenações pelas quais foi condenada, bem como evidentemente fica envenenado o cúmulo jurídico que foi operado relativamente à condenação das três contraordenações supra referidas.
No mais dir-se-á sinteticamente que existem mais patologias na decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.
Efectivamente quanto aos elementos subjectivos vemos que estes se encontram condensados numa única linha dos factos provados (nº 40), mas que no meu entender nunca poderia abarcar a totalidade dos factos que pretensamente constituiriam os elementos objectivos das contraordenações em que arguida como já se decidiu foi indevidamente condenada, pois a sua redação, e não há como fugir a tal, encontra-se ligada umbilicalmente ao facto que o precede e isso já com bastante boa vontade, pois em rigor, e mesmo só gramaticalmente considerado este facto sob o nº 40 parece até estar “desapensado” dos factos objectivos, tendo e globalmente falando um efeito inócuo e que conduz a um vazio existencial de elementos subjectivos que lvariam também à absolvição da arguida.
Aliás estes autos estão marcados a ferro desde o seu início, de relevantes e variados erros técnico/jurídicos que se interligam de uma forma diremos até desconcertante (nos seus efeitos), os quais não foram colmatados no decurso da sua marcha processual até ser proferida a sentença recorrida.
Mas mais:
Já em analepse considero não ser legalmente consentida a conexão ao abrigo do artº 25º do CPP operada pelo Tribunal recorrido.
Embora de certo modo despiciendo o certo é que não podemos deixar de ter aqui em conta o AUJ 1/2015, in DR 18 série I de 2015-01-27, o qual no seu âmago não plasma a situação dos autos, mas tendo-o em mente, como temos, relativamente ao seu conteúdo e fundamentos, o que sucede na decisão recorrida é exactamente ou quase o oposto, ou seja a falta de indicação dos elementos subjectivos de todas as contraordenações pelas quais arguida foi (erradamente condenada), sendo que ainda se verifica uma discrepante fundamentação de facto na sentença recorrida quanto àqueles que estão omissos no elenco dos factos provados sendo que o facto constante no nº 40 e já acima referido não fazendo qualquer ligação directa com os factos que constituiriam os elementos obejectivos das alegadas contraordenações .
Ora tal “status quo”, ou seja, a falta de indicação dos elementos subjectivos em rigor levaria também aqui à absolvição da recorrente (ao que parece da única contraordenação por ela alegadamente praticada…).
Aliás em rigor e tendo até em conta o Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2019, de 02 de julho o qual refere que «Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.» e não sendo exactamente o que aqui aconteceu pois a única arguida tem vindo repetidamente nos autos a invocar as patologias destes autos, as quais foram novamente suscitadas em sede de recurso, o certo é que perante tantas e variadas vicissitudes e depois de feitas as considerações supra teremos que indubitavelmente percorrer a via sacra indo à génese do “quid pro quo” que de forma pragmática inquinou toda a marcha processual incluindo a decisão recorrida ( ela também com as patologias já salientadas).
Assim:
Conforme se refere no Ac. do Tribunal Constitucional de 15-11-2011 (procº nº 394/11):
“Quanto ao direito de audição e defesa do arguido, Figueiredo Dias salienta o princípio do contraditório e da audiência, no sentido da “oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo (…)” (Direito Processual Penal, I, 1974, p. 153). Com efeito, se «não é permitida a aplicação de uma coima [...] sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção [...] em que incorre» (artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações), a concretização da «forma» e do «prazo razoável» de se assegurar esse «direito de audição do arguido» não poderá prescindir dessa audiência, já que «os preceitos reguladores do processo criminal» não prevêem uma «decisão condenatória», ao cabo do «inquérito».”
Aliás, os senhores Juízes Conselheiros Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa afirmam com segurança que:
“Não concessão ao arguido da possibilidade de ser ouvido sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre parece dever considerar-se uma nulidade insanável, enquadrável na alínea c) do nº1 do artº. 119.
Com efeito, embora nesta norma se preveja como nulidade insanável a ausência do arguido ou seu defensor quando a lei exigir a respectiva comparência, o objectivo evidente desta obrigatoriedade de comparência é a concessão ao arguido da possibilidade de exercer os seus direitos de defesa que a lei e a CRP impõem que lhe seja concedida e, por isso, esta norma deve ser interpretada extensivamente como visando todas as situações em que não foi concedida ao arguido, antes de lhe ser aplicada uma sanção, possibilidade de exercer direitos de defesa que obrigatoriamente lhe deve ser proporcionada.” Sublinhados nossos, e acrescentamos ainda que no caso dos autos o facto de a entidade administrativa ter só notificado a arguida “…..” mas mas mais que isso, na notificação que efectuou referiu claramento do oficio que consta dos autos e já atrás identificados que a arguida terá cometido tais contraordenações pelo menos com negligência, este texto redutor pouco claro e insipido, não cumpre efectivamente (e fazendo-se tal interpretação extensiva) os mínimos dos minimos para que a arguida possa e antes de lhe ser aplicada uma sanção de execer cabalmente os seus direitos de defesa ( para mais quando sabemos também que relativamente a duas das contraordenações para a qual aqui foi notificada nem sequer era o sujeito da pratica da mesma).
Ora tal notificação nos termos do artº 49º nº1 da Lei 50/2006 de 29 de Agosto ( Artigo 49.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto, Lei Quadro das contraordenações ambientais.
Direito de audiência e defesa do arguido
1 - O auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente.
2 - No mesmo prazo deve, querendo, apresentar resposta escrita, juntar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada facto, num total de sete.
3 - Consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o número legal, bem como daquelas relativamente às quais não sejam indicados os elementos necessários à sua notificação.”)
supra levada a cabo pela entidade administrativa conduz a uma nulidade insanável nos termos do artº 119 nº nº 1 c) do CPP (vide aqui também o AC TRL, relator Sr. Juiz Desembargador Antero Luís, de 4/02/2016 in www.dgsi.pt ).
Desta forma também a arguida não se pode considerar regularmente notificada para os efeitos previstos no artº 49º nº 1 da Lei 50/2006, de 29 de Agosto LEI QUADRO DAS CONTRA-ORDENAÇÕES AMBIENTAIS, não podendo a entidade administrativa ter considerado válida essa notificação e o tribunal “ a quo”, nem nós, pois essa irregularidade faz com que a notificação em causa não possa ser considerada válida e legal pelo que estamos perante uma falta de notificação para todos os efeitos legais o que gera uma nulidade insanável, a qual no nosso entender não poderá ficar sanada nos termos do disposto no artº 121º do CPP quer do nº 2 ou do nº 3.
Geralmente o que sucede nestes casos seria a anulação de todo o processado contraordenacional a partir daquela notificação feita pela entidade administrativa, e repetida dando cumprimento às normas legais para o efeito oferecendo assim uma renovada oportunidade à arguida para apresentar a sua defesa.
Mas face aos especiais e retorcidos contornos destes autos a repetição da notificação nos termos e para os efeitos do artº 49º nº 1 da citada Lei em nada iria alterar o viciado “status quo” inicial, pois na verdade o que seria necessário era a “alteração” dos autos de noticia levantados indevidamente , e todos à ora arguida, coisa que não pode suceder e mesmo à decisão administrativa, a qual fazendo um raciocínio paralelo no direito penal seria como dar oportunidade ao Ministério Público de, no mesmo processo fazer marcha atrás e fazer outro inquérito e acusação, pelo menos.
De facto:
Alías a decisão com a qual discordo implica a alteração dos autos de notícia originais, aparentemente por outros novíssimos, agora, para corrigir os erros que foram perdurando ao longo dos autos, pondo as diferentes arguidas(note-se fazendo-se logo na decisão supra um pré-juizo sem qualquer alicerce de existirem várias arguidas…) agora devidamente no “ lugar certo”…. Até porque não vemos como se pode nesta altura, alterar um/uns auto de notícia originalmente feito/s, contra determinados arguidos e tendo em conta a sua natureza, modo e circunstâncias de tempo e lugar.
Efectivamente um auto de notícia é elaborado num determinado momento e data/e circunstâncias face à constatação ali de uma contraordenção contra alguém.
A solução preconizada pretendendo apagar ou fazer um “delete” processual não é legalmente admissível por violar o princípio do “due process of law”, porque implica a feitura de outros autos de notícia e não estou bem a ver como tal é possível, tanto mais que sendo mais do que uma arguida tal pode implicar efectivamente uma dualidade de processos.
Não estamos propriamente no campo de conceder segundas oportunidades à autoridade administrativa para vir corrigir a génese do processo administrativo e por isso não se concorda com a permissiva decisão supra quando se ali se diz:
“Desta forma, uma vez que não se verificam os pressupostos da conexão de processos nos termos do art. 24º e 25º do CPP, o recurso neste segmento terá que proceder, e que tem por consequência a anulação da apensação dos autos feita pela autoridade administrativa e de todos os actos posteriores, com as legais consequências de cada um dos autos de noticia serem processados em separado e da necessidade de os mesmos, face ao que acima se indicou como motivador da ilegal apensação, indicarem em concreto qual a pessoa colectiva contra a qual o mesmo se dirige.”
Efectivamente os autos de notícia já continham em si em concreto a pessoa colectiva contra a qual os mesmos se dirigiam e não podem agora em sede recursal ordenar-se a sua alteração relativamente à pessoa colectiva “alvo” por falta de suporte legal uma vez que o processo desde a sua génese está nitidamente inquinado, e se assim está, “sibi imputet”.
Mas mais, ainda outra idiossincrasia se nos apresenta, pois viola os direitos de defesa de qualquer arguido ali dizer-se preto no branco que tais contraordenações serão punidas pelo menos a titulo de negligência(….), deixando assim esta arguida ou qualquer outro a navegar em alto mar e a pescar à linha um por um todos os elementos subjectivos consentidos por lei e de todos eles se tendo defender.
Não.
Tal modo de actuação legal da entidade administrativa é inconcebível em todo o seu espectro e não só este como já se viu.
Lamentavelmente esta situação foi perdurando, pese embora os alertas da arguida os quais foram sempre rechassados pelo Tribunal “a quo” e sendo tal bem visível também na sentença recorrida.
Ora tal nulidade nos termos do artº 122º nº 1/2/3 do CPP, e os seus efeitos muitas vezes apelidados de efeitos à distância na nossa jurisprudência, se bem que se centre mais nos meios de prova, no que neste caso, se bem que torne inválido o acto em que esta se verificou (notificação do artº 49º nº 1 da Lei supra indicada), o certo é que a sua repetição se tornaria despicienda face ao que consta dos autos de noticia da notificação em si já bastamente referidos e assim é completamente impossível aproveitar qualquer acto, pois todos os actos subsequentes dependem e impedem tal por estarem mortos à nascença.
Acrescentamos até que até se poderia lançar mão da figura da inexistência jurídica atentos os especiais contornos da “vexata questio”sendo que atentos os especiais contornos dos autos não se coadunaria exatamente à situação dos autos, ou pelo menos deixando dúvidas quanto à sua efectiva verificação pelo que a mesma se descarta não que sem antes se aduza o seguinte para um melhor enquadramento da situação: Começa-se por referir que, de acordo com o sistema do Código de Processo Penal (cfr. artigos 118.º, 119.º e 120.º e demais normas dispersas no mesmo diploma), as invalidades dos actos processuais estão previstas de forma tipificada e taxativa, ou mesmo em absoluto, pelo menos quanto aos moldes em que cada espécie de invalidade poderá ser declarada e quanto aos efeitos decorrentes dessa verificação e declaração (ficando, naturalmente, de fora os casos de inexistência de actos processuais, categoria admitida pela doutrina e jurisprudência e cuja consagração legal foi tida por desnecessária face à evidência da invalidade absoluta e irredimível dos actos afectados pela mesma).
Como sabemos, a nulidade dita relativa consente a sua sanação. O acto relativamente nulo pode ser convalidado.
A nulidade absoluta é insanável, necessitando, no entanto, de ser declarada. Pode ser arguida ou declarada oficiosamente. O acto praticado tem existência jurídica, embora defeituosa, e ainda que o vício seja insanável; e, consequentemente, a falta de anulação deixa-o subsistir. No processo, a nulidade absoluta é coberta pela impossibilidade, depois de findo aquele, de a fazer reviver, no seu todo ou parcialmente. A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como se não declara a nulidade de actos dum processo que findou com decisão irrevogável (Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, lições proferidas no ano lectivo de 1954-1955, pág. 267 e 268).
Dito por outras palavras: no direito processual os actos nulos só podem ser anulados até ao trânsito em julgado da decisão final. Com a formação de caso julgado, mesmo as nulidades arguíveis em qualquer estado do procedimento, incluindo os vícios da própria sentença, tornam-se insidicáveis. O valor da segurança jurídica acaba por sobrepor-se à justiça processual, inviabilizando qualquer modificação da sentença definitiva.
Diversamente, a categoria da inexistência afasta-se do princípio geral da tipicidade das nulidades e de igual princípio geral da sua sanação.
Embora a lei só aluda de forma expressa e explicita aos vícios de nulidade e irregularidade, seria tecnicamente inconcebível, para além de profundamente iníquo, deixar sem tutela invalidades de acto processual bem mais graves do que a lei prevê como constituindo nulidades.
A redução das nulidades aos casos previstos na lei e a impossibilidade de aplicar analogicamente as normas dos outros ramos de direito aos casos omissos criam espaço suficiente para o germinar da inexistência. Não seria compreensível deixar sem tutela situações mais graves do que as previstas pelo legislador. Intransponíveis ideais de justiça material justificam que nestes casos, apesar da falta de previsão legal, o acto seja destruído e o processo remetido para o caminho original (João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 1999, pág. 119).
A função da categoria da inexistência não é outra senão a de ultrapassar, usando as palavras de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, tomo II, 2.ª edição, Editorial Verbo, 1999, pág. 88), a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado: a inexistência é insanável. A inexistência do acto, de facto, impede de modo irremediável a produção dos efeitos próprios do acto perfeito, como acontece nas nulidades e irregularidades.
No âmbito material, em princípio, a distinção entre inexistência e nulidade apresenta-se assim: se o acto contém o mínimo de elementos ou de requisitos indispensáveis para a sua existência jurídica, mas está inquinado de vícios de formação, estamos perante a figura da nulidade; se falta esse mínimo, estamos perante a figura da inexistência jurídica (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Coimbra, 1952, vol. V, pág. 117).
Ou, segundo refere, com maior completude, João Conde Correia (ob. cit.), a inexistência consiste numa imperfeição da fattispecie. O acto praticado, embora se identifique com determinado modelo legal, não lhe corresponde na íntegra, faltando-lhe, pelo menos, um dos seus elementos. Apesar de ter existência jurídica o direito não o considera válido. Por seu turno, no caso de inexistência, nem sequer se pode falar em imperfeição da fattispecie. A anomalia é tão grande que o acto nem sequer é comparável com o seu esquema normativo, não alcançando aquele mínimo imprescindível para poder ser reconhecido como tal e ter vida jurídica. Nas nulidades absolutas o acto, ainda que imperfeito, é idóneo para produzir os efeitos jurídicos que a lei lhe atribui. Na existência jurídica o acto é inidóneo para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, não os devendo, em caso algum produzir.
Não tem sido consensual na doutrina, a marcação da fronteira dos actos concretos de nulidade e de inexistência jurídica.
Todavia, como observa João Conde Correia (ibidem, pág. 121), não deve perder-se de vista que a inexistência jurídica corresponde a um recurso excepcional, utilizado para repor a justiça em situações extremas, que quase ultrapassam as figuras do imaginável. Importa, portanto, utilizar a figura criteriosamente, apenas em casos de gravidade superior àqueles que se encontram previstos na lei como causa de nulidade (vide supra e transcrevendo-se parcialmente o Acórdão do TRC de 28/09/2011).
Tem-se dito, com certa unanimidade, que a sentença é inexistente, inter alia, se não houver um documento em que se achem representados os respectivos elementos (Alberto dos Reis, citando Betti, idem, pág. 118); se proferida verbalmente quando a lei exige forma escrita (Francisco Luso Soares, Direito Processual Civil, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 505, e Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, 2.º, págs. 354 e 355, Gil Moreira dos Santos, Noções de Processo Penal, 2.ª edição, pág. 209); e dizemos nós no caso dos autos quando juiz que a assinou refere de forma inequívoca que parte da sentença não lhe pertence, ou seja não foi por ele elaborada.
Como bem se refere e se pode ler no Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2016, in www.dgsi.pt ,(…)” O regime fixado no CPP no tocante à apreciação das deficiências dos actos processuais e sua classificação de acordo com a gravidade dessas deficiências está sujeito ao princípio da legalidade com as exigências de fundamento e critério que lhe estão associadas. E nesse regime não está prevista a sanção da inexistência. Admitindo-se, contudo, haver formulações doutrinais que admitem conceptualmente o vício da inexistência do acto processual, a sua ocorrência decorreria de uma falta de tal modo grave que a esse acto faltariam elementos essenciais à sua própria subsistência de modo que, em caso algum, ele poderia produzir efeitos jurídicos o que se traduziria na inexistência da própria relação jurídica processual.
A função da categoria da inexistência seria a da ultrapassagem da barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado fugindo, porém, à previsão normativa por ser impossível ao legislador prever todos os casos (absurdos e) hipotéticos de inexistência.
O regime fixado no Código de Processo Penal no tocante à apreciação das deficiências dos actos processuais e sua classificação de acordo com a gravidade dessas deficiências está sujeito ao princípio da legalidade com as exigências de fundamento e critério que lhe estão associadas. E nesse regime não está prevista a sanção da inexistência.
Admitindo-se, contudo, haver «formulações doutrinais que admitem conceptualmente o vício da “inexistência”» do acto processual, a sua ocorrência decorreria de uma falta de tal modo grave que a esse acto faltariam elementos essenciais à sua própria subsistência de modo que, em caso algum, ele poderia produzir efeitos jurídicos o que se traduziria na inexistência da própria relação jurídica processual (Cfr Maia Gonçalves, Código de Processo Penal 1929 Anotado e Comentado, 3ª ed. , pag. 172).
A função da categoria da inexistência seria a da ultrapassagem da barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado fugindo, porém, à previsão normativa por ser impossível ao legislador prever todos os casos (absurdos e) hipotéticos de inexistência de que, como se reconhece, há poucos seguros (Cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” II,, 1993, pag 75-76).
Assim, ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pag 114): «o conceito de sentença inexistente constrói-se desta maneira: sentença inexistente é o acto que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria duma sentença. A sentença inexistente é um mero acto material, um acto inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de sentença, mas absolutamente insuscetível de vir a ter eficácia jurídica».
No entanto e pese embora verificarem-se todas estas constatações singulares, atento tudo o que atrás deixei exarado, julgaria a decisão recorrida nula julgando-se o recurso inteiramente provido, nos termos dos artigos 374 nº2 e 379 nº 1 a) do CPP, tendo como consequência a absolvição da arguida e ora recorrente “…..”, o que declara no presente voto de vencida.

Filipa Costa Lourenço
(Juíza Desembargadora, relatora inicial nestes autos da 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora)