Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
158/15.4 T8TMR.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: MAIORIA COM UM VOTO DE VENCIDO
Texto Integral: S
Sumário: Não é inconstitucional a estatuição do prazo legal de 10 anos para que o filho possa investigar a verdade biológica da sua filiação.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 158/15.4 T8TMR.E1 – 2.ª secção

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

(…) instaurou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra (…) e (…), pedindo, que se declare que (…) não é o seu pai e que o seu pai é o réu (…).

Alegou, em síntese, que (…) consta no Registo Civil como seu pai, apenas por ser o marido da sua mãe, à data do seu nascimento, mas o seu pai biológico é o réu (…).

Regularmente citado, o réu apresentou contestação, na qual alegou, em síntese, que a presente açcão e a imputação da paternidade da autora ao réu é uma invenção desta, apenas para se tornar herdeira do réu.

Além disso, a autora já afirmava que era filha do réu, há mais de seis e de nove anos, pelo que a sua pretensão não poderá ser atendida por efeito da caducidade.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que afirmando a inconstitucionalidade do prazo de caducidade invocado pelo R. (…), julgou a acção procedente e em consequência declarou qua a A. (…) não é filha de (…); e ainda que a A. é filha de (…).

Inconformado recorreu o R. (…), tendo concluído nos seguintes termos:

O objecto do presente recurso restringe-se à questão da caducidade por decurso do prazo de 10 anos para propor a acção de investigação de paternidade.

Os artigos 1817°-1 e 1842°-1-c) do C.C. dispõem que “a acção pode ser intentada pelo filho, até 10 anos depois de ter atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que a possa concluir-se não ser filho do marido da mãe”.

No caso dos autos, por falta de prova dos factos alegados pela A. o único prazo a ter em conta é o de 10 anos após a sua maioridade.

A Autora nasceu no dia 31.1.74 e o referido prazo de 10 anos terminou no dia 31.1.02.

Considerando que a presente acção só foi instaurada em 27.1.15 [13 anos depois de terminado o referido prazo), extingue-se o direito da Autora de propor a presente acção de investigação de paternidade – v. artigos 1817°-1 e 1842°-1-c) do CC.

O tribunal recorrido recusou-se a aplicar a referida norma (que revê um prazo de 10 anos para propor a acção) por entender ser a mesma inconstitucional.

O tribunal julgou incorrectamente pela improcedência da excepção da caducidade.

A jurisprudência e doutrina citadas na sentença recorrida estão desactualizadas.

O Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 101/2011 (datado de 22.9.2011 decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817°, n.º 1 do Código Civil, na redacção da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873°, do mesmo código, prevê um prazo de 10 anos para a propositura da acção, contando da maioridade ou da emancipação”.

Na sentença recorrida, decidiu-se pela inconstitucionalidade ao arrepio do referido Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 401/2011 e posterior jurisprudência que o tem seguido de forma uniforme.

A presente acção constituiria sempre um autêntico abuso do direito – v. artigo 334° do C.C.

Dado que A presente acção tem como único objectivo a tentativa de “caça à fortuna” do Recorrente – como resulta de forma escarrapachada do artigo 11° da Petição Inicial.

A A. apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte factualidade:

A autora nasceu em 31 de Janeiro de 1974 (alínea A) dos factos assentes);

Tendo sido registada, na Conservatória do Registo Civil de Abrantes como filha de (…) e de (…) (alínea B) dos factos assentes);

(…) e (…), casaram, um com o outro, em 15 de Agosto de 1964 (alínea C) dos factos assentes);

No dia 7 de Março de 2014, (…) faleceu, no estado de casado com (…) (alínea D) dos factos assentes);

O réu (…) é viúvo (alínea E) dos factos assentes);

A ré (…) manteve relações sexuais de cópula completa com (…) (resposta ao n° 2 dos temas da prova);

Tendo sido das relações sexuais que manteve com este (…) que nasceu a autora (resposta ao nº 3 dos temas da prova);

A ré (…) padece da doença de Alzheimer há vários anos (resposta ao n° 4 dos temas da prova).

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º, CPC).

Nos termos do art.º 1842°, n.º 1, al. c), do Código Civil, a acção de impugnação de paternidade pode ser intentada pelo filho, até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.

No caso dos autos o único prazo a ter em conta é o prazo de dez anos sendo pacífico que aquando da entrada da acção o mesmo já havia decorrido.

Discute-se então a inconstitucionalidade da estatuição de um prazo legal para que o filho possa investigar a verdade biológica da sua filiação.

A questão tem sido abundantemente tratada, quer na jurisprudência, quer na doutrina.

O Tribunal recorrido sustentou a tese segundo a qual o respeito pelo direito fundamental à identidade pessoal da A. implica ser inconstitucional a fixação de qualquer prazo de caducidade para a propositura de uma acção de investigação de paternidade.

Com a alteração do prazo de caducidade introduzido pela lei 14/2099, de 1-4 que estabeleceu o prazo de caducidade para dez anos posteriores à maioridade ou emancipação, a controvérsia tendeu a ser resolvida em sentido oposto ao sustentado na decisão recorrida.

Sufragamos o entendimento exarado no Acórdão do STJ de 9-4-2013 (proc. n.º 187/09.7TBPFR), disponível em www.dgsi.pt ), segundo o qual o prazo-regra de dez anos para investigação da paternidade, pese embora estar em causa um direito de personalidade, pessoalíssimo, é um prazo razoável e proporcional que não coarcta o exercício do direito do investigante, no confronto com o princípio da confiança e da tutela dos interesses merecedores de protecção do investigado e, por isso, não enferma de inconstitucionalidade material (no mesmo sentido Ac. do Plenário do Tribunal constitucional – proc. n.º 401/2011; Ac. do Tribunal Constitucional – proc. n.º 638/10; Ac da RP, de 17-12-2014, disponível em www.dgsi.pt).

Concluindo-se que o prazo de caducidade em causa não enferma de inconstitucionalidade material e sendo pacífico que, in casu, tal prazo terminou em 31 de Janeiro de 2012 e que a presente acção foi instaurada em 27 de Janeiro de 2015, tem-se por verificada a invocada excepção de caducidade.

Pelo exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e em consequência revogam a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgando verificada a excepção de caducidade, absolve os RR. do pedido.

Custas a cargo da recorrente.

Évora, 14-09-2017

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Francisco Matos (Vencido: Confirmaria a decisão por considerar que na dimensão dos efeitos estritamente pessoais do estabelecimento da filiação a acção de investigação de paternidade não se compadece com restrições temporais ao seu exercício, por traduzir uma manifestação do direito fundamental à identidade pessoal como detalhadamente resulta do Ac. RP, de 3-6-2014 proc. N.º 1261/12.8TBSTS, acessível em www.dgsi.pt, de que fui relator).