Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | ANA PESSOA | ||
| Descritores: | ACÇÃO POPULAR INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÉNEOS PEDIDO INTERPRETAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADAS AS DECISÕES RECORRIDAS | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário1: 1. Os pontos do pedido que encerram matéria de facto e de direito, pressupostos dos pedidos indemnizatórios formulados noutros pontos seguintes, devem ser interpretados dessa forma, integrando matéria submetida à apreciação do tribunal, não constituindo pedidos em sentido próprio que possam ser apelidados de pedidos ilegais, nem integrando uma exceção dilatória inominada, nos termos previstos no art.º 576.º n.º 2 do CPC, que obste a que o tribunal conheça do mérito da causa e determine a absolvição da instância quanto a eles. 2. A matéria de facto invocada na petição inicial dirige-se a uma alegada violação de interesses individuais homogéneos, que são de todos e de cada um dos consumidores, independentemente das especificidades próprias de cada um deles, pelo que a decisão a proferir impõe a apreciação das mesmas questões de facto e a aplicação das mesmas normas jurídicas, colocando-se questões suscetíveis de um tratamento unitário e indiferenciado do interesse de cada consumidor em concreto, por serem comuns a todos os consumidores visados, justificando o recurso a uma ação popular. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, I. Relatório 1. “Citizen´s Voice – Consumer Advocacy Association” e AA intentaram a presente ação que denominaram de “ACÇÃO DECLARATIVA POPULAR DE CONDENAÇÃO, SOB A FORMA ÚNICA DE PROCESSO”, contra as rés “GOLDHIRE PORTUGAL, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.”, atualmente denominada “EMOG SERVICES PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA.” (doravante, 1.ª ré) e “GOLDCAR FRANCE SARL” (doravante, 2.ª ré), ambas melhor identificadas nos autos, invocando o disposto no art.º 31.º do Código de Processo Civil, e os artigos 2.º, 3.º e 12.º da Lei 83/95 e art.º 3.º e 19.º da Lei 23/2018, pedindo a condenação das Rés: A. A reconhecerem que cometeram os crimes contra a economia, nomeadamente, o crime de especulação, previsto e punido no artigo 35.º do decreto-lei n.º 28/84, em qualquer uma das suas vertentes; B. A reconhecerem que cometeram o crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito, previsto e punido, no artigo 225.º do Código Penal, em qualquer uma das suas vertentes; C. A reconhecerem que violaram qualquer um dos artigos do decreto-lei n.º 57/2008, nomeadamente, os artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1,b,d), 9 (1,a) desse diploma: D. A reconhecerem que violaram os artigos da Lei 24/96, nomeadamente, os artigos 3 (a) (d) (e) (f), 4, 7, (4) e 8 (1, a, c, d) (2) desse diploma; E. A reconhecerem que violaram o artigo 2 (1) da Lei n.º 67/2003; F. A reconhecerem que violaram o artigo 11 da Lei n.º 19/2012; G. A reconhecerem que violaram o artigo 102 do TFUE; H. A reconhecerem que o comportamento descrito na sua peça processual e tido com os autores populares, é ilícito; I. A reconhecerem que a obrigação legal de informação sobre os dados do condutor do veículo no período do aluguer é decorrente da sua atividade, offspring, e por isso de tal obrigação não pode recorrer um custo extra para os consumidores; J. A reconhecerem que qualquer cláusula contratual que estipule o pagamento de uma comissão de gestão pela prestação legal de informação sobre os dados do condutor do veículo no período de aluguer é uma cláusula abusiva que deve ser retirada do contrato; K. A reconhecerem que o comportamento descrito no §3 é uma conduta reprovável e que deve ser sancionada, por qualquer uma das vestes de direito decantadas no §4 supra, nomeadamente, mas não exclusivamente, por enriquecimento sem causa ou abuso de direito. L. A reconhecerem terem agido com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares; M. A reconhecerem que com a totalidade ou parte desses comportamentos lesaram gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores. Mais pediram, a condenação: A) Da 1.ª Ré: • N. condenação a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados pelas práticas referentes ao sobre preço, em montante global: a. determinar nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do C.P.C.; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • O. Subsidiariamente ao ponto anterior, aquela ré seja condenada indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultaram do sobre preço causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade nos termos do artigo 496.º, nºs 1 e 4, do C.C., determinado em, pelo menos, 50,00 € (cinquenta euros) em cada aluguer de veículos onde se tenha verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso de multas de trânsito; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • P. condenação a indemnizar os autores populares pelos danos morais causados pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º, nºs 1 e 4, do C.C., mas nunca inferior a 50,00 € (cinquenta euros) por cada aluguer de veículos onde se tenham verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso das multas de trânsito; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • Q. Ser a ré condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência e no montante global: a. nos termos do artigo 9.º, da Lei 23/2018 ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobre preço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • R. Ser a ré condenada a pagar todos os encargos que os autores intervenientes tiveram ou venham ainda a ter com o processo e em particular com o incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3) do C.P.C. como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexo e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) pela Burford Capital Ltd, sociedade criada de acordo com as leis de Belize, The International Business Companies Act Chapter 270 of The Laws of Belize Revised Edition 2000, com sede em Titoff Place, 24.5, Old Northen Highway, Boston Village, Belize Disctrict, Belize, C.A. e escritórios (corporate office) na Europa na 120 High Road, East Finchley, N2 9ED, London, United Kingdom, entre outros financiadores que venham a ser necessários. • S. Porque o artigo 22 (2) da Lei 83/95 estatui que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, assim como AA, agindo como autores intervenientes neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes; • T. Que se decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 14, apesar de tal decorrer expressamente da Lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; • U. Que se decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 15, apesar de tal decorrer expressamente da Lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; • V. Que se declare nula a cláusula contratual que estipule o pagamento de uma comissão de gestão pela prestação legal de informação sobre os dados do condutor do veículo no período de aluguer, por abusiva, ordenando que a mesma seja retirada do contrato e não produza os seus efeitos nos contratos celebrados, mesmo que já concluídos. • W. Subsidiariamente a todos os pedidos supra, e apenas para o caso de não procederem requer que seja declarado o montante cobrado pela 1.ª ré a titulo de comissões de gestão administrativa relativa à prestação de informação às autoridades competentes no que diz respeito ao condutor do veiculo no período do aluguer, manifestamente desproporcional, por extremamente elevado, face à despesa que a 1.ª ré efetivamente possa ter tido com a transmissão dessa informação e tendo em conta o custo diário do aluguer do veiculo e em consequência que seja devolvido o montante que o tribunal determina ser em excesso e que represente essa desproporcionalidade ao serviço. B) Da 2.ª ré: • N. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas, no que respeita ao sobrepreço, em montante global: a. determinar nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do C.P.C.; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal, • O. Subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultaram do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º, n.º 1 e 4 do C.C., determinado em pelo menos 50,00 € (cinquenta euros) euros em cada aluguer de veículos onde se tenham verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso de multas de trânsito; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal. • P. Ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º nºs 1 e 4 do C.C., mas nunca inferior a 50,00 € (cinquenta euros) por cada aluguer de veículos onde se tenham verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso das multas de trânsito. b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal. • Q. Ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global: a. nos termos do artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018 ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal. • R. Ser a ré condenada a pagar todos os encargos que os autores intervenientes tiveram ou venham ainda a ter com o processo e em particular com o incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3) do C.P.C. como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexo e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) pela Burford Capital Ltd, sociedade criada de acordo com as leis de Belize, The International Business Companies Act Chapter 270 of The Laws of Belize Revised Edition 2000, com sede em Titoff Place, 24.5, Old Northen Highway, Boston Village, Belize Disctrict, Belize, C.A. e escritórios (corporate office) na Europa na 120 High Road, East Finchley, N2 9ED, London, United Kingdom, entre outros financiadores que venham a ser necessários. • S. Porque o artigo 22 (2) da Lei 83/95 estatui que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, assim como AA, agindo como autores intervenientes neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes; • T. Que se decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 14, apesar de tal decorrer expressamente da Lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; • U. Que se decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 15, sem necessidade de entrar no pedido; • V. Que se declare nula a cláusula contratual que estipule o pagamento de uma comissão de gestão pela prestação legal de informação sobre os dados do condutor do veículo no período de aluguer, por abusiva, ordenando que a mesma seja retirada do contrato e não produza os seus efeitos nos contratos celebrados, mesmo que já concluídos. • W. Subsidiariamente a todos os pedidos supra, e apenas para o caso de não procederem requer que seja declarado o montante cobrado pela 1.ª ré a titulo de comissões de gestão administrativa relativa à prestação de informação às autoridades competentes no que diz respeito ao condutor do veiculo no período do aluguer, manifestamente desproporcional, por extremamente elevado, face à despesa que a 1.ª ré efetivamente possa ter tido com a transmissão dessa informação e tendo em conta o custo diário do aluguer do veiculo e em consequência que seja devolvido o montante que o tribunal determina ser em excesso e que represente essa desproporcionalidade ao serviço. Subsidiariamente a todos os pedidos supra, e apenas para o caso de não procederem requereram que fosse declarado o montante cobrado a titulo de comissões de gestão administrativa relativa à prestação de informação às autoridades competentes no que diz respeito ao condutor do veiculo no período do aluguer, manifestamente desproporcional, por extremamente elevado, face à despesa possa ter tido lugar com a transmissão dessa informação e tendo em conta o custo diário do aluguer do veiculo e, em consequência, que seja devolvido o montante que o tribunal determina ser em excesso e que represente essa desproporcionalidade. Alegaram em síntese, o seguinte, como consta da decisão recorrida: “(…) que a presente ação consiste numa “ação de defesa dos direitos dos consumidores, para declaração de comportamento ilícito e/ou abusivo e indemnização por danos causados aos consumidores representados por esses comportamentos, violadores dos artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1,b,d), 8 (l) (z), 9 (1, a, b) (3), 11 (1), 12 (f), (14) e 15 do decreto-lei 57/2008, dos artigos 3 (d) (e) (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2) da Lei 24/96, do artigo 11 da Lei 19/2012, dos artigos 2 (a)(b) e 4, da diretiva 98/6/CE, diretiva 93/13/CEE, artigo 9 (d) da diretiva 2005/29/CE, diretiva (EU) 2019/2161, diretiva (EU) 2020/1828 e do artigo 102 do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)” – artigo 8.º da petição inicial – e que, “(…) os autores intervenientes e populares têm direito à reparação integral dos danos sofridos por violações de tais regras, tais como impõe a diretiva 2014/104/UE, transporta para o ordenamento jurídico português por força da Lei 23/2018.” – artigo 9.º da petição inicial. No Cap. 10, da sua petição inicial, a Associação e o autor AA circunscrevem o universo dos consumidores que visam representar, do seguinte modo: “todos os consumidores que tenham celebrado um contrato de rent-a-car com a ré 1 ou ré 2 nos últimos 5 anos e tenham sido cobrados de uma comissão de gestão por parte de qualquer uma das rés derivado da prestação de informação dos dados do condutor do veículo durante o período do contrato às autoridades competentes, por força de qualquer norma legal, nomeadamente, mas não exclusivamente, com infrações de trânsito (…)” A fundamentar a sua legitimidade para a ação, a referida Associação e o autor AA alegam os seguintes factos: “13.º Em 11.02.2022, o autor 2, como muitos outros autores populares fazem diariamente, celebrou um contrato de rent-a-car com as rés. 14º. O que o fez, como muitos outros autores populares, através da Internet, utilizando o Uniform Resource Locator (“URL”) https://www.goldcar.es/pt/. 15º. Ao referido contrato tinha como escopo a prestação do serviço de rent-a-car por parte das rés ao autor 2, entre os dias 23.02.2022 e 26.02.2002. 16º. O autor 2 pagou 173,28 euros pelo contrato, onde se incluía: 1. 6,66 euros de comissão do aeroporto; 2. 1,50 euros de contribuição ambiental; 3. 94,95 euros de cobertura de seguro, designada pelas rés como “Super Relax Cover); e 4. 23,39 euros de aluguer do veículo sem condutor por dia. 17º. Valor que foi totalmente pago e liquidado em 11.02.2022, por volta das 21:00 horas de Portugal (“GMT”). 18º. Foi atribuído, pelas rés, o número de reserva 21459026. 19º. Tratava-se de uma reserva não reembolsável, como muitas outras feitas pelos autores populares. 20º. O contrato previa o levantamento de um veículo do grupo AA no Terminal 1, Aeroporto de Marselha-Provence, 13727, Marignane, Marignane Cedex, na data 23.02.2022 às 17:00 horas locais (“ECT”) e a entrega no mesmo local, na data de 26.02.2022 às 16:00 horas ECT. 21º. O contrato incluía, como muitos outros celebrados pelos autores populares, o seguinte: 1. quilometragem ilimitada; 2. cobertura de seguro total (que as rés anunciam como a cobertura mais completa para sua tranquilidade do consumidor e que incluía serviço 24h); 3. seguro de passageiro; 4. seguro contra roubo e incêndio; 5. seguro de responsabilidade civil perante terceiros. 22º. O contrato apenas não incluía o combustível, como acontece com todos os autores populares que contratam este serviço de rent-a-car às rés. 23º. O veículo alugado foi entregue com o depósito de combustível cheio, perante uma política estabelecida pelas rés de o combustível ser pré-pago. 24º. Valor que pago, depois seria reembolsado automaticamente pelas rés aos consumidores, tomadores do contrato, quando o veículo é devolvido com o depósito de combustível cheio, tal como acontece com vários autores populares. 25º. Para efeitos do pré-pagamento exigido pelas rés e supra referido, dentro da aludida política de o combustível ser pré-pago, o autor, como todos os autores populares, foi obrigado a fornecer um cartão bancário. 26º. As rés bloquearam um valor correspondente ao aludido pré-pagamento no cartão bancário do autor 2, tal como fazem com os restantes autores populares. 27º. E reembolsaram automaticamente esse mesmo valor ao autor 2, em 26.02.2022, uma vez que o veículo foi devolvido com o depósito de combustível cheio, tal como fazem, nessas circunstâncias, com os autores populares. 28º. Assim, na data de 26.02.2022, aproximadamente pelas 16:00 horas ECT, o contrato estabelecido entre o autor 2 e as rés, foi concluído na perfeição, tendo cada uma das partes cumprido os seus termos, tal como acontece com os autores populares quando entregam o carro alugado. 29º. Em 13.05.2022, às 11:53 horas, o autor 2 recebeu uma mensagem de correio eletrónico das rés, do endereço eletrónico designado “Goldcar Rental ...>", relativo ao contrato de rent-a-car que temos vindo a tratar e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido (cf.documento 4). 30º. Em anexo à supra referida mensagem de correio eletrónico, encontra-se um documento, em língua inglesa, a qual não é a língua nativa do autor 2, nem tão pouco a língua utilizada em nenhum dos países onde o contrato foi contratado e executado, ou língua das rés, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido (cf. documento 5). 31º. Nessa mensagem (documento 5), as rés, ou alguém em seu nome, informam o autor 2 que decidiram, de forma unilateral, cobrar uma comissão de gestão relativamente ao alegado, mas não solicitado, serviço de informação às autoridades competentes relativamente aos dados do condutor do veículo alugado e sujeito ao contrato supra referido, que identificam as rés com o número 21459026, igual ao da reserva. 32º. Serviço pelo qual, decidiram unilateralmente, cobrar 50,00 euros, alegando que tal previsão constava no contrato, mas que o autor 2 desconhece, para além de considerar que, existindo, será uma cláusula absolutamente ilegal, por abusiva. 33º. Essa comissão, defendem as rés, que se refere às despesas incorridas por estas na sequência do processo administrativo de identificação do condutor do veículo para as autoridades, as quais assumem ser um procedimento obrigatório decorrente da lei.” Como consequência dos comportamentos adotados pelas rés, o autor AA e, por intermédio da referida Associação, os restantes autores populares, alegam ter sofridos três tipos de danos: A. o sobrepreço (diferença entre o preço efetivamente pago e o preço que teria sido pago na ausência de infração ao direito da concorrência na aceção da definição de custo adicional estabelecido no artigo 2 (h) da Lei 23/2018 e artigo 2 (20) da diretiva 2014/104/EU.) que pagaram pelo total do aluguer do veículo sem condutor e que correspondente ao acrescimento de preço resultante dessa comissão de gestão por um serviço não solicitado e que é offspring da atividade da ré; B. os danos morais; e, C. a distorção da equidade das condições de concorrência e, concomitantemente danos para os consumidores em geral, onde se incluem os autores intervenientes e populares. Na qualificação jurídica das condutas adotadas pelas rés, os autores imputam a ambas, de modo indiscriminado, a prática dos seguintes ilícitos: • especulação de preços (artigo 35.º do DL n.º 28/84, de 20 de janeiro, diploma que altera o regime em vigor em matéria de infrações antieconómicas e contra a saúde pública); • crime de abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento (artigo 225.º, do Código Penal); • publicidade enganosa (na vertente que respeita às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, tal como prevista nos artigos 10.º e 11.º, do DL n.º 330/90, de 23 de outubro que aprova o Código da Publicidade, quer na vertente que atenta contra os direitos dos consumidores, prevista no artigo 12.º da mesma lei; artigos 7.º, n.º 4, 8.º, n.º 1, al. a), c) e d), n.º 2, da Lei n.º 24/96, de 31/7, denominada Lei de Defesa do Consumidor; e, artigo 311.º, do DL n.º 110/2018, de 10/12 que aprova o novo Código da Propriedade Industrial, transpondo as Diretivas (UE) 2015/2436 e (EU) 2016/943); • práticas comerciais desleais e restritivas da concorrência (artigos 3.º, 5.º, n.º 1, artigo 7.º ex vi al. b), do artigo 6.º e 8.º, todos do DL 57/2008, de 26/3, que estabelece o regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, relativa às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores no mercado interno); • violação dos direitos do consumidor previstos nas al. a), d), e), f), do artigo 3.º, 4.º, 7.º, n.º 4 e 8.º, n.º 1, al. a), c), d)), n.º 2, da já referida Lei n.º 24/96, de 31/7 – Lei de Defesa do Consumidor); • exploração abusiva de posição dominante (artigo 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia); • “Coercive tie selling” (artigo 11.º, al. d), do já referido DL n.º 57/2008, de 26/3 e artigo 9º da também já mencionada Diretiva 2005/29/CE e artigo 9.º, n.º 6. Da referida Lei n.º 24/96); Aqui chegados importa salientar duas notas: • nos artigos 122.º e 123.º da sua petição inicial, a Associação e o autor AA admitem que a prática referente a “coercive tie selling” legitimaria a dedução da ação inibitória destinada a fazer cessar tais práticas, mas não ter sido esse o meio processual por eles escolhido; • no artigo 126.º, os autores sustentam que se “tivessem sido devidamente informados, na qualidade de consumidores normalmente informado e razoavelmente atentos e advertido, tendo por referência o bonus pater famílias, nunca teriam tomado a decisão de celebrar o contrato com as rés, pelo menos não nos moldes em que o mesmo foi estabelecido (apesar de tal contato não poder ser modulado aos seus interesses com base numa negociação entre as partes, por se tratar, como se viu, de um contrato de adesão).”; e, • no artigo 136.º os autores peticionam a condenação das rés a indemnização “nos termos gerais da responsabilidade civil, nomeadamente, mas não exclusivamente, nos termos do artigo 15 do decreto-lei 57/2008”, norma que, desde já se adianta foi revogada pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 109-G/2021, publicado no Diário da República n.º 238/2021, 1º Suplemento, Série I de 2021-12-10, em vigor a partir de 2022-05-28. Na articulação de factualidade atinente aos danos sofridos pelos autores populares é invocado estarem em causa, danos patrimoniais decorrentes das referidas práticas, vendendo a preço final que não correspondia ao anunciado e contratado, por intermédio de um esquema em que imputa custos administrativos, a titulo de serviços administrativos, por deveres decorrentes da sua própria atividade e que são considerados offspring, mas também danos não patrimoniais, como sejam, o sofrimento com a quebra da confiança depositada na honestidade da insígnia GOLDCAR nos países onde atua; a desconfiança, preocupação, transtornos e incómodos que decorrem da quebra de confiança que o comportamento das rés incutiu nos autores populares, que agora se sentem forçados a fiscalizar, com elevada atenção e a viverem na dúvida sistemática de que estão a ser enganados por este tipo de práticas lesivas dos seus direitos, danos que alegam terem sido causados, de modo homogéneo, a todos os autores populares, sejam os que já conhecem a prática ilegal das rés e que os afetou, sejam aqueles que ainda não conhecem e vão acabar por conhecer, por via da presente ação. Subsidiariamente, os autores recorrem a duas figuras jurídicas – o enriquecimento sem causa (artigo 474.º, do Código Civil) e o abuso de direito (artigo 334.º, do Código Civil), pugnando pela sua aplicação ao caso concreto e que, desse modo, seja julgada procedente a sua pretensão. Com a apresentação da petição inicial os autores juntaram, além de outros documentos, a comunicação recebida da “Goldcar rental”, através da qual o autor individual fora informado acerca da intenção de cobrança de 50,00 € (cinquenta euros), a título de comissão pela informação prestada às autoridades relativa à identidade do condutor da viatura alugada, em conformidade com o que havia sido estipulado no contrato assinado com a ré GOLDCAR no dia 23/2/2022. (vide, fls. 35 v.º)” 2. Foi proferida decisão que julgou “territorialmente incompetente para a presente ação o Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia e considerando competente, em razão do território, o Juízo Central Cível de Faro.” 3. Foi em 14.11.2022 proferido despacho que julgou manifestamente improcedentes os pedidos formulados de “A a M”, deles se tendo absolvido as Rés, em suma por se ter entendido que: “Como é sabido, a ação declarativa pode ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas (artigo 10.º, n.º 2, do C.P.C.). Ora, no caso concreto e salvo melhor opinião, os pedidos que se deixaram transcritos não encontram acolhimento em qualquer dos tipos de ações melhor descritas nas diversas alíneas a) a c), do n.º 3, do aludido preceito. Com efeito, não compete a este tribunal condenar um certo réu a reconhecer a violação de uma qualquer norma legal, mas antes, apurada a sua violação, daí extrair as necessárias consequências legais, como sejam, a fixação de uma indemnização ou a declaração de nulidade de uma clausula que se nos afigure abusiva ou desproporcionada, condenando o réu em conformidade.” Foi interposto recurso de tal decisão, recurso que, porém, foi rejeitado por “intempestividade” por decisão singular proferida pelo Relator desta Secção, por se ter entendido “o recurso interposto pelos Recorrentes não se mostra juridicamente enquadrável em qualquer um dos casos previstos para apelação autónoma, sendo, outrossim, subsumível à previsão do nº 3 do artigo 644º do CPC”, decisão que transitou em julgado, tendo os autos prosseguido na 1ª instância. 4. Por decisão de 10.04.2025, considerou-se os autos prosseguiam para apreciação dos seguintes pedidos, já mencionados: A) Contra a 1.ª ré: • N. condenação a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados pelas práticas referentes ao sobrepreço, em montante global: a. determinar nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do C.P.C.; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • O. Subsidiariamente ao ponto anterior, aquela ré seja condenada indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultaram do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade nos termos do artigo 496.º, nºs 1 e 4, do C.C., determinado em, pelo menos, 50,00 € (cinquenta euros) em cada aluguer de veículos onde se tenha verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso de multas de trânsito; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • P. condenação a indemnizar os autores populares pelos danos morais causados pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º, nºs 1 e 4, do C.C., mas nunca inferior a 50,00 € (cinquenta euros) por cada aluguer de veículos onde se tenham verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso das multas de trânsito; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • Q. Ser a ré condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência e no montante global: a. nos termos do artigo 9.º, da Lei 23/2018 ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para a determinação e distribuição das indemnizações individuais a determinar pelo tribunal; • R. Ser a ré condenada a pagar todos os encargos que os autores intervenientes tiveram ou venham ainda a ter com o processo e em particular com o incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3) do C.P.C. como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexo e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) pela Burford Capital Ltd, sociedade criada de acordo com as leis de Belize, The International Business Companies Act Chapter 270 of The Laws of Belize Revised Edition 2000, com sede em Titoff Place, 24.5, Old Northen Highway, Boston Village, Belize Disctrict, Belize, C.A. e escritórios (corporate office) na Europa na 120 High Road, East Finchley, N2 9ED, London, United Kingdom, entre outros financiadores que venham a ser necessários. • S. Porque o artigo 22 (2) da Lei 83/95 estatui que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, assim como AA, agindo como autores intervenientes neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes; • T. Que se decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 14, apesar de tal decorrer expressamente da Lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; • U. Que se decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 15, apesar de tal decorrer expressamente da Lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; • V. Que se declare nula a cláusula contratual que estipule o pagamento de uma comissão de gestão pela prestação legal de informação sobre os dados do condutor do veículo no período de aluguer, por abusiva, ordenando que a mesma seja retirada do contrato e não produza os seus efeitos nos contratos celebrados, mesmo que já concluídos. • W. Subsidiariamente a todos os pedidos supra, e apenas para o caso de não procederem requer que seja declarado o montante cobrado pela 1.ª ré a titulo de comissões de gestão administrativa relativa à prestação de informação às autoridades competentes no que diz respeito ao condutor do veiculo no período do aluguer, manifestamente desproporcional, por extremamente elevado, face à despesa que a 1.ª ré efetivamente possa ter tido com a transmissão dessa informação e tendo em conta o custo diário do aluguer do veiculo e em consequência que seja devolvido o montante que o tribunal determina ser em excesso e que represente essa desproporcionalidade ao serviço. B. Contra a 2.ª ré: • N. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas, no que respeita ao sobrepreço, em montante global: a. determinar nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do C.P.C.; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal, • O. Subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultaram do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º, n.º 1 e 4 do C.C., determinado em pelo menos 50,00 € (cinquenta euros) euros em cada aluguer de veículos onde se tenham verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso de multas de trânsito; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal. • P. Ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global: a. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496.º nºs 1 e 4 do C.C., mas nunca inferior a 50,00 € (cinquenta euros) por cada aluguer de veículos onde se tenham verificado a cobrança das comissões de gestão pela informação dos dados do condutor no caso das multas de trânsito. b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal. • Q. Ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global: a. nos termos do artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2018 ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada; b. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência; c. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal. • R. Ser a ré condenada a pagar todos os encargos que os autores intervenientes tiveram ou venham ainda a ter com o processo e em particular com o incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3) do C.P.C. como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexo e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) pela Burford Capital Ltd, sociedade criada de acordo com as leis de Belize, The International Business Companies Act Chapter 270 of The Laws of Belize Revised Edition 2000, com sede em Titoff Place, 24.5, Old Northen Highway, Boston Village, Belize Disctrict, Belize, C.A. e escritórios (corporate office) na Europa na 120 High Road, East Finchley, N2 9ED, London, United Kingdom, entre outros financiadores que venham a ser necessários. • S. Porque o artigo 22 (2) da Lei 83/95 estatui que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na ação popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que CITIZENS’ VOICE – CONSUMER ADVOCACY ASSOCIATION, assim como AA, agindo como autores intervenientes neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes; • T. Que se decida relativamente à responsabilidade civil subjetiva conforme § 14, apesar de tal decorrer expressamente da Lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; • U. Que se decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 15, sem necessidade de entrar no pedido; • V. Que se declare nula a cláusula contratual que estipule o pagamento de uma comissão de gestão pela prestação legal de informação sobre os dados do condutor do veículo no período de aluguer, por abusiva, ordenando que a mesma seja retirada do contrato e não produza os seus efeitos nos contratos celebrados, mesmo que já concluídos. • W. Subsidiariamente a todos os pedidos supra, e apenas para o caso de não procederem requer que seja declarado o montante cobrado pela 1.ª ré a titulo de comissões de gestão administrativa relativa à prestação de informação às autoridades competentes no que diz respeito ao condutor do veiculo no período do aluguer, manifestamente desproporcional, por extremamente elevado, face à despesa que a 1.ª ré efetivamente possa ter tido com a transmissão dessa informação e tendo em conta o custo diário do aluguer do veiculo e em consequência que seja devolvido o montante que o tribunal determina ser em excesso e que represente essa desproporcionalidade ao serviço. 5. Tal decisão terminou com o seguinte dispositivo: “Em conformidade com o exposto, decido julgar verificada a AUSÊNCIA DE INTERESSES DIFUSOS que conduz à procedência da exceção de dilatória de conhecimento oficioso de ilegitimidade ativa (artigo al. e), do artigo 577.º, do C.P.C.) e a exceção inominada de INADMISSIBILIDADE LEGAL DE RECURSO À AÇÃO POPULAR e, consequentemente, absolver as rés do pedido. Custas a cargo dos autores. Registe e notifique.” *** 6. Inconformados, recorreram os Autores, recurso que, como se refere na página 2 das alegações e se extrai das conclusões, se refere à decisão de 10.04.2025, mas também ao despacho que julgou manifestamente improcedentes os demais pedidos (ref.ª 125724085, de 14/11/2022 já mencionado) e cuja rejeição do recurso transitou em julgado, rematando as alegações com as seguintes conclusões: 1. Os recorrentes, autores populares, interpõe o presente recurso de apelação nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 637, 639 e 644 (1, a), todos do CPC, para o VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, por entenderem que o tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação do direito quanto às questões mencionadas supra em §4 ao decidir, por intermédio de uma sentença que não se encontra verificados os pressupostos da ação popular, julgando por isso a mesma improcedente. 2. Apesar do genuíno e muito respeito pelo labor empreendido e plasmado na douta decisão aqui apelada, creem os ora apelantes que se justifica a revisão da interpretação dada, na esperança de alinhar a mesma com os mais altos padrões doutrinários e da mais bem fundamentada e elevada jurisprudência, relativamente à compreensão do direito de ação popular, com consagração constitucional e, em particular, do conceito de interesses individuais homogéneos. 3. Os recorrentes, mui respeitosamente, discordam da douta sentença pelas razões vertidas nos §§ 5, 6, 7 e 9 supra, para onde se remete para uma completa compreensão e evitando aqui uma repetição fastidiosa e prolixa do que aí se encontra de forma resumida. 4. Mas que resumindo se estriba no facto dos autores terem um interesse pretensamente partilhado por todos os clientes das rés, nas mesmas condições – afetados pelo comportamento ilícito destes (causa de pedir escorada de forma depurada nos factos) - e o direito de serem indemnizados pelos danos provocados por esses comportamentos. 5. Entendem, desse modo, que na presente lide estamos perante a defesa de interesses coletivos e simultaneamente homogéneos (que se prendem com os pedidos), não revelando a causa de pedir ou o pedido quaisquer particularidades derivadas da multiplicidade dos factos que caraterizam as relações entre os autores populares e aas rés ou um qualquer pleito abusivo do direito da ação popular que possam interromper o direito de ação popular. 6. Isto porque a definição do objeto da causa (pedido e causa de pedir) é conforme configurado pelos autores na ação popular (que não é forma de processo, mas sim um alargar da legitimidade ativa processual), tal como acontece com outros pressupostos processuais (i.e. legitimidade ativa ou passiva, competência do tribunal, instância, etc.). 7. Assim, atentos à causa de pedir exaltada no § 2 supra, para onde se remete, evitando aqui a sua extensa repetição, e ao pedido, transcrito no que releva no § 3 supra, também para onde se remete, é inequívoco que estão preenchidos os requisitos do direito de ação popular nos termos da lei 83/95 e do artigo 31 do CVM. 8. Isto porque, a situação é a descrita nos factos (§ 2 supra) e que resultou numa lesão em massa aos autores populares derivado do comportamento ilícito das rés, é comum (tem a mesma génese) a todos os autores. 9. Assim, o lastro de individualização tem de ser abstraído, pois não se trata, no processo, de atacar as condições precisas e particulares que diferem para cada um dos autores populares em razão do seu perfil e negócio na altura concretizado, onde as datas, os montantes e os subjacentes das operações são irrelevantes. 10. Concretizemos, ainda que em apertada síntese como impõe que se faça em sede conclusiva, todas as questões e, com maior acuidade, a questão dos interesses homogéneos, face interesses difusos. Vejamos então: 11. Integralidade dos Pedidos Formulados: os pedidos declarativos (alíneas A a M) integram, de forma instrumental, o pedido condenatório (alíneas seguintes), constituindo pressuposto jurídico do mérito da presente ação popular, não se podendo afastar o direito à condenação das rés com base nos pedidos declarativos. 12. Da Legitimidade Ativa da Representante da Classe: A Citizens’ Voice – Consumer Advocacy Association está devidamente constituída como pessoa coletiva, organizada na forma de associação, sem fins lucrativos, com regular eleição de seus órgãos sociais, nos termos dos artigos 17 da Lei 24/96 e 3 da Lei 83/95. 13. Todos os elementos estatutários e constitutivos, corroborados pela documentação acostada aos autos (inclusive ata da assembleia geral), evidenciam a legitimidade ativa para a defesa dos direitos dos consumidores, in casu os lesados pela prática abusiva da ré. 14. A decisão recorrida restringe de forma ultra limite o direito de ação popular, entendendo que sua finalidade se esgota na defesa dos interesses difusos, sem reconhecer que a tutela conferida pela ação popular abrange igualmente os interesses individuais homogêneos e coletivos. 15. Tal interpretação contraria o disposto no artigo 52 (3), da CRP e a sistemática da lei 83/95, que, de forma complementar, asseguram proteção a interesses que, embora individualmente quantificados, partilham origem fática comum. 16. Ademais, o entendimento adotado pelo tribunal a quo diverge expressivamente dos acórdãos proferidos pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça e das várias decisões dos Venerandos Tribunais da Relação, os quais reconhecem que a existência de diferenças quantitativas nos prejuízos individuais não retira a homogeneidade qualitativa e a originária natureza comum dos fatos. 17. Da Distinção Entre Identificação e Individualização dos Interesses: a fundamentação recorrida demonstra confusão conceptual, ao equiparar a identificação dos interesses dos autores à individualização dos danos, perante a ideia que o dano, ao poder ser apurado individualmente, resulta na inadmissibilidade da tutela da ação popular. 18. Conforme o ordenamento jurídico, basta a identificação do interesse homogéneo comum para a propositura da ação popular, não sendo imperativo que exista homogeneidade quantitativa dos danos de cada autor ou que esse sejam danos inapropriáveis individualmente – por serem difusos ou coletivos. 19. Da Comprovação da Homogeneidade dos Interesses em Causa: Sem prejuízo do já adiantado no inicio destas conclusões, atentos à causa de pedir, tal como configurada pelos autores, verifica-se a existência de um comportamento padrão e reiterado das rés, que celebraram contratos de rent-a-car mediante cláusulas e políticas padronizadas, impondo práticas lesivas – como o uso indevido de dados bancários para a cobrança de um comissão de gestão ilegal e que afetaram todos os consumidores de maneira uniforme. 20. A origem fática dos danos é a mesma, estando os danos decorrente dessa conduta ilícita, independentemente das variações quantitativas nas perdas de cada autor, inserida, assim, a homogeneidade qualitativa necessária para o prosseguimento da ação popular. 21. Tal conclusão encontra respaldo nos entendimentos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Colendo Supremo Tribunal de Justiça (citada em 7.4.1. supra), os quais têm reiteradamente acolhido a tese de que a divergência no quantum indemnizatório não impede o tratamento coletivo, desde que haja comum gênese fática. 22. Também assim tem entendido a doutrina, entre eles os Professores (as) Doutore(as) José Lebre de Freitas, António Menezes Cordeiro, Paula Costa e Silva, entre outros (citados em 7.4.2. supra) – evidenciam que o private enforcement, na forma coletiva, é plenamente aplicável à tutela de interesses individuais homogéneos, mesmo quando os danos apresentam expressões quantitativas diversas. 23. A ampla literatura jurídica e os recentes acórdãos de tribunais superiores apontam que a reparação dos danos, tanto patrimoniais quanto morais, por infrações contratuais e abusos reiterados, pode e deve ser objeto de ação popular, quando em causa estejam interesses homogéneos – como acontece com a presente ação – sem que se imponha a via individual como única alternativa. 24. Assim, a interpretação adotada pela sentença recorrida esvazia a efetividade do direito fundamental de acesso à justiça e a liberdade de propositura de ações coletivas. 25. Da Inconstitucionalidade da Interpretação Ultra Restritiva Adotada: A decisão recorrida, ao limitar a tutela concedida pela ação popular aos interesses difusos, exclui injustificadamente a proteção de interesses individuais homogêneos, infringindo frontalmente o princípio constitucional do acesso à justiça e a eficácia dos direitos fundamentais dos consumidores. 26. Esta interpretação restritiva viola, de forma quadruplamente inconstitucional, os dispositivos da CRP [artigos 52 (3), 20 e 18] e os preceitos legais contidos na lei 83/95, que asseguram o exercício do direito de ação popular em sua amplitude plena. 27. Assim, deve ser afastada a interpretação que condiciona a propositura da ação popular à existência exclusiva de interesses difusos, permitindo o reconhecimento da tutela dos interesses individuais homogêneos e coletivos, por tal ser inconstitucional, inconstitucionalidade que desde já se invoca. 28. Da Isenção de Custas Processuais: nos termos do artigo 4 (1, b) do Regulamento das Custas Processuais, o exercício do direito de ação popular goza de isenção de custas, medida cuja manutenção se impõe, sobretudo se não houve a declaração de improcedência agravada – o que não aconteceu na sentença e nem podia, face às razões que levaram à absolvição da instância das rés. 29. O entendimento dos tribunais superiores judiciais (entre eles, do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal Administrativo – vide §9 supra, onde são citados) é no sentido de que a simples improcedência do pedido, sem agravamento, não autoriza a condenação dos autores populares em custas, assegurando a proteção dos direitos dos cidadãos e o acesso efetivo à justiça. 30. Do Caráter Coletivo e Representativo da Ação Popular: A presente ação popular exerce função representativa e coletiva, destinada a proteger um conjunto de consumidores afetados pela mesma (exata) conduta ilícita das rés, de modo que a atuação do representante da classe fortalece a defesa dos direitos individuais homogéneos e coletivos. 31. É imperativo reconhecer que a proteção desses interesses se reveste de caráter constitucional e que a defesa coletiva dos direitos permite a efetivação dos preceitos democráticos e da participação cidadã na tutela da legalidade. 32. Ressalta-se que a proteção dos direitos dos consumidores deve ser ampla, englobando a reparação dos danos advindos de práticas abusivas que afetam, de forma recorrente e homogénea, uma pluralidade de indivíduos, mesmo que tais danos apresentem variações quantitativas. 33. O reconhecimento do direito à reparação coletiva dos danos reafirma o papel da ação popular como instrumento essencial na defesa de direitos fundamentais e na promoção de justiça social. 34. A utilização da ação popular permite a concentração de múltiplas demandas num único processo, o que resulta em maior eficiência, economia processual e evita a multiplicidade de ações individuais que onerariam desnecessariamente o sistema judiciário. 35. Tal concentração não prejudica a individualização dos danos, que poderá ser realizada em sede de liquidação, mas garante uma abordagem global e eficaz para a resolução da controvérsia. §11. Pedido Termos ex vi supra: 1. ser declarado que os pedidos formulados nas alíneas A) a M) do petitório são de índole estritamente declarativa e se constituem como meramente instrumentais em relação ao pedido condenatório formulado a partir da aliena M (para ambas as rés) desse mesmo segmento da petição inicial, figurando, pois, como mero pressuposto jurídico dessa pretensão, a qual, como se anuirá, constitui o fulcro da presente ação; 2. deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, por estar verificada a homogeneidade dos interesses da classe de consumidores representada na ação, substituindo-se por outra que determine a descida dos autos à primeira instância e o prosseguimento da ação como ação popular; 3. subsidiariamente, ao pedido anteriores, devem os autores beneficiar do regime de isenção de custas previsto no artigo 4 (1,b) do decreto lei 34/2008, porquanto o pedido não pode, com base na exceção dilatória ou inominada em questão, ser considerada manifestamente improcedente, mas sim, apenas, totalmente improcedente que não comporta uma improcedência agravada que exija a aplicação do artigo 4 (5) do retro referido decreto lei. 7. O Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando a seguinte síntese conclusiva: 1 – Por sentença proferida a 10/04/2025 nos autos à margem supra referenciados, foi decidido pela Mma. Juiz a quo julgar verificada a ausência de interesses difusos que conduz à procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa (artigo 577º, al. e) o CPC) e, bem assim, a exceção inominada de inadmissibilidade legal de recurso à ação popular e, em consequência, absolver as Rés do pedido. 2 – Ora, os elementos constantes dos autos sustentam e fundamentam inequivocamente tal decisão absolutória, nomeadamente tendo em atenção a apontada ausência de interesses difusos e a consequente inadmissibilidade de ação popular. 3 – Com efeito, a legitimidade ativa para o exercício da ação popular, tem de ser aferida em função dos bens e interesses cuja tutela se pretende e que se torna necessária à defesa dos interesses difusos e interesses individuais homogéneos. 4 – Em abstrato e numa primeira análise, a ação popular instaurada pelos autores poderia ser enquadrada no âmbito dos direitos dos consumidores, à luz da proteção do consumo de bens e serviços (de harmonia com o artigo 52.º, n.º 3, alínea a) da Constituição da República Portuguesa e os artigos 1.º, n.º 2 e 2.º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto). 5 – Todavia, da leitura da factualidade alegada pelos Autores na petição inicial e dos restantes elementos entretanto juntos aos autos, em momento algum resulta demonstrado que houve ou há risco de uma violação de interesses comuns a clientes das rés (interesses individuais homogéneos). 6 – Pelo contrário, resulta antes que estamos perante interesses puramente individuais de cada um dos clientes das mesmas rés, e não perante interesses difusos. 7 – E, estando perante interesses puramente individuais de cada um dos clientes das rés e não perante interesses difusos, a ação popular não é o meio processualmente adequado para fazer valer o pedido de declaração de nulidade da cláusula inserta no contrato de aluguer celebrado entre a 1ª ré e o autor AA. 8 – É assim manifesto que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação do direito e dos elementos de facto constates dos autos, considerando verificada a ausência de interesses difusos, situação esta que conduz à procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa e à exceção inominada da inadmissibilidade legal de recurso à ação popular. 9 – Motivo pelo qual a douta Sentença objeto do presente recurso não merece qualquer censura quando determinou a absolvição das rés do pedido. Nestes termos não deverá ser concedido provimento ao presente recurso interposto pelos Autores Populares, confirmando-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos. 8. Também as Rés vieram responder ao recurso, concluindo da seguinte forma: 1. O recurso é nulo por o despacho recorrido identificado no requerimento de recurso, que delimita o respetivo objeto, não coincidir parcialmente com a fundamentação das alegações. 2. Os Recorrentes identificam no seu requerimento de recurso – quer o dirigido ao presente tribunal, quer o dirigido ao Venerando Tribunal da Relação de Évora – que pretendem recorrer da “decisão com a referência 125724085” (que indeferiu liminarmente os pedidos (A) a (M) dirigidos contra as Rés), 3. A fundamentação do recurso, mais concretamente as pps. 8 e 9 dirigem-se à impugnação da referida decisão, mas tudo o demais extravasa essa matéria, pelo que o recurso deve ser julgado, nessa parte, nulo. 4. Efetivamente, é o requerimento de recurso que identifica e delimita o objeto do recurso e relativamente ao qual se afere a legitimidade, o prazo, o modo e o efeito do recurso, nos termos do artigo 637º do CPC. 5. Só estando identificado como despacho a recorrer, o que tem a referência 125724085, presume-se a renuncia ao recurso de todos os demais. 6. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, deve confirmar-se, na íntegra, a decisão que indeferiu liminarmente os pedidos (A) a (M) por o tribunal cível não ter competência para condenar alguém a reconhecer que cometeu um crime, nem que cometeu qualquer ilegalidade. 7. Em relação aos demais pedidos, deve confirmar-se a sentença recorrida, por os Autores, ora Recorrentes, carecerem de legitimidade ativa para instaurar a presente ação popular, pois não estão reunidos os requisitos previstos nos artigos 30º e 31º do CPC. 8. Os referidos normativos legais exigem como condição de legitimidade para a instauração de uma ação popular, a prossecução efetiva de interesses difusos (interesses difusos stricto sensu, interesses coletivos ou interesses individuais homogéneos). 9. Concluindo o Tribunal que nesta ação popular não se visam defender interesses individuais homogéneos, só pode concluir pela falta de legitimidade processual dos respetivos autores populares. 10. Ao contrário do defendido pelas Recorridas, a ação popular não se limita a “alargar a legitimidade ativa adjetiva” de uma ação individual, por os seus âmbitos e finalidade não coincidirem. 11. No caso de o demandante pretender a defesa de um interesse individual (ie, que só a ele diga respeito ou, ainda que seja partilhado por outros, não o é de forma unitária ou homogénea) só pode instaurar uma ação individual, ainda que em litisconsórcio ou coligação ativa, e não uma ação popular. 12. No caso de o demandante pretender a defesa de um interesse difuso (no âmbito do direito da concorrência, ambiente, saúde, consumidor ou outro) que não é individualizável ou apropriável por uma pessoa ou, sendo-o, é comungado de forma igualitária e homogénea por um conjunto de pessoas/classe e que, por isso, assume uma transcendência que o torna objetivamente passível de ser defendido por uma só em representação das demais, só pode seguir pela via da ação popular, por não carecer de legitimidade representativa para instaurar uma ação individual. 13. Donde, os conceitos e o critério de legitimidade num e noutro tipo de ação são totalmente distintos, não se resumindo a um mero alargamento, porque na ação popular está em causa uma legitimidade representativa (aferida através de requisitos muito específicos), o que não ocorre numa ação uti singuli. 14. Na presente ação, não estão a ser defendidos interesses individuais homogéneos em nenhum dos pedidos formulados pelos Autores. 15. Decorre da jurisprudência e da doutrina que para se reconhecer a defesa de interesses individuais homogéneos têm que estar reunidos dois requisitos cumulativos. 16. Por um lado, o interesse difuso, seja na modalidade de interesse coletivo, seja de interesse individual homogéneo, tem de corresponder à proteção de um interesse de tal ordem importante ou de relevo para a ordem pública, que justifique a proteção supra individual e a abstração das particularidades próprias de cada indivíduo. 17. Por outro lado, tem de ser possível, no caso concreto, o Tribunal abstrair-se das particularidades de cada caso concreto. 18. Um dos critérios práticos avançados pela jurisprudência para aferir a inexistência de homogeneidade entre os interesses dos alegados representados é a possibilidade de configuração, na relação individual entre o demandado e cada um dos representados, de defesas distintas, fruto das particularidades de cada uma destas relações. 19. É o que acontece no caso em apreço. 20. No que respeita ao pedido de condenação das rés a pagar uma indemnização por danos patrimoniais, não há homogeneidade em, pelo menos, três dos requisitos da responsabilidade civil e que são simultaneamente constitutivos da causa de pedir: i) ilicitude ii) culpa e iii) dano. 21. Os alegados ilícitos imputados pelos Recorrentes às Recorridas e que constituem a causa de pedir diferem casuisticamente em função da relação concreta de cada consumidor com as Recorridas. 22. No que respeita à alegada falta de consentimento contratual, a relação das Rés com os seus clientes assume nesta matéria feições muito distintas, seja na forma como estes dão o seu consentimento ao contrato ( que depende do modo como o contrato é celebrado – à distância ou ao balcão-, à idade do condutor, à sua capacidade de entendimento, entre outros), ao âmbito e aos efeitos em que cada um cede os dados bancários, à informação que cada um requer e que lhes é concedida. 23. No que respeita à alegada desproporção do valor do fee de gestão cobrado pelas Recorrentes, esta tem de ser aferida em função do valor global pago por cada cliente pelo aluguer do veículo que também depende de inúmeros fatores, nomeadamente do valor diário do aluguer, das proteções adquiridas, dos extras, do regime do combustível escolhido (se não for elétrico), do regime da entrega e da devolução do veículo escolhido, das taxas de aeroporto, se aplicáveis. 24. Todos estes fatores que, repete-se, integram a causa de pedir da presente ação popular, são muitíssimo relevantes para que o tribunal possa emitir um juízo de ilegalidade da prática ou do valor aplicado pelas Rés. 25. E tornam impossível abstrair das particularidades do caso concreto. 26. Fazendo com que os meios de defesa utilizados pelas Recorridas em relação a cada um dos representados dos autores populares possa diferir consoante estas particularidades. 27. Também em relação ao dano, essa homogeneidade não existe , pois não há uma prática contratual “comum” nem “standard” que cause um dano idêntico aos consumidores e que se possa, singela e erroneamente, reduzir a 50€, pois esse valor tem de ser enquadrado na situação concreta de cada consumidor para se poder concluir que houve efetivamente um dano, mormente pela desproporção do montante cobrado. 28. E isso depende da situação patrimonial de cada um dos condutores, da gravidade da infração cometida, dos danos causados no veículo, do valor da coima aplicada, em suma, diferindo de consumidor para consumidor. 29. Em relação aos pedidos de indemnização por danos morais, tampouco existe um uma homogeneidade de interesses, porquanto “a desconfiança, preocupação, transtornos e incómodos que decorrem da quebra de confiança que o comportamento das rés incutiu nos autores populares” são danos eventuais, individuais, não harmonizáveis e que diferem de consumidor para consumidor. 30. Só em função da apreciação da situação concreta de cada um dos consumidores seria possível ao Tribunal verificar se algum deles sofreu danos morais e, em caso afirmativo, se os mesmos merecem a tutela do direito nos termos do artigo 496º do Código Civil. 31. Em relação ao pedido de nulidade de clausula contratual, são dois os fundamentos que impedem que este pedido possa ser requerido por via da açao popular: 32. Por um lado, a falta de competência do tribunal português e de legitimidade do autor português para requerer a nulidade de um contrato redigido em França, disponibilizado on line por uma empresa com sede em França e cujas cláusulas são submetido à lei francesa. 33. Por outro lado, a lei portuguesa tem um instrumento processual específico para o efeito, que é a ação inibitória, previsto no regime das cláusulas contratuais gerais e regulada por este específico diploma, a qual, pela sua finalidade e requisitos, não se confunde com a ação popular. 34. Por último, para além de não se identificar no caso em apreço a existência de um interesse homogéneo e supra individual que esteja a ser defendido por via da presente ação popular, também não é possível reconhecer uma relevância em termos de ordem pública, que satisfaça a razão de ser pela qual a Constituição e a lei conferiram aos cidadãos o direito de ação popular. 35. Pelo que bem andou o Tribunal em não reconhecer a titularidade do direito de ação popular aos autores, por falta de verificação dos seus pressupostos, bem em não reconhecer a legitimidade ativa para o seu exercício, absolvendo as Rés do pedido. 36. Não há qualquer inconstitucionalidade na interpretação que impede o recurso à ação popular quando por esta via se pretendem defender interesses individuais tout court, sem que haja uma homogeneidade objetiva e reconhecível que os agregue. 37. O que não equivale a dizer que a ação popular só é adequada à defesa de interesses difusos. Não foi essa a interpretação da sentença. 38. A sentença apenas constatou que os autores populares pretendiam a tutela de interesses que, em abstrato, poderiam respeitar a um conjunto de consumidores, mas que na verdade, pela diversidade de comportamentos que podem estar na sua génese e pela diferente configuração de cada relação contratual concreta, não permitem abstrair das suas particularidades concretas, para assim emitir um juízo uniforme de censurabilidade e, consequentemente, de condenação. 39. Não podem, pois, as Recorridas concordar com as Recorrentes quando referem que “mesmo que o direito que se pretende valer possa ser obtido em ação individual e mesmo que não estejam em causa interesses difusos, nada impede as vítimas, os aqui autores populares, de perseguirem a reparação do dano causado pelo facto ilícito em ação civil popular, com renúncia pela ação individual (…). 40. Os dois tipos de ações não se sobrepõem. 41. Se um consumidor for individualmente lesado pela conduta de um terceiro com quem estabeleceu uma relação contratual não pode, só por esse facto e por se incluir na classe de consumidores, arrogar-se de os representar a todos em ação popular presumindo que sofreram ou sofrerão o mesmo dano e pedir a condenação desse terceiro. 42. Não o pode fazer, a não ser que demonstre cumulativamente que existe uma homogeneidade /uniformidade nessas relações contratuais, não alterável pelas especificidades próprias de cada uma (podendo aí aplicar-se o critério prático da jurisprudência, de aferir se podem existir diferentes defesas); 43. E que esse interesse assume uma importância de ordem pública, que transcende o mero agregar de interesses individuais (próprios de uma coligação, por exemplo) e que, por essa razão, a ordem jurídica lhe concede uma tutela supra individual. 44. Só verificados estes pressupostos é que a Constituição concede ao cidadão e às associações que reúnam os requisitos formais para o efeito, a titularidade da ação popular e a legitimidade para a exercer, em nome e em representação de todo o universo de consumidores. 45. Por outro lado, verificados esses pressupostos de acesso à ação popular, tal não significa que o “autor popular” esteja a renunciar à ação individual, pois através dela nunca poderia obter a mesma finalidade que prossegue na ação popular: representar o universo de consumidores (sem mandato específico para o efeito) e peticionar e gerir, em seu nome, uma indemnização. 46. Pelo que a interpretação refletida na sentença recorrida não padece de qualquer inconstitucionalidade. 47. Em relação às custas, bem andou a sentença em condenar as Recorrentes, por a presente ação ser manifestamente improcedente e representar um exemplo de litigância abusiva.” * II. Questões a decidir. Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine - são as seguintes as questões a decidir: - apurar se os pedidos formulados sob os pontos A) a M) podem ser considerados pressuposto jurídico do mérito da ação, ou segmentos próprios da fundamentação do pedido, cuja consequência será apenas a sua desconsideração em sede de dispositivo; - da ilegitimidade processual dos Autores por uso indevido da ação popular. III. Fundamentos de Facto Os factos que resultam provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam, em estreita síntese, do relatório elaborado. * IV. Fundamentos de Direito. IV.1. Da decisão que considerou manifestamente improcedentes os pedidos formulados sob os pontos A) a M). A decisão recorrida considerou que os pedidos em apreço não encontram acolhimento nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 10º do Código de Processo Civil, por não competir ao Tribunal condenar a reconhecer a violação de qualquer norma legal, mas antes, apurada a sua violação, daí extrair as necessárias consequências legais, pelo que os considerou “manifestamente Improcedentes”. Os Recorrentes alegam, por referência ao elenco dessas alíneas A) a M) que apresentam na petição inicial, no segmento relativo ao pedido, e cuja redação qualificam de “infeliz”, que têm “Índole estritamente declarativa” e que configuram pretensões declaratórias da violação de normas legais e reconhecimento dos comportamentos como ilícitos e praticados figurando, pois, como mero pressuposto jurídico da pretensão. Trata-se de questão já tratada na jurisprudência recente, relativa a casos semelhantes, que se pronunciou no sentido de que podem ser considerados segmentos meramente instrumentais dos pedidos formulados nas demais alíneas. Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2024, proferido no âmbito do processo n.º 2661/23.3T8GMR.S1, decidiu-se que: “Importa, de resto, assinalar que os pedidos formulados nas alíneas a) e b) do petitório - de índole estritamente declarativa - se constituem como meramente instrumentais em relação ao pedido condenatório formulado na alínea c) desse mesmo segmento da petição inicial, figurando, pois, como mero pressuposto jurídico dessa pretensão, a qual, como se anuirá, constitui o fulcro da presente ação.” E no recentíssimo Acórdão da Relação de Lisboa de 05.11.2025, proferido no âmbito do processo n.º 1990/23.0T8VCT.L1-2, que aqui seguimos de perto, decidiu-se que: “Os pontos que irregularmente constam do petitório, que encerram matéria de facto e de direito, pressupostos dos pedidos indemnizatórios formulados noutros pontos seguintes, devem ser interpretados dessa forma, integrando matéria submetida à apreciação do tribunal, não constituindo pedidos em sentido próprio que possam ser apelidados de pedidos ilegais, muito menos integrando uma exceção dilatória inominada, nos termos previstos no art.º 576.º n.º 2 do CPC, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e determina a absolvição da instância quanto a eles.” Na verdade, aqueles denominados pedidos indicados de “A.” a “M”, correspondem aos factos que os Autores invocam como integradores da causa de pedir, a conclusões que dos mesmos retiram e às normas jurídicas alegadamente violadas, elementos que constituem o suporte dos pedidos indemnizatórios que são por formulados na petição inicial a partir do ponto N) do petitório, registando-se que depois de enunciados os pontos A) a M) consta do petitório o seguinte: “E em consequência, deve a (1 ou 2) ré ser condenada a (…)”. Deste modo, os pedidos formulados nos ponto N. e seguintes estão inequivocamente numa relação de dependência em face dos pedidos deduzidos sob as alíneas A. a M. - naqueles pontos não está em causa a formulação de pedidos em sentido próprio, pelo que, a ser assim, naturalmente não pode concluir-se pela existência de pedidos ilegais e muito menos que os mesmos são manifestamente improcedentes por não se enquadrarem no preceito indicado pelo Tribunal Recorrido. Aqueles pontos encerram matéria de facto e de direito, enquanto pressupostos dos pedidos formulados no petitório sob os pontos N) e seguintes, sendo dessa forma que devem ser interpretados, integrando matéria submetida à apreciação do tribunal enquanto fundamentos dos pedidos indemnizatórios formulados2. E não se diga que tal conclusão tem como consequência que o Tribunal recorrido não é competente para a apreciação de tais pedidos. Não obstante a inclusão no segmento do pedido de que a conduta da Ré configura a prática de crimes, decorre da petição inicial que apenas estão em causa questões de natureza cível, o que não permite que se afirme que o Tribunal Cível não é competente em razão da matéria para apreciar a presente ação, nos termos dos artigos 117.º, n.º 1 e 130.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário - LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto). Estes segmentos são meros pressupostos para a tutela jurisdicional efetivamente pretendida, visando a Autora com esta ação que as Rés sejam condenadas a indemnizar os autores populares pelos danos que lhes foram causados diretamente pela prática de sobre preço, de cobrança abusiva de quantia não contratada, em montante a determinar nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (ou subsidiariamente de forma global, por equidade), por danos morais, e respetivos juros de mora legais. Esta é, nestes termos, uma ação popular civil reparatória, que revestirá, atendendo à finalidade de tutela pretendida, a forma comum de condenação (cfr. artigo 12.º, n.º 2 da Lei da Ação Popular -LAP-, aprovada pela Lei n.º 83/95, de 31 de agosto). A competência tem, assim, de ser apreciada, nos termos da lei do processo civil, que determina, em cada caso, o tribunal competente, conforme dispõe o artigo 43.º, n.º 2 da LOSJ. Sendo verdade que vale o princípio da adesão quanto a uma pretensão indemnizatória assente na prática de crime, previsto no artigo 71º do Código de Processo Penal, tal princípio pressupõe a existência de um processo penal e comporta exceções (artigo 72º do mesmo Código). Acresce que os pedidos indemnizatórios assentam numa pluralidade de infrações. A ação popular tem uma natureza que não se presta a ou que se mostra mesmo incompatível com a adesão do pedido de indemnização civil ao processo-crime (assim já decidiu o S.T.J. no acórdão de 13/03/2025 proferido no processo nº 5623/23.7T8BRG.S1). Veja-se ainda o Acórdão do STJ de 08.04.2025, proferido no âmbito do processo n.º 3704/23.6T8BRG.S1, no qual se decidiu: (…)O âmbito normativo da legitimidade popular assenta no binómio acção popular administrativa e acção popular civil, embora seja atribuída aos titulares do direito de acção popular o direito de denúncia, queixa ou participação do Ministério Público por violação dos interesses difusos, bem como o direito de se constituírem assistentes no respectivo processo penal (art.ºs 12.º e 25.º da Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular (LPPAP), aprovada pela Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto, na sua redacção actual). Os titulares do direito de acção popular podem, por esta via, assumir a posição de colaboradores do Ministério Público, pelo que não se reserva exclusivamente para o último a tutela penal daqueles interesses, tornando admissível a participação e o controlo popular também sobre a administração da justiça penal relativa àqueles interesses. Todavia, entre aqueles preceitos existe uma diferença fundamental. Ao passo que o que estabelece que qualquer acção civil ou administrativa pode ser proposta como acção popular, o segundo limita-se a referir a concessão de legitimidade aos titulares do direito de acção popular legitimidade para a denúncia, queixa ou participação ao Ministério Público ou para a sua constituição como assistentes num processo penal, do que decorre que enquanto acção popular civil ou administrativa segue o seu regime próprio com as adaptações constantes da LPPAP, o processo penal não sofre qualquer desvio em consequência de a denúncia queixa ou participação ter sido feita pelo titular do direito de acção popular ou de este se ter constituído como assistente (art.ºs 13.º a 21.º da LPPAP). O que inculca, irrecusavelmente, que há uma acção popular civil e uma acção popular administrativa – mas não há um processo ou uma acção penal popular. Dito doutro modo: a legitimidade popular penal limita-se ao direito do autor popular de dar notícia do crime ao Ministério Público e de se constituir assistente no processo penal, apesar da legitimidade para a constituição de assistente, exercida embora fora da acção popular, ser ainda, uma legitimidade popular, pertencendo a qualquer titular do direito de acção popular. A concretização da acção popular apenas nas áreas do contencioso administrativo e do processo civil mostra, realmente, que a acção popular, e a legitimidade correspondente, é excluída noutros processos, como, por exemplo, o processo laboral, o processo fiscal – e o processo penal, neste último, necessariamente por via da acção civil. Efectivamente, dado que a LPPAP define os casos e os termos em que é conferido e pode ser exercido o direito de acção popular – art.º 1.º, n.º 1 - a norma que concretiza aquela definição e estes termos – o art.º 12.º - deve, necessariamente ser entendida como circunscrevendo os processos em que a legitimidade popular pode ser exercida: como esta só prevê o exercício do direito de acção popular no contencioso administrativo e no processo civil, é meramente consequencial que estão excluídos da acção e da legitimidade populares quaisquer outros processos, maxime, o processo penal.(…) A acção popular, ainda que com finalidade ressarcitória, está excluída do princípio da interdependência ou da adesão da acção civil ao processo penal.(…)” Sendo a causa de pedir destes pedidos complexa, comportando tanto a violação de normas que tipificam crimes, como de proteção do direito dos consumidores, como ainda de direito da concorrência, não se fundamentando exclusivamente em infrações ao direito da concorrência, destinada ao exercício do direito de regresso entre co infratores, como não consubstanciam pedidos de acesso a meios de prova relativos a tais ações, nos termos previstos na Lei n.º 23/2018, de 5 de junho (art. 112º nº 3 da LOSJ), nem numa acção cuja causa de pedir se fundamente exclusivamente em infrações ao direito da concorrência previstas nos artigos 9.º, 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, em normas correspondentes de outros Estados-Membros e/ou nos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia bem como pedidos de acesso a meios de prova relativos a tais ações, nos termos previstos na Lei n.º 23/2018, de 5 de junho (art. 112º nº 4 da LOSJ), não se pode concluir que para eles seja competente o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (cf. o já citado Acórdão da Relação de Lisboa). Procede, pois, nesta parte a apelação revogando-se a decisão recorrida que julgou “manifestamente improcedentes” os pedidos deduzidos nos pontos A a M da petição inicial. * IV.2. Da ilegitimidade processual ativa por ausência de interesses difusos e consequente uso indevido da ação popular. A decisão recorrida considerou, em síntese apertada, que, não estando em causa a defesa de interesses difusos, estavam verificadas a exceção de dilatória ilegitimidade ativa e a exceção inominada de inadmissibilidade legal de recurso à ação popular e determinou a absolvição das Rés do pedido. Os Apelantes insurgem-se contra a decisão proferida alegando, em resumo, que assiste à Autora, na qualidade de representante de classe, o direito de intentar a presente ação popular, para tutela de interesses homogéneos que afetam os autores populares, aderentes, tal como a representante de classe. Sustenta que os interesses em causa resultam de condutas padrão e até de contratos padrão aplicados de forma uniforme a uma pluralidade de consumidores, que são lesados por esses atos e cláusulas contratuais idênticas, permitindo, por isso, uma discussão comum sobre a ilicitude do comportamento e os fundamentos da responsabilidade, embora com eventuais apuramentos posteriores individuais de danos. Nas contra-alegações que apresentaram, as Rés, por seu turno, sustentam que no caso em apreço está em causa um interesse individual, que não transcende a esfera pessoal do autor e que, ainda que possa ser partilhado por outros eventuais “lesados”, não o é de forma homogénea ou de forma que possamos dizer que há um interesse meta individual, suscetível de ser defendido por via da ação popular, defendendo consequentemente, a inadmissibilidade da tutela dos interesses dos Autores através da presente ação popular. Cumpre apreciar esta questão, que, como é sabido, tem sido também objeto de várias decisões recentes nos Tribunais Superiores. Para o efeito, importa traçar, ainda que resumidamente, o quadro de interesses que subjazem à figura da ação popular e ao regime subjacente à mesma. O direito de acesso aos tribunais é uma trave estruturante da vida de um Estado de Direito Democrático (cf. artigo 20º da Constituição da República Portuguesa; artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; alínea e) do nº 2 do artigo 81º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia). E, enquanto direito fundamental, o direito de ação beneficia da força expansiva reconhecida pelo artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, exigindo-se que a sua restrição se limite apenas ao necessário à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Assim, a restrição do direito de ação, enquanto direito fundamental, apenas excecionalmente pode ter lugar, e somente poderá justificar-se com vista a garantir a tutela de outros direitos ou interesses de relevância constitucional. No desenvolvimento deste direito, a lei ordinária por princípio define a legitimidade ativa pela titularidade da relação jurídica de direito material, isto é, estabelece que parte num concreto processo deve ser quem se apresenta como integrando uma concreta relação jurídica no âmbito da qual o autor surge como titular de um concreto direito ou interesse, e o réu submetido ao correspetivo dever ou obrigação, esclarecendo que na questão apenas há que considerar a versão da relação jurídica de direito material tal como apresentada pelo autor [nº 3 do atual artigo 30º do Código de Processo Civil]. Parte ativa processualmente legítima é quem se apresenta a exercer um direito de que invoca ser titular, na pressuposição de que esse direito existe – mas se de facto existe ou não a relação jurídica de direito material, ou o direito ou interesse que o autor se apresenta a exercer, é matéria que contende com o mérito do processo, já não com a relação processual. O direito de ação popular encontra-se reconhecido na Constituição da República Portuguesa, entre os direitos liberdades e garantias de participação política, no n.º 3 do artigo 52.º, nos termos seguintes: É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais. No plano infraconstitucional, regulando, além do mais, o direito de ação popular, a Lei n.º 83/95, de 31-08 (doravante também LAP), define, como estatui o n.º 1 do seu artigo 1.º, os casos e termos em que é conferido e pode ser exercido o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição. O n.º 2 do citado artigo 1.º, por seu turno, elenca, a título exemplificativo, interesses protegidos pela lei em causa, dispondo que: Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público. O artigo 2.º da citada lei estabelece, além do mais, a titularidade do direito de ação popular, dispondo o seguinte: 1 - São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda. 2 - São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respetiva circunscrição. Sob a epígrafe Regime especial de representação processual, o artigo 14.º daquela lei dispõe o seguinte: Nos processos de ação popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto exclusão previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes da presente lei. O artigo 15.º, mencionado naquele preceito, prevê e regula o exercício do direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa na ação popular. Tem sido pacífico o entendimento de que a ação popular não constitui um meio processual ou forma de processo próprio ou especial, mas antes o reconhecimento de uma espécie de legitimidade ativa para intentar as ações necessárias à proteção dos chamados interesses difusos. Neste sentido e apenas a título de exemplo, os Acórdãos do TRP de 07-10-2024 no proc. 17706/22.6T8PRT.P1 e de 10-10-2023 no proc. 1854/23.8T8PNF.P1 ambos acessíveis em www.dgsi.pt referindo-se neste último: “A ação popular corresponde, antes, a um alargamento da legitimidade processual ativa (legitimidade originária específica) a todos os cidadãos e a outras entidades legalmente previstas, para, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses difusos, recorrerem a juízo no sentido de os proteger.”. Como se diz com propriedade no Acórdão do TRL de ...-...-2024 no proc. 4834/23.0T8VNG.L1-6 in www.dgsi.pt: “Porém, no que se refere à legitimidade activa, o legislador teve a preocupação de introduzir normas específicas alterando de forma radical o conceito de legitimidade em geral previsto no Código de Processo Civil. E fê-lo alargando a legitimidade para intentar as acções, previstas na Lei de Defesa do Consumidor, a entidades diferentes do consumidor directamente lesado (…)” Por seu turno, no art.º 3.º da LAP estabelece os requisitos de legitimidade ativa das associações e fundações, delas exigindo: “(i) personalidade jurídica; (ii) incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate; (iii) não exercerem qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais. No específico âmbito da tutela dos direitos do consumidor, importa ainda levar em conta, atento o caso em presença, a regulação prevista na Lei 24/96 de 31 de julho – Lei da Defesa do Consumidor (doravante, também LDC) que no seu artigo 3.º reportando-se aos direitos dos consumidores prevê, designadamente: - na sua al. d) o direito à informação para consumo, que concretiza nos seus artigos 7.º e 8.º, - na al. e) o direito do consumidor relativo à proteção dos seus interesses económicos, o que vem densificado no artigo 9.º; - na al. f) o direito à prevenção e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos, coletivos ou difusos, aludindo os artigos 10.º a 12.º deste diploma, respetivamente, ao direito à prevenção e ação inibitória, à forma de processo da ação inibitória e ao direito do consumidor à reparação de danos. Por seu turno, o artigo 13.º da LDC vem dispor sobre a legitimidade ativa, estabelecendo que têm legitimidade para intentar as ações previstas nos artigos anteriores: “a) Os consumidores diretamente lesados; b) Os consumidores e as associações de consumidores ainda que não diretamente lesados, nos termos da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto; c) O Ministério Público e a Direção-Geral do Consumidor quando estejam em causa interesses individuais homogéneos, coletivos ou difusos”. Identificando as “Instituições de promoção e tutela dos direitos do consumidor”, o artigo 17.º deste diploma vem esclarecer o que são as associações de consumidores a que alude o mencionado artigo 13.º al. b), elencando no artigo 18.º os seus direitos, constando da al. l) o direito à ação popular. As associações constituídas para defesa dos interesses dos consumidores nesse âmbito gozam, pois, entre o mais, do direito de ação popular, nenhuma restrição ali se estabelecendo ao exercício desse direito, designadamente ligada ao número de associados que integrem uma determinada associação. Definindo regras de legitimidade das partes nas ações para a tutela de interesses difusos, o artigo 31.º do Código de Processo Civil dispõe que têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, nos termos previstos na lei. Entendemos ainda ser de considerar como elemento interpretativo, o regime do Decreto Lei n.º 114-A/2023, de 5 de dezembro - que transpôs para a nossa ordem jurídica o regime da Diretiva (UE)2020/1828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, esta concretização do artigo 169º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (que proclama o objetivo da União Europeia de promover os interesses dos consumidores e assegurar um elevado nível de defesa destes). Não se ignorando que de acordo com o artigo 24.º de tal diploma, o mesmo não se aplica a ações pendentes à data da sua entrada em vigor (que teve lugar no dia seguinte ao da sua publicação) como é o caso da presente ação, importa ter presente que, como se refere no Preâmbulo respetivo esclarece “a Diretiva visa garantir a existência, a nível da UE e no âmbito nacional, de, pelo menos, um mecanismo processual de ação coletiva eficaz e eficiente para efeitos de obtenção de medidas inibitórias destinadas a fazer cessar, identificar ou proibir uma prática ilícita de um profissional, e de medidas de reparação, designadamente através de indemnização, reembolso do valor pago, redução do preço, reparação do bem ou rescisão do contrato, à disposição dos consumidores em todos os Estados-Membros.” Assim, como se entendeu no já mencionado Acórdão da Relação de Lisboa de 05.11.2025, proferido no processo n.º 1990/23.0T8VCT.L1-2, “o mesmo não pode deixar de ser tomado em consideração no esforço e tarefa interpretativa do alcance dos arts. 17.º e 18.º da Lei do Consumidor e do art.º 3.º da Lei de Acção Popular.” Ora, o artigo 6.º de tal diploma dispõe sobre a legitimidade ativa das Associações e Fundações para as ações populares de defesa de interesses dos consumidores, nos seguintes termos: “1 - Constituem requisitos de legitimidade ativa das associações e fundações: a) A personalidade jurídica; b) A inclusão expressa, nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários, da defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate; c) O não exercício de qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais; d) A independência e ausência de influência de pessoas que não sejam consumidores, em especial de profissionais, que tenham um interesse económico em intentar uma ação coletiva, nomeadamente no caso de financiamento por terceiros, e a adoção de procedimentos para impedir a sua influência, bem como para impedir conflitos de interesses entre si, os seus financiadores e os interesses dos consumidores. 2 - Para efeitos do disposto na alínea d) do número anterior, entende-se que uma associação ou fundação é independente, designadamente, se for exclusivamente responsável por tomar as decisões de intentar, desistir ou transacionar no âmbito de uma ação coletiva, tendo por princípio orientador a defesa dos interesses dos consumidores.” Tudo ponderado, importa concluir que para aferir da legitimidade ativa em sede de ação popular não pode prescindir-se da avaliação dos interesses que com ela se visa prosseguir, em conformidade com os já referidos artigos 52.º n.º 3 da CRP, 1.º n.º 2 da LAP e 31.º do CPC que apontam como interesses protegidos, designadamente, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público, bem como o artigo 3.º al. f) da LDC que alude aos interesses ou direitos individuais homogéneos, coletivos ou difusos. Recorrendo aos ensinamentos de Sérvulo Correia3, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis4 referem que os “interesses difusos em sentido estrito consistem em situações matérias insusceptíveis de uma apropriação individual e indivisível, sendo a sua dimensão «irredutivelmente supra individual». O interesse coletivo ou difuso em sentido amplo é uma refração individualizada do interesse difuso”. Trata-se, por um lado, de um interesse categorial ou de classe que carece de uma tutela institucional própria, sem cuja intervenção tais interesses não podem ser defendidos na sua dimensão grupal. “Os interesses individuais homogéneos são também uma refração do interesse difuso ou coletivo, distinguindo-se daqueles por se tratar de interesses susceptíveis de individualização autónoma e de apropriação pelos respetivos titulares. A sua «homogeneidade é meramente qualitativa, denotando, em regra, uma origem partilhada ou uma natureza comum. Para a recondução à categoria dos interesses individuais homogéneos não é, contudo, necessário que os interesses em causa tenham um valor ou uma extensão idênticos, não só porque a sua dimensão torna praticamente inevitável na generalidade das situações a existência de diferenças a esse nível, mas também porque essa disparidade de feição quantitativa é também indiferente para a intenção normativa de sujeitar a uma disciplina unitária o feixe de interesses pertencente à mesma categoria”. Também a jurisprudência tem cuidado de enunciar critérios orientadores para a concretização destes conceitos. Assim, no Acórdão do STJ de 08-09-2016 no proc. 7617/15.7T8PRT, que faz apelo aos ensinamentos do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos”, pode ler-se que “[o] objeto de uma ação popular são os interesses difusos, onde podem incluir-se, quer os interesses difusos “stricto sensu," quer os interesses coletivos, quer ainda os respetivos interesses individuais homogéneos. No objeto da ação popular nunca pode compreender direitos ou interesses meramente individuais. Daí que a diferença que existe entre a ação popular e a ação individual ser a mesma que existe entre o interesse difuso e interesse individual. Atentemos, pois, no conceito de interesses difusos. Os interesses difusos são interesses que possuem uma dimensão individual e supra- individual, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencem exclusivamente a um ou a alguns titulares. Os interesses particulares homogéneos são aqueles em que não existem situações individuais particularizadas, mas tão só situações jurídicas genericamente consideradas. Os interesses difusos encontram-se dispersos ou disseminados por vários titulares, mas são interesses sem sujeito ou sem titulares, cabem a cada a todos a cada um dos membros de uma classe ou de um grupo, mas são insusceptíveis de apropriação individual por qualquer desses sujeitos, sendo, pois, a dupla dimensão individual e supra -individual uma característica essencial desses interesses. Os interesses difusos são indiferenciados, não só porque podem pertencer a qualquer sujeito que se inclua numa certa classe ou categoria, mas também porque eles existem independentemente de qualquer relação voluntária estabelecida entre os seus titulares. São interesses de uma classe ou de um grupo, ou seja, de um conjunto de pessoas que podem satisfazer uma necessidade através da apropriação de um mesmo bem e é por isso que se pode falar também de interesses difusos de consumidores. Os interesses difusos recaem sobre bens que podem ser gozados de uma forma concorrente e não exclusiva, pois que os seus titulares, ao beneficiarem de um certo bem, não impedem os outros que possam igualmente disfrutar desse mesmo bem. Os interesses individuais homogéneos podem ser definidos como os interesses de cada um dos titulares de um interesse difuso “stricto sensu” ou de um interesse coletivo. Não são apenas interesses singulares, isto é, de um indivíduo, mas também interesses supra- individuais, pois que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo. Na ação popular procura-se a tutela de um interesse difuso, assim como os correspondentes interesses individuais homogéneos de todos os seus titulares. No entanto, para que a tutela coletiva seja praticável, ela impõe normalmente a abstração de algumas particularidades respeitantes a cada um dos seus titulares. Na verdade, a tutela coletiva não é possível sem a abstração do “lastro de individualização” que é característica das situações “standard”. A tutela de interesses difusos “stricto sensu” e a tutela de interesses coletivos visam finalidades que não são totalmente coincidentes. Quando se trata de defender interesses difusos, o que sobreleva é a proteção do interesse supra individual “qual tale” e a prossecução da finalidade visada com a sua previsão no ordenamento jurídico, por exemplo, a prevenção de uma agressão ambiental ou uma reação contra o uso de uma cláusula contratual ilegal. Quando se trata de defender interesses coletivos, o que ressalta é a proteção das situações individuais de cada um dos titulares. Enquanto os interesses difusos são sempre compatíveis com uma tutela subjetivamente indiferenciada, à proteção dos interesses coletivos pode não interessar a apreciação individualizada da situação de cada um dos titulares. A tutela dos interesses coletivos só é admissível até onde for aceitável uma apreciação indiferenciada da situação de cada um dos seus titilares. A tutela individual requer uma cuidadosa reconstrução dos factos e o sucesso dela pode depender da averiguação de alguns pormenores, mas a tutela coletiva só é viável abstraindo das especificidades de cada uma das situações individuais. Quando uma ação se destina à proteção de interesses difusos “stricto sensu”, ela tutela um interesse indivisível e insusceptível de ser individualizado, pelo que não se requer qualquer apreciação individual de cada um dos titulares daquele interesse. Quando se destina à proteção de interesses coletivos, ela permite a coletivização de uma massa de ações individuais, mas como estão em causa bens privados de vários sujeitos, não pode dispensar uma análise individualizada da situação de cada um dos seus titulares. A ação inibitória prevista no artigo 10º, nº1, proémio, da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei 24/96, de 31.07, deve ser considerada, quando seja proposta por um consumidor ou por uma associação de consumidores, uma ação popular. A ação popular não é admissível quando o demandado possa invocar contra algum ou alguns dos representados uma defesa pessoal, isto é, quando possa utilizar fundamentos de defesa específicos contra alguns desses representados. Assim, a possibilidade de o demandado numa ação popular invocar diferentes defesas contra vários representados pode ser utilizada como um critério prático para verificar se eles são titulares de um mesmo interesse individual homogéneo. Isto favorece que o demandado procure demonstrar que as especificidades da situação de algum ou alguns deles prevaleçam sobre os elementos de facto e de direito que lhe devem ser comuns, o que conduz a discussão para a análise da admissibilidade da ação e afasta-a dos problemas relativos ao mérito da causa. (…) Os representados numa ação popular têm de ser titulares de um mesmo interesse individual homogéneo, ou seja, todos devem ser atingidos pela violação de um mesmo interesse difuso ou todos devem estar em risco de serem afetados pela ofenda de um mesmo interesse difuso.” Os interesses individuais homogéneos possuem, assim, uma dupla dimensão: individual e supra-individual. Assim, por exemplo, “o interesse na qualidade de vida ou na preservação do património cultural consubstancia um interesse difuso stricto sensu, mas o interesse de cada um dos habitantes de uma região nessa protecção ou nessa qualidade constitui um interesse individual homogéneo; os lesados por uma substância lesiva da saúde são titulares de um interesse colectivo, mas o interesse de cada uma das vítimas, perspectivado em conjunto com o idêntico interesse de todos os outros lesados, constitui também um interesse individual homogéneo.# “Nos interesses individuais homogéneos, os membros do conjunto são titulares de direitos subjectivos clássicos, perfeitamente cindíveis, cuja agregação resulta apenas da similitude da relação jurídica estabelecida com a outra parte, relação jurídica de conteúdo formalmente idêntico” (cfr. Jorge Pegado Liz; Introdução ao Direito e à Política de Consumo; Notícias Editorial, 1999, p. 228).5” Estamos em condições de concluir relativamente aos interesses cuja defesa a ação popular pode ter como objeto, que podem ser: (i) interesses difusos insuscetíveis de individualização; (ii) interesses coletivos de um grupo de pessoas; (iii) interesses individuais homogéneos, expressão individualizada de interesses difusos ou coletivos, designadamente relacionados com a proteção do consumo de bens e serviços, como previsto no art.º 1.º n.º 2 da LAP6. Na posse destes elementos, regressemos ao caso concreto, para apreciar se estão, na economia do alegado na petição inicial, em causa interesses que conferem legitimidade para recorrer à ação popular. Na verdade, como se decidiu no Acórdão desta Relação de 21.11.2024, nesta fase anterior à produção de prova em audiência, é face ao alegado que cumpre apurar se os interesses que os Apelantes visam tornam admissível o recurso ao meio de que os Autores lançaram mão. Analisada a factualidade alegada, dela resulta: a) Comportamento padrão e generalizado das rés: 1. Os contratos de rent-a-car celebrados online através do mesmo portal (https://www.goldcar.es/pt/) com cláusulas e políticas contratuais uniformes (cf. artigos 13 a 21 da petição inicial); 2. A prática reiterada de exigir pré-pagamento do combustível e de utilizar os dados do cartão bancário para cobranças posteriores não autorizadas (cf. artigos 23 a 27 e 41 a 43 da petição inicial); 3. A cobrança unilateral de comissão de gestão no valor de 50 euros, alegadamente por um serviço de informação às autoridades, sem consentimento nem base contratual clara (cf. artigos 31 a 34 e 46 a 47 da petição inicial); 4. A ré aplica uniformemente estas práticas a todos os consumidores que tenham celebrado contratos semelhantes, independentemente das características individuais de cada um, da duração do contrato, tipo de carro, cor do carro, rota escolhida, etc. (cf. artigos 12, 19, 21, 22, 24, 26, 27 e 45). A invocada lesão decorre do mesmo facto gerador: a imposição e cobrança de uma “comissão de gestão” por um serviço alegadamente prestado de forma automática, obrigatório por lei e não solicitado pelo consumidor. A natureza jurídica da lesão (abuso de cláusula contratual, enriquecimento sem causa, violação do dever de informação e boa-fé contratual) é comum a todos os lesados (cf. artigos 32 a 36 da petição inicial). Cada consumidor celebrou um contrato, que apesar de ser de adesão, tem natureza individual, contudo, cada um foi alvo da mesma prática lesiva e a responsabilidade das rés decorre do mesmo comportamento empresarial padronizado. Tendo presente que, a homogeneidade dos interesses em causa só se apreciam ao nível qualitativo e não quantitativo, irrelevando se os danos são iguais entre os autores populares, no caso acresce que se alega que o dano patrimonial (sobre preço de 50 euros) é uniforme e repetido [cf. artigo 48 (1), da petição inicial]. Os danos morais são igualmente apresentados como comuns e previsíveis, decorrentes da quebra de confiança num fornecedor de serviços em massa (cf. artigo pontos 50 a 52, da petição inicial). A matéria de facto invocada pelos Autores, não obstante a relação contratual individual estabelecida com cada cliente consumidor, dirige-se a uma alegada violação de interesses individuais homogéneos, que são de todos e de cada um dos consumidores, independentemente das especificidades próprias de cada um deles, pelo que a decisão a proferir impõe a apreciação das mesmas questões de facto e a aplicação das mesmas normas jurídicas, colocando-se questões suscetíveis de um tratamento unitário e indiferenciado do interesse de cada consumidor em concreto, por serem comuns a todos os consumidores visados, justificando o recurso a uma ação popular. Não se verifica assim o obstáculo que a Recorrida invoca e que tem vindo a ser apontado para o uso da ação popular, relativo à circunstância da demandada poder vir invocar diferentes fundamentos de defesa com referência a cada consumidor Sendo de admitir, face à factualidade alegada, que os interesses que os Apelantes visam proteger, através do pedido que formulou, sejam comuns aos elementos que integram a indicada comunidade, não poderá considerar-se que a pretensão deduzida se mostre manifestamente improcedente por não estar em causa a defesa de interesses tuteláveis através de uma ação popular, conforme considerou a 1.ª instância. Não pode olvidar-se que é comum a todos os consumidores o direito a serem devidamente informados dos valores dos serviços que contratam, e dos valores que poderão ser cobrados através do cartão que utilizam no pagamento dos mesmos. Em suma, procede a apelação. * V. Decisão: Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se as decisões recorridas que se substituem por outra que considera os Autores parte legítima para intentar a presente ação popular. Custas pelas Recorridas – art.º 527.º n.º 1 e n.º 2 do CPC. * Ana Pessoa José António Moita Manuel Bargado
_______________________________________ 1. Da exclusiva responsabilidade da relatora.↩︎ 2. Cf. ainda o Acórdão desta Relação de 21.11.2024, proferido no âmbito do processo n.º 1443/24.0T8PTM.E1, acessível em www.dgsi.pt↩︎ 3. Em “Direito do Contencioso Administrativo”, Lex. Lisboa, 2005, pp651 e ss.↩︎ 4. Em “Private Enforcement e Tutela Coletiva”, Almedina, Coimbra, 2022, pgs. 11 e ss.↩︎ 5. Cf. Acórdão do TRL de 25.05.2023, proferido no processo n.º 555/22.6T8VNG.L1-2↩︎ 6. Cf. Acórdão do STJ de 12-11-2020 proferido no processo n.º 7617/15.7T8PRT.S2 e o Acórdão desta Relação de 21.11.2024, proferido no processo n.º 1443/24.0T8PTM.E1↩︎ |