Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2612/19.0T8ENT.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: PERSI
AVALISTA
MÚTUO
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DESPACHO LIMINAR
COMUNICAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O despacho liminar que ordene a citação do executado, não indeferindo o requerimento executivo nas situações enquadráveis no n.º 2 do artigo 726.º, do CPC, ou que não ordene o aperfeiçoamento do mesmo nos termos aludidos no n.º 4 deste preceito, não preclude a apreciação posterior das questões que deveriam ter sido apreciadas em sede liminar, podendo as mesmas ser apreciadas ao abrigo do artigo 734.º do CPC, desde que respeitado o limite temporal estabelecido no n.º 1 deste normativo, ou seja, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados.
2. Sendo a executada a mutuária do crédito concedido a par de ser também a subscritora da livrança (e não avalista), título este que não entrou em circulação, a invocação da caraterísticas da literalidade, abstração, autonomia e independência do título cambiário não impede a aplicação do regime imperativo do PERSI.
3. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, não exige uma formalidade específica para prova do envio e receção das comunicações ao cliente bancário de integração e extinção do PERSI, mormente uma carta com aviso de receção ou sequer registos postais, bastando para cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre as partes, devendo essa documentação constar do suporte duradouro a que se reporta a lei.
4. Não tendo a executada deduzido qualquer oposição à execução e apresentando a instituição bancária cópia das cartas simples enviadas à executada no âmbito do PERSI, estas constituem princípio de prova do envio das comunicações de integração do cliente no PERSI e extinção deste procedimento, não podendo o juiz oficiosamente concluir pela verificação da exceção dilatória inominada de falta de PERSI e extinguir a execução. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora


I – RELATÓRIO
Na execução ordinária para pagamento de quantia certa, que o BANCO CREDIBOM, S.A. intentou contra S…, para haver dela a quantia de €16.006,76 (sendo €15.999,75 a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de €7,01, e juros vincendos até efetivo e integral pagamento), foi proferida decisão que decidiu do seguinte modo:
«Pelo exposto, o Tribunal decide rejeitar a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por Credibom, S.A., julgando-se verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução – art. 18.º, n.º 1, esp. al. b), do Decreto – Lei n.º 227/2012, arts. 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, e arts. 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC.»

Inconformado, apelou o exequente apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O presente recurso tem por objeto a decisão proferida pelo Tribunal a quo nos autos acima identificados, a qual rejeitou e extinguiu a execução interposta em 25/07/2019, na qual se deu como título uma livrança subscrita por S….
B. Entende o Recorrente que uma exceção dilatória de conhecimento oficioso deve ser conhecida, de acordo com a previsão do artigo 726.º, número 2, alínea b) do CPC, quando do despacho liminar, o que não sucedeu, tendo o Meritíssimo Juiz a quo proferido despacho liminar em 10/09/2019, em que ordenou apenas a citação da Executada.
C. A Executada foi citada e não deduziu oposição mediante embargos à execução, bem como foi notificada das penhoras concretizadas e também não deduziu oposição às penhoras.
D. O regime previsto pelo Decreto-Lei n.º 277/2012, de 25 de outubro, à data da interposição da ação executiva, já se encontraria em vigor há mais de seis anos!
E. Preceitua o artigo 260.º do CPC que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.”
F. Não se verificam, nos presente autos, as circunstâncias previstas nos artigos 261.º e seguintes do CPC, pelo que a ação se manteve (e deve manter-se) a mesma em tudo quanto está previsto, designadamente, tendo-se concretizado penhoras sobre rendimentos e bens da Executada com vista ao pagamento da dívida exequenda,
G. pelo que, com a sentença proferida, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 260.º do CPC, com a agravante de ter contrariado uma decisão prévia que ele próprio no despacho liminar proferiu.
H. O Meritíssimo Juiz a quo violou o princípio da estabilidade da instância, ao só agora suscitar a questão do PERSI, e bem assim decidir pelo não cumprimento do mesmo pelo Recorrente, quando o deveria ter feito em sede de despacho liminar.
I. Além do mais, o Recorrente cumpriu com o disposto nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, ambos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, porquanto as comunicações de integração e encerramento do PERSI foram feitas em suporte duradouro, designadamente por carta, enviadas por correio para a morada contratual da mutuária, Executada nos presentes autos.
J. Encontrando-se definido no art.º 3, al. h) do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, o conceito de suporte duradouro utilizado no já citado diploma legal como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.”.
K. Portanto, e tal como doutamente decidido neste Tribunal ad quem, nomeadamente no processo n.º 715/16.1T8ENT-B.E1, em 21/05/2020, “se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente”, concluindo que “não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a obrigação legal sub judice”.
L. O supra referido Decreto-Lei não obriga as Instituições Financeiras a efetuar tais comunicações através de carta registada com aviso de receção, pelo que não pode o Tribunal a quo considerar que o Recorrente é obrigado a cumprir com o envio das comunicações de integração e encerramento PERSI através de carta registada com aviso de receção qual tal diploma legal não o impõe.
M. É ainda referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-01-2021, processo 105874/18.0YIPRT.L1-7, que “II- A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. arts. 3, al. h), 14, nº 4, e 17, nº 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail; III- Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, entendendo-se que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 224 do C.C.; IV- Tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, (…) provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção;”
N. Resulta, por isso, claro que, o Recorrente cumpriu integralmente o postulado no diploma legal que regulamenta o PERSI, tendo procedido à integração e posterior extinção da Recorrida no PERSI, nos termos legais, o que logrou demonstrar.
O. Importa ainda referir, que o título executivo dado em execução foi uma livrança subscrita pela Executada, caracterizado pela sua incorporação, literalidade, autonomia e abstração, prevalecendo nas relações mediatas tais características.
P. Tratando-se de um título de crédito, beneficia da presunção de que há um reconhecimento de débito ou promessa unilateral de prestação pela Executada, conforme consagra o art.º 458.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que não é o Credor/Recorrente obrigado a provar a relação fundamental.
Q. Deste modo, sempre se poderá dizer que a livrança, por si só, é autónoma para fazer face à execução aqui instaurada, e, como tal independente do procedimento PERSI, sendo este procedimento inerente à relação causal que um Exequente, como o aqui Recorrente, munido de um título de crédito, está legalmente dispensado de alegar e demonstrar.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, requer-se que:
• Seja dado integral provimento ao presente recurso, e, em consequência,
• Seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue não verificada a exceção dilatória inominada, ordenando-se o prosseguimento dos autos (…).»

Não foi apresentada resposta ao recurso.

O recurso foi admitido por despacho de 20-10-2021.
No mesmo despacho, a 1.ª instância considerou que o apelante argui a nulidade da decisão e proferiu despacho no sentido da sua inexistência.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 726.º, n.º 2, alínea b), 260.º e 261.º do CPC;
- Se o exequente está dispensado de alegar e demonstrar o cumprimento do PERSI quando está em discussão a relação cambiária e não a relação subjacente.
- Se o exequente deu cumprimento ao PERSI, condição de procedibilidade da execução, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10.

B- De Facto
Resulta do requerimento executivo e dos documentos juntos aos autos, com interesse para o conhecimento do objeto do recurso, os seguintes factos e/ou ocorrências processuais:
1- Em 19-07-2019, o exequente BANCO CREDIBOM, S.A., instaurou execução apresentando como título executivo a livrança n.º 54388, emitida pelo mesmo e subscrita pela executada S…, constando da mesma o valor de €15.999,75, o local de emissão «Porto Salvo 2019-07-03» a data de vencimento «2019-07-15» e a referência ao «Contrato 80003637493».
2- Em 10-09-2019 foi proferido o seguinte despacho: «Cite».
3- A executada não deduziu oposição à execução.
4- Encontram-se penhorados à ordem dos autos o valor de €469,20 correspondendo a descontos no vencimento da executada e um veículo automóvel registado em nome da executada (Renault, modelo Grand Scénic Diesel III, com a matrícula 90-SF-71).
5- A executada não deduziu oposição às penhoras.
6- Em 13-04-2021, foi proferido despacho para que o exequente identificasse o tipo de contrato de crédito a que se reporta o título executivo, especificando se foram celebrados com clientes bancários e/ou respetivos fiadores e, ainda, para o caso do contrato em causa se enquadrar nalguma das várias hipóteses discriminadas no despacho, para «(…) juntar aos autos o respetivo PERSI no prazo de 10 dias, bem como juntar aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas de PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, bem como ainda os contratos subjacentes.»
7- Na sequência da notificação do despacho referido no ponto 5., em 05-05-2021, foi junto aos autos um requerimento do exequente e 4 documentos.
8- Consta desse requerimento, o seguinte:
«BANCO CREDIBOM S. A., Exequente melhor identificado nos presentes autos, notificado do despacho que antecede, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1º. O contrato celebrado com a Executada é um contrato de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, conforme Documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido;
2º. Verificado o incumprimento, foi a Executada integrada em PERSI, conforme carta de integração e solicitação de documentos conforme Documento n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido;
3º. Por não terem sido rececionados os documentos solicitados procedeu-se ao encerramento do PERSI em 22/01/2019 conforme Documento n.º 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.»
9- Os documentos 2 e 3 correspondem a cartas de correio simples.
10- Em 20-05-2021 foi proferido despacho a ordenar que fosse averiguado da insolvência, dissolução e/ou revitalização da executada.
11- Em 08-07-2021 foi proferido o despacho recorrido.

C- De Direito
Identificadas as questões a decidir, passemos à sua apreciação.
1. Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 726.º, n.º 2, alínea b), 260.º e 261.º, todos do CPC:
Alega o apelante que uma exceção dilatória de conhecimento oficioso deve ser conhecida, de acordo com a previsão do artigo 726.º, n.º 2, alínea b) do CPC, aquando do despacho liminar, o que não sucedeu, sendo que em 10-09-2019 foi proferido despacho liminar a ordenar a citação da executada e só em 13-04-2021 foi ordenada a junção do cumprimento do PERSI.
Assim, quando foi suscitada oficiosamente a questão do PERSI já se encontrava ultrapassada a oportunidade para conhecer da referida exceção, defendendo, por essa razão, que foi violado o princípio da estabilidade da instância previsto nos artigos 260.º e 261.º do CPC.
Vejamos.
No processo executivo para pagamento de quantia certa, na forma de processo ordinário, encontra-se prevista a prolação de despacho liminar (artigo 726.º do CPC).
Nos termos do n.º 2, alínea b), do mesmo normativo, o juiz indefere o requerimento executivo quando «Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso.»
O n.º 4 do artigo 726.º prevê a prolação de despacho de aperfeiçoamento, fora das situações previstas no n.º 2 (que determinam o indeferimento liminar), em ordem à supressão das irregularidades do requerimento executivo, bem como à sanação da falta de pressupostos processuais, e, finalmente, o n.º 5 do mesmo normativo prescreve que «Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.»
Por sua vez, o artigo 734.º, n.º 1, do CPC, prescreve do seguinte modo:
«1. O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.»
Em anotação ao artigo 734.º do Código de Processo Civil Anotado[1] pode ler-se o seguinte:
«A circunstância de o juiz omitir um despacho liminar de indeferimento ou de aperfeiçoamento não preclude a possibilidade de, mais tarde, vir a conhecer das questões que poderiam ter conduzido àquele despacho», sublinhando-se que seria «(…) de todo ilógico que uma omissão de pronúncia na fase liminar tivesse o condão de sanar situações de falta de determinados pressupostos processuais (…)», pelo que, «(…) em função dos casos, deve então rejeitar a execução ou determinar a regularização do processado, nos termos estabelecidos no artigo 734.º.»
Decorre, pois, do regime legal, que o despacho liminar que ordene a citação do executado, não indeferindo o requerimento executivo nas situações enquadráveis no n.º 2 do artigo 726.º, ou que não ordene o aperfeiçoamento do mesmo nos termos aludidos no n.º 4 deste preceito, não preclude a apreciação posterior das questões que deveriam ter sido apreciadas em sede liminar.
A razão de ser de tal regime, como sublinham os autores supra citados, reside na circunstância de no processo de execução não existir propriamente uma fase de saneamento do processo, justificando-se uma «intervenção atípica» do juiz, embora até um determinado momento processual que vai até ao primeiro ato de transmissão de bens penhorados (n.º 1 do artigo 734.º do CPC), ou seja, até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos. Depois, a proteção de «(…) direitos adquiridos no processo por terceiros de boa-fé, designadamente de credores do executado, os adquirentes de bens e preferentes»[2] determina a preclusão da possibilidade de indeferimento ou aperfeiçoamento do requerimento executivo.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), bem como o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.[3]
Se o cliente bancário (consumidor) estiver em situação de mora ou incumprimento de obrigações decorrente de contratos de crédito ao consumo, a entidade bancária fica sujeita a um regime procedimental imperativo, sendo obrigatório a integração de tal devedor no PERSI, sendo tal procedimento composto por três fases: inicial, de avaliação e proposta e de negociação (cfr. artigos 14.º a 17.º do diploma).
Sobre a entidade bancária incide o ónus de prova sobre a validade e eficácia da integração do devedor bancário inadimplente no âmbito do PERSI, bem como a validade e eficácia da respetiva extinção (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo as mesmas condições de admissibilidade da ação declarativa ou executiva que a instituição bancária pretender mover contra esse devedor.
Assim, se o devedor não tiver sido integrado no PERSI ou se o mesmo ainda não tiver sido extinto, está vedado à instituição bancária a instauração da execução e, tendo-a instaurado, deve a mesma ser extinta por via do funcionamento da referida exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso de falta de PERSI.
A apreciação de verificação da aludida exceção dilatória tanto pode ocorrer em fase de despacho liminar como em fase posterior, com o limite temporal previsto no artigo 734.º, n.º 1, do CPC, como já referido.
No caso em apreço, o Sr. Juiz não apreciou a questão em sede liminar, sendo que o exequente também não cumpriu o ónus de alegação e prova aquando da instauração da execução, nada tendo alegado e documentado quanto ao cumprimento da integração da executada em PERSI e da sua extinção antes da apresentação do requerimento executivo.
O juiz não estava impedido de, em momento posterior ao despacho liminar, apreciar da verificação dos pressupostos da referida condição de procedibilidade da execução, como ocorreu, já que a execução ainda não tinha entrado na fase de pagamento (cfr. artigos 795.º e ss do CPC).
Assim, não assiste razão ao apelante quando refere que já tinha sido ultrapassado o momento do conhecimento da referida exceção dilatória.

Alega também o apelante que foi violado o princípio da estabilidade da instância previsto no artigo 260.º do CPC por não se verificarem os pressupostos do artigo 261.º do CPC.
Não vemos qualquer sentido nesta alegação, pois não se verificou qualquer modificação subjetiva da instância executiva nos termos previstos nos artigos 260.º a 262.º do CPC, uma vez que, por via do despacho recorrido, nenhuma alteração se introduz na instância em relação às pessoas (exequente e executada).
Improcede, assim, este segmento do recurso.

2. Se o exequente está dispensado de alegar e demonstrar o cumprimento do PERSI quando está em discussão a relação cambiária e não a relação subjacente:
Defende o apelante que sendo o título executivo um título cambiário (uma livrança), dotado de autonomia, e não estar em discussão a relação subjacente, não se encontra sujeito ao procedimento PERSI, encontrando-se dispensado de alegar e demonstrar o cumprimento do mesmo.
Vejamos.
Como supra referido, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, instituiu o PERSI visando, além de tudo o mais, promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, lendo-se no preâmbulo do diploma que no âmbito do mesmo «(…) as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigos 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial.
Nos termos do artigo 2.º do diploma estão abrangidos pelo PERSI o cliente bancário (consumidor) em relação a contratos de crédito abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02-06, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18-06.
No caso, consta do título executivo (livrança) a menção a um contrato com o n.º 80003637493, tendo a livrança sido subscrita pela executada.
Do documento 1 junto com o requerimento do exequente com data de 05-05-2021, decorre que o contrato de crédito a consumidores foi celebrado entre o exequente e executada e que a mesma, como garantia, subscreveu uma livrança em branco, aquela que veio a ser apresentada como título executivo.
Deste modo, a executada é a mutuária do crédito concedido a par de ser também a subscritora da livrança (e não avalista), título este que não entrou em circulação.
O que significa que estamos no domínio das relações imediatas, pelo que a invocação das caraterísticas da literalidade, abstração, autonomia e independência do título cambiário em nada impede a aplicação do regime imperativo do PERSI quando o devedor é o consumidor com quem foi celebrado o contrato de crédito (cfr. artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 227/2012).
O que também decorre da noção de «Cliente bancário» dada pela alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, ao estipular que é consumidor aquele que, na aceção da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07, e alterações posteriores), «intervenha como mutuário em contrato de crédito.»
Em conclusão, não assiste razão ao apelante no que concerne à exclusão da aplicação do PERSI ao caso sub judice.

3. Se o exequente deu cumprimento ao PERSI, condição de procedibilidade da execução, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10:
A decisão em recurso rejeitou a execução por considerar «(…) verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI, extinguindo-se a execução – art. 18.º, n.º 1, esp. al. b), do Decreto – Lei n.º 227/2012, arts. 7.º e 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, e arts. 726.º, 728.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC.»
Fundamentou o decidido do seguinte modo:
«Como resulta da resposta da exequente, a mesma não juntou aos autos os documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção, o que é indiscutível, seja a comunicação de início de procedimento, seja a comunicação de extinção de PERSI.
Cumpre, pois, apreciar e decidir, nada obstando, assim, em termos de instância, contraditório, tributação e/ou mérito oficioso, à sentença judicial que se segue, não havendo assim necessidade de prosseguir com o(s) processo(s).
Nos termos do Decreto – Lei n.º 227/12, de 25/10, incumbe à exequente o ónus de alegação, e prova, do cumprimento do PERSI, designadamente alegação, e prova, do envio das comunicações, inicial, e de extinção, do PERSI.
As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal – arts. 364.º, n.º 2, e 393.º, n.º 1, do Código Civil.
Com efeito, acompanhamos aqui de perto a Jurisprudência constante dos Acórdãos da Relação de Lisboa de 07/06/2018 (Relator Desembargador Pedro Martins) e de 21/05/2020 (Relatora Desembargadora Laurinda Gemas) e da Relação de Évora de 27/04/2017 (Relatora Maria João Sousa e Faro), todos disponíveis em www.dgsi.pt, segundo a qual exigindo a lei uma determinada forma para a comunicação da integração no PERSI e da sua extinção, essa forma de comunicação, não pode ser provada por testemunhas, não se podendo considerar os documentos juntos aos autos (as alegadas cartas enviadas) como princípio de prova.»

Por sua vez, o apelante convoca jurisprudência que decidiu a questão no sentido de destrinçar entre a comunicação da integração ou extinção do PERSI e prova dessas comunicações, invocando, para o efeito, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 05-01-2021, com o seguinte sumário:
«II- A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente “através de comunicação em suporte duradouro” (cfr. arts. 3, al. h), 14, nº 4, e 17, nº 3, do DL 227/2012, de 25.10), o que inclui, designadamente, o papel (uma carta remetida pelo correio) ou um e-mail;
III- Coisa distinta é a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, entendendo-se que estão em causa declarações receptícias, nos termos e para os efeitos previstos no art. 224 do C.C.;

IV- Tendo o Tribunal convidado a A., instituição de crédito, para que documentasse a abertura, tramitação e encerramento do PERSI e a sua efetiva comunicação aos RR., devem as cópias das cartas, endereçadas estes, que foram juntas pela A. em resposta, ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, podendo aquela fazer prova do facto-indiciário do respetivo envio por meio de testemunhas; provado, desse modo, o envio das cartas, é de presumir a sua receção pelos RR., sem prejuízo destes ilidirem tal presunção;».

Defende, assim, o apelante que a entidade bancária não é obrigada a cumprir as comunicações previstas na lei através de carta registada com aviso de receção, tendo cumprido a obrigação imposta das mesmas serem feitas em suporte duradouro através do envio de carta simples.

Cumpre apreciar.
Começa-se por sublinhar que a decisão recorrida não expressa a exigência de comprovação das comunicações de integração e extinção em PERSI ser realizada e, subsequentemente, provada apenas como o envio de carta registada com aviso de receção.
Esse meio foi apenas um dos referidos, como consta da leitura do seguinte trecho:
«Foram juntas as cartas simples, não tendo sido juntos quaisquer documentos comprovativos do respetivo envio, designadamente registos postais e/ou a/r, conforme tinha sido ordenado, incumbindo o ónus da prova documental necessária à exequente, o qual só cumpriria com a junção dos documentos comprovativos do envio, já que não é admissível a prova por testemunhas, documentos que não juntou, mesmo depois de convidada para o efeito.»
Donde, a objeção do apelante neste ponto não merece acolhimento.
Porém, há que entrar na análise do âmago da questão em apreciação.
Quer a integração no PERSI, quer a extinção do referido procedimento têm de ser obrigatoriamente comunicadas aos clientes bancários (artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012).
Na situação em apreço, as comunicações de integração e extinção do PERSI foram comunicadas através de carta simples.
Esses documentos foram juntos aos autos e não se encontram impugnados.
A lei estipula que a informação deve ser comunicada através de «suporte duradouro», cuja noção consta do artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, ao estipular: «h) «Suporte duradouro» qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.».
Por outro lado, de acordo com o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, a instituição de crédito deve informar o cliente/consumidor que integrou o cliente em PERSI através de suporte duradouro que contenha os seguintes elementos: identificação do contrato de crédito, a data de vencimento das obrigações em mora, o montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos ao capital, juros e encargos associados à mora, a data de integração no PERSI e elementos do contato da instituição de crédito para informação adicional e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas (artigos 7.º).
Impondo, igualmente, no artigo 8.º, aquando da comunicação da extinção do PERSI, a obrigação de informação, mormente a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal, bem como as consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos.
Como decorre das posições expressas nos autos, o modo de provar as ditas comunicações envolve alguma polémica jurisprudencial.
Por um lado, alguns arestos defendem que está em causa um meio de prova ad probationem, pelo que a exigência probatória se reporta apenas à prova da existência da documentação do procedimento, mormente a correspondência trocada com o cliente, mas já não a prova da entrega efetiva dessa correspondência, que pode ser efetuada por qualquer meio probatório, inclusive testemunhal.
Desde logo, porque a letra da lei não impõe que as comunicações sejam feitas com obediência a uma determinada formalidade, excluindo-se, assim, a exigência de aviso de receção ou aviso postal, remetendo alguns acórdãos para o convencionado nos contratos de crédito celebrados pelas partes. Nessa perspetiva, uma carta simples ou e-mail remetido para os endereços mencionados nos contratos cumpre o preceituado na lei.
Por outro lado, outros arestos defendem que os envios das comunicações referidas na lei correspondem a ónus de prova das instituições bancárias que não se satisfaz com a junção de cartas simples. Exigem um meio de prova que não seja apenas as cartas simples, ainda que complementadas por prova testemunhal, não aceitando as cartas simples como um princípio de prova, defendendo, outrossim, que a prova do envio e receção da integração e extinção do PERSI ou provém de prova por confissão ou por prova documental, como seja o registo postal das comunicações escritas enviadas por carta.
Paradigmático desta polémica, veja-se o Acórdão de 13-05-2021, desta Relação de Évora no qual foi acolhido o segundo entendimento dos supra referidos, mas com voto de vencido no sentido da primeira tese.
O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 13-04-2021, pronunciando-se sobre esta matéria, decidiu o seguinte:
«I – A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
II – Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC.
III – Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada.
IV – A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.»

Tomando posição sobre a questão, afigura-se-nos que a lei não exige uma formalidade específica para prova do envio e receção das ditas comunicações, mormente uma carta com aviso de receção ou sequer registos postais, bastando para cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre as partes, devendo essa documentação constar do referido suporte duradouro a que se reporta a lei.
Se tivesse sido intenção do legislador exigir que a prova do envio e receção das comunicações fosse feita através de um meio prova como seja o registo postal ou o aviso de receção, decerto tê-lo-ia consagrado expressamente, sendo que o intérprete se encontra sujeito às regras da interpretação do artigo 9.º do Código Civil, não podendo ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Assim, a instituição bancária pode fazer a prova do envio e receção das comunicações mediante a junção de cartas simples enviadas para a morada contratualmente convencionada, ou mesmo comunicação eletrónica se tal procedimento tiver sido estipulado.
As cartas simples ou e-mails endereçados ao devedor para as moradas que constam do contrato celebrado, correspondem a um facto-indiciário, a um princípio de prova, podendo o mesmo ser complementado por outro meio de prova, mormente testemunhal.
No caso sub judice, consta das cartas juntas aos autos que as mesmas foram enviadas para o endereço da devedora aposta no contrato de crédito ao consumo (cfr. cláusula 19.1. do referido contrato e morada para onde foram enviadas as missivas).
De acordo com a jurisprudência do STJ supra citada, e com a que julgamos ser a maioria da jurisprudência das Relações, nomeadamente desta Relação[6], constituem as referidas missivas princípio de prova do envio das comunicações, pelo que o juiz não pode oficiosamente concluir pelo não envio ou não receção das mesmas.
Competia à executada, através dos meios processuais ao seu alcance, efetuar essa alegação, recaindo, então, sobre o exequente a prova que lhe aprouvesse arrolar, inclusive testemunhal, apta a demonstrar o efetivo envio e recebimento da correspondência.
A executada não teve qualquer intervenção nos autos até ao momento, evidenciando que nada contesta do que é alegado pelo exequente.
Donde, a conclusão a extrair é que os autos indiciam que o exequente deu cumprimento às formalidades impostas por lei quanto à integração e extinção da devedora em sede de PERSI.
Assim, a conclusão inversa alcançada pelo Tribunal a quo não tem qualquer sustentação fáctico-jurídica nos autos, pelo que não poderia dar como verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI e extinguir a execução.
Por conseguinte, procede a apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento da normal tramitação da execução.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Évora, 16-12-2021
(Maria Adelaide Domingos - Relatora)
(José Lúcio – 1.º Adjunto)
(Manuel Bargado - 2.º Adjunto)
_________________________________________________
[1] ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2020, Vol. II, p. 74.
[2] Ob. cit., anotação (1) ao artigo 734.º do CPC, p. 97.
[3] O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 entrou em vigor em 01-01-2013 e foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06-08, tendo as alterações entrado em vigor em 07-08-2021 (artigo 9.º).
[4] Proferido no proc. n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7 (Maria da Conceição Saavedra), disponível em www.gdsipt.
[5] Proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 (Graça Amaral), disponível em www.dgsi.pt
[6] Assim, exemplificativamente:
Ac. RE, de 25-11-2021, proc. 209/21.3T8ELV.E1 (Manuel Bargado), ainda não publicado;
Ac. RE, de 21-05-2020, proc. 715/16.1T8ENT-B.L1 (Tomé de Carvalho), disponível em www.dgsi.pt;
Ac. RE, de 10-09-2020, proc. 1834/17.2T8MMN-A.E1 (Vítor Sequinho), disponível em www.dgsi.pt;
Ac. RE, de 14-10-2021, proc. 2915/18.0T8ENT.E1 (Mário Coelho), disponível em www.dgsi.pt ;
Ac. RL, de 21-05-2020, proc. 105874/18.0YIPRT.L1-7 (Maria da Conceição Saavedra), disponível em www.dgsi.pt .