Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
717/22.9T8FAR.E1
Relator: JOÃO LUÍS NUNES
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Não configura justa causa de despedimento o comportamento de um trabalhador que, pretendendo participar numa assembleia da empregadora e encontrando-se, por indicação desta, dois colegas de trabalho a controlar a entrada para a mesma que não lhe permitiram essa entrada por não constar da lista de participantes que previamente havia sido elaborada, dirige aos referidos colegas as expressões “são uns paus mandados”, “quem foi o incompetente que fez a lista?” e “hei-de vê-los todos a limpar a parada com uma escova de dentes”;
II – Justifica-se uma indemnização por danos não patrimoniais de € 15.000,00 ao trabalhador que até então era considerado um bom e dedicado profissional ao serviço da delegação da Ré, e que com a entrada em funções de nova direção da delegação, na sequência de um email de desagrado enviado pelo trabalhador à direção nacional da Ré, dando conta de condutas menos apropriadas por parte da delegação, e do referido em I, esta vem a instaurar-lhe procedimento disciplinar, proíbe-o da consulta do processo, mantem-no inativo, afetando a sua saúde e gravemente a imagem do mesmo junto do sector de atividade.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 717/22.9T8FAR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – Relatório
Na presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA (Autor) intentou contra Cruz Vermelha Portuguesa (Ré), foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
“Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
A) Declara-se ilícito o despedimento do Autor AA promovido pela R. Cruz Vermelha Portuguesa;
B) Condena-se a Ré Cruz Vermelha Portuguesa a reintegrar o Autor AA no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
C) Condena-se a Ré Cruz Vermelha Portuguesa a pagar ao Autor AA as retribuições vencidas e vincendas que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 390º, nº 1, do Código do Trabalho;
D) Condena-se a Ré Cruz Vermelha Portuguesa a pagar ao Autor AA o montante de € 30.000,00 a título de danos morais sofrido[s] pelo mesmo;
E) Absolve-se a R. do restante peticionado”.

Inconformada com a decisão, a Ré dela interpôs recurso para este tribunal, tendo, a terminar as alegações, formulado as seguintes conclusões:
“1. Com o devido respeito, que é muito, a ora Recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo quanto a certos factos que deu como provados e outros que deu como não provados e, por isso, considera que se verifica erro de julgamento e erro na apreciação da prova produzida, com o consequente erro na decisão da matéria de facto, o que, por si só não existindo, teria levado a uma decisão diferente.
2. Assim, deve ser dada por provada a matéria considerada não provada nos pontos A, B, C, D, F e I dos factos não provados da douta sentença.
3. E deve ser dada por não provada a matéria considerada provada nos pontos parte final do J, GG, FFF, GGG, HHH, KKK, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, GGGG, HHHH, IIII, JJJJ, LLLL, MMMM e NNNN da factualidade assente da douta sentença.
4. A matéria constante dos Factos JJ, KK, LL, MM, NN, AAA,BBB, CCC, DDD, EEE, III, JJJ, LLL, MMM, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV da factualidade assente da douta sentença] não têm qualquer pertinência, nem relevância face aos temas da prova que se encontram fixados;
5. Os factos apurados no processo disciplinar e nos presentes Autos que integram o comportamento do Autor constituem justa causa de despedimento imputável ao trabalhador, nos termos do nº 1 e alíneas a), b), e) e i) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho.
6. Tendo o Autor a dupla qualidade de membro associado activo e de trabalhador da Recorrente, prevalecia a sua qualidade de trabalhador e, por isso, o Autor estava impedido de participar naquela Assembleia a realizar no dia 09/06/2021, porque nessa data se encontrava na situação de suspensão preventiva, enquanto trabalhador da ora Recorrente.
7. O Autor, perante a decisão de impedimento de entrada naquela Assembleia, proferiu e dirigiu afirmações impróprias aos colegas de trabalho e superiores hierárquicos presentes.
8. O Autor chamou a polícia, pretendendo com esta intervenção policial que a Recorrente, enquanto sua entidade empregadora, fosse obrigada por essa via a alterar essa decisão de impedimento, em vez de lançar mão dos meios de impugnação legais dessa decisão e que tinha ao seu alcance no âmbito do direito associativo.
9. O despedimento do Autor que foi decidido pela Recorrente e que data de ../../2022 é regular e lícito, nada havendo a censurar quanto a esta decisão proferida pela Recorrente.
10. Assim sendo, perante um despedimento regular e lícito, não tem qualquer aplicação a decisão de reintegração do Autor, que deve ser anulada e sem qualquer efeito, como consequência da regularidade e licitude do despedimento.
11. Não é devida qualquer indemnização ao Autor a qualquer título, menos ainda a título de danos não patrimoniais, dado que o Autor não comprovou ter sofrido danos não patrimoniais significativos, sendo certo que a eventual ofensa na sua dignidade profissional não é suficiente para gerar uma obrigação de indemnização nestes termos.
12.Contudo, sem prescindir, mesmo que se venha a entender que o despedimento do Autor tivesse sido ilícito ou que o Autor tem direito a indemnização por danos não patrimoniais, não foram demonstrados danos não patrimoniais que justifiquem a atribuição de uma indemnização, como refere a alínea a) do nº 1 do artigo 389º do Código do Trabalho, em valor superior a € 2.000,00 euros.
Termos em que deve o presente recurso ser declarado por provido e, em consequência, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que, julgando a acção improcedente, absolva a Recorrente dos pedidos formulados pelo Autor, com o que Vossas Excelências farão a Vossa Boa e Costumada JUSTIÇA!”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Recebidos os autos neste tribunal, presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, em que que se pronunciou pela improcedência do recurso.
Preparando a deliberação, foi remetido projeto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Objeto do recurso
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal três questões essenciais:
1. saber se existe fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto;
2. saber se existe justa causa de despedimento, com as consequências daí decorrentes;
3. se existe fundamento para a condenação da aqui recorrente em danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, o quantum indemnizatório.
Refira-se que não obstante a recorrente nos n.ºs 10 e 11 das conclusões afirmar não haver lugar à reintegração do trabalhador e não haver lugar a indemnização a qualquer título, “menos ainda a título de danos não patrimoniais”, fá-lo na consideração de que existe justa causa de despedimento, ou seja, que o mesmo é(foi) lícito.
E só no n.º 12 das conclusões é que sustenta que mesmo que o despedimento seja ilícito não é devida indemnização por danos não patrimoniais ou, a ser devida, não se justifica valor superior a € 2.000,00.
Tal significa que a considerar-se o despedimento ilícito, a questão subsequente à apreciação deste tribunal prende-se apenas com a indemnização por danos não patrimoniais.
É isto mesmo que resulta, de resto, da leitura das alegações.
Nesta sequência, a qualificar-se o despedimento de ilícito, subsequentemente apenas cumprirá analisar a questão da indemnização por danos não patrimoniais.

III – Factos
1- A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
A) A Ré é uma Instituição não governamental de carácter voluntário e interesse público, que desenvolve a sua atividade no respeito pelo Direito Internacional Humanitário, pelos Estatutos do Movimento Internacional e pela Constituição da Federação da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, sendo uma pessoa coletiva de direito privado e de utilidade pública administrativa sem fins lucrativos;
B) O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 01/04/2016, com a categoria de assistente operacional, exercendo a sua atividade na Delegação ... da Ré, sediada em ...;
C) O Autor exerce funções na mencionada Delegação ..., situada na Rua ... em ..., como Tripulante de Ambulância de Socorro na Unidade de Emergência desta entidade, auferindo a remuneração base mensal de € 705,00 euros;
D) No dia 9 de Junho de 2021, pelas 15.00 horas, estava agendada a realização de uma Assembleia, na Delegação ... da Ré, para a eleição de um membro para o seu Conselho de Curadores;
E) No dia 26 de Julho de 2021, a Ré procedeu à instauração de um processo disciplinar contra o Autor;
F) No dia 2 de Agosto de 2021, a Ré remeteu ao Autor, por carta registada com aviso de receção, a Nota de Culpa que contra ele foi elaborada, que a rececionou a 10 de Agosto de 2021 e suspendeu-o de forma preventiva imediata, sem perda de retribuição;
G) Concluída a instrução do processo disciplinar a 14/12/2021 e após realizadas as diligências probatórias julgadas pertinentes, foram considerados provados os factos constantes da Nota de Culpa, da seguinte forma: “a) A CRUZ VERMELHA PORTUGUESA é uma Instituição não governamental de carácter voluntário e interesse público, que desenvolve a sua actividade no respeito pelo Direito Internacional Humanitário, pelos Estatutos do Movimento Internacional e pela Constituição da Federação da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, sendo uma pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública administrativa sem fins lucrativos, com plena capacidade jurídica para a prossecução dos seus fins; b) O trabalhador arguido AA foi admitido ao serviço desta Instituição em 01/04/2016, com a categoria de assistente operacional, exercendo funções na sede da Delegação ..., situada na Rua ... em ..., como Tripulante de Ambulância de Socorro na Unidade de Emergência desta entidade; c) No dia 09/06/2021, entre as 15H00 e as 16H00, quando se encontrava agendada a realização da Assembleia para a eleição de um membro da Delegação para o Conselho de Curadores, a decorrer na sede desta Delegação, d) E apesar do trabalhador arguido, à data dos factos, se encontrar suspenso preventivamente no âmbito do processo disciplinar nº ...21, que lhe foi instaurado a ../../2021 e que se encontrava em fase de instrução naquela data, e) estando, por esse motivo, o trabalhador arguido impedido de entrar nas instalações desta Delegação, f) tentou forçar a sua entrada na referida Assembleia, g) apesar de ter sido esclarecido pelos colegas de trabalho, Drª BB e Sr. CC, que se encontravam à porta da entrada da Delegação para orientar a entrada das pessoas que iriam estar presentes naquela Assembleia, h) e ainda pelo vogal da Comissão Administrativa, Dr. DD, que também se encontrava presente ao cimo das escadas, junto à porta da secretaria, acompanhado pelo tesoureiro, Sr. EE, i) que o seu nome não constava da lista dos membros com direito a assistir, j) pelo que não podia entrar para estar presente naquela Assembleia; k) Face a este impedimento, o trabalhador arguido, exaltado e irritado com esta situação, proferiu de forma agressiva e em viva voz e à porta de entrada desta Delegação, as seguintes expressões: 1. “são uns paus mandados!” 2. “Quem foi o incompetente que fez a lista?!” l) Juntamente com o trabalhador arguido encontrava-se à porta da Delegação mais um grupo de 6 a 8 pessoas, que também estavam impedidos de entrar, porque os seus nomes não constavam da lista; m) O trabalhador arguido apresentou-se como sendo o “porta-voz” desse grupo de pessoas, mostrando-se nervoso e irritado e insistindo em perguntar “…não me deixam entrar, porquê?”, n) Enquanto ia proferindo ameaças de viva voz, dizendo que: “vão pagar por isto!”, “hei-de de vê-los todos a limpar a parada com uma escova de dentes”, o) E repetindo “ são uns incompetentes!” p) E questionando, no mesmo tom de exaltação, que “eram colaboradores da casa, porque é que estavam inibidos de entrar na Delegação?!”. q) E ainda afirmando “só deixam entrar quem querem para obter as decisões que pretendem!” r) Sendo que a certa altura afirmou em viva voz que “ia chamar a polícia, como lhe tinham feito a ele”. s) Em dado momento, quando a Drª BB voltou novamente a ser abordada diretamente pelo trabalhador arguido na sequência daquelas afirmações, o vogal Dr. DD que se encontrava no patamar, ao cimo das escadas, aconselhou-a a não responder, t) ao que o trabalhador arguido, exaltado e em tom agressivo, se dirigiu ao mencionado vogal, que bem conhece e sabe que é membro da Comissão Administrativa, gritando-lhe: “eu falei consigo?” “disse-lhe alguma coisa?” “são uns bandalhos!”. u) Todos estas ofensas verbais foram ditas em voz alta e foram ouvidas por quem passava na rua, já que foram proferidas no exterior junto à porta da Delegação, onde se encontrava o trabalhador arguido; v) Face à crescente atitude violenta nas ofensas verbais que o trabalhador arguido ia proferindo, o vogal Dr. DD pediu a comparência da Drª FF, que exerce as funções de ... na Direção Nacional da Cruz Vermelha Portuguesa e que estava presente para assistir à Assembleia em representação da Instituição, pedindo-lhe a sua colaboração para tentar repor a calma; w) A Drª FF esclareceu o trabalhador arguido e os demais presentes sobre as razões da não entrada na Assembleia e também o informou que tinha o direito de impugnar esta decisão; x) O trabalhador arguido chamou a Polícia de Segurança Pública, que chegou ao local e tomou conta da ocorrência, procedendo à identificação de alguns presentes e também da Presidente da Comissão Administrativa; y) A polícia aconselhou o trabalhador arguido e os demais presentes a se retirarem de junto da porta da entrada da Delegação; z) Apesar desta recomendação, o trabalhador arguido ainda se manteve por mais algum tempo nas imediações da Delegação, juntamente com os demais pessoas que não entraram na Assembleia, tendo por fim, acabado por se retirar; aa) A Assembleia realizou-se normalmente, tendo sido eleito, por unanimidade, o curador em falta; bb) Pela cláusula 4ª do contrato de trabalho outorgado entre a Instituição e o trabalhador arguido, este obrigou-se a “(…)sem prejuízo de todas as demais obrigações decorrentes do presente contrato, legislação laboral aplicável, princípios, normas e instruções da Cruz Vermelha Portuguesa, está obrigado a respeitar e tratar com urbanidade o Primeiro Outorgante e demais pessoas que tenham ou venham a manter relação com esta, comparecer com assiduidade e pontualidade, realizando com zelo e diligência o respetivo trabalho”. cc) O trabalhador arguido tem 5 anos como trabalhador contratado ao serviço desta Instituição, sendo bom profissional; dd) No seu certificado disciplinar consta que, à data dos factos, tem pendente um processo disciplinar com o nº ...21, estando suspenso preventivamente desde ../../2021. ee) O trabalhador arguido não tinha que estar presente naquela Assembleia porque não era, nem é, membro eleitor dos Curadores que integram o Conselho de Curadores da Delegação ....”;
H) No dia 10 de Janeiro de 2022, a Ré proferiu a decisão final de despedimento do Autor, com justa causa e sem indemnização ou compensação;
I) Por carta registada com aviso de receção, datada de 11 de Janeiro de 2022, comunicou ao Autor este despedimento, com base nos fundamentos invocados e melhor descritos na mencionada decisão final, que a rececionou a 13 de Janeiro de 2022;
J) No dia 09/06/2021, entre as 15H00 e as 16H00, quando se encontrava agendada a realização da Assembleia para a eleição de um membro da Delegação para o Conselho de Curadores, a decorrer na sede desta Delegação, o A. compareceu no local de realização da mesma, acompanhado de mais 6 a 8 pessoas, por entender que podia participar;
K) À data, o A. encontrava-se suspenso preventivamente no âmbito do processo disciplinar nº ...21, que lhe foi instaurado a ../../2021 e que se encontrava em fase de instrução;
I) O A. foi esclarecido pelos colegas de trabalho, Drª BB e Sr. CC, que se encontravam à porta da entrada da Delegação para orientar a entrada das pessoas que iriam estar presentes naquela Assembleia, que não poderia entrar por o seu nome não constar da lista para o efeito e de que dispunham;
M) Face a este impedimento, o A., irritado com esta situação, proferiu em viva voz e à porta de entrada desta Delegação, as seguintes expressões, dirigindo-se aos colegas que estavam à porta BB e CC: 1. “são uns paus mandados!” 2. “Quem foi o incompetente que fez a lista?!” “hei-de de vê-los todos a limpar a parada com uma escova de dentes”;
N) Juntamente com o A. encontravam-se à porta da Delegação mais um grupo de 6 a 8 pessoas, que também estavam impedidos de entrar, porque os seus nomes não constavam da lista;
O) O A. insistia em perguntar “…não me deixam entrar, porquê?”;
P) E questionava que “eram colaboradores da casa, porque é que estavam inibidos de entrar na Delegação?!”;
Q) A certa altura afirmou em viva voz que “ia chamar a polícia, como lhe tinham feito a ele”;
R) A Drª FF esclareceu o A. e os demais presentes sobre as razões da não entrada na Assembleia e também o informou que tinha o direito de impugnar esta decisão;
S) O A. chamou a Polícia de Segurança Pública, que chegou ao local e tomou conta da ocorrência, procedendo à identificação de alguns presentes e também da Presidente da Comissão Administrativa;
T) A polícia aconselhou o A. e os demais presentes a se retirarem de junto da porta da entrada da Delegação;
U) A Assembleia realizou-se normalmente, tendo sido eleito, por unanimidade, o curador em falta;
V) Consta da cláusula 4ª do contrato de trabalho outorgado entre a R. e o A. que: “(…) sem prejuízo de todas as demais obrigações decorrentes do presente contrato, legislação laboral aplicável, princípios, normas e instruções da Cruz Vermelha Portuguesa, está obrigado a respeitar e tratar com urbanidade o Primeiro Outorgante e demais pessoas que tenham ou venham a manter relação com esta, comparecer com assiduidade e pontualidade, realizando com zelo e diligência o respetivo trabalho”;
W) Para tal Assembleia foram convocados “(...) todos os membros ativos e contribuintes (ex. sócios e voluntários) – a reunir com caráter ordinário, nas suas instalações sitas em ... na Rua ...., no próximo dia 09 de Junho de 2021, pelas 15H00, com a seguinte ordem de trabalhos: 1 – Eleger 1 (um) membro da Delegação para o Conselho de Curadores (artigo 28.º alínea c) 2 – Assuntos diversos (...);
X) A instrução foi dada como concluída a 14 de Dezembro de 2021 com o seguinte despacho “Consigno que nada mais tendo sido requerido pelo trabalhador arguido e não se justificando outras diligências que cumpra ordenar, aos catorze dias do mês de Dezembro de dois mil e vinte e um, dou pro finda a instrução e procedo à elaboração do relatório final a apresentar à Direcção da Delegaçã ... da Cruz Vermelha Portuguesa”;
Y) Em 19 de Novembro de 2021 ocorreu a inquirição da testemunha DD no âmbito do procedimento disciplinar; e
Z) Em 03.12.2021 foi junta a resposta dada pela Direção da Delegação da CVP ao requerimento endereçado pelo ora A. em 28.10.2021;
AA) Em 03.12.2021 foi enviado email ao ilustre mandatário do ora A. com a comunicação da referida resposta e da junção da mesma ao procedimento disciplinar;
BB) O relatório final do procedimento disciplinar data de 16 de Dezembro de 2023;
CC) A decisão final de despedimento data de 10 de Janeiro de 2022;
DD) O Autor rececionou a comunicação da decisão final que determinou o seu despedimento a 13 de Janeiro de 2022;
EE) O Autor é Membro Associado Ativo (MAA) da Ré Cruz Vermelha Portuguesa desde, pelo menos, 01 de Abril de 2016;
FF) O Autor sempre teve morada fixada em ..., sendo membro inscrito na área de jurisdição da Delegação Local de ... da Cruz Vermelha Portuguesa.
GG) Desde Janeiro/Fevereiro do corrente ano, foi retirado de funções (o Autor) do PEM de ... e sendo deslocado para o PEM de ...;
HH) A R. proibiu o A. de consultar o processo disciplinar n.º ...21, chegando a chamar a PSP face à recusa do Autor em se ausentar da Delegação enquanto não consultasse o processo disciplinar, o que acabou por não fazer;
II) O Autor é Membro Associado Ativo da Ré desde 21.11.2015,
JJ) Desde 2015 até 2019, e junto da Delegação ..., o Autor prestou mais de 2180 (duas mil cento e oitenta horas) de trabalho voluntário, na área da emergência médica;
KK) Em 2017 e 2018, em regime de voluntariado, prestou apoio aos incêndios de ... e de ...;
LL) O Autor, enquanto Membro Associado Ativo da Ré, realizou as seguintes formações: Curso Essencial de Socorrismo, Tripulante Ambulância de Transporte com Suporte Básico de Vida Adulto e Pediátrico, Suporte Básico de vida com Desfibrilhador. Situações de Catástrofe; Curso de Tripulante de Ambulância de Socorros (5 módulos); Curso formação Apoio ao Luto - Formação a cargo da Servilusa; -Formação descontaminação e medidas de segurança - Marinha Portuguesa -Base do Alfeite; Formação Segurança Aeroportuária ministrada pela ANA Aeroportos de Portugal; Formação Procedimentos para não contaminação do local de crime - PJ ... Exercícios da instituição com forças externas; O Autor, enquanto Membro Associado Ativo da Ré participou nos seguintes simulacros: Fenix 19 - Exercício realizado nos Estaleiros de Almada com GNR pelas forças especiais militares e países como Espanha, Itália, França, Itália, Grécia, entre outros; Simulacro de Acidente Aéreo no Aeroporto Internacional de ... ( 2 eventos ) - ANA Aeroportos; Simulacro de Acidente Ferroviário na trasfega de Matérias Perigosas – CP, INEM e Proteção Civil de ...; Simulacro Aldeias Segura da Proteção Civil de São Brás de Alportel;
MM) O Autor, enquanto Membro Associado Ativo da Ré, participou nos seguintes eventos: Festival da Eurovisão da Canção em Lisboa; Noite Branca – ...; Festival Med – ...; Volta ao Algarve em Bicicleta - Rally do Algarve (2 edições); Estádio Do Algarve jogos seleção de Portugal e Gibraltar, Taça de Portugal e outros; Carnaval de ... (3 edições); Carnaval de Quarteira (3 edições); Triatlo internacional de Vilamoura (3 edições); Triatlo de Quarteira; Triatlo de Quinta do Lago (3 edições); Eventos de Vela e náuticos em Vilamoura (3 edições); Evento do Campeonato do Mundo H2o em Portimão (2 edições); Moto GP 2020 Portimão; Eventos vários no Autódromo Internacional de Portimão e Karting provas nacionais e do campeonato do mundo; Baja ... ( 2 edições); Salir TT (3 edições); Btt Alte (3 edições);
NN) No seu percurso enquanto Membro Associado Ativo, o Autor logrou obter para a Cruz Vermelha Portuguesa ao longo destes seis anos, os seguintes patrocínios: 10 (dez) Rádios da rede UHF/VHF; 6 (seis) Rádios portáteis rede SIRESP da marca Motorola; 1 (um) Rádio base rede SIRESP da marca Motorola; Donativos em numerário no valor global de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros); 10 (dez) strobs Led de cor azul que foram colocados em Ambulâncias da CVP e na Moto 4; 3 (três) strobs led cor azul para parabrisas e que equipam ambulâncias da CVP; 1 (um) par de colunas e um autorádio que equipam presentemente a ambulância RP da CVP;
OO) O Autor deslocou-se no dia 09 de Agosto de 2021, pelas 14h30, às instalações da Ré CVP sitas à Rua ..., em ...;
PP) Aí chegado o Autor, logo encontrou outros Membros Associados Ativos que aí se deslocaram para assegurar a sua presença na referida Assembleia, como são exemplos disso a D. GG, a D. HH, o Sr. II, a D. JJ, o Sr. KK, a Dr.ª LL e a Dr.ª MM;
QQ) Aí chegados, deslocam-se para a porta da delegação que se abriu, sendo informados que a entrada seria proibida a quem não constasse dos cadernos referentes àquela Delegação Local.
RR) A D. BB informou que o nome da Dr.ª MM (à altura dos factos Coordenadora Regional da CVP) não constava na listagem que dispunha, situação que causou algum alvoroço;
SS) Referiu, ainda, a D. BB que também não constavam da listagem que dispunha os nomes do Autor, da D. HH, do Sr. II, da D. JJ, do Sr. KK, e que não poderiam entrar;
TT) Enquanto decorria o supra descrito, o Autor mantinha-se, como sempre se manteve, no passeio junto à entrada da sede da Delegação nunca tendo sequer aproximado ou transposto a porta, encontrando-se rigorosamente por detrás da Dr.ª MM;
UU) A D. BB franqueou a entrada à D. GG, que acabou por se recusar entrar enquanto outros Membros Associados Ativos da Ré que aí se encontravam não entrassem, uma vez que a mesma tinha pleno conhecimento que se encontram inscritos naquela Delegação.
VV) É franqueada a entrada nas instalações da CVP à Dr.ª LL e à Dr.ª NN que se insurgem quanto ao facto de estarem no local OO e operacionais da CVP, como era o caso da Dr.ª MM e do Autor, a quem foi recusada a entrada;
WW) Enquanto isto, a Dr.ª MM ainda se encontrava no passeio em frente à entrada da sede da Delegação ..., questionando o porquê de lhe ser vedada a entrada na Assembleia e o Autor por detrás desta;
XX) Face à recusa de entrada da D. MM, a mesma solicitou ao Autor para contactar a P.S.P. para se deslocar ao local e tomar conta da recusa da ... em que a referida Dr.ª MM pudesse assistir e participar na referida Assembleia, ao que o Autor aquiesceu;
YY) A P.S.P. chegou ao local por volta das 15h08 e identificou o Autor e testemunhas que se encontravam no passeio junto à sede da CVP da ..., aconselhado os mesmos a ausentarem-se do local;
ZZ) O Autor e demais associados da CVP que se encontravam no local deslocaram-se para o ... onde se mantiveram até por volta das 16h30.
AAA) Devido a algumas alterações ocorridas na Delegação ... da Cruz Vermelha Portuguesa, o Autor, bem como outros Colegas deste que integram a Unidade de Emergência da Delegação de ..., remeteram ao Exmo. Sr. Presidente da Direção Nacional da Cruz Vermelha Portuguesa, em Fevereiro de 2021, vários e-mails dando conta do desagrado destes trabalhadores face a decisões referentes à orgânica de trabalho, nomeadamente, com a utilização de trabalhadores contratados ao abrigo do programa MAREESS, com formação praticamente inexistente, em detrimento de trabalhadores do quadro de pessoal da Cruz Vermelha Portuguesa, estes com elevada formação e competências já comprovadas no que se refere à emergência pré-hospitalar;
BBB) Nesses mesmos emails é dada conta à Direção Nacional da Ré Cruz Vermelha Portuguesa de factos relacionados com doações da empresa A..., doações estas de roupas, calçado e produtos de beleza e cuja venda estava terminantemente proibida pela Direção Nacional da Ré Cruz Vermelha Portuguesa;
CCC) Nessas reclamações remetidas para o Sr. Presidente da Direção Nacional mas também para a Coordenação Regional da Ré Cruz Vermelha Portuguesa, os trabalhadores da Ré informaram a Direção Nacional que tais bens doados pela A... estavam a ser vendidos a um preço significativamente abaixo do custos dos mesmos a elementos que compõem a ... da Ré Cruz Vermelha Portuguesa, contrariando de forma evidente as ordens da Direção Nacional bem como da entidade que procedeu a tal doação;
DDD) Foi solicitada, quer pelo Autor quer por alguns dos seus Colegas de trabalho, uma reunião com o Sr. Presidente da Direção Nacional da CVP com o intuito de prestarem todos os esclarecimentos que este entendesse convenientes quanto aos emails que lhe foram remetidos.
EEE) Pelo facto da Comissão Administrativa da Delegação Faro Loulé da Ré Cruz Vermelha Portuguesa ter tomado conhecimento de que quer o Autor quer outros colegas tinham requerido ao Sr. Presidente uma reunião via telemática, a verdade é que tal reunião acabou por não ocorrer uma vez que a Coordenação Local impediu os trabalhadores referidos de efetuarem trocas de serviço, impedindo desta forma a realização da já referida reunião com o Sr. Presidente e que, até à presente data, ainda não se realizou não obstante o reagendamento da mesma;
FFF) Os emails remetidos exclusivamente ao Sr. Presidente da Direção Nacional da CVP chegaram à Comissão Administrativa e esta, ao tomar conhecimento dos mesmos, determinou a realização de uma reunião na sede da Delegação ... em que a Presidente da Comissão Administrativa deu conta aos trabalhadores de que já tinha na sua posse os emails enviados ao Sr. Presidente tendo ameaçado os presentes com processos disciplinares e até com processos crime.
GGG) A partir deste momento, o Autor foi de imediato afastado do Posto de Emergência Médica de ... e colocado no Posto de Emergência Médica de ..., muito embora, na verdade, nunca tenha o Autor desempenhado funções em tal Posto de Emergência Médica de ... uma vez que nesse posto não existe uma Ambulância disponível ou a que estava alocada a tal Posto de Emergência Médica estava inoperacional;
HHH) A Ré Cruz vermelha Portuguesa afastou por completo o Autor da Emergência Médica;
III) O Autor e outros Colegas deslocaram-se ao Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social onde estiveram reunidos e recolheram diversas fichas de inscrição;
JJJ) Essas fichas de inscrição foram subscritas por 16 (dezasseis) operacionais da Unidade de Emergência da Cruz Vermelha – Delegação ..., e encontravam-se numa gaveta da sala da Central de Emergência Médica da Delegação ..., de onde desapareceram por completo;
KKK) O Autor tem o seu domicílio fixado em ..., e à data dos factos supra descritos, faziam parte do seu agregado familiar os seus pais, já de idade avançada, e que consigo residiam; (este facto é alterado infra)
LLL) A Ré Cruz Vermelha Portuguesa negou impugnar uma multa de excesso de velocidade do Autor a serviço da Ré, aquando do transporte urgente de uma vítima de violência doméstica, obrigando o Autor a contestar por si tal multa rodoviária;
MMM) Sem ter dado conhecimento prévio ao Autor, a Ré Cruz Vermelha Portuguesa, ordenou a retirada de uma máquina de café que se encontrava na Unidade de Emergência e que aí tinha sido colocada a expensas do Autor, invocando para o efeito que existia uma máquina nos escritórios da sede;
NNN) A sede tem um horário de funcionamento que não é o horário de funcionamento da Unidade de Emergência. A sede local da Ré encerra às 18h00 e a Unidade de Emergência está de serviço de permanência de 24 horas, por sete dias da semana;
OOO) Com a suspensão determinada a 27 de Abril de 2021, o Autor não mais voltou ao seu local de trabalho;
PPP) Nas instalações da Ré o Autor tinha um cacifo no qual guardava bens da sua propriedade e outros relacionados com a sua atividade laboral;
QQQ) Em inícios de Abril de 2022, foi o Autor informado por colegas da Unidade de Emergência que o seu cacifo estava aberto e que teria sido arrombado;
RRR) Nesse mesmo cacifo o Autor tinha guardado um computador da marca ..., modelo ..., no valor nunca inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), que desapareceu, assim como outros bens pertencentes ao Autor;
SSS) Da Ré Cruz Vermelha, após o Autor a ter questionado quanto ao destino que foi dado a tais bens, apenas recebeu a resposta que não se responsabiliza por tal roubo;
TTT) Em 03 de Janeiro de 2021, o Autor contraiu SARS COV-2;
UUU) O Autor contraiu Covid no exercício das suas funções uma vez que era o Autor quem procedia à desinfestação e higienização de espaços contaminados, tendo sido o Autor que transportou e acompanhou diversos emigrantes de origem nepalesa e indiana que, por ordens superiores, teriam de permanecer em isolamento profilático, sendo remetido para a Escola Secundária ...;
VVV) O Autor não recebeu por parte da Ré Cruz Vermelha nem sequer um telefonema;
WWW) Em ../../2021 o pai do Autor faleceu; (este facto é eliminado infra)
XXX) No mesmo dia do falecimento do seu pai, o Autor manteve-se ao trabalho e consciente do período pandémico que o país atravessava, voluntariamente e fora do horário de trabalho, o Autor a pedido da Ré deslocou-se a ..., distrito ..., para aí efetuar um levantamento de cadáver, suspeito de ter falecido com COVID, sendo que no seu regresso à Unidade de Emergência iniciou logo um turno de 24 horas;
YYY) O Autor não gozou um único dia sequer do luto parental, mantendo-se ao trabalho;
ZZZ) A mãe do ora Autor teve de tomar medicação antidepressiva e ansiolítica devido à forte emoção causada pelo despedimento do A.;[este facto passou infra a não provado]
AAAA) A mãe do Autor, depois da notícia do despedimento do filho e por causa dele viu-se obrigada a ficar em repouso absoluto;[este facto passou infra a não provado]
BBBB) A retribuição auferida pelo Autor era o principal meio de sustento da sua família;
CCCC) O Autor sofreu uma forte depressão nervosa, com o aparecimento de doenças motivadas/exponenciadas pelo stress que viveu e ainda vive, como gota e crises hipertensivas;
DDDD) Que o obrigou a recorrer a médicos e fazer medicação diária;
EEEE) Ainda antes do Autor ser suspenso, no primeiro processo disciplinar, já o Coordenador Local de Emergência tinha sido alertado para o facto do Autor se encontrar ao trabalho e com as tensões a 180/135;
FFFF) O médico consultado receitou ao A. vários medicamentos para os nervos (ansiolíticos);
GGGG) Face às suspensões sofridas e ao despedimento, o Autor viu-se profundamente envergonhado e vexado pela Ré que insiste em afirmar que o Autor era um mau profissional e que foi expulso da Cruz Vermelha Portuguesa;
HHHH) Assim como se viu envergonhado ao ver-se na necessidade de dizer à sua mãe que tinha sido despedido, tanto mais que o Autor é o único apoio de que esta beneficia e que com ele reside;
IIII) Viu-se também o Autor vexado e envergonhado ao pedir o apoio económico dos seus irmãos para fazer face a despesas suas e da sua mãe;[este facto passou infra a não provado]
JJJJ) Viu-se o A. obrigado a vender um apartamento que é proprietário em ..., ..., para fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar e para não incumprir com compromissos assumidos;[este facto passou infra a não provado]
KKKK) O Autor viu a sua dignidade profissional ofendida ao ver-se impedido do exercício das suas funções, pela inatividade forçada pela Ré, viu-se impedido de desenvolver a sua formação profissional e consequentemente a sua capacidade de intervenção no mercado de trabalho;
LLLL) Esta situação estendeu-se para além da empresa, isto é, estendeu-se a outros profissionais da mesma área, que consigo mantinham relações de trabalho, que constantemente contactam o Autor questionando se é verdade que o mesmo foi “expulso” da Cruz Vermelha;
MMMM) Esta imagem de inatividade e falta de atualização numa área tão competitiva como a que o Autor abraçou é de muito difícil recuperação;
NNNN) A ... já deu instruções a outras delegações para não aceitarem o Autor nem sequer como voluntário, por ser um mau profissional e por ter sido expulso da Cruz Vermelha Portuguesa;
OOOO) O A. é membro associado ativo nº. ...23, foi voluntário na Delegação Local de ... da Cruz Vermelha Portuguesa na área de voluntariado de emergência, desde ../../2015 até ../../2021;
PPPP) Por sentença proferida no âmbito do Prpcesso Nº. 2380/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... – ..., foi anulada a sanção disciplinar aplicada ao ali A. AA e a R. Cruz Vermelha Portuguesa condenada a restituir-lhe a quantia de € 700,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Infra, em sede de análise e decisão sobre impugnação da matéria de facto, é aditado o seguinte facto provado:
QQQQ) “O Autor, quando lhe foi dito à porta da sede da delegação da Ré que não podia entrar para participar na assembleia, ficou exaltado e irritado”.

2 – A 1.ª instância deu como não provados os seguintes factos:
A) O A. apresentou-se como sendo o “porta-voz” desse grupo de pessoas, mostrando-se nervoso e irritado; [alterado infra]
B) O A. dirigiu a expressão “vai ser um gozo vê-los a todos de joelhos, a limpar a parada com uma escova de dentes aos membros ou à comissão administrativa da R.;
C) Estas afirmações feitas pelo A. são profundamente vexatórias e atentatórias da dignidade, competência e brio profissional de todos os membros da Comissão Administrativa da R;
D) O A. tentou forçar a sua entrada na referida Assembleia;
E) E ainda afirmando “só deixam entrar quem querem para obter as decisões que pretendem!”;
F) Em dado momento, quando a Drª BB voltou novamente a ser abordada diretamente pelo A. na sequência daquelas afirmações, o vogal Dr. DD que se encontrava no patamar, ao cimo das escadas, aconselhou-a a não responder, ao que o A., exaltado e em tom agressivo, se dirigiu ao mencionado vogal, que bem conhece e sabe que é membro da Comissão Administrativa, gritando-lhe: “eu falei consigo?” “disse-lhe alguma coisa?” “são uns bandalhos!”;
G) Face à crescente atitude violenta nas ofensas verbais que o trabalhador arguido ia proferindo, o vogal Dr. DD pediu a comparência da Drª FF, que exerce as funções de ... na Direção Nacional da Cruz Vermelha Portuguesa e que estava presente para assistir à Assembleia em representação da Instituição, pedindo-lhe a sua colaboração para tentar repor a calma;
H) Sabendo a Comissão Administrativa de que vários trabalhadores se deslocaram ao referido Sindicato, e numa franca postura obstativa do exercício dos direitos laborais e sindicais dos trabalhadores, fez desaparecer as fichas de inscrição;
I) O A. não era, nem é, membro eleitor dos Curadores que integram o Conselho de Curadores da Delegação ....

IV – Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é agora o momento de analisar e decidir, de per se, cada uma delas, tendo em conta a precedência lógica que apresentam.

1. Da Impugnação da matéria de facto
Como resulta das conclusões das alegações de recurso, a recorrente sustenta que deve ser considerada como provada a matéria constante das alíneas A), B), C), D), F) e I) dos factos não provados.
E considera que deve ser dada como não provada a matéria considerada provada nas alíneas J (parte final), GG, FFF, GGG, HHH, KKK, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, GGGG, HHHH, IIII, JJJJ, LLLL, MMMM e NNNN.
Mais considera que em relação à matéria dada como provada nas alíneas JJ, KK, LL, MM, NN, AAA,BBB, CCC, DDD, EEE, III, JJJ, LLL, MMM, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV não têm relevância para a decisão, pelo que, se bem se intui, pretende que tais factos sejam eliminados da factualidade assente; mas para além destes factos que nas conclusões considera que não têm relevância para a decisão, em sede de alegações indica ainda outros factos que entende não terem relevância para a decisão.
Ora, em relação a esta factualidade que a recorrente considera sem relevância para a decisão, cumpre desde já referir que o que a lei prevê, rectius o artigo 640.º do Código de Processo Civil, é a impugnação sobre os concretos pontos de facto que o recorrente considera “incorretamente julgados”, e não em sede de impugnação da matéria de facto apurar da relevância ou não de determinados factos para a decisão final.
Por isso, mantêm-se os factos provados que a recorrente considera irrelevantes para a decisão: naturalmente que em sede de subsunção jurídica atender-se-á ou não aos mesmos, conforme se mostrem ou não pertinentes para a decisão da causa.
Em relação aos factos propriamente impugnados pela recorrente – seja aqueles que foram dados como provados seja aqueles que foram dados como não provados – nas alegações de recurso indica os concretos meios probatórios (prova documental e testemunhal, aqui com menção da concreta gravação) que, no seu entender, impõem decisão diversa e a decisão que deve ser proferida sobre cada um dos factos impugnados.
Nada obsta, pois, a que se conheça da impugnação da matéria de facto.
Para tal procedemos à audição dos depoimentos indicados pela recorrente, não só na parte por ela indicada como também noutras partes que se afiguram relevantes, bem como à análise da prova documental.
Vejamos agora os diversos factos impugnados, ainda que agrupando alguns deles, por ser comum a invocada prova em que se fundamentam.

1.1. Quanto aos factos dados como não provados sob as alíneas A), B), C), D), F) e I)
Recorde-se que estes factos são do seguinte teor:
A) O A. apresentou-se como sendo o “porta-voz” desse grupo de pessoas, mostrando-se nervoso e irritado;
B) O A. dirigiu a expressão “vai ser um gozo vê-los a todos de joelhos, a limpar a parada com uma escova de dentes” aos membros ou à comissão administrativa da R.;
C) Estas afirmações feitas pelo A. são profundamente vexatórias e atentatórias da dignidade, competência e brio profissional de todos os membros da Comissão Administrativa da R;
D) O A. tentou forçar a sua entrada na referida Assembleia;
F) Em dado momento, quando a Drª BB voltou novamente a ser abordada diretamente pelo A. na sequência daquelas afirmações, o vogal Dr. DD que se encontrava no patamar, ao cimo das escadas, aconselhou-a a não responder, ao que o A., exaltado e em tom agressivo, se dirigiu ao mencionado vogal, que bem conhece e sabe que é membro da Comissão Administrativa, gritando-lhe: “eu falei consigo?” “disse-lhe alguma coisa?” “são uns bandalhos!”;
I) O A. não era, nem é, membro eleitor dos Curadores que integram o Conselho de Curadores da Delegação ....

A 1.ª instância aduziu a seguinte justificação para responder “não provado” a tal matéria:
“Importa, em primeiro lugar, salientar que a legal representante da R. PP, em sede de declarações de parte declarou, o que se fez constar em assentada, que “quando proferiu a expressão constante no artº.14, alínea c) da nota de culpa o Autor dirigiu-se aos colegas que estavam à porta, à BB e ao CC. A BB e o CC não fazem parte da comissão administrativa da R., são funcionários da delegação”.
Ora, a expressão constante no artº.14, alínea c) da nota de culpa é “vai ser um gozo vê-los a todos de joelhos, a limpar a parada com uma escova de dentes”.
Resultou confessado que esta expressão foi dirigida pelo A. aos colegas BB e CC, funcionários da R., e não à comissão administrativa.
Assim, não se considerou provado que estas afirmações feitas pelo A. se tivessem dirigido aos membros da comissão administrativa da R., que nem se encontravam à porta nem que foram profundamente vexatórias e atentatórias da dignidade, competência e brio profissional de todos os membros da Comissão Administrativa da R, ao contrário do que é referido no artigo 15º. da Nota de Culpa.
Por outro lado, a legal representante referiu não ter ouvido as outras expressões constantes da Nota de Culpa, não as conseguindo precisar, de qualquer modo.
Também o facto de ter referido que o A. não prestava trabalho voluntário desde Agosto de 2020 se revelou contraditório com o teor da declaração de fls. 73 emitida pela R.. Esclareceu que a lista foi elaborada de acordo com informações que foram dadas por diferentes sectores e que se um membro perde a qualidade de membro activo tal é-lhe comunicado, o que não sucedeu com o A., o que permitiu concluir, por conjugação com os demais elementos juntos aos autos, nomeadamente a declaração de fls. 73, que o A. mantém essa qualidade.
O A. em sede de declarações de parte referiu que disse a expressão constante do artigo 8, al. b) da nota de culpa.
Sabia que se encontrava suspenso preventivamente e não podia entrar nas instalações da Cruz Vermelha. Ia participar na assembleia como membro associado activo.”
Ora, a expressão constante do artigo 8º., alínea b) da nota de culpa é “Que vergonha, pessoas de serviço, não podem entrar na própria delegação”.
Quanto aos demais factos constantes da nota de culpa, a testemunha BB, assessora administrativa da Cruz Vermelha ..., descreveu que, no dia 09 de Junho de 2021, pelas 14.00/15.00 horas, encontrava-se à porta da sede da delegação da R. com o colega CC, para receber as pessoas que fossem à assembleia, dispondo de uma listagem onde constava quem podia entrar.
Os membros da direcção estavam dentro do edifício na parte de cima, nomeadamente o Dr. DD e EE, mas o A. não passou da porta que estava meia aberta.
O A. apareceu, juntamente com um grupo de pessoas, entre elas os trabalhadores da R. JJ, QQ, HH e os voluntários GG e KK, bem como a Drª. LL que já fez parte da coordenação da R. e a Drª. MM que foi coordenadora local de emergência na delegação de ..., pretendendo entrar na assembleia, tendo-lhe dito que não podia entrar porque o seu nome não constava na lista.
O A. disse que quem tinha feito a lista era incompetente, que a testemunha era um pau mandado e que haviam de limpar a parada com uma escova de dentes e de pagar por isso, mostrando-se exaltado e a falar alto.
Chamou a polícia.
Assim, este testemunho revelou-se coincidente com as declarações de parte e confissão supra referida.
Também CC, técnico de emergência pré-hospitalar e formador da R., explicou que se encontrava à porta a receber as pessoas no dia da assembleia, a pedido da direcção.
O A. apareceu e foi-lhe dito que não podia entrar por não ter o seu nome na lista. Ficou irritado e disse: “Bandalhos, pau mandado, dirigindo-se a si e à outra colega que se encontrava à porta.
DD, advogado e vogal da direcção da delegação ... da R., relatou que para a assembleia de 09 de Junho de 2021 foi elaborada uma lista com o direito de assento na mesma, tendo ficado dois funcionários à porta para receberem as pessoas. Explicou que tinham direito de assento em tal assembleia os voluntários com período de tempo de pelo menos 1 ano e sócios da R. contribuintes activos.
No dia da assembleia encontrava-se na parte de dentro na escadaria e percebeu que um grupo pretendia entrar.
Elaboraram a lista e fizeram comparecer na assembleia a Drª. RR do departamento jurídico da delegação nacional R., porque perceberam que poderiam surgir problemas.
A Drª. MM era Delegada Regional da Cruz Vermelha.
O A. disse aos colegas que eram uns bandalhos, que faziam o que queriam e que ia chamar a polícia.
Face ao teor destes depoimentos, não pode deixar de se considerar que as expressões paus mandados e bandalhos, esta última não constante da nota de culpa, foram dirigidas pelo A. aos colegas que estavam à porta, não se tendo provado que fossem destinadas à R. ou aos seus superiores hierárquicos. Na verdade, não resultou demonstrado que o A. as tivesse proferido na presença dos mesmos ou sequer que visse quem estava no cimo das escadas para lá da porta de entrada.

No entendimento da recorrente, de acordo com os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, na parte que transcreve, estes factos devem ser dados como provados.
Ora, o que resulta, no essencial, da audição do depoimento das duas primeiras testemunhas é que se encontravam (ambas) à porta da sede da delegação da Ré para receberem as pessoas que aí se dirigiam para participar na assembleia e que constavam de uma listagem que previamente lhes tinha sido entregue por um responsável da Ré.
O Autor, juntamente com um grupo de pessoas (seriam no total 6-8) pretendiam entrar para participar na assembleia, tendo-lhes sido dito pelas duas testemunhas que não podiam entrar porque os seus nomes não constavam da lista.
Cada uma dessas pessoas perguntou individualmente o motivo porque não podia entrar para participar na assembleia, sendo o Autor a 1.ª pessoa que se dirigiu à testemunha BB, e o que colocava mais questões referentes ao facto de não lhes ser permitida a entrada, e terá dito, dirigindo-se às testemunhas, que eram “um pau mandado” e que “vai ser um gozo vê-los a todos de joelhos, a limpar a parada com uma escova de dentes”.
Nessa altura mostrava-se exaltado e irritado.
A própria legal representante da Ré, PP, nas declarações de parte que prestou em 18-11-2022, afirmou, conforme consta da respetiva ata da audiência, que quando o Autor proferiu a expressão que consta do artigo 14.º alínea c) da nota de culpa – ou seja, a expressão “vai ser um gozo vê-los a todos de joelhos, a limpar parada com uma escova de dentes” “(…) dirigiu-se aos colegas que estavam à porta, à BB e ao SS. A BB e o SS não fazem parte da comissão administrativa da Ré, são funcionários da delegação”.
Os referidos BB e SS, que, portanto, tiveram o contacto mais próximo com o Autor quando este pretendia entrar nas instalações para participar na assembleia, não identificaram que aquelas expressões ou quaisquer outras tivessem sido dirigidas aos, ou a algum dos membros da comissão administrativa da Ré.
A testemunha DD referiu que aquando dos factos em causa se encontrava na parte de dentro, na escadaria do interior do edifício, e que as tais expressões também lhe foram dirigidas.
Todavia, face aos depoimentos referidos anteriormente, alguma confusão que se possa ter gerado com a presença e diálogo entre várias pessoas que pretendiam entrar e participar na assembleia, admite-se que a testemunha tenha ficado convicta que as expressões também lhe eram dirigidas.
No entanto, como se disse, atendendo aos referidos depoimentos anteriores, não se afigura seguro que as expressões também foram dirigidas a algum membro da comissão administrativa da Ré.

Assim, respondendo em concreto aos factos não provados que se mostram impugnados, constata-se:
(i) em relação à matéria constante da alínea A) dos factos não provados apenas poderá ser dado como provado que o Autor, após ter sido informado que não podia entrar para participar na assembleia mostrava-se exaltado e irritado, mas já não que fosse “porta-voz” ou de algum modo “líder” desse grupo de 6-8 pessoas que se apresentaram à entrada das instalações da Ré;
(ii) em relação à matéria constante das alíneas B) e C) dos factos não provados, face ao que se referiu de seguro apenas temos que as expressões foram dirigidas a outros trabalhadores da Ré – BB e CC –, pela que tal matéria se mantém como “não provada”;
(iii) em relação à matéria da alínea D), da prova produzida – maxime da audição das duas testemunhas anteriormente referida – não se retirou qualquer elemento que apontasse que o Autor tentou forçar a entrada na assembleia, pelo que essa matéria mantém-se como não provada;
(iv) e o mesmo se verifica quanto à matéria constante da alínea F) dos factos não provados, pelas razões acima aduzidas, que aqui se reproduzem;
(v) o saber se o Autor era ou não membro eleitor dos curadores que integram o Conselho de Curadores da Delegação de ... da CVP é uma conclusão fáctica-jurídica que terá que se extrair de outros factos.
O próprio Autor, nas declarações que prestou, reconhece que não podia participar na assembleia na qualidade de trabalhador, pois estava suspenso preventivamente de funções e, nessa qualidade, não podia entrar nas instalações da Ré: pretendia (…) participar na assembleia como membro associado activo”.
A testemunha DD referiu que o Autor não era membro eleitor por se encontrar suspenso de funções na qualidade de trabalhador e por ter perdido a qualidade de voluntário.
Explicitou que é voluntário quem “dá trabalho voluntário para a Cruz Vermelha”; mas quem está durante mais de um ano sem prestar trabalho voluntário deixa de ser considerado voluntário.
Porém, logo a seguir explicitou que não existem regras rígidas nessa matéria, até porque quando se aproxima um ano sem que uma pessoa preste qualquer trabalho voluntário é-lhe referido esse facto (pode ser por contacto direto, telefone ou outro meio, mas não necessariamente por escrito) e se ele entretanto presta algum trabalho já não é retirado da lista de voluntário/associado ativo da CVP: mas ainda que a pessoa seja retirada de associado ativo – por ter estado mais de um ano sem prestar qualquer trabalho voluntário –, e entretanto presta esse trabalho pode voltar a fazer parte da lista.
Ou seja, do depoimento desta testemunha não resulta sequer que o Autor tinha sido retirado de voluntário/associado ativo.
Aliás, não deixa de surpreender que ao mesmo tempo que a empregadora alega nos autos que o trabalhador não era voluntário/associado ativo, com referência à data da realização da assembleia, em 9 de junho de 2021, a mesma empregadora emitiu a declaração que consta dos autos, datada de 8 de junho de 2022, em que declara que o trabalhador foi seu membro associado ativo, tendo sido voluntário na Delegação Local de ... da Cruz Vermelha Portuguesa, na área de voluntariado de emergência, desde ../../2015 até ../../2021.
Ora, perante tais declarações e documentos juntos aos autos, maxime o referido, entende-se ser de manter a matéria da alínea I) como não provada.

Em suma, quanto à matéria de facto não provada que foi impugnada mantem-se como não provada, com exceção da alínea A), que constará apenas como não provado “O A. Apresentou-se como sendo o “porta-voz desse grupo de pessoas”.
Por sua vez, sobre a alínea QQQQ) dos factos provados passará a constar:
“O Autor, quando lhe foi dito à porta da sede da delegação da Ré que não podia entrar para participar na assembleia, ficou exaltado e irritado”.

1.2. Quantos aos factos dados como provados sob alíneas J (parte final), GG, FFF, GGG, HHH, KKK, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, GGGG, HHHH, IIII, JJJJ, LLLL, MMMM e NNNN e que a recorrente pretende que sejam dados como não provados

Vejamos os diversos factos, alguns deles em conjunto por se encontrarem interrelacionados
1.2.1. Quanto à alínea J) tem a seguinte redação:
“No dia 09/06/2021, entre as 15H00 e as 16H00, quando se encontrava agendada a realização da Assembleia para a eleição de um membro da Delegação para o Conselho de Curadores, a decorrer na sede desta Delegação, o A. compareceu no local de realização da mesma, acompanhado de mais 6 a 8 pessoas, por entender que podia participar”.
A recorrente sustenta que deve ser eliminado “por entender que podia participar”.
Ora, como já se referiu, o Autor estava ciente que não podia participar na assembleia enquanto trabalhador pois estava suspenso, mas entendia que podia participar enquanto voluntário/membro associado ativo, e era nesta qualidade que pretendia participar.
Não se vislumbra qualquer razão para eliminar a última parte do facto.

1.2.2. Quanto às alíneas GG), GGG) e HHH) dos factos provados, que são do seguinte teor:
GG) Desde Janeiro/Fevereiro do corrente ano, foi retirada de funções do Autor do PEM de ... e sendo deslocado para o PEM de ...;
GGG) A partir deste momento, o Autor foi de imediato afastado do Posto de Emergência Médica de ... e colocado no Posto de Emergência Médica de ..., muito embora, na verdade, nunca tenha o Autor desempenhado funções em tal Posto ... uma vez que nesse posto não existe uma Ambulância disponível ou a que estava alocada a tal Posto de Emergência Médica estava inoperacional;
HHH) A Ré Cruz Vermelha Portuguesa afastou por completo o Autor da Emergência Médica.
Se bem se extrai da fundamentação da matéria de facto da 1.ª instância, os citados factos foram dados como provados tendo por base uma sentença proferida pelo mesmo Juízo do Trabalho, que anulou uma sanção disciplinar aplicada pela Ré ao Autor por alegada falta de produtividade e violação do dever de respeito.
E acrescenta-se na fundamentação: “Conjugando o constante da sentença proferida com os depoimentos testemunhais é possível concluir pea existência de um clima de perseguição ao A. tal como relatado pelo mesmo, razão pelo que se consideraram provados factos ao mesmo relativos, como alterações de local de trabalho, retirada do A. da emergência médica, questão ocorrida com a máquina de café do A., problemas ocorridos com os email e na sequência dos mesmos, reunião marcada para os discutir e o ocorrido na mesma”.
Ancorando-se no depoimento das testemunhas TT (que foi coordenador local de emergência da delegação de ... da Ré até ../../2021 e adjunto da coordenadora Regional, tendo a partir daí passado a coordenador local de emergência da delegação de ...) e UU (que fez equipa com o Autor), sustenta a Ré/recorrente que tais factos devem ser dados como não provados.
Vejamos.

A este propósito e com eventual relevância, no depoimento que prestou em 23-06-2022 – depoimento esse que se afigurou sereno, imparcial e objetivo – TT referiu que na altura existiam postos de emergência médica da Cruz Vermelha da Delegação de ... em ..., ..., nos Bombeiros ... e em ... e que o Autor normalmente fazia emergência médica no posto de ..., mas que tal como os outros membros da equipa também podia rodar pelos outros postos.
Por sua vez, a testemunha UU, trabalhadora da Ré, referiu que quando o anterior coordenador VV saiu (o referido TT), passou a fazer equipa com o Autor, tendo sido colocados em ....
Mas como a ambulância do posto de ... se encontrava inoperacional, “reclamaram” da colocação em ..., mas diziam-lhes (responsáveis da Ré) para se deixarem estar em ....
Não tinham nada para fazer, “passavam o dia inteiro sentados”.
Pois bem: face a tais depoimentos, entende-se inequívoco que os factos em causa se mostram provados, uma vez que foi o que efetivamente se verificou.
É certo que a Ré tinha os postos de emergência médica nos locais indicados e que os trabalhadores podiam rodar por esses diversos postos, mas o que está aqui em causa é o modo sequencial e temporal como o Autor foi retirado do efetivo exercício da emergência médica em ... e foi colocado em ... sem nada ter para fazer pois a ambulância estava inoperacional.
Aliás, demonstrativo disso é que – se bem se interpretaram os depoimentos – os trabalhadores mantinham-se em ..., sem terem nada para fazer, mas encontravam-se colocados em ....
Mantem-se, pois, como provada a matéria constante das alíneas GG), GGG) e HHH).

1.2.3. Quanto à alínea FFF) dos factos provados (“Os emails remetidos exclusivamente ao Sr. Presidente da Direção Nacional da CVP chegaram à Comissão Administrativa e esta, ao tomar conhecimento dos mesmos, determinou a realização de uma reunião na sede da Delegação ... em que a Presidente da Comissão Administrativa deu conta aos trabalhadores de que já tinha na sua posse os emails enviados ao Sr. Presidente tendo ameaçado os presentes com processos disciplinares e até com processos crime”).
Este facto é confirmado por diversos depoimentos, designadamente de já referida testemunha UU.
Aliás, do próprio depoimento da testemunha HH, na parte que a recorrente transcreve, se retira tal conclusão, quando, em relação às consequências dos emails remetidos por alguns trabalhadores ao Presidente da CVP afirmou que a Presidente da delegação (…) inicialmente começou por dizer que sabia dos emails, mas depois alguns elementos se expressaram mais, proferiu que teriam posteriores consequências…”.
Mantem-se, por consequência, como provada a matéria constante da alínea.

1.2.4. Quanto às alíneas KKK) e WWW) [certamente por lapso, dada a extensão dos factos impugnados, a recorrente esqueceu-se de mencionar este nas conclusões, mas o mesmo mostra-se impugnado nas alegações] dos factos provados
Estas alíneas são do seguinte teor:
KKK) O Autor tem o seu domicílio fixado em ..., e à data dos factos supra descritos, faziam parte do seu agregado familiar os seus pais, já de idade avançada, e que consigo residiam;
WWW) Em ../../2021 o pai do Autor faleceu.

No entendimento da recorrente, estes factos não podiam ser dados como provados sem qualquer prova documental.
É certo que a prova do óbito deve ser feita documentalmente quando esse é um facto essencial à decisão da causa.
No entanto, aqui destina-se apenas a identificar com quem residia o Autor, pelo que não se vislumbra que tal situação não possa ser provada por prova testemunhal, designadamente da testemunha TT, que afirmou que o Autor vivia com a mãe e que quando o pai faleceu não fez o luto parental, tendo feito trabalho de voluntariado (numa deslocação a ... para efetuar o levantamento de um cadáver).
Pese embora a testemunha não soubesse precisar a data do óbito, pelo enquadramento com outros factos, designadamente trabalho de voluntariado feito pelo Autor, é possível situá-la em de Abril de 2021.
Na declaração de parte o Autor identificou claramente que recebeu a comunicação do falecimento do pai pelas 7.30h do dia ../../2021
Deste modo, para que a matéria fique mais conforme com a prova produzida, o facto constante da alínea KKK) passará a ter a seguinte redação:
“O Autor residia com os seus pais, em ..., tendo entretanto o pai falecido em ../../2021”.
E em consequência desta alteração, elimina-se a alínea WWW) dos factos provados.

1.2.5. Quanto às alíneas XXX) e YYY) da matéria de facto provada, que são do seguinte teor:
XXX) No mesmo dia do falecimento do seu pai, o Autor manteve-se ao trabalho e consciente do período pandémico que o país atravessava, voluntariamente e fora do horário de trabalho, o Autor a pedido da Ré deslocou-se a ..., distrito ..., para aí efetuar um levantamento de cadáver, suspeito de ter falecido com COVID, sendo que no seu regresso à Unidade de Emergência iniciou logo um turno de 24 horas;
YYY) O Autor não gozou um único dia sequer do luto parental, mantendo-se ao trabalho.
A Ré/recorrente sustenta, em síntese, que se a deslocação aconteceu foi por iniciativa do próprio Autor.
Os factos em causa ancoram-se, segundo se extrai, no depoimento da testemunha TT e nas próprias declarações do Autor.
E da conjugação dessas declarações decorre que o Autor terá dito à testemunha que queria continuar a fazer serviço voluntário, porque assim se sentia melhor e, pelas 23.30h foi contactado pela mesma testemunha para aferir da disponibilidade para proceder à recolha de um cadáver em ..., ao que acedeu.
Assim, a matéria constante da alínea XXX) encontra suporte na prova produzida, pelo que se mantém.

1.2.6. Em relação às alíneas ZZZ), AAAA), BBBB), CCCC), DDDD), FFFF) [este facto não é referido nas conclusões, mas consta das alegações a sua impugnação], GGGG), HHHH), IIII) e JJJJ)
Como a recorrente bem refere, estão em causa factos referentes à saúde do Autor e da sua mãe.
E no entender da mesma recorrente, não existe suporte documental nem testemunhal que permita dar os factos como provados.
Com eventual relevância sobre a matéria, respiga-se da fundamentação da matéria de facto o seguinte:
“Conjugaram-se os depoimento referidos com o teor das declarações de parte prestadas pelo A. por forma a considerarm-se provados factos relativos ao estado em que o A. ficou com a suspensão preventiva e despedimento, procedimentos disciplinares e teor dos mesmos, situação familiar em que se viu, problemas de saúde seus e da sua mãe em resultado do despedimento, tratamentos médicos e medicamentosos, dificuldades financeiras por que passou e necessidade de venda do imóvel alegado, bem como desaparecimento do conteúdo do seu cacifo”.
Ou seja, a 1.ª instância terá dado como provados os factos com base no depoimento de diversas testemunhas, designadamente de WW (que trabalhou com o Autor na Ré até 2021) e de XX (que trabalhou para a Ré ao abrigo do programa MARÉS) – e que, no essencial, referiram que o Autor era um bom profissional, que tinha excelente preparação técnica, que estava sempre disponível para fazer trabalho voluntário e que devido à situação laboral por alturas de 2021 perceberam que ele andava triste, ansioso, nervoso, preocupado e que emagreceu muito –, e também com base nas declarações de parte do Autor.
Particularmente estas testemunhas referiram ainda que em situações em que se encontram com outros profissionais da Ré, estes referiam que na mesma Ré se “falava” que o Autor era um “mau profissional”, que tinha sido “expulso” e que “a emergência médica acabou para o Autor” (querendo com isso significar que ele não voltaria a exercer essas funções).
Ora, dos depoimentos em referência, em conjugação com as declarações do Autor – que não obstante ser parte interessada na causa, se afiguraram, na sua generalidade, serenas, objetivas e espontâneas –, entende-se ser de manter como provada a matéria que consta das alíneas BBBB), CCCC), DDDD), FFFF), GGGG) e HHHH) dos factos provados.
Tendo em conta o trabalho desenvolvido pelo Autor ao serviço da Ré, a dedicação ao mesmo que resulta plasmada de vários factos provados, entende-se apresentar-se consistente a prova produzida referente a tais factos, designadamente à vergonha e vexame sofrido com a suspensão e despedimento e ao estado de saúde.
Anote-se, a este propósito, que não se anui ao entendimento da recorrente de que estes factos sobre o estado de saúde do recorrido/Autor são contraditórios com o facto constante da alínea EEEE), pois neste, como resultou de vários depoimentos, está em causa um episódio num período delimitado que, pelo que se extraiu dos mesmos depoimentos, estabilizou: e os factos ora analisados ocorreram em período já posterior, com a suspensão e despedimento do Autor.

Já em relação à matéria referente às consequências na saúde da mãe do Autor, decorrentes do despedimento deste [alíneas ZZZ), AAAA)], ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, entende-se que a prova produzida – que se resume a considerações muito genéricas – é insuficiente para dar os factos como provados.
Assim, passarão a não provados.

E o mesmo acontece em relação aos factos que a 1.ª instância deu como provados sob a alíneas IIII) e JJJJ).
Nas declarações que prestou, o Autor afirmou que teve necessidade de vender o apartamento de que era proprietário para fazer face às suas despesas e do agregado familiar.
Todavia, para além de não se localizar qualquer prova documental sobre a matéria, o Autor afirmou também que tinha adquirido algum tempo antes uma mota, que tinha “paixão” por motas e que se encontrava a suportar despesas inerentes à mesma (julga-se que aí se incluía um empréstimo com a aquisição).
Também não retiramos dessas declarações, ou de quaisquer depoimentos, que a utilização da mota fosse essencial para as deslocações do Autor no dia-a-dia.
Enfim, tudo isto para concluir que a prova produzida não permite suportar que se dê como provado [facto JJJJ)] que o Autor vendeu o apartamento para fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar, pelo que o facto passará a não provado.
E o mesmo se diga em relação ao facto constante da alínea IIII), sobre a necessidade do Autor recorrer ao apoio económico de familiares.
Sobre esta matéria apenas se localizou uma referência muita genérica (nas declarações do Autor), que não se apresenta suficiente para afirmar a verificação do facto, pelo que o mesmo passará também a não provado.

1.2.7. Em relação aos factos constantes das alíneas LLLL), MMMM) e NNNN)
Estão em causa factos referentes a danos na “imagem” do Autor como trabalhador, que passaram para outras empresas do sector, nos quais a própria Ré teve intervenção.
A prova destes factos resulta do já referido anteriormente, designadamente dos depoimentos das testemunhas WW e de XX, complementado com as declarações do Autor.
Desses depoimentos decorre que em lugares onde trabalhadores da mesma “área” (por exemplo, bombeiros) se deslocavam no exercício das respetivas funções - como sejam os hospitais -, com alguma frequência eram feitas referências ao Autor, como sendo “mau profissional” e ter sido “expulso” da Ré.
Ora, tendo em conta esses depoimentos, e a regras de experiência comum, essas informações só poderiam ser atribuídas à Ré, assim como a circunstância do Autor não poder trabalhar noutra delegação da Ré (do depoimento da testemunha TT, que foi coordenador local da delegação de ... e passou para a de ..., retira-se claramente essa conclusão).
Entende-se, por consequência manter esses factos como provados.

1.3. Assim, em suma, quanto à impugnação da matéria de facto:
(i) a alínea A) dos factos não provados passará a ter a seguinte redação: “O A. Apresentou-se como sendo o “porta-voz desse grupo de pessoas”;
(ii) a alínea KKK) passa a ter a seguinte redação:
““O Autor residia com os seus pais, em ..., tendo, entretanto, o pai falecido em ../../2021”.
(iii) em consequência da alteração anterior, é eliminada a alínea WWW);
(iv) Aos factos provados acrescenta-se uma alínea, QQQQ), com o seguinte teor:
“O Autor, quando lhe foi dito à porta da sede da delegação da Ré que não podia entrar para participar na assembleia, ficou exaltado e irritado”;
(v) os factos provados constantes das alíneas ZZZ), AAAA), IIII) e JJJJ), passam a ser considerados não provados.
(vi) mantêm-se os restantes factos impugnados, tal como foram considerados na 1.ª instância, de provados ou não provados.

2. Quanto a saber se o despedimento deve ser qualificado de lícito
A 1.ª instância concluiu pela ilicitude do despedimento do Autor.
Para tanto desenvolveu a seguinte fundamentação:
“Resultou demonstrado que a Ré é uma Instituição não governamental de carácter voluntário e interesse público, que desenvolve a sua actividade no respeito pelo Direito Internacional Humanitário, pelos Estatutos do Movimento Internacional e pela Constituição da Federação da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, sendo uma pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública administrativa sem fins lucrativos.
O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 01/04/2016, com a categoria de assistente operacional, exercendo a sua actividade na Delegação ... da Ré, sediada em ....
O Autor exerce funções na mencionada Delegação ..., situada na Rua ... em ..., como Tripulante de Ambulância de Socorro na Unidade de emergência desta entidade, auferindo a remuneração base mensal de € 705,00 euros.
No dia 9 de Junho de 2021, pelas 15.00 horas, estava agendada a realização de uma Assembleia, na Delegação ... da Ré, para a eleição de um membro para o seu Conselho de Curadores.
(…)
“Quanto aos factos constantes da nota de culpa e que depois foram considerados em sede de decisão final pela R., na presente acção apenas se provou que no dia 09/06/2021, entre as 15H00 e as 16H00, quando se encontrava agendada a realização da Assembleia para a eleição de um membro da Delegação para o Conselho de Curadores, a decorrer na sede desta Delegação, o A. compareceu no local de realização da mesma, acompanhado de mais 6 a 8 pessoas, por entender que podia participar.
O A. foi esclarecido pelos colegas de trabalho, Drª BB e Sr. CC, que se encontravam à porta da entrada da Delegação para orientar a entrada das pessoas que iriam estar presentes naquela Assembleia, que não poderia entrar por o seu nome não constar da lista para o efeito e de que dispunham.
Face a este impedimento, o A., irritado com esta situação, proferiu em viva voz e à porta de entrada desta Delegação, as seguintes expressões, dirigindo-se aos colegas que estavam à porta BB e CC: 1. “são uns paus mandados!” 2. “Quem foi o incompetente que fez a lista?!” “hei-de de vê-los todos a limpar a parada com uma escova de dentes”.
Juntamente com o A. encontravam-se à porta da Delegação mais um grupo de 6 a 8 pessoas, que também estavam impedidos de entrar, porque os seus nomes não constavam da lista.
O A. insistia em perguntar “…não me deixam entrar, porquê?” e questionava que “eram colaboradores da casa, porque é que estavam inibidos de entrar na Delegação?!”.
A certa altura afirmou em viva voz que “ia chamar a polícia, como lhe tinham feito a ele”.
A Drª FF esclareceu o A. e os demais presentes sobre as razões da não entrada na Assembleia e também o informou que tinha o direito de impugnar esta decisão.
O A. chamou a Polícia de Segurança Pública, que chegou ao local e tomou conta da ocorrência, procedendo à identificação de alguns presentes e também da Presidente da Comissão Administrativa.
A polícia aconselhou o A. e os demais presentes a se retirarem de junto da porta da entrada da Delegação.
Todos os demais factos alegados pela R. não foram considerados provados.
(…)
“Segundo ficou provado, não há dúvida que o A. faltou ao respeito aos seus colegas de trabalho que se encontravam à porta da delegação no dia da assembleia, na medida em que lhes chamou “paus mandados”.
Não podem deixar de se considerar violados por parte do A. os deveres de respeito e urbanidade para com os colegas de trabalho, na medida em que utilizou palavras impróprias para se referir aos mesmos, dizendo-o em voz alta.
Na verdade esta expressão “são uns paus mandados” tem uma conotação depreciativa e o sentido de “pessoa que aceita fazer tudo o que se lhe mande, joguete ou pessoa sem personalidade”.
O mesmo se pode dizer da expressão “hei-de de vê-los todos a limpar a parada com uma escova de dentes”, a qual se dirigiu aos mesmos funcionáriosda R. e que tem uma conotação de humilhação.
Já a expressão “Quem foi o incompetente que fez a lista?!” foi feita em tom de pergunta, desconhecendo o A. quem procedeu a tal elaboração.
Dirigiu-se a alguém por parte da R., desconhecendo-se quem e, em última instância à própria R..
No entanto, há que ver o contexto em que foi proferida a expressão em causa.
E ficou provado que o A. proferiu tais expressões na sequência de um impedimento que se viu forçado a acatar e que lhe coartou um direito que estava convencido que tinha, o de participar na assembleia da R..
Na verdade, o A. compareceu no local de realização da mesma, acompanhado de mais 6 a 8 pessoas, por entender que podia participar.
O A. foi esclarecido pelos colegas de trabalho, Drª BB e Sr. CC, que se encontravam à porta da entrada da Delegação para orientar a entrada das pessoas que iriam estar presentes naquela Assembleia, que não poderia entrar por o seu nome não constar da lista para o efeito e de que dispunham.
Face a este impedimento, o A., irritado com esta situação, proferiu em viva voz e à porta de entrada desta Delegação tal expressão.
Não ficou provado que o A. soubesse quem estava por detrás da porta, ou melhor, na parte da delegação da R. logo a seguir à porta, que o pudesse ouvir ou que tal aí fosse audível.
Por outro lado, sentiu-se o A. barrado num direito e injustiçado e, tanto assim foi que chamou a polícia, não tendo tomado qualquer outra atitude.
O que é certo é que para tal Assembleia foram convocados “(...) todos os membros activos e contribuintes (ex. sócios e voluntários) – a reunir com caráter ordinário, nas suas instalações sitas em ... na Rua ...., no próximo dia 09 de Junho de 2021, pelas 15H00, com a seguinte ordem de trabalhos: 1 – Eleger 1 (um) membro da Delegação para o Conselho de Curadores (artigo 28.º alínea c) 2 – Assuntos diversos (...).
Ficou provado que o A. é Membro Associado Activo (OO) da Ré Cruz Vermelha Portuguesa desde, pelo menos, 01 de Abril de 2016.
A própria R. emitiu a declaração constante de fls. 73 dos autos onde se pode ler que “O A. é membro associado activo nº. ...23, foi voluntário na Delegação Local de ... da Cruz Vermelha Portuguesa na área de voluntariado de emergência, desde ../../2015 até ../../2021.
Esta declaração data de 08 de Junho de 2022.
Não lhe terá sido retirada tal qualidade, já que foi referido pela legal representante da R. que se um membro perde a qualidade de membro activo tal é-lhe comunicado, o que não sucedeu com o A..
Também o facto da mesma representante legal da R. ter referido que o A. não prestava trabalho voluntário desde ../../2020 se revelou contraditório com o teor da declaração de fls. 73 emitida pela R..
O Autor sempre teve morada fixada em ..., sendo membro inscrito na área de jurisdição da Delegação Local de ... da Cruz Vermelha Portuguesa.
Também se provou que o A., desde 2015 até 2019, e junto da Delegação ..., o Autor prestou inúmeras horas de trabalho voluntário, na área da emergência médica.
Em 2017 e 2018, em regime de voluntariado, prestou apoio aos incêndios de ... e de ....
O Autor, enquanto Membro Associado Activo da Ré, realizou as formações que supra se identificaram, participou em eventos, obteve patrocínios para a R. e a sua causa.
Segundo a convocatória supra reproduzida e tendo a qualidade de membro activo e contribuinte voluntário, teria o A. direito de participar na asssembleia em causa.
E esta prova foi feita pelo A..
Pelo contrário, a R., não logrou provar que lhe havia sido retirada a qualidade de membro activo ou de contribuinte voluntário.
E nem se diga que tal decorria do facto do A. se encontrar suspenso ou proibido de entrar na delegação da R. preventivamente no âmbito de um procedimento disciplinar, pois tal é aplicado ao A. enquanto trabalhador, não lhe retirando ou restringindo outros aspéctos ou qualidades/direitos que possa ter na R., nomeadamente de associado, membro activo ou contribuinte.
Assim, proferiu as expressões provadas num contexto em que percebeu que a lista tinha sido incorrectamente elaborada, não constando da mesma o seu nome ou o de outras pessoas que considerava terem direito a participar.
Por outro lado, sentiu de tal maneira a injustiça de tal situação face a dedicação que tinha e mantém para com a R..
O A. foi descrito por todas as testemunhas como das pessoas mais dedicadas à causada R., com gosto em honrar a farda, sem medo de qualquer tarefa, incluindo em período Covid-19 quando tudo era desconhecido, voluntariando-se até com prejuízo para si, a sua saúde e da sua família.
E será que a actuação do A. assume gravidade é de tal ordem que torna impossível a subsistência da relação de trabalho?
Vejamos.
A justa causa do despedimento pressupõe uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou, pela disciplina da organização em que essa actividade se insere, ou, ainda, pela boa-fé que tem de registar-se no cumprimento do contrato.
Não basta, porém, aquele comportamento culposo do trabalhador.
É que, sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências, de modo a tornar impossível a subsistência da relação laboral.
E, como ficou dito, a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjectivo do empregador, devendo atender-se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Por isso se pode afirmar que existe justa causa de despedimento quando o estado de premência do despedimento seja de julgar mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato, só se podendo concluir pela existência de justa causa, quando, em concreto e tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.
(…)
E porque o despedimento é sempre um facto socialmente grave por lançar o trabalhador no desemprego e atendendo a que tal sanção é a mais grave do elenco das sanções disciplinares previstas no Código do Trabalho, a justa causa só deve operar quando o comportamento do trabalhador é de tal modo grave em si mesmo e nas suas consequências, que não permite, em termos de razoabilidade, a aplicação de sanção viabilizadora da manutenção da relação de trabalho, não esquecendo que a sanção disciplinar deve ser sempre proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (princípio da proporcionalidade – art. 330º/1 do Código do Trabalho).
(…)
Assim, proferiu as expressões provadas num contexto em que percebeu que a lista tinha sido incorrectamente elaborada, não constando da mesma o seu nome ou o de outras pessoas que considerava terem direito a participar.
E ainda que não tivesse direito a participar, age movido pelo convencimento de que o tinha.
Por outro lado, sentiu de tal maneira a injustiça de tal situação face a dedicação que tinha e mantém para com a R..
O A. foi descrito por todas as testemunhas como das pessoas mais dedicadas à causada R., com gosto em honrar a farda, sem medo de qualquer tarefa, incluindo em período Covid-19 quando tudo era desconhecido, voluntariando-se até com prejuízo para si, a sua saúde e da sua família.
Não se pode dizer que os seus comportamentos tenham sido graves em si mesmos e nas suas consequências, de modo a tornar impossível a subsistência da relação laboral.
Não foi respeitado o princípio da proporcionalidade na medida em que na sequência dos factos supra considerados provados oi aplicada a derradeira sanção, podendo a R. ter recorrido a muitas outras que seriam suficientes para sancionar o A.(…)”.

A Ré/ recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, que o comportamento do trabalhador constitui justa causa de despedimento, nos termos previstos no n.º 1 e alíneas a), b), e) e i) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho, pois tendo o Autor/recorrido a dupla qualidade de membro associado ativo e de trabalhador (da recorrente), prevalecia esta, pelo que encontrando-se suspenso preventivamente de funções não podia participar na assembleia realizada no dia 9 de junho de 2021, que perante a decisão de impedimento de participação proferiu a dirigiu afirmações impróprias a colegas de trabalho e superiores hierárquicos presentes e chamou a polícia, pretendendo por esta via alterar a decisão que o impediu de participar na assembleia em vez de lançar mão dos meios de impugnação legais.
Vejamos.

A 1.ª instância fez já suficientes e adequadas considerações em torno da noção de justa causa de despedimento, pelo que que, a fim de evitarmos ser tautológicos, nos dispensamos de repetir.
Dir-se-á apenas, em jeito de síntese, citando Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 22.ª Edição, Almedina, 2023, pág. 695), que (…) a cessação do contrato , imputada a falta disciplinar, só é legitima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole sancionatória. Na sua essência, a justa causa consiste exactamente nessa situação de inviabilidade do vínculo, a determinar em concreto”.
Essa impossibilidade de subsistência da relação laboral tem que ser interpretada em conformidade com o princípio constitucional da proporcionalidade, pelo que só pode considerar-se justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que não deva ser punido com sanção menos grave.
Nesse sentido, como acrescenta o mesmo autor (obra e pág. citada), [o] preenchimento de um dos tipos constantes da lista [do artigo 351.º, n.º 2 do Código do Trabalho] não é condição necessária, nem suficiente, para que se considere verificada uma justa causa de despedimento”.

No caso, a pretendida (pela recorrente) declaração de licitude do despedimento, por existência de justa causa, tinha como pressuposto necessário a alteração da matéria de facto, designadamente quanto a palavras que o trabalhador proferiu e dirigiu a superiores hierárquicos e/ou membros da direção da empregadora: não tendo obtido êxito essa pretendida alteração da matéria de facto, forçosamente que terá que soçobrar a (também) pretendida declaração de justa causa de despedimento.
Com efeito, como se disse, a empregadora havia imputado ao trabalhador comportamentos que subsumiu nas alíneas a) [desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores], b) [violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa], e) lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa] e i) [prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa ou elementos dos corpos sociais] do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho.
Todavia, com eventual relevância verifica-se:
- o Autor é trabalhador da ora Recorrente, com a categoria de assistente operacional, exercendo funções na Delegação ... da Recorrente, como tripulante de ambulância de socorro na unidade de emergência;
- encontrava-se suspenso preventivamente de funções, no âmbito de um processo que lhe foi instaurado a 23-04-2021;
- no dia 09-06-2021 encontrava-se agendada uma assembleia da Ré, nas instalações da mesma, em ..., tendo como ordem de trabalho a eleição de um membro para o Conselho de Curadores da Delegação ...;
- o A compareceu no local da realização da Assembleia, com a intenção de nela participar, por entender que o podia fazer;
- foi então esclarecido por colegas de trabalho, que se encontravam à porta de entrada da delegação para orientar a entrada das pessoas que iriam estar presentes na assembleia, que não poderia entrar por o seu nome não constar da lista elaborada para o efeito e de que dispunham;
- face a esse impedimento, o Autor, exaltado e irritado, dirigindo-se aos dois colegas que estavam à entrada a controlar as entradas, disse-lhes: “são uns paus mandados!”, “Quem foi o incompetente que fez a lista?!”, “hei-de de vê-los todos a limpar a parada com uma escova de dentes”;
- posteriormente chamou a Polícia de Segurança Pública, que tomou conta da ocorrência e aconselhou o Autor e outros presentes a retirarem-se de junta da porta de entrada da delegação.
Ora, desta factualidade, com eventual relevância jurídica para os fins em vista, apenas se retira que o trabalhador ao ser informado que não podia entrar nas instalações da empregadora para participar na assembleia, dirigiu a (dois) colegas de trabalho as expressões transcritas.
É pouco, muito pouco, para, colocados perante um “bonus pater familiae”, ou um empregador razoável”, se poder considerar tal comportamento grave e com consequências que “torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.

A empregadora parece sustentar que está também em causa a desobediência às suas ordens, uma vez que o trabalhador sabia que ainda que tivesse a qualidade de membro associado ativo (da empregadora), a partir do momento em que passou a ter, em simultâneo, a qualidade de trabalhador, passou a estar sujeito às normas laborais em vigor, que o impediam, pela prevalência da qualidade de trabalhador, de estar presente naquela Assembleia.
Quanto a esta argumentação, objeta-se, desde logo, que consta da matéria de facto [alínea J)] que o Autor entendia que podia participar tendo em conta a qualidade de associado ativo, ainda que como trabalhador se encontrasse suspenso.
Ademais, à semelhança do que afirmou a exma. julgadora a quo na sentença recorrida, não retiramos dos autos que o facto de o Autor se encontrar suspenso preventivamente enquanto trabalhador “contaminava” a sua qualidade de voluntário/associado ativo e o impedia de participar na assembleia com vista à eleição de um membro de curadores.
Mas seja como seja, isto é, ainda que o Autor se encontrasse impedido de participar na assembleia como associado ativo, entende-se que a conduta por si assumida – de pretender participar, por estar convencido que o podia fazer – assume muito diminuta gravidade.
Neste contexto, não se vislumbra que tal comportamento inviabilizasse a manutenção da relação da relação laboral, o mesmo é dizer que justificasse a aplicação da sanção disciplinar mais gravosa, despedimento.
Nesta sequência, sem necessidade de mais considerandos, entende-se que não se verifica justa causa de despedimento, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Da indemnização por danos não patrimoniais
A 1.ª instância considerou existir fundamento para a condenação da aqui recorrente no pagamento de uma indemnização ao recorrido por danos não patrimoniais, que quantificou em € 30.000,00.
Para tanto, desenvolveu a seguinte argumentação:
“Verifica-se que, no caso concreto, se provou que o Autor sofreu uma forte depressão nervosa, com o aparecimento de doenças motivadas/exponenciadas pelo stress que viveu e ainda vive, como gota e crises hipertensivas, o que o obrigou a recorrer a médicos e fazer medicação diária.
Ainda antes do Autor ser suspenso, no primeiro processo disciplinar, já o Coordenador Local de Emergência tinha sido alertado para o facto do Autor se encontrar ao trabalho e com as tensões a 180/135.
O médico consultado receitou ao A. vários medicamentos para os nervos (ansiolíticos).
Face às suspensões sofridas e ao despedimento, o Autor viu-se profundamente envergonhado e vexado pela Ré que insiste em afirmar que o Autor era um mau profissional e que foi expulso da Cruz Vermelha Portuguesa.
Assim como se viu envergonhado ao ver-se na necessidade de dizer à sua mãe que tinha sido despedido, tanto mais que o Autor é o único apoio de que esta beneficia e que com ele reside.
(…)
A retribuição auferida pelo Autor era o principal meio de sustento da sua família.
(…)
O Autor viu a sua dignidade profissional ofendida ao ver-se impedido do exercício das suas funções, pela inatividade forçada pela Ré, viu-se impedido de desenvolver a sua formação profissional e consequentemente a sua capacidade de intervenção no mercado de trabalho.
Esta situação estendeu-se para além da empresa, isto é, estendeu-se a outros profissionais da mesma área, que consigo mantinham relações de trabalho, que constantemente contactam o Autor questionando se é verdade que o mesmo foi “expulso” da Cruz Vermelha.
Esta imagem de inatividade e falta de atualização numa área tão competitiva como a que o Autor abraçou é de muito difícil recuperação.
A ... já deu instruções a outras delegações para não aceitarem o Autor nem sequer como voluntário, por ser um mau profissional e por ter sido expulso da Cruz Vermelha Portuguesa.
O A. é membro associado activo nº. ...23, foi voluntário na Delegação Local de ... da Cruz Vermelha Portuguesa na área de voluntariado de emergência, desde ../../2015 até ../../2021.
Por sentença proferida no âmbito do Processo Nº. 2380/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... – ..., foi anulada a sanção disciplinar aplicada ao ali A. AA e a R. Cruz Vermelha Portuguesa condenada a restituir-lhe a quantia de € 700,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
(…)
A indemnização a arbitrar por danos de natureza não patrimonial não visa reconstituir a situação que existia se o evento não tivesse ocorrido, mas sim, compensar de alguma forma as dores físicas e morais sofridas e, também, sancionar a conduta do lesante.
Cumpre, pois, decidir, em aplicação dos preceitos citados, da verificação dos aludidos pressupostos no caso in decidendum.
Tudo o exposto traduz um prejuízo de natureza não patrimonial que constitui a R. no dever de indemnizar, nos termos do artigo 496º., n.º. 1 do Código Civil.
Na verdade, estamos perante danos morais respeitantes a problemas físicos, incómodos, humilhações e angustias daí resultantes.
O cálculo da indemnização relativamente a prejuízos de natureza não patrimonial deve fazer-se segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade, à situação económica do lesante e lesado, entre outros factores.
Pelos danos morais entende-se adequado o montante de € 30.000,00”.

A recorrente discorda da fixação de danos não patrimoniais, ancorando-se na pretendida alteração da matéria de facto, entendendo que muitos dos factos a que o tribunal a quo atendeu não se provaram e, além disso, ainda que se verifiquem os pressupostos de indemnização por danos não patrimoniais o valor fixado é excessivo.
Vejamos.

A reparação por danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, em consequência de despedimento ilícito, encontra previsão no artigo 389.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho.
De acordo com o disposto no artigo 483.º do Código Civil, constituem pressupostos da obrigação de indemnizar a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e os danos.
E de acordo com o disposto no artigo 496.º, n.º 1, do mesmo Código, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; acrescenta-se no n.º 4 que a indemnização será fixada equitativamente, devendo o tribunal atender, em qualquer caso, às circunstâncias mencionadas no artigo 494.º do mesmo Código, ou seja, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
Assim, no caso, provada a ilicitude do despedimento, o trabalhador terá também que fazer prova da existência dos danos e o nexo causal entre o facto ilícito (despedimento do trabalhador) e os prejuízos sofridos.
No caso, com relevância para a decisão verifica-se:
- O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 01/04/2016, com a categoria de assistente operacional, exercendo a sua atividade na Delegação ... da Ré, sediada em ..., como Tripulante de Ambulância de Socorro na Unidade de Emergência desta entidade e auferindo a remuneração base mensal de € 705,00 euros;
- é(era) membro associado ativo da Ré desse 21-1-2015, tendo entre essa data e 2019, junto da delegação de ... da Ré prestado mais de 2.180 horas de trabalho voluntário;
- devido a alterações e situações ocorridas na delegação de ... da CVP, o Autor e outros colegas enviaram em fevereiro de 2021vários emails ao Presidente da Direção Nacional da Cruz Vermelha Portuguesa dando conta do seu desagrado, tendo, na sequência do conhecimento desses emails por parte da Comissão Administrativa da delegação de ..., o Autor sido de imediato afastado do posto de emergência médica de ... e colocado no posto de emergência médica de ..., onde acabou por nunca desempenhar funções uma vez que a ambulância alocada a este posto se encontrava indisponível;
- a Ré afastou por completo o Autor das funções de emergência médica;
- o Autor residia com os seus pais, em ..., tendo, entretanto, o pai falecido em ../../2021;
- a retribuição auferida pelo Autor era o principal meio de sustento da sua família;
- o Autor sofreu uma forte depressão nervosa, com o aparecimento de doenças motivadas/exponenciadas pelo stress que viveu e ainda vive, como gota e crises hipertensivas, que o obrigou a recorrer a médicos e fazer medicação diária;
- o médico consultado receitou ao A. vários medicamentos para os nervos (ansiolíticos);
- face às suspensões sofridas e ao despedimento, o Autor viu-se profundamente envergonhado e vexado pela Ré que insiste em afirmar que o Autor era um mau profissional e que foi expulso da Cruz Vermelha Portuguesa;
- assim como se viu envergonhado ao ver-se na necessidade de dizer à sua mãe que tinha sido despedido, tanto mais que o Autor é o único apoio de que esta beneficia e que com ele reside;
- o Autor viu a sua dignidade profissional ofendida ao ver-se impedido do exercício das suas funções, pela inatividade forçada pela Ré, viu-se impedido de desenvolver a sua formação profissional e consequentemente a sua capacidade de intervenção no mercado de trabalho;
- esta situação estendeu-se para além da empresa, isto é, estendeu-se a outros profissionais da mesma área, que consigo mantinham relações de trabalho, que constantemente contactam o Autor questionando se é verdade que o mesmo foi “expulso” da Cruz Vermelha;
- esta imagem de inatividade e falta de atualização numa área tão competitiva como a que o Autor abraçou é de muito difícil recuperação;
- a ... já deu instruções a outras delegações para não aceitarem o Autor nem sequer como voluntário, por ser um mau profissional e por ter sido expulso da Cruz Vermelha Portuguesa;
- o A. é membro associado ativo nº. ...23, foi voluntário na Delegação Local de ... da Cruz Vermelha Portuguesa na área de voluntariado de emergência, desde ../../2015 até ../../2021.
- por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 2380/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., foi anulada a sanção disciplinar aplicada ao ali A. AA e a R. Cruz Vermelha Portuguesa condenada a restituir-lhe a quantia de € 700,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
- no âmbito desse processo foi determinada a suspensão de funções do Autor em 27 de abril de 2021;
- no âmbito dos presentes autos, no dia 2 de agosto de 2021 a Ré remeteu ao Autor, por carta registada com aviso de receção, a Nota de Culpa que contra ele foi elaborada, que o Autor rececionou a 10 de agosto de 2021 e suspendeu-o de forma preventiva imediata, sem perda de retribuição;
- no dia 10 de janeiro de 2022, a Ré proferiu decisão de despedimento do Autor, com justa causa e sem indemnização ou compensação, tendo este rececionado a comunicação no dia 13 do mesmo mês e ano;
- a partir da suspensão de 27 de abril de 2021, o Autor não mais voltou ao seu local de trabalho.

Desta factualidade decorre que a Ré despediu ilicitamente o Autor, que a conduta foi culposa (uma vez que não se mostra ilidida a presunção de culpa prevista no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) e que em consequência dessa conduta o Autor sofreu danos (depressão nervosa, inatividade – quando, como se constata da factualidade, era um bom profissional, dedicado, que realizava formação, e sempre disponível para trabalhar, ainda que fora do seu horário de trabalho –, perda de rendimentos e de dignidade enquanto trabalhador, e até como ser humano atenta a atividade de voluntário que exercia)
O comportamento da Ré foi particularmente censurável – até porque, como se deixou referido a propósito da ilicitude do despedimento, a factualidade praticada pelo Autor estava longe, muito longe de justificar a aplicação dessa sanção mais gravosa – e os danos sofridos são significativos, pelo que justificam a tutela do direito.
Da leitura da matéria de facto retira-se que a situação do Autor na Ré, seja como trabalhador subordinado seja como “voluntário” – que até então se podia considerar de excelente, com contínua formação técnica, total disponibilidade e entrega ao trabalho e à Ré, envolvendo-se até na angariação de patrocínios para esta –, ter-se-á alterado com a entrada de novos responsáveis (comissão administrativa) da delegação de ... da Ré, e subsequente envio por aquele (e por outros trabalhadores) de emails ao Presidente da Direção Nacional da Ré dando conta do desagrado por condutas assumidas pelos (novos) responsáveis da delegação.
E é nessa sequência que a comissão administrativa “ameaçou” os trabalhadores com processos disciplinares e até processos crime.
Como se assinala na decisão recorrida, a partir daí a postura da Ré para com o Autor passou a ser de “perseguição”: e é neste contexto que surge a instauração do procedimento disciplinar, proibição de consulta do mesmo, inatividade do Autor e despedimento sem justa causa, afetando a sua saúde e irremediavelmente a imagem do Autor junto do sector de atividade.

A indemnização por danos não patrimoniais deve ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, à reputação do ofendido e à gravidade e dimensão dos danos sofridos.
A 1.ª instância fixou esses danos em € 30.000,00.
No entanto, importa desde logo atentar que alguns dos factos em que se ancorou na fixação não se mostram provados (por exemplo, venda do apartamento para fazer face às despesas e necessidade de recorrer ao apoio económico de familiares).
Ora, ponderados os elementos referidos, tendo ainda em conta a retribuição base mensal que o Autor auferia à data (cerca de € 705,00, mas que mensalmente, com acréscimos salariais, de acordo com vários recibos de vencimento juntos se situava em cerca de € 1.000,00), desconhecendo-se a concreta situação económica da Ré (mas que de acordo com a informação pública se apresenta algo instável e precária), num juízo de equidade entende-se fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 15.000,00 (quinze mil euros).
Procedem, por isso, mas apenas parcialmente, as conclusões das alegações de recurso, bem como este.

4. Vencidas parcialmente, cada uma das partes deverá suportar as custas respetivas, em ambas as instâncias, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

V - Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Cruz Vermelha Portuguesa e, em consequência:
(i) altera-se a matéria de facto nos termos supra referidos;
(ii) substitui-se a condenação da Ré/recorrente na 1.ª instância, a título de danos não patrimoniais, na importância de € 30.000,00, pela condenação, pelo mesmo título, em € 15.000,00 (quinze mil euros), mantendo-se, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente e pelo recorrido, na proporção do decaimento.
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Évora, 20 de fevereiro de 2024
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço (2) Mário Branco Coelho.