Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
249/24.0T8LGA-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL
ASSEMBLEIA GERAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 09/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O artigo 542.º, n.º 1, do CPC, reporta-se à conduta das partes do processo, sancionando a respetiva litigância de má fé com a condenação em multa e em indemnização à parte contrária, se esta a pedir;
II – Estando em causa uma ação para convocação de assembleia de sócios, com processo especial regulado no artigo 1057.º do CPC, a lei não prevê que a ação seja intentada contra qualquer sujeito;
III – Não tendo a ação sido intentada contra os apelantes, nem admitida a respetiva intervenção no âmbito de incidente de intervenção de terceiros, os mesmos não assumem a qualidade de partes no processo;
IV – A audição dos apelantes em representação da administração da sociedade, por determinação do juiz ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1057.º, não configura uma modificação subjectiva da instância, não passando os apelantes a assumir a qualidade de partes na ação;
V - Não sendo partes na ação, os apelantes não integram o âmbito subjectivo de aplicação do artigo 542.º.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 249/24.0T8LGA-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Comércio de Lagoa


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Na presente ação para convocação de assembleia de sócios, com processo especial, movida por (…), SA visando a convocação de assembleia geral da Sociedade Turística da (…), S.A., por despacho de 18-11-2024 foi determinada a audição da administração da sociedade, ao abrigo do disposto no artigo 1057.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e ordenada a respetiva citação, para efeitos do exercício de contraditório.
Na sequência do mencionado despacho, foram citados: i) …, ii) …, iii) … e iv) …, o primeiro na qualidade de presidente do conselho de administração da Sociedade Turística da (…), S.A. e os demais na qualidade vogais desse conselho de administração.
(…), na qualidade de presidente do conselho de administração da Sociedade Turística da (…), S.A., apresentou resposta, à qual aderiram (…), (…) e (…), na qualidade vogais desse conselho de administração.
Foi determinada a produção de prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual, no que ora releva, se consignou e decidiu o seguinte:
Durante a sessão de julgamento do dia 26 de fevereiro de 2025, (…), (…), (…) e (…) foi apresentada convocatória para assembleia geral extraordinária para o dia 28/3/2025, o que eventualmente podia conduzir à inutilidade superveniente da lide.
Foram suscitadas dúvidas sobre se o subscritor da convocatória era de facto e de direito o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da STP;
Para comprovar essa qualidade, foi junto por (…), (…), (…) e (…) documento intitulado de ata de assembleia geral da STP de 22 de maio de 2024, onde está consignado entre outras que o “O Presidente da Mesa declarou aberta a ordem de trabalhos e de seguida pôs à discussão o ponto único da ordem de trabalhos, tendo sido deliberado, por unanimidade, eleger para o triénio 2024/2026 os seguintes membros da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade:
a. Presidente da Mesa da Assembleia Geral: (…), com domicílio profissional (…), (…). 12242 Riade, Arábia Saudita, titular do passaporte n.º (…), emitido pelas autoridades competentes da República Francesa emitido a 17/10/2023 e válido até 16/10/2033;
b. Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral: (…), com domicílio profissional em (…), SW6 4AP, Londres, Reino Unido, titular do passaporte n.º (…), emitido pelas autoridades competentes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte a 29 de junho de 2024 e válido até 29/6/2034;
(…)”;
Ora, tudo indica que a referida “ata” da assembleia geral de 22 de maio de 2024 não é fidedigna, porquanto a AG foi supostamente realizada na data referida, fazendo-se constar uma data de emissão de um documento de identificação do Vice-presidente da AG, com um mês depois da sua realização. Não se vislumbra qualquer explicação lógica para tal suceder, que não a sua inveracidade, sendo certo que esse documento, até porque junto em audiência de discussão e julgamento, para demonstrar a legitimidade do Presidente e regularidade da convocatória da AG para o dia 28/3/2024, teve impacto e podia ter condicionado negativamente o desfecho da ação (com uma inutilidade superveniente da lide, inconsequente e errada).
Esta apresentação e pretendendo que a mesma tivesse efeito no desfecho da ação, pode configurar em abstrato e eventualmente a prática de litigância de má fé, que não vamos por enquanto decidir, para dar às partes, principalmente a quem a apresentou oportunidade para se pronunciar, evitando decisão surpresa.
Por outro lado, tendo em consideração que a suposta “ata” da Assembleia Geral da STP, alegadamente realizada em 22 de maio de 2024, que consigna a nomeação do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da STP e o Vice-Presidente levantam sérias e fundadas reservas sobre a sua fidedignidade, a qual se destina a comprovar a legitimidade de quem subscreveu a convocatória da AG para o dia 28/3/2025, com a eventualidade, caso fosse comprovada a sua regularidade, de conduzir à inutilidade superveniente da presente lide, é mais prudente que a mesma não se realize. Aliás, como resulta dos dois últimos requerimentos apresentados pelos intervenientes ambos estão de acordo que a mesma não se realize, atento os contornos da sua convocação.
Nesta medida, será de não realizar a referida AGE de 28/3/2025.
(…)
Decisão
Termos em que, na presente ação especial de convocação judicial de assembleia de acionistas que “(…), S.A.” intentou com vista à convocação dos acionistas da “Sociedade Turística da (…), S.A.”, julgo totalmente procedentes os pedidos e, em consequência, decide-se;
(…)
5. Notificar a requerente e (…), (…), (…) e (…) para se pronunciarem, querendo, em 10 dias, sobre a eventual litigância de má fé;
(…).
Notificados, (…), (…), (…) e (…) pronunciaram-se em 10-04-2025.
A requerente (…), SA, por seu turno, pronunciou-se em 11-04-2025, pugnando pela condenação de (…), (…), (…) e (…) como litigantes de má fé e requerendo o pagamento de indemnização.
(…), (…), (…) e (…) apresentaram resposta em 15-04-2025.
Por despacho de 08-05-2025, foi considerada verificada a litigância de má fé por parte de (…), (…), (…) e (…), decidindo-se o seguinte:
Pelo exposto, condeno (…), (…), (…) e (…):
a) como litigantes de má – fé e, consequentemente,
b) no pagamento de 50 (cinquenta) Ucs. a título de multa;
c) no pagamento de € 2.000,00 (dois mil euros);
no mais, vão os requeridos absolvidos.
***
Custas pelos requeridos, sendo que as da indemnização são fixadas na proporção do decaimento.
Inconformados, (…), (…), (…) e (…) interpuseram recurso deste despacho, pugnando pela respetiva substituição por decisão que considere não verificada a litigância de má fé e os absolva em conformidade, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Recorrem os Recorrentes do douto despacho datado de 08/05/2025 que decidiu condená-los, como litigantes de má-fé, no pagamento solidário de multa no montante de 50 UCs (€ 5.100,00) e a indemnizarem a Requerente no montante de € 2.000,00.
2. Em primeiro lugar, porque consideram que o instituto da litigância de má-fé não lhes é aplicável.
3. Pois que o artigo 542.º/1, do C.P.C. estabelece, de forma clara a incontornável, que apenas a parte que haja litigado de má-fé pode ser condenada em multa ou em indemnização à parte contrária!
4. Os Recorrentes não são, nem nunca foram, parte(s) nos presentes autos.
5. Quem tem essa qualidade neste processo são a (…), S.A. (Requerente) e a Sociedade Turística da (…), S.A. (Requerida).
6. Os Recorrentes apenas foram chamados aos autos porquanto eram os membros do Conselho de Administração da Requerida e o artigo 1057.º/2, do C.P.C. prevê a possibilidade de, antes de proferir decisão de mérito, o tribunal “ouvir” a administração da sociedade relativamente à qual tenha sido peticionada a marcação judicial de assembleia geral.
7. Não figurando os Recorrentes formalmente nestes autos como partes (como se retira, por exemplo, da acta da sessão de julgamento de 26/02/2025), nem sendo os titulares do(s) direito(s) pleiteado(s), é evidente que não poderiam ter sido sujeitos ao regime sancionatório previsto entre os artigos 542.º e 545.º do C.P.C..
8. Nem mesmo naquela qualidade de membros do Conselho de Administração da Requerida poderiam ter sido pessoalmente responsabilizados pelo pagamento da multa fixada ou da indemnização arbitrada (cfr. artigo 544.º do Novo C.P.C., por oposição ao que constava do artigo 458.º do Velho C.P.C.).
9. Assim, ao condenar os Recorrentes, que não são partes no processo, como litigantes de má-fé, no pagamento solidário de multa e de indemnização à Requerente, o tribunal recorrido violou o artigo 542.º/1, do C.P.C..
10. Impondo-se a revogação do despacho recorrido, sendo substituído por outro que os absolva de tais condenações.
11. Depois e por mero dever de patrocínio, o comportamento que se entendeu ter sido levado a cabo pelos Recorrentes e consubstanciado na junção de documento (acta de AG da Requerida datada de 22/05/2024) não podia ter sido reconduzido nem à alínea b), nem à alínea d) do n.º 2 do artigo 542.º do C.P.C..
12. Isto porque, na ausência de prova produzida relativamente à falta de fidedignidade desse documento e atenta a explicação oferecida pelos Recorrentes quanto à desconformidade no mesmo observada quanto à data de início de validade do passaporte da pessoa que havia (naquela AG de 22/05/2024) sido designada como Vice-Presidente da MAG da Requerida) em relação à data da realização da dita AG de 22/05/2024, não podia ter-se dado como assente essa falta de fidedignidade!
13. Sendo que o próprio tribunal recorrido aceita como possível que, tal como os Recorrentes explicitaram, essa desconformidade resultasse de mero lapso devido ao facto de o documento em causa (acta) ter sido elaborado em momento posterior à realização da AG de 22/05/2024 e ter-se, então, tido em atenção o passaporte daquele sujeito que vigorava aquando da elaboração da acta e não na data de realização da AG que esta documentava…
14. Não se tratando a acta de uma assembleia geral de uma formalidade ad substantiam e ainda que fosse possível ter o documento apresentado como não fidedigno, nunca da apontada desconformidade poderia resultar que a AG realizada a 22/05/2024 não ocorreu ou que na mesma não foram tomadas as deliberações constantes daquele documento.
15. Pelo que não estava posta em causa a realização da AG extraordinária da Requerida convocada extrajudicialmente para o dia 28/03/2025 (e que tinha a mesma ordem de trabalhos que a Requerente pretendia que tivesse a AG que queria ver judicialmente convocada com o presente processo).
16. Até porque, em claro espírito de cooperação, as partes e os Recorrentes concordaram que, na ausência do sr. (…), tal AG fosse presidida pela pessoa que a Requerente queria que presidisse à AG cuja convocação judicial reclamava (cfr. acta da diligência judicial de 26/02/2025).
17. Sendo que mesmo que não tivesse sido apresentada em juízo a dita convocação extrajudicial de AG da Requerida, nem tivesse sido junto o documento cuja falsidade a Requerente veio suscitar, nunca a pretendida AG judicialmente convocada poderia ter-se realizado antes de 25/03/2025 (nomeadamente tendo em consideração o disposto no artigo 377.º/4, do Código das Sociedades Comerciais relativamente ao período de tempo que tem que mediar entre a divulgação da convocatória e a realização da assembleia – pelo menos, um mês).
18. Não se podendo perder de vista que a dita AG que estava agendada para 28/03/2025 só não se realizou porque a Requerente (Não os Recorrentes) veio alegar a falsidade do documento apresentado (acta) e peticionar que essa AG fosse dada sem efeito e fosse marcada uma outra, por decisão judicial (esta outra em data necessariamente posterior à que já estava convocada).
19. Pelo que resulta claro que os Recorrentes não só não alteraram a verdade dos factos, nem omitiram factos relevantes para a decisão da causa, como não provocaram qualquer entorpecimento à acção da justiça.
20. Não se achando preenchidas as ditas alíneas b) e d) (ou quaisquer outras) do n.º 2 do artigo 542.º do C.P.C..
21. Pelo que não era possível condená-los como litigantes de má fé – mostrando-se o despacho recorrido em violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 542.º do C.P.C..
22. Finalmente, o tribunal deu erradamente como assente em 3.º que o documento a que fizemos fazendo referência tivesse junto aos autos por todos os Recorrentes!
23. Resultando à saciedade do requerimento submetido a juízo a 27/02/2025 (com Ref.ª citius 13436376) foi apresentado apenas pelo Recorrente (…).
24. Se para o tribunal recorrido a culpa/dolo que se exige para a condenação como litigante de má fé resulta, in casu, da apresentação de um documento não fidedigno e é dessa junção que resultaria o entorpecimento da acção da justiça, nunca tal culpa/dolo poderia ter sido dada como demonstrada relativamente aos Recorrentes (…), (…) e (…).
25. Não sendo assacável aos Recorrentes (…), (…) e (…) o comportamento que se entendeu corporizar o dolo na conduta e ter resultado no entorpecimento da justiça, nunca estes Recorrentes poderiam ter sido condenados como litigantes de má fé – pelo que também por esta razão se entende que o despacho recorrido violou o artigo 542.º/1 e 2, do C.P.C.».
A apelada (…), SA apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se é de manter a respetiva condenação por litigância de má fé.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto
Factos considerados provados em 1.ª instância:
1.º Durante a sessão de julgamento do dia 26 de fevereiro de 2025 (…), (…), (…) e (…) foi apresentada convocatória para assembleia geral extraordinária para o dia 28/3/2025, o que eventualmente podia conduzir à inutilidade superveniente da lide.
2.º Foram suscitadas dúvidas sobre se o subscritor da convocatória era de facto e de direito o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da STP;
3.º Para comprovar essa qualidade foi junto por (…), (…) e (…) documento intitulado de ata de assembleia geral da STP de 22 de maio de 2024, onde está consignado entre outras que o “O Presidente da Mesa declarou aberta a ordem de trabalhos e de seguida pôs à discussão o ponto único da ordem de trabalhos, tendo sido deliberado, por unanimidade, eleger para o triénio 2024/2026 os seguintes membros da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade:
c. Presidente da Mesa da Assembleia Geral: (…), com domicilio profissional 7123 (…), (…), 12242 Riade, Arábia Saudita, titular do passaporte n.º (…), emitido pelas autoridades competentes da República Francesa emitido a 17/10/2023 e válido até 16/10/2033;
d. Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral: (…), com domicílio profissional em 40 (…), SW6 4AP, Londres, Reino Unido, titular do passaporte n.º (…), emitido pelas autoridades competentes do Reino Unido da Grã- Bretanha e Irlanda do Norte a 29 de junho de 2024 e válido até 29/06/2034; (…)”;

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posto em causa na apelação o despacho de 08-05-2025 que, com fundamento em litigância de má fé, condenou os apelantes em multa e no pagamento de indemnização à apelada.
A 1.ª instância considerou verificada a litigância de má fé, por parte dos apelantes, por se ter entendido que a respetiva conduta integra a previsão do artigo 542.º, n.º 2, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil, em consequência do que os condenou em multa, que fixou em 50 UC, e no pagamento de indemnização à requerente, no valor de € 2.000,00.
Extrai-se do despacho recorrido que a litigância de má fé foi considerada verificada e as sanções foram impostas pelos motivos seguintes:
(…)
Esta factualidade objetiva apurada aponta, de forma segura, para a intencionalidade de ser apresentada uma convocatória, que tinha como suporte, uma eleição dos membros que compunham a mesa, que não corresponde à realidade histórica, em particular uma deliberação datada de 22 de maio de 2024, que nomeou entre outros os elementos que compunham a mesa da Assembleia Geral. De facto, a 22 de maio de 2024, fez-se constar que seria eleito nessa data como Vice-Presidente da mesa (…), mas o elemento identificativo usado e consignado na ata tem representado uma data de emissão posterior, em particular de 29 de junho de 2024 (quando a AG é de 22/5/2024). É incontornável a existência deste elemento que aponta para que a ata apresentada não é fidedigna.
Ao apresentarem este elemento demonstrativo da ausência de fidedignidade do que nela está consignado, no que respeita à realização da AG e deliberações, em particular quanto à composição da mesa da Assembleia, inquina igualmente a convocatória apresentada em juízo (já que a legitimidade do Presidente da Mesa que subscreve a convocatória deriva dela). (…) desta desconformidade conhecia esta realidade por supostamente ter presidido à apontada Assembleia Geral de 22 de maio de 2024, que agora está no centro da nossa decisão, tendo apresentado a ata a juízo, com o intuito de conduzir o presente processo a um desfecho diferenciado (com uma inutilidade superveniente da lide e a realização de uma AG em que tudo aponta que os membros da mesa não estavam regularmente investidos, com base na referida AG de 22 de maio de 2024). Com efeito, este conjunto de circunstâncias não podia ser desconhecido de (…), pois apresentou uma convocatória suportada quanto à legitimidade e regularidade da sua convocação, numa ata de uma AG que não representava a realidade no segmento da eleição dos membros que compunham a mesa, em particular o seu vice-presidente, por o elemento usado para o identificar ter uma emissão posterior à realização da Assembleia, que este, segundo tal ata, presidiu.
(…) e outros, agora, em sede de pronúncia referem que a consignação daquela data do documento identificativo do Vice-Presidente da mesa na ata, resulta de lapso, pois a ata foi elaborada em momento posterior, já o Vice-Presidente tinha novo elemento identificativo, tendo sido este aposto na ata. Ora, embora se afigure como possível, o certo é que no momento próprio – quando o Tribunal deu oportunidade à parte que apresentou o requerimento se pronunciar, na sequência da requerente ter suscitada a falsidade do documento – não foi avançada essa possibilidade de lapso (tendo … e outros sim apenas referido “compreendendo as questões suscitadas relativamente à convocatória desta assembleia geral, não se opõem a que a mesma seja dada sem efeito”), nem agora é apresentada qualquer prova para comprovar essa hipótese neste momento suscitada. Nesta medida, o Tribunal, por ausência de prova, não pode dar essa versão como demonstrada.
Ora, a desconformidade apontada – o membro eleito para Vice-Presidente na AG de 22 de maio de 2024 tem uma identificação com uma emissão posterior a tal AG –, indica que foi apresentado a juízo um elemento para demonstração de factos relevante (ata para autenticar e legitimar uma convocatória), que apresentava grosseira desconformidade com a realidade, o qual não era do conhecimento do apresentante (…) e outros, por este ser apontado na ata como a pessoa que presidiu a tal assembleia. Com a apresentação deste documento desconforme, (…) e outros quiseram evitar que o processo tivesse o seu desfecho normal – convocação de AG, presidida por pessoa estranha à sociedade –, porquanto quiseram provocar a inutilidade superveniente da lide, com a convocação de AG extrajudicial, convocada por membro da mesa, eleito com base em AG, cuja ata apresenta desconformidades relevantes quanto à identificação dos eleitos para tal órgão. É vero, que o desfecho pretendido não ocorreu, mas apenas por motivos alheios à vontade deles e esforços nesse sentido. Usaram por vontade própria, pois, documento que apresentava desconformidade grosseira e relevante para demonstrar uma eleição que suportava a pretensa legalidade de uma convocatória, que tinha o fito de extinguir a lide processual.
Com este comportamento, quiseram e conseguiram entorpecer a justiça, em cerca de um mês (de 26/2/2025 a 25/3/2025 – tempo que mediou entre a apresentação da convocatória e pronúncia dos requeridos sobre o documento apresentado).
Estamos, neste segmento comportamental, perante uma clara litigância de má-fé nos termos previstos nas alíneas b) e d) do artigo 542.º do CPC.
Tendo litigado em má-fé a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta pedir – cfr. artigo 542.º, n.º 1, do CPC.
A multa será fixada entre 2 e 100 Ucs, de acordo com os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
Ora, o comportamento dos requeridos ((apresentação de uma convocatória extrajudicial, que se ancora em documento não fidedigno) podia ter conduzido, com elevada probabilidade, a que o Tribunal findasse o processo, por inutilidade superveniente da lide, o que apenas não sucedeu, por motivos alheios à vontade e esforços destes – requeridos (por ter sido detetada pela requerente a já tão falada desconformidade). Não obstante, o aludido comportamento – apresentação de documento não fidedigno – entorpeceu a ação da justiça, em cerca de um mês. A conduta ser dolosa, pois quem apresentou o documento desconforme, foi igualmente quem presidiu à suposta AG.
Estarmos perante pessoas detentoras de sociedades e ou administradores de sociedades que detêm vários Hotéis e campos de golfe, pelo menos na zona do Algarve, em particular o “(…) Hotel e Golf Resort” e “(…) Hotel (…)”.
Ponderando todos estes fatores condeno solidariamente (…), (…), (…) e (…) no pagamento de 50 Ucs.
Quanto à indemnização:
A indemnização à parte contrária consiste:
a) No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.
O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa.
A (…), SA pede a condenação em € 40 mil euros, tendo por base todos os honorários e despesas tidas com todo o processo, pois na sua ótica a litigância de má-fé vem desde o início do processo. Sucede que a litigância de má-fé que o Tribunal ajuizou circunscreve-se à conduta do dia 26/2/2025, isto é, com a apresentação de uma convocatória extrajudicial de uma AG, a qual era suscetível de conduzir à inutilidade superveniente da lide. Em termos concretos, os esforços dos Mandatários da (…) e as despesas, neste segmento, reconduziram-se à análise de três documentos (convocatória/ elemento de identificação do alegado Presidente da AG e da ata da AG de 22/5/20024), elaboração do requerimento datado 11/3/2025 e posteriormente a pronúncia sobre a má-fé. Nesse conspecto, os € 40 mil euros como são peticionados relativos a todo o processo e o que está em causa é apenas uma parte do mesmo, temos por adequado fixar de honorários a título de indemnização € 2.000,00.
A (…), Lda. pretende que o Tribunal aguardasse pela investidura da nova administração para avaliar os danos causados pela anterior. Ora, os eventuais danos causados na sociedade, são danos causados na sociedade. A (…), SA é uma credora pignoratícia, o direito que tem é o ressarcimento do seu crédito, enquanto ele não é satisfeito, acrescido de juros sob o capital em dívida, é esta a indemnização a que a requerente tem direito (os juros fixados sob o capital em dívida). Entende-se, por isso, não fazer sentido a que se apure o eventual prejuízo causado pela anterior administração na sociedade.
Discordando deste entendimento, os apelantes sustentam que o instituto da litigância de má fé não lhes é aplicável, por não serem partes na ação; subsidiariamente, defendem que a respetiva conduta não preenche a previsão do preceito que baseou a respetiva condenação como litigantes de má fé.
Vejamos se lhes assiste razão.
O instituto da litigância de má fé encontra-se previsto no artigo 542.º do CPC, preceito que, sob a epígrafe Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé, dispõe o seguinte:
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
Assente que a 1.ª instância baseou a condenação dos apelantes por litigância de má fé na previsão deste artigo, por se ter entendido que a respetiva conduta integra as situações elencadas nas alíneas b) e d) do n.º 2, cumpre averiguar, face à questão suscitada pelos apelantes, se o aludido preceito lhes é aplicável.
Analisando o n.º 1 do artigo 542.º, verifica-se que se reporta à conduta das partes do processo, que sanciona com a condenação em multa e em indemnização à parte contrária, se esta a pedir, caso tenha litigado de má fé; tal decorre claramente da redação da aludida norma, ao consignar: Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada (…).
Face ao objeto da apelação, cumpre averiguar se os apelantes são partes no processo.
Está em causa uma ação para convocação de assembleia de sócios, com processo especial, movida pela sociedade (…), S.A., visando a convocação de assembleia geral da Sociedade Turística da (…), S.A..
Tratando-se de uma ação para convocação de assembleia de sócios, o processo a observar encontra-se regulado no artigo 1057.º do CPC, com a redação seguinte:
1 - Se a convocação de assembleia geral puder efetuar-se judicialmente, ou quando, por qualquer forma, ilicitamente se impeça a sua realização ou o seu funcionamento, o interessado requer ao juiz a convocação.
2 - Junto o título constitutivo da sociedade, o juiz, dentro de 10 dias, procede às averiguações necessárias, ouvindo a administração da sociedade, quando o julgue conveniente, e decide.
3 - Se deferir o pedido, designa a pessoa que há de exercer a função de presidente e ordena as diligências indispensáveis à realização da assembleia.
4 - A função de presidente só deixa de ser cometida a um sócio da sociedade quando a lei o determine ou quando razões ponderosas aconselhem a designação de um estranho; neste caso, é escolhida pessoa de reconhecida idoneidade.
Analisando este preceito, verifica-se que, nas situações previstas no n.º 1, faculta ao interessado na convocação de assembleia de sócios a possibilidade de requerer ao juiz a respetiva convocação. Junto o título constitutivo da sociedade, cabe ao juiz, previamente à prolação da decisão, proceder às averiguações tidas por necessárias, ouvindo a administração da sociedade, se o julgar conveniente, conforme dispõe o n.º 2.
Conforme se extrai desta tramitação, a lei não prevê que o processo seja intentado contra qualquer sujeito, nomeadamente contra a sociedade ou contra o responsável pela falta de convocação da assembleia, pelo impedimento da sua realização ou do seu funcionamento. Mais se verifica que o juiz poderá, se assim o entender, ouvir a administração da sociedade.
No caso presente, por despacho de 18-11-2024, foi determinada a audição da administração da sociedade, ao abrigo do disposto no n.º 2 do aludido preceito, tendo-se ordenado a respetiva citação para efeitos do exercício de contraditório, na sequência do que foram citados os ora apelantes, sendo o primeiro apelante na qualidade de presidente do conselho de administração da Sociedade Turística da (…), S.A. e os demais na qualidade vogais desse conselho de administração.
Não tendo a ação sido intentada contra qualquer dos apelantes, nem admitida a respetiva intervenção no âmbito de algum incidente de intervenção de terceiros, impõe-se concluir que os mesmos não assumem a qualidade de partes no processo.
Analisando a qualidade jurídica em que os apelantes intervieram na ação, verifica-se que foram ouvidos em representação da administração da sociedade – o primeiro apelante na qualidade de presidente do conselho de administração e os demais na qualidade de vogais desse conselho de administração –, por determinação do juiz, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1057.º, o que não configura uma modificação subjetiva da instância, não tendo os apelantes passado a assumir a qualidade de partes na ação.
Nesta conformidade, não sendo partes na ação, os apelantes não integram o âmbito subjetivo de aplicação do artigo 542.º, previsto no n.º 1 do preceito, o que impõe a revogação do despacho recorrido, absolvendo os apelantes das sanções impostas com fundamento em litigância de má fé.
Face à revogação da decisão recorrida, mostra-se prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Procede, assim, a apelação.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide:
a) julgar não verificada a litigância de má fé imputada aos apelantes, absolvendo-os da condenação em multa e em indemnização à apelada;
b) revogar o despacho recorrido.

Custas pela apelada.
Notifique.
Évora, 18-09-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Isabel Calheiros (1ª Adjunta)
Maria Emília Melo e Castro (2ª Adjunta)