Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2458/18.2T8PTM.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
EMPREENDIMENTOS TURÍSTICOS
REGULAMENTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Tendo a recorrente, Ré na ação, pugnado pela sua improcedência, não pode recorrer, em benefício da autora, por manifesta ilegitimidade, na parte em que esta obteve indeferimento de dois pedidos, ou seja, em que viu as Rés serem absolvidas da instância quanto aos dois primeiros pedidos principais, já que não ficou prejudicada com essa decisão, não sendo considerada parte vencida ( art.º 631.º/1 do CPC).
2. O Dec. Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na redação dada pelo Dec. Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, estabelece o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, sendo os Aldeamentos Turísticos um dos tipos de empreendimentos turísticos ( art.º 4.º/1, al. ab), estabelecendo-se no seu art.º 13.º/1 a noção aldeamentos turísticos, cujo funcionamento depende de Alvará de autorização de utilização para fins turísticos do empreendimento ( art.º 32.º, al. a)), cuja exploração está cometida a uma única entidade ( art.º 44.º/1), a quem compete igualmente reservar para os utentes neles alojados e seus acompanhantes o acesso e a utilização dos serviços, equipamentos e instalações do empreendimento ( art.º 48.º/4).
3. Se inexiste Regulamento do Aldeamento aprovado em conformidade com esse regime legal, nem Título Constitutivo, carece de causa justificativa o pagamento efetuado pelos Autores para a gestão e manutenção desse espaço, sendo manifesto o enriquecimento da Ré e consequente empobrecimento daqueles (sumário do relator).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora
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I. Relatório.
1. L…, M…, I… e LU…, propuseram a presente ação declarativa comum contra C…, Ld.ª, e P…, S.A., pedindo a condenação das Rés:
a) A reconhecer que o valor da contribuição para os encargos comuns devida pela fração autónoma designada pela letra «B» do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na Matriz Predial da freguesia de Alvor sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº …, localizada na urbanização denominada « Aldeamento da Prainha », composta por uma habitação situada no 1º andar, designada por tipo T1, dotada de 2 divisões, identificada no aldeamento sob a referência « A-34 » corresponde à de uma habitação desta tipologia « T1 » e não à tipologia « T2 » que lhe vem sendo imputada.
b) A retificar os valores das contribuições para os encargos das partes comuns exigidas à identificada fração para os correspondentes às habitações daquela tipologia «T1» e a absterem-se de exigir o pagamento das contribuições no valor fixado para as habitações de tipologia «T2».
c) A restituir aos AA a quantia de 2.611,82€ indevidamente recebida, acrescida de juros moratórios contados à taxa legal desde a data da citação até à data de efetivo e integral pagamento.
Para o efeito alegaram, em síntese, são usufrutuários, os dois primeiros Autores, e proprietários, os segundos, da fração autónoma designada pela letra « B » do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na Matriz Predial da freguesia de Alvor sob o art.º n.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …, situada no E… e designada no Aldeamento por moradia A34, e que os Réus lhe têm vindo a liquidar e a exigir indevidamente os encargos com as partes comuns superior àqueles que deveriam suportar, por se tratar de uma tipologia « T1 » e não «T2», tendo pago em excesso a quantia de 2.611,82€, cuja devolução reclamam.
2. Citadas as Rés, contestaram, sustentando que os encargos cobrados correspondem á tipologia da moradia que pertence aos autores, pugnando pela improcedência da ação.
3. Foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, e realizado o julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Condena-se a Ré, C…, Lda., a pagar aos Autores a quantia de 2 611,82 € (dois mil, seiscentos e onze euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa aplicável aos juros comerciais, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Absolve-se a Ré P…, S.A., quanto a tal pedido.

Absolvem-se as Rés da instância quanto aos pedidos das als. a) e b) da petição inicial”.

4. Desta sentença veio a Ré “C…, LDA” interpor o presente recurso, formulando, após o corpo alegatório, as seguintes conclusões:
A) Os Autores são proprietários, na qualidade de usufrutuários e de nua propriedade, da fração autónoma designada pela letra «B» do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na Matriz Predial da freguesia de Alvor sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº …, localizada na urbanização denominada «Aldeamento da Prainha» sita na Praia dos Três Irmãos, da referida freguesia de Alvor, composta por uma habitação situada no 1º andar
B) Pretendem com a presente ação o reconhecimento de que esta fração é uma habitação situada no 1º andar da moradia, designada na matriz urbana por tipo T 1, dotada de 2 divisões, identificada no aldeamento sob a referência «A-34» corresponde à de uma habitação desta tipologia «T1» e não à tipologia «T2» que lhe vem sendo imputada.
C) Ficou provado que o imóvel em causa tem sala e dois quartos e, por isso, tem tipologia tipo T2.
D) Entre as partes a relação contratual é regulada pelo Regulamento do Aldeamento da Prainha.
E) Neste regulamento os Autores ficam obrigados, entre outros direitos e obrigações, a pagar uma taxa de manutenção de acordo com a tipologia do imóvel do qual são proprietários.
F) Ora no caso em apreciação, tinham os Autores interesse no pedido, que fundamentaram, na ação que intentaram, pois no seu entendimento estão lesados no valor que pagam de taxa de manutenção, pois defendem que deveriam pagar o valor determinado para um imóvel tipo T1 e não T2. Há interesse em agir. Há interesse em decidir que tipo de valor devem pagar ao abrigo do Regulamento a que se obrigaram. É esta a causa de pedir e o pedido.
G) E a Apelante recebe estes pagamentos, que utiliza para efetuar a manutenção dos serviços e equipamentos que fazem parte do aldeamento, como jardins, piscina, campos de ténis, elevador para a praia, limpeza, segurança, rega, etc., infraestruturas, equipamentos e serviços, próprios de aldeamento turístico, de que os Autores sempre disfrutaram e pretendem continuar a disfrutar procedendo para isso ao pagamento da respetiva taxa de manutenção.
H) A decisão do Tribunal “a quo” ao decidir que não há interesse em agir dos Autores, viola o artº 3º e artº 609º, nº 1, ambos do CPC, quando decide que a apreciação dos pedidos dos Autores estava dependente da invocação (e prova) de que as Rés tinham título bastante para exigir o pagamento das quantias em causa, pois os Autores pretendem com o presente ação decidir um litigio com a Ré, porque não chegam extra judicialmente a acordo, que é sobre se a taxa de manutenção que estão obrigados a pagar é a referente a um imóvel tipo T1 ou tipo T2.
I) Os Autores sentem-se lesados porque defendem que devem pagar como T1, e, por isso, defendem já ter pago em excesso à Ré a quantia de 2.611,82 €.
J) Ficou provado que o imóvel tem uma sala e dois quartos e, por isso, tem de ser considerado de tipologia T2.
K) A taxa de manutenção a pagar pelos Autores é a devida, conforme Regulamento do aldeamento da Prainha, por imoveis tipo T2, utilizado por 4 a 5 pessoas.
L) A Ré tem legitimidade para receber a taxa paga pelos Autores e, por isso, não há enriquecimento sem causa.
M) A sentença “a quo” viola o princípio da liberdade contratual e boa fé em que as partes contratam, ao ignorar o Regulamento do Aldeamento da Prainha, aceite pelas partes e, ao abrigo do qual, estão reguladas as relações contratuais.
N) Há um Vinculo Jurídico Contratual entre as partes.
O) Não há enriquecimento sem causa da Ré Apelante.
P) Sendo o imóvel dos Autores um T2, é devida a taxa de manutenção como T2, e, por isso, não há devolução de valores a efetuar pela Ré aos Autores.
Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas que se decida conceder provimento ao recurso, com revogação da douta sentença recorrida, e substituída por outra por forma a que seja reconhecido que a fração em causa tem tipologia de T2 e, por isso, é devida taxa de manutenção como T2 à Ré C….
Requer ainda a V. Exa a revogação da condenação da Ré Apelante à restituição aos Autores da quantia de 2.611,82 € (dois mil seiscentos e onze euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

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5. Contra-alegaram os Autores, pugnando pela inadmissibilidade do recurso interposto pela Recorrente da parte da sentença que absolveu as Rés da instância quanto às alíneas a) e b) do pedido, por manifesta ilegitimidade, e defenderam a bondade e manutenção da sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Legitimidade da recorrente “C…” quanto à decisão de absolvição da instância;
b) Se deve ser mantida a condenação da Ré no pagamento da quantia peticionada a título de enriquecimento sem causa.
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III. Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
1.1. A matéria de facto fixada na 1.ª instância, que não vem posta em crise, é a seguinte:
1. Os Autores I… e Lu… são proprietários e os Autores L… e M… são usufrutuários, da fração autónoma designada pela letra «B» do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na Matriz Predial da freguesia de Alvor sob o art. n.º… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º … – cf. fls. 8 (v.) e ss. e 69 e ss.
2. A referida fração localiza-se na urbanização denominada «Aldeamento da Prainha», sita na Praia dos Três Irmãos, Freguesia de Alvor, sendo designada por moradia … e composta por uma habitação de 1.º andar, dotada de 2 divisões, cozinha e casa de banho – cf. fls. 8 (v.) e ss.
3. A fração autónoma dos Autores dispõe, atualmente, de três divisões, uma sala e dois quartos – cf. inspeção ao local.
4. Foi efetuada uma alteração ao imóvel, tendo sido feito um quarto – cf. fls. 30 e ss. e inspeção ao local.

5. Desde a alteração do imóvel referida em 4, a anterior proprietária passou a efetuar o pagamento de taxa de manutenção referente a um T2, com capacidade de alojar até 5 – cf. fls. 31.

6. Os Autores, desde a aquisição do imóvel, sempre efetuaram o pagamento da taxa de manutenção como sendo uma habitação tipo T2.

7. Consta de fls. 31 (v.) e ss. um documento, que aqui se dá por reproduzido, epigrafado de “Regulamento do Aldeamento da Prainha”.

8. O referido aldeamento é constituído por um conjunto de diversos edifícios autónomos, tendo em comum espaços ajardinados, piscinas e outros equipamentos localizados no interior da urbanização – cf. inspeção ao local e fls. 51 (v.) e ss.

9. O imóvel dos Autores goza de todas as infraestruturas comuns e áreas de lazer do Aldeamento, tais como canalizações de esgotos, de eletricidade, de água, de rega, recolha de lixo, limpeza, estacionamento, segurança, espaços verdes, piscina e elevador de acesso à praia.

10. A Ré C…, Lda., administra os espaços e infraestruturas referidas em 8 e 9, designadamente, processando e cobrando as contribuições das diversas frações para os encargos respetivos.

11. As contribuições para os encargos comuns inerentes a cada fração autónoma integrada no aldeamento são proporcionais à respetiva tipologia, «T1», «T2», «T3» ou «T4» - cf. fls. 13 (v.) e ss.

12. As contribuições exigidas aos Autores pela Ré C…, Lda., discriminam, entre várias rúbricas, a designação « taxa de Manutenção », imputando-lhes os seguintes valores anuais: 2015 – 2 018,11€; 2016 – 2 018,11€; 2017 – 1 781,15€; 2018 – 1 781,15€ - cf. fls. 15 (v.) e ss.

13. Os valores das «taxas de manutenção» cobradas aos Autores, referidas em 12, correspondem a uma habitação da tipologia «T2».

14. Relativamente às habitações da tipologia «T1», os valores daquelas taxas de manutenção cifram-se em 1 345,41€ para os anos de 2015, 2016 e 2017 e de 1 187,43€ em 2018 – cf. fls. 13 (v.) e ss.

15. O imóvel referido em 1 esteve entregue à exploração da P…, Lda., durante 1 época, de 1 de abril a 31 de outubro de 2015 – cf. fls. 48 (v.) e ss.

16. Não existe título constitutivo de empreendimento turístico quanto ao aldeamento em causa no processo – cf. fls. 65 e 108.


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2. O direito.
2.1. Da legitimidade da recorrente.
A recorrente recorre do segmento do dispositivo da sentença que absolveu as Rés da instância quanto aos pedidos das als. a) e b) da petição inicial.

Tais pedidos, formulados pelos autores na petição inicial, consistiam na condenação das Rés:
a) A reconhecer que o valor da contribuição para os encargos comuns devida pela fração autónoma designada pela letra « B » do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na Matriz Predial da freguesia de Alvor sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº …, localizada na urbanização denominada « Aldeamento da Prainha », composta por uma habitação situada no 1º andar, designada por tipo T 1, dotada de 2 divisões, identificada no aldeamento sob a referência « A-34 » corresponde à de uma habitação desta tipologia « T1 » e não à tipologia « T2 » que lhe vem sendo imputada.
b) A retificar os valores das contribuições para os encargos das partes comuns exigidas à identificada fração para os correspondentes às habitações daquela tipologia «T1» e a absterem-se de exigir o pagamento das contribuições no valor fixado para as habitações de tipologia «T2».
Pretende a recorrente que este Tribunal revogue a sentença recorrida e que reconheça que a fração em causa tem tipologia de T2 e, por isso, é devida taxa de manutenção como T2 à Ré “C…”.
Os autores, nas suas contra-alegações, pugnaram pela rejeição do recurso quanto a esta questão, por ausência de legitimidade da recorrente, já que não é parte vencida.
E tem inteira razão.
Como flui expressamente do art.º 631.º/1 do C. P. Civil, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
A palavra “vencido” equivale a prejudicado, ou seja, refere-se àquele a quem a decisão recorrida tenha sido desfavorável (Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 265).
Como realçava Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pág. 16, a expressão “parte vencida” deve entender-se no sentido de parte “afetada ou prejudicada pela decisão”.
E é pelo pedido formulado, como sabemos, que o tribunal se tem de pronunciar – art.º 608.º/2 do C. P. Civil
Como sublinha Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4.ª edição, pág. 78, “O vencimento ou o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que tenha sido objeto da decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses”. E acrescenta (a pág. 81): “O Autor também deve considerar-se parte vencida quando, tendo formulado pedido principal e um pedido subsidiário, aquele seja julgado improcedente e este procedente, na medida em que, de acordo com a ordenação por si expressa na petição inicial, a decisão não deu acolhimento ao pedido principal”.

Entendimento que é também expresso pelo Prof.º Rui Pinto, “O Recurso Civil, Uma Teoria Geral”, 2017, AAFDL, pág. 167, ao afirmar que “não foi vencida a parte cujo pedido, simples ou principal, foi julgado total e integralmente procedente, mesmo que por fundamento que alegara como meramente secundário: o vencimento afere-se pela apreciação judicial do pedido, não pela apreciação judicial dos fundamentos, a qual é irrelevante, mesmo que desfavorável à parte. O que importa é o benefício que a decisão assegura à parte, e não a razão por que se lhe assegura”.
Assim sendo, é fácil de concluir que a recorrente, Ré na ação, tendo pugnado pela sua improcedência, não pode recorrer, em benefício da autora, na parte em que esta viu indeferida uma parte da sua pretensão, ou seja, em que viu as Rés serem absolvidas da instância quanto aos dois primeiros pedidos principais.
Em consequência, a Ré, ora recorrente, não ficou prejudicada com essa decisão, não pode ser considerada parte vencida, porque o não foi ( art.º 631.º/1 do CPC).
E não tendo os autores recorrido, ainda que subsidiariamente desse segmento decisório, transitou em julgado, o que impede a sua reapreciação (art.º 619.º/1 e 636.º/1, do CPC).
Pelos motivos expostos não se conhece do objeto do recurso quanto aos dois mencionados pedidos, porque a recorrente não é parte vencida na decisão, a qual não lhe é desfavorável, carecendo de legitimidade para o efeito.

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2.2. Direito ao reembolso da quantia peticionada a título de enriquecimento sem causa.
Na decisão recorrida a recorrente foi condenada a pagar aos Autores a quantia de 2 611,82 € (dois mil, seiscentos e onze euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa aplicável aos juros comerciais, desde a citação até efetivo e integral pagamento, tendo por fundamento o enriquecimento sem causa, tal como peticionado.
Escreveu-se na sentença recorrida:
Em tal quadro, por semelhança de raciocínio, diremos que ao terem os Autores liquidado a quantia pedida à R…, a mesma procedeu ao seu recebimento sem título que suportasse tal recebimento, pois que dos factos decorre que será uma mera administradora de facto do aldeamento; como tal, se não teria em abstrato título executivo para liquidar a quantia, terá cobrado o valor num quadro que representa um enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473.º do CC, que impõe a necessidade de a Ré em causa devolver o valor pedido pelos Autores (em face do princípio do pedido)”.
Discorda a recorrente, considerando que os pagamentos são utilizados para efetuar a manutenção dos serviços e equipamentos que fazem parte do aldeamento, como jardins, piscina, campos de ténis, elevador para a praia, limpeza, segurança, rega, etc., infraestruturas, equipamentos e serviços próprios de aldeamento turístico, de que os Autores sempre disfrutaram e pretendem continuar a disfrutar, procedendo para isso ao pagamento da respetiva taxa de manutenção, a qual é devida de acordo com o Regulamento do aldeamento da Prainha para imoveis tipo T2, utilizado por 4 a 5 pessoas, como é o caso da tipologia do imóvel dos Autores.
Ora, como decorre dos factos provados, os Autores são proprietários e usufrutuários, respetivamente, da fração autónoma designada pela letra « B » do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, inscrito na Matriz Predial da freguesia de Alvor sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …, que se localiza na urbanização denominada « Aldeamento da Prainha », sita na Praia dos Três Irmãos, Freguesia de Alvor, sendo designada por moradia … e composta por uma habitação de 1.º andar, dotada de 2 divisões, cozinha e casa de banho.
Esta fração autónoma dispõe, atualmente, de três divisões, uma sala e dois quartos, sendo que foi efetuada uma alteração ao imóvel, tendo sido feito um quarto.
E desde esta alteração que a anterior proprietária passou a efetuar o pagamento de taxa de manutenção referente a um T2, com capacidade de alojar até 5.
Assim, decorre da factualidade supra descrita que o imóvel dos Autores corresponde à tipologia "T2" e não “T1”, conforme “Regulamento do Aldeamento da Prainha” junto a fls. 31.

Aliás, igualmente ficou provado que os Autores, desde a aquisição do imóvel, sempre efetuaram o pagamento da taxa de manutenção como sendo uma habitação tipo T2.

Sucede, porém, que o denominado «Aldeamento da Prainha», onde se situa o imóvel em causa, não detém qualquer Título Constitutivo de empreendimento turístico, aprovado pela Direção Geral de Turismo, nem o aludido Regulamento Interno se mostra aprovado pela Assembleia-geral Extraordinária de proprietários, entidade competente para aprovar o título constitutivo.
Ora, o Dec. Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na redação dada pelo Dec. Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, estabelece o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, sendo os Aldeamentos turísticos um dos tipos de empreendimentos turísticos ( art.º 4.º/1, al. ab), estabelecendo-se no seu art.º 13.º/1 a noção aldeamentos turísticos [1], cujo funcionamento depende de Alvará de autorização de utilização para fins turísticos do empreendimento ( art.º 32.º, al. a)), cuja exploração está cometida a uma única entidade ( art.º 44.º/1), a quem compete igualmente reservar para os utentes neles alojados e seus acompanhantes o acesso e a utilização dos serviços, equipamentos e instalações do empreendimento ( art.º 48.º/4).
De acordo com a noção de “propriedade plural” ínsita no art.º 52.º deste diploma legal, “Consideram-se empreendimentos turísticos em propriedade plural aqueles que compreendem lotes e ou frações autónomas de um ou mais edifícios”.
E prescreve o seu art.º 53.º: “Às relações entre os proprietários dos empreendimentos turísticos em propriedade plural é aplicável o disposto no presente decreto-lei e, subsidiariamente, o regime da propriedade horizontal”.
Finalmente, no n.º 1 do seu art.º 33.º prevê-se a possibilidade de caducidade da autorização de utilização para fins turísticos, nomeadamente “Quando, por qualquer motivo, o empreendimento não puder ser classificado ou manter a classificação de empreendimento turístico” (al. d), caso em que o respetivo título válido de abertura é cassado e apreendido pela câmara municipal, a pedido do Turismo de Portugal, I. P.( seu n.º2). E acrescenta-se no seu n.º3: “A caducidade da autorização determina o encerramento do empreendimento, após notificação da respetiva entidade exploradora.
Ora, no caso concreto, está demonstrado que o denominado “Aldeamento da Prainha “ não detém Título Constitutivo de empreendimento turístico, aprovado pela Direção Geral de Turismo, nem o aludido Regulamento Interno se mostra aprovado pela Assembleia-geral Extraordinária de proprietários, isso apesar de se mostrar registado no Instituto Nacional do Turismo, com o n.º …, tipologia “Aldeamento Turístico”, não integrando conjunto turístico e não deter título constitutivo aceite em depósito legal ( doc. fls. 194/195 do processo eletrónico).
Aliás, as Rés, por requerimento entregue em 28/10/2019 (fls. 117 do processo eletrónico) confirmam a inexistência de deliberações quanto à aprovação das contribuições dos anos de 2015 a 2018 e que o Título Constitutivo com a colaboração da associação de proprietários em breve será apresentado aos proprietários.
Assim sendo, a Ré carece de fundamento legal, tendo em conta o regime legal supra traçado, para exigir dos Autores a sua contribuição para a gestão e manutenção desse espaço.
Prescreve o art.º 473.º do C. Civil:
1. Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
E adianta o art.º 474.º que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Assim, são pressupostos cumulativos do enriquecimento sem causa: a) o enriquecimento de alguém; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de quem requer a restituição; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento (cf. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, pág. 941; Inocêncio Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 4.ª edição, pág. 133 e segs.; e Antunes varela, “Das Obrigações em geral”, Vol. I, 4.ª edição, pág. 401).
O enriquecimento dá-se a favor de uma pessoa quando o seu património se valoriza ou deixa de valorizar, podendo consistir na aquisição de um benefício de carácter patrimonial, revestindo a forma de aumento do ativo, diminuição do passivo, ou na poupança de despesas. O requisito à custa de outrem significa que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem empobreceu, isto é, “a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondentemente suportado pelo outro, ou como refere Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., locupletamento à custa alheia.
Finalmente a necessidade de ausência de causa justificativa, isto é, a ausência jurídica de causa para esse enriquecimento, “tem ou não causa justificativa consoante segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele”, como realça Inocêncio Galvão Teles, ob. cit., pág., 136/137, ou nas palavras de Almeida Costa, ob. cit., pág. 500, “Quer dizer: reputa-se que o enriquecimento carece de causa, quando o direito não o aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial; sempre que aproveita, em suma, a pessoa diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar. Mas ele é apenas antijurídico, no sentido de substancialmente ilegítimo ou injusto, e não formalmente antijurídico”.
Verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e que condicionam a obrigação de restituir, importa ainda sublinhar que o recurso a esse instituto tem natureza subsidiária, isto é, não se pode lançar mão da ação de enriquecimento sem causa desde que a lei faculte outro meio de restituição ou indemnização ao lesado, ou quando a lei negue a restituição ou quando a lei atribua outros efeitos ao enriquecimento, como expressamente prescreve o art.º 474.º do C. Civil.
Neste preceito legal contemplam-se três situações que impedem o recurso à ação de enriquecimento sem causa, a saber: quando a lei facultar outro meio de ser indemnizado ou restituído (princípio da subsidiariedade); quando a lei negar o direito à restituição; ou quando a lei atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Assim, flui deste preceito que o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa só será legítimo se não houver qualquer outro meio jurídico de obtenção da restituição, ou seja, exige-se que o enriquecimento sem causa seja o último recurso a utilizar pelo empobrecido por não dispor de outra ação alternativa para esse efeito (salvo se a lei negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento, pois que nestes casos a restituição, ainda que pelo recurso ao enriquecimento sem causa, está totalmente excluída).
De acordo com as regras do ónus da prova, cabe ao autor que pede a restituição, com base no enriquecimento da ré à sua custa sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, alegar e provar os referidos pressupostos, por traduzirem factos constitutivos do seu direito, “nomeadamente o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária, sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição” – cf. Acórdão do STJ, de 2/7/2009, proc. n.º 123/07.5TJVNF.S1, disponível em www.dgsi.pt; ibidem seu Acórdão de 19/05/2011, proc. n.º 2203/09.3 TBPVZ .
E como se exarou no Acórdão do STJ, de 2/7/2009, Proc. n.º 132/09.0YFLSB, “Comecemos, desde logo, por recordar as palavras de Moutinho de Almeida, ao referir que «o enriquecimento sem causa é um evento, um facto, que se verifica quando o património de alguém é aumentado, sem causa, pelo correlativo empobrecimento do património de outrem, embora não deixe de ser um conceito jurídico, é um facto jurídico sintético com complexos formados à custa de factos materiais e concretos» (L.P. Moutinho de Almeida, Enriquecimento sem Causa, 3ª edição, Almedina, 2000, pg. 29)”.
Como vem realçado no citado Acórdão do STJ de 19/05/2011, “Para que haja lugar à condenação judicial na restituição do indevido, por força do enriquecimento sem causa, é irrefragavelmente necessário que se demonstre – mediante alegação e prova da respetiva factualidade – que a quantia que constitui a massa patrimonial deslocada do património do empobrecido para o do enriquecido não teve causa justificativa, designadamente por não ser devida em função de qualquer título ou ato válido e eficaz”.
Ora, se inexiste Regulamento do Aldeamento aprovado em conformidade com as citadas disposições legais, nem Título Constitutivo, carece de causa justificativa o pagamento efetuado pelos Autores, sendo manifesto o seu enriquecimento e consequente empobrecimento.
Na realidade, essa obrigação apenas podia ser mantida e exigida no âmbito do empreendimento turístico e em consonância com o regime jurídico decorrente desse diploma legal.
Assim, a sentença recorrida aplicou corretamente o direito aos factos alegados e provados, não merecendo qualquer censura.
Vencida no recurso, suportará a apelante as custas respetivas – art.º 527.º/1 do C. P. C.

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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Évora, 2020/06/04
Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes Desembargadores:
Tomé Ramião (Relator)
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] ) Reza esta disposição legal: “São aldeamentos turísticos os empreendimentos turísticos constituídos por um conjunto de instalações funcionalmente interdependentes com expressão arquitetónica coerente, com unidades de alojamento, situadas em espaços com continuidade territorial, com vias de circulação interna que permitam o trânsito de veículos de emergência, ainda que atravessadas por estradas municipais e caminhos municipais já existentes, linhas de água e faixas de terreno afetas a funções de proteção e conservação de recursos naturais, destinados a proporcionar alojamento e serviços complementares de apoio a turistas.