Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA BOA-FÉ INJÚRIAS | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - Os contratos incluem não só as obrigações deles expressamente constantes, mas também deveres acessórios inerentes à prossecução do resultado por eles visado. II - Estes deveres resultantes acessoriamente do próprio contrato, em paralelo com a obrigação principal e destinados a assegurar a perfeita execução desta, a ponto de a sua violação poder gerar uma situação de incumprimento, implicam a adoção de procedimentos indispensáveis ao cumprimento exato da prestação, com destaque para o dever de cooperação, sem o qual muitas vezes a utilidade final do contrato não é alcançada. III - Tais deveres são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma atuação de boa-fé [art. 762º, nº 2, do Código Civil], entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte – princípio da concretização. IV - Num contrato de empreitada as reiteradas injúrias (durante a execução contratual) do dono da obra ao legal representante da empreiteira, lesivas da sua honra, consubstanciam uma conduta violadora dos mais elementares princípios da cooperação, confiança e boa fé contratuais, sendo grave e perturbadora da manutenção da obrigação contratual da ré/ofendida, justificando, não a resolução contratual, por nem sequer haver sido declarada pela ré ao autor, mas sim a extinção da obrigação da ré, por a prestação se tornar impossível por causa que lhe não é imputável [art. 790º, nº 1, do Código Civil]. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 592/22.3T8BJA.E1 Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A..., Unipessoal, Lda., pedindo que a ré seja condenada a: a) Reconhecer como resolvido o contrato de empreitada, que celebrou com o Autor, a que respeita os pontos 1, 2, e 3 desta petição inicial, por abandono da obra pela Ré, e por incumprimento culposo definitivo e parcial; b) Pagar ao Autor a quantia de 5.500 euros, como indemnização por perdas e danos pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais derivados do seu incumprimento contratual e cumprimento defeituoso, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa legal. Alega, em síntese, que na sequência de solicitação à ré para realização de obras de fornecimento e colocação de portas e janelas, caixilhos e estores e acessórios necessários, esta apresentou o orçamento, que foi adjudicado pelo autor, no valor de € 14.500,00 euros + IVA de 23%, no total de € 17.835,00, tendo ficado acordado o pagamento inicial de € 8.917,50, correspondente a € 7.250,00 mais IVA. Mais alega que a ré iniciou os trabalhos e realizou parte das obras acordadas, mas não as concluiu, abandonando a finalização dos trabalhos, sem fundamento, causando assim prejuízos e danos consideráveis, e também pelo facto do novo empreiteiro ter que adaptar e não utilizar alguns trabalhos e materiais já colocados, e por o autor ter de despender de tempo das suas férias para tratar do reinício das obras. Contestou a ré, defendo a inexistência de incumprimento contratual da sua parte, e quanto ao alegado cumprimento defeituoso do contrato, invocou a caducidade do direito da autora. Deduziu ainda reconvenção, pedindo que se declare extinta a obrigação da ré por causa imputável ao autor, condenando-se este a pagar-lhe a quantia de € 345,52, a título de trabalho/obras a mais, e a entregar à ré a porta de sua propriedade colocada no imóvel do autor. Respondeu o autor, pugnando pela improcedência da exceção invocada e do pedido reconvencional. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que depois de afirmar a validade e regularidade da instância, relegou para a sentença o conhecimento das exceções invocadas. Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Nesta conformidade, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condena-se a ré a pagar indemnização ao autor, no que se vier a liquidar, até ao limite de € 5.500, acrescido de juros mora contados à taxa legal, desde da citação até efectivo e integral pagamento. b) Absolve-se o autor do pedido reconvencional formulado pela ré. c) Condenam-se o autor e a ré no pagamento das custas do processo, em partes iguais, sem prejuízo do que resultar da liquidação – art. 527º do C. Processo Civil.» Inconformada, a ré/reconvinte apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «I. É chegado o momento de concluir, conforme determina o art.º 639 do CPC. II. O presente recurso de apelação tem por objecto a impugnação da matéria de facto, na parte em que deu como provados os factos vertidos nos números 6 a 16 e 21, 23 e 26 da matéria de facto provada correspondente aos factos constantes da petição, assim como os pontos 9, 10, 12, 13, 15, 16 e 73 da matéria de facto não provada, relativamente à contestação; III. Salvo o devido respeito, entende-se que face à prova testemunhal e documental produzida, a matéria de facto provada nestes pontos nunca poderia ter sido considerada como provada, nomeadamente através da análise do doc. 1, 2 juntos à PI assim como pelos depoimentos das supra referidas testemunhas: IV. Os pontos referidos deveriam ter sido considerados não provados, pois nenhuma prova produzida sustenta tal conclusão do tribunal a quo; V. Assenta tal pedido de modificação da matéria de facto, na ampla prova testemunhal produzida, com especial incidência nas testemunhas BB (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023); CC (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023); CC (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023); DD (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023); EE (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023); VI. Da análise destes depoimentos, conforme consta da motivação do presente recurso somos de parecer que a matéria de facto considerada provada nestes pontos, padece de uma grave infidelidade, pois a prova produzida, contraria expressamente as conclusão a que o tribunal a quo chegou. VII. A sentença sob censura limitou-se a transcrever os factos constantes da PI, sem cuidar de efetuar uma apreciação critica face à prova produzida. VIII. Situação que urge modificar, por não se mostrar assente em nenhum raciocínio lógico e dedutivo, considerando-se não provados todos os pontos supra elencados, nos termos e com a motivação que se aduziu. IX. De igual modo, mal andou o tribunal a quo quando considerou não provados os pontos 9, 10, 12, 13, 15, 16 e 73 da contestação; X. Referiu o Tribunal a quo, na motivação desta matéria que “No Julgamento dos factos vertidos na contestação sob os arts. 9.º; 10.º; 12.º; 13.º; 15.º; 16.º; 73.º, levou-se em consideração os depoimentos das testemunhas FF, pedreiro de profissão, GG, serralheiro civil de profissão e HH, comercial da marca .... Prestou ainda declarações de parte o legal representante da ré e que não obstante, a prova testemunhal e documental produzida pela ré mostrou-se manifestamente insuficiente (…)” XI. Com o merecido respeito que gostosamente se tributa pelo Tribunal a quo, não se consegue compreender o que levou o Tribunal a considerar a prova testemunhal produzida pela ré como manifestamente insuficiente, face a tudo o que foi referido pelas testemunhas apresentadas pela Apelante. XII. Foi através dessa prova que se tornou evidente a perceção dos reais motivos que levaram a Recorrente a ter de abandonar a obra, após um clima de conflito entre a Recorrente e o recorrido que viria a culminar com a acusação relativa à retirada da obra de uma rebarbadora/Aparafusora. XIII. Os concretos meios probatórios em que assenta a nossa conclusão são as declarações da testemunha FF (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023); GG (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023; HH (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023);- As declarações de parte do legal representante da R. A..., Unipessoal, Lda. (depoimento gravado na aplicação informática «H@bilus Média Studio», na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de outubro 2023), com inicio ao minuto 16:33 e até ao minuto 16:51, que pela sua essencialidade deve ser ouvido na íntegra; XIV. Todas estas testemunhas foram unânimes em descrever as ofensas da honra e consideração devidas ao gerente da Recorrente e aos seus funcionários; XV. Como foi afirmado por alguns dos funcionários da Apelante, na audiência de discussão e julgamento, a Apelante e os seus funcionários chegavam muitas vezes ao local da obra e eram mandados para trás pelo dono da obra, por mero capricho deste. XVI. Para além disso, os funcionários da Recorrente FF e GG e ainda o filho do representante legal da Recorrente – HH, afirmaram de forma sincera e credível o que presenciaram, nomeadamente o facto do Apelado muitas vezes ter proferido comentários ofensivos e injuriosos tais como “filho da puta, cabrão”; “brasileiro só vem para Portugal para matar a fome”; “vocês não prestam para nada” e outras frases injuriosas, difamatórias, vexatórias como: “o vosso trabalho é uma merda” XVII. Motivo pelo qual se considera que, contrariamente ao constante da Sentença recorrida, deve toda matéria da contestação e constantes dos pontos acima indicados ser julgada provada. XVIII. Na sua contestação a Apelante invocou a exceção peremptória de caducidade do direito do Apelado. XIX. Alegando em suma, nos seus artigos 58 a 65, que as relações entre as partes cessaram em Março de 2021. XX. Facto atestado e não impugnado pelo Apelado, ao que acresce o teor do doc. ... junto à contestação e a confissão do valor pago no final da obra pelo Apelado. XXI. Esta matéria fáctica, é facto essencial para a Apelante pois dela resulta a procedência ou não, da caducidade do direito do Apelado, conforme atempadamente invocada. XXII. Certo é que o Tribunal está obrigado a dela conhecer, quer como facto provado, quer como facto não provado, conduzindo assim a que a decisão seja deficiente, o que se invoca nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 662 do CPC. XXIII. Alterando-se a matéria de facto no sentido proposto, ainda se dirá que a sentença recorrida também não fez a melhor interpretação da lei substantiva, ao ter considerado que a Apelada não teve qualquer fundamento para ter abandonado a obra e condenou-a ao pagamento do valor peticionado de 5.500€, sem que se entenda como o Tribunal recorrido chegou aquele valor, pois não cuidou sequer de dar cumprimento ao ónus probatório que impendia sob o Apelado, nos termos do art.º 342 do CC. XXIV. A Apelante, considera que efetivamente foi celebrado entre as partes um contrato de empreitada, nos termos do art.º 1207 do CC XXV. Mas a Apelante considera que a conduta do recorrido foi violadora dos mais elementares princípios da cooperação, confiança e boa fé contratuais, foi grave e perturbadora da manutenção da obrigação contratual. XXVI. Nos termos do art. 790.º/1 do C. Civil, a obrigação (unilateral), cujo cumprimento se torna impossível, extingue-se, ficando o devedor exonerado sem incorrer em qualquer responsabilidade (uma vez que o dever de prestar não se converte em dever de indemnização). XXVII. A principal consequência da impossibilidade (superveniente) da prestação não imputável ao devedor é pois a extinção da obrigação, perdendo o credor o direito de exigir a prestação e não tendo, por conseguinte, direito à indemnização dos danos provenientes do não cumprimento. XXVIII. Como obrigações principais do contrato de empreitada, temos como direito principal do dono da obra, o aqui recorrido, o direito de exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que este se obrigou e como contraponto a sua obrigação principal na prestação do preço acordado. XXIX. Porém, como em qualquer contrato, para além dos direitos e obrigações principais, surgem na constituição e desenvolvimento do programa contratual um conjunto de deveres laterais e acessórios de conduta que se impõem a ambas as partes. XXX. Com efeito, polarizando-se a relação jurídica obrigacional em torno de uma ou mais prestações típicas – deveres principiais ou primários da prestação – o seu âmbito alarga-se, no entanto, aos deveres acessórios, secundários ou complementares de conteúdo diversificado, sujeitando ainda às partes à “ordem envolvente da interacção negocial”, ou seja a critérios normativos de razoabilidade e de boa-fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes. XXXI. Como já referido na nossa motivação, o comportamento do Recorrido ao longo da obra, violou manifestamente os seus deveres acessórios de conduta. XXXII. Tal conduta, violadora dos mais elementares princípios da cooperação e boa-fé contratual, afigurou-se-nos de tal maneira grave que inquestionavelmente perturbou a manutenção do vínculo contratual e justificou a resolução do contrato pela aqui Apelante, por causa imputável ao Recorrido. XXXIII. As sucessivas injúrias e difamação do Apelado à Apelante e o abandono da obra por parte desta não podem assim ser configurados como uma resolução contratual, porém, podem e devem ser configurados como uma impossibilidade de cumprimento – ou algo com efeitos semelhantes – não imputável à Apelante ou mais exactamente imputável ao Apelado, produzindo a exoneração da Apelante do dever de concluir a sua prestação e de reparar eventuais defeitos da parte executada. XXXIV. A perda de confiança entre os contraentes, a violação de deveres acessórios de conduta por parte do A.pelado– de correcção, lealdade e boa fé – a ocorrência de circunstâncias, factos ou situações, em face das quais e segundo a boa fé não é exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, devem ser considerados como integrantes duma “espécie” de justa e legítima causa de falta ao cumprimento, de impossibilidade da prestação. XXXV. A conduta do Autor e aqui Recorrido, considerando-se provada a matéria de facto dada como não provada conforme supra se referiu, afigura-se violadora dos mais elementares princípios da cooperação e boa-fé contratual, afigurando-se-nos de tal maneira grave que inquestionavelmente perturba a manutenção do vínculo contratual e justifica a resolução do contrato pela Recorrente, por causa imputável ao Autor. XXXVI. Assim sendo, bem teria andado o tribunal recorrido se tivesse reconhecido que assistia à Apelante o direito à extinção da obrigação por impossibilidade superveniente da prestação por facto não imputável ao devedor. Termos em que, deve o presente recurso ser recebido e, afinal alterar-se a decisão recorrida, nos termos supra explanados, com o que farão Vossas Excelências inteira e sã JUSTIÇA!» Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber: - se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos concretos pontos indicados pela recorrente; - se o contrato de empreitada deve considerar-se resolvido, ou a não se entender assim, considerar o mesmo extinto por impossibilidade de cumprimento imputável ao autor/recorrido; - se caducou o direito do autor. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos[1]: Da Petição 1. O Autor solicitou orçamento à Ré, para realização de obras de fornecimento e colocação de portas e janelas, caixilhos e estores e acessórios necessários. 2. Em 15/02/2019, a Ré apresentou o orçamento, que foi adjudicado pelo Autor, no valor de 14.500,00 euros +iva de 23% no total de 17835,00 euros. 3. Nesta adjudicação ficou acordado, o pagamento inicial de 8.917,50 Euros, correspondente a 7.250,00 mais 23% de iva. 5. A Ré realizou os seguintes trabalhos inacabados: 6. Montou um aro para a suporte da porta da rua, aro esse embutido no cimento pelo pedreiro. Mas não colocou a porta, esse aro só dá para certos tipos de porta, nomeadamente as fornecidas pela Ré. 7. O que implica que o Autor tenha que retirar o aro ou encontrar uma porta adequado ao aro. 8. Foram produzidas pedras para as janelas (soleiras e parapeitos) com base na amostra de perfil das janelas fornecido pela Ré, no orçamento aceite. A Ré não colocou as janelas, o Autor ficou na situação de ter que encontrar janelas adequadas ao perfil, ou ter que retirar as pedras das janelas. 9. Foi difícil encontrar outra empresa que quisesse começar onde a Ré terminou. 13.A Ré montou o portão da garagem que era demasiado grande. 14.Este portão foi cortado, mas o corte não foi tratado, foi tapado e colocados parafusos de outras cores. 15.A Ré não montou o motor elétrico do portão da Garagem. 16.A Ré montou o portão do Quintal, que também não ficou completo, pois o Motor elétrico não foi montado. 18. A Ré realizou alguns trabalhos que não estavam no orçamento, nomeadamente algerozes para o telhado e para as chaminés, e uma estrutura para esconder o portão do quintal. 21.E entendeu que assim daria os trabalhos por terminados. 23.Ficaram os trabalhos todos iniciados e nenhum terminado. Situação que prejudicou o Autor porque teve de contratar nova obra, a outro empreiteiro, com os custos que dai advieram. 24.O Autor pediu um orçamento para terminar a obra, no valor total de 16.728,00 euros. 26. O novo empreiteiro ter que adaptar e não utilizar alguns trabalhos e materiais já colocados. E foram considerados não provados: Da petição 11.A Ré montou 10 estores, e 3 deles não ficaram terminados de montar, ficou em falta instalar calhas, ajustá-las e testá-las, e a Ré decidiu não realizar esses trabalhos. 12.Um dos estores ficou danificado (riscado), e a Ré recusou-se a repor esse estore. 27.E teve também prejuízos e danos por despender de tempo especialmente das suas férias para puder tratar do reinício das obras. Da contestação 9. Desde o início da obra, que o A. teve um comportamento totalmente desadequado para a R. e demais funcionários, apelidando-os, por variadas vezes de incompetentes. 10. Exigindo que a R. apenas concretizasse os trabalhos orçamentados, na presença deste, e quase sempre quando o mesmo se encontrasse em Portugal, já que este reside na ... e ai passa a maior parte do tempo. 12. Motivo pelo qual os trabalhos só avançavam quando o A. assim entendia e conforme queria, nomeadamente ao nível da colocação e montagem da caixilharia, a qual só podia ser montada na presença do A., quando este se encontrasse em Portugal. 13. Sempre num clima de crispação, e ofensas verbais ao gerente da R. e aos seus funcionários, a quem insistentemente apelidava de incompetentes, provocando assim constante um ambiente de hostilização. 15. Na verdade, por variadíssimas vezes o A. ameaçou o gerente da R. e os seus empregados, com expressões ameaçadoras de “Vou ai corto-te o pescoço” e apelidando-os de incompetentes, aldrabões e filhos da puta….. 16. Até que, em meados de Março de 2021 o A. acusou o gerente da R. e/ou os seus funcionários de terem retirado da obra uma rebarbadora. 73. De igual modo, e durante a realização dos trabalhos, a R. colocou na obra do A. uma porta de sua propriedade, por forma a salvaguardar a protecção dos bens do A. e cuja devolução não foi efectuada pelo A. Da impugnação da matéria de facto Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa. Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental e depoimentos das testemunhas registados em suporte digital. Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto. No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas. Infere-se das conclusões da recorrente, que esta discorda da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo relativamente aos pontos 6 a 16 e 21, 23 e 26 da matéria de facto provada, correspondente aos factos alegados na petição, assim como os pontos 9, 10, 12, 13, 15, 16 e 73 da matéria de facto não provada, referentes à contestação. Escreveu-se na sentença recorrida: «No julgamento dos factos constantes da petição, vertidos sob os arts. 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 13º, 14º 15º, 16º, 18º, 21º, 23º, 24º e 26º, levou-se em consideração os documentos juntos com a petição, orçamento de A..., Unipessoal, Lda., de 15-02-2019, ordem de transferência, a 2019/07/05 no montante de 8.917,50 e orçamento de J... Lda, de 07-06-2021. Prestaram depoimentos as testemunhas arroladas pelo autor: BB., DD, calceteiro de profissão, EE, engenheiro civil de profissão, J... Lda e CC, administrativo de profissão. Prestou, ainda, declarações de parte o autor. Nos depoimentos destas testemunhas se estriba a resposta à matéria de facto da petição, que concatenados com os documentos apresentados, permite concluir pela veracidade do alegado por este, nos termos considerados provados.» Nos pontos 6 e 7, deu-se como provada a seguinte factualidade: - 6. Montou (a ré) um aro para a suporte da porta da rua, aro esse embutido no cimento pelo pedreiro. Mas não colocou a porta, esse aro só dá para certos tipos de porta, nomeadamente as fornecidas pela Ré. - 7. O que implica que o Autor tenha que retirar o aro ou encontrar uma porta adequado ao aro. Diz a recorrente não compreender como puderam estes factos, os quais resultam de um simples “copy paste” do teor da petição inicial, ser dados como provados, já que nenhuma das testemunhas ouvidas os relataram, existindo assim uma total ausência de prova testemunhal ou outra, relativamente a estes factos. A recorrente convoca a este respeito os depoimentos das testemunhas BB, DD e CC, por dos mesmos não resultar aquela factualidade. E tem razão a recorrente, pois entendemos que nenhuma das referidas testemunhas, também mencionadas pelo Tribunal a quo, permite fundamentar a factualidade dos pontos 6 e 7, corroborou tais factos. Pese embora a testemunha BB, amigo do autor e que disse ser encarregado da obra, tenha referido que o Sr. A..., Unipessoal, Lda. (legal representante da ré) montou o suporte da porta (parecendo estar a referir-se ao aro) e deixou lá uma porta velha, certo é que tal afirmação não foi corroborada pelas restantes testemunhas que depuseram sobre essa matéria. Assim, a testemunha DD, calceteiro e amigo do autor, quando foi questionado pelo mandatário do autor se haviam sido instalados aqueles aros nas portas e se tinha visto essa instalação, respondeu negativamente, esclarecendo que «nas janelas vi só a preparação dos estores, mas não ficaram montados». Também a testemunha CC, que aos costumes disse conhecer o autor como cliente, e o legal representante da ré como colega de profissão, quando o mandatário do autor lhe perguntou se já havia alguma parte instalada quando a sua empresa foi fazer as medições, respondeu que «havia estores instalados e portões», e quando foi questionado se havia aros das portas e janelas, respondeu negativamente, dizendo que «havia estores e portões». Deste modo, a prova produzida não se mostra suficiente no sentido de dar como provada a factualidade em causa, isto é, que o autor tivesse que retirar o aro ou encontrar uma porta adequada ao aro. Assim, eliminam-se do elenco dos factos provados referentes à petição inicial, os pontos 6 e 7, que devem considerar-se factos não provados. De igual modo, porque antecedendo os pontos 6 e 7 e com eles diretamente relacionado, deve ser também considerado como não provado o ponto 5: «A Ré realizou os seguintes trabalhos inacabados». Impugna também a recorrente a decisão da matéria de facto proferida quanto aos pontos 8 e 9 (reportados à petição inicial), nos quais se deu como provado o seguinte: «8. Foram produzidas pedras para as janelas (soleiras e parapeitos) com base na amostra de perfil das janelas fornecido pela Ré, no orçamento aceite. A Ré não colocou as janelas, o Autor ficou na situação de ter que encontrar janelas adequadas ao perfil, ou ter que retirar as pedras das janelas. 9. Foi difícil encontrar outra empresa que quisesse começar onde a Ré terminou.» Diz a recorrente que nenhuma das testemunhas arroladas pelo autor e referidas na motivação da decisão de facto, falaram de tal alegada dificuldade, sendo que a única testemunha que depôs sobre tal matéria, CC, afirmou não ter tido qualquer dificuldade em fazer o trabalhado solicitado e orçamentado. Ouvido o depoimento desta testemunha, do mesmo não resulta que o autor tenha ficado numa situação de ter que encontrar janelas adequadas ao perfil das janelas fornecidas pela ré, ou ter que retirar as pedras da janela, nem que tenha sido difícil encontrar outra empresa que quisesse começar o trabalho onde a ré o deixou. Na verdade, referiu aquela testemunha que o autor contratou a sua empresa para esta lhe dar um orçamento a uma caixilharia de alumínio, tendo sido a testemunha que que elaborou o orçamento, não tendo havido reclamações a partir daí, e quando lhe foi perguntado pelo mandatário do autor se teve dificuldade em chegar à obra e fazer aquilo que lhe era pedido», respondeu que «não houve problemas», e à pergunta do mesmo mandatário se «não ficou vinculado no respetivo trabalho por alguma coisa feita por outra pessoa, um colega seu», respondeu que não. Assim, eliminam-se do elenco dos factos provados referentes à petição inicial, os pontos 8 e 9, que devem considerar-se factos não provados. Impugna outrossim a recorrente os pontos 13, 14, 15 e 16 dos factos provados, cujo teor é o seguinte: «13. A Ré montou o portão da garagem que era demasiado grande. 14. Este portão foi cortado, mas o corte não foi tratado, foi tapado e colocados parafusos de outras cores. 15. A Ré não montou o motor elétrico do portão da Garagem. 16. A Ré montou o portão do Quintal, que também não ficou completo, pois o Motor elétrico não foi montado.» A este respeito relevam os depoimentos das testemunhas BB, DD e EE. A testemunha BB, apesar de mostrar uma postura crítica quanto ao facto de a ré não ter acabado a obra, não deixou de referir que «foram montados os portões, os motores …, o do portão basculante e o que eu forrei». A testemunha DD, apesar de não saber exatamente o trabalho que a ré devia executar, sabia que iam ser instalados portões, e quando instado pelo mandatário do autor se tinha assistido à instalação dos portões pelo Sr. A..., Unipessoal, Lda., respondeu afirmativamente quanto aos portões traseiros e que pelo menos um motor ficou montado. Por último, a testemunha EE disse que a ré montou dois portões e que estes tinham um motor para abrir à distância, esclarecendo, a instâncias do referido mandatário, que foi o Sr. A..., Unipessoal, Lda. que deu a solução para o trabalho do motor se adequar aos portões. Estes depoimentos não suportam a factualidade dada como provada nos pontos em causa, resultando dos mesmos até o contrário, isto é, que os portões foram montados sem que se verificassem as anomalias invocadas. Deste modo, eliminam-se do elenco dos factos provados referentes à petição inicial, os pontos 13, 14, 15 e 16, que devem considerar-se factos não provados. Questiona igualmente o recorrente a decisão proferida quanto aos pontos 23 e 26 dos factos provados, do seguinte teor: «23. Ficaram os trabalhos todos iniciados e nenhum terminado. Situação que prejudicou o Autor porque teve de contratar nova obra, a outro empreiteiro, com os custos que dai advieram. 26. O novo empreiteiro ter que adaptar e não utilizar alguns trabalhos e materiais já colocados.» Quanto a esta matéria, como já vimos supra, reveste especial importância o depoimento da testemunha CC, pessoa que foi à obra colocar as caixilharias, tendo referido que não verificaram “o trabalho do colega”, tendo-se preocupado apenas «com o nosso trabalho», e quando questionado pelo mandatário do autor se não teve dificuldade em chegar à obra e fazer aquilo que lhe era solicitado fazer, respondeu que «não houve problemas», e à pergunta se não ficou vinculado no seu trabalho por alguma coisa feita pela ré, respondeu que não. Por seu turno, do depoimento da testemunha DD resulta, no essencial, que a mesma não sabia exatamente quais os trabalhos que a ré ia realizar, sabendo apenas dos portões e dos motores dos mesmos, como se viu supra. Também no seu depoimento a testemunha EE referiu não saber o que foi acordado entre o autor e a ré, e que não tinha reparos a fazer ao trabalho desta. Já o depoimento da testemunha BB revelou-se algo inconsistente quanto ao conhecimento dos factos, nomeadamente sobre os trabalhos que eram para ser realizados e aos que efetivamente foram feitos. Apreciando de forma crítica e conjugada todos estes depoimentos, consideramos que os mesmos não suportam a factualidade dada como provada nos referidos pontos. Assim, eliminam-se do elenco dos factos provados referentes à petição inicial, os pontos 23 e 26, que devem considerar-se factos não provados. Impugna também a recorrente a decisão relativa à matéria dos pontos 9, 10, 12, 13, 15, 16 e 73 do elenco dos factos não provados, com referência à contestação. Os factos em causa são os seguintes: «9. Desde o início da obra, que o A. teve um comportamento totalmente desadequado para a R. e demais funcionários, apelidando-os, por variadas vezes de incompetentes. 10. Exigindo que a R. apenas concretizasse os trabalhos orçamentados, na presença deste, e quase sempre quando o mesmo se encontrasse em Portugal, já que este reside na ... e aí passa a maior parte do tempo. 12. Motivo pelo qual os trabalhos só avançavam quando o A. assim entendia e conforme queria, nomeadamente ao nível da colocação e montagem da caixilharia, a qual só podia ser montada na presença do A., quando este se encontrasse em Portugal. 13. Sempre num clima de crispação, e ofensas verbais ao gerente da R. e aos seus funcionários, a quem insistentemente apelidava de incompetentes, provocando assim constante um ambiente de hostilização. 15. Na verdade, por variadíssimas vezes o A. ameaçou o gerente da R. e os seus empregados, com expressões ameaçadoras de “Vou aí corto-te o pescoço” e apelidando-os de incompetentes, aldrabões e filhos da puta. 16. Até que, em meados de Março de 2021 o A. acusou o gerente da R. e/ou os seus funcionários de terem retirado da obra uma rebarbadora. 73. De igual modo, e durante a realização dos trabalhos, a R. colocou na obra do A. uma porta de sua propriedade, por forma a salvaguardar a protecção dos bens do A. e cuja devolução não foi efectuada pelo A.» Na motivação da decisão de facto da sentença recorrida escreveu-se: «No julgamento dos factos vertidos na contestação, sob os arts. 9º, 10º, 12º, 13º, 15º, 16º, 73º, levou-se em consideração os depoimentos das testemunhas FF, pedreiro de profissão, GG, serralheiro civil de profissão e HH, comercial da marca .... Prestou, ainda, declarações de parte do legal representante da ré. Não obstante, a prova testemunhal e documental produzida pela ré mostrou-se manifestamente insuficiente, para e no confronto com os demais meios de prova já mencionados, convencer da realidade e correcção do alegado pela ré. Na dúvida fundada sobre a realidade de um facto, ele é decidido contra quem este aproveita, pelo que os factos em discussão são de considerar não provados.» Diz a recorrente não entender «o que levou o Tribunal a considerar a prova testemunhal produzida pela ré como manifestamente insuficiente, face a tudo o que foi referido pelas testemunhas apresentadas pela Apelante», sendo «através dessa prova que se tornou evidente a perceção dos reais motivos que levaram a Recorrente a ter de abandonar a obra, após um clima de conflito entre a Recorrente e o recorrido que viria a culminar com a acusação relativa à retirada da obra de uma rebarbadora/Aparafusora». Em abono deste seu entendimento e com referência aos pontos 9,10 e 12, convoca a recorrente os depoimentos das testemunhas FF, GG, ambos funcionários da ré, HH, filho do legal representante da ré, e as declarações de parte daquele legal representante, A..., Unipessoal, Lda.. Analisados os depoimentos das referidas testemunhas, conjugados com as declarações de parte do legal representante da ré, não podemos deixar de dar razão à recorrente. Com efeito, resulta de tais depoimentos e declarações, que durante a obra o legal representante da ré e os seus funcionários encontraram por diversas vezes um ambiente de trabalho hostil e mesmo humilhante provocado pelo autor. Foi efetivamente o cumular de algumas situações ofensivas da honra e consideração devidas ao legal representante da ré/recorrente que culminou no abandono da obra por parte desta, sendo que “a gota de água que fez transbordar o copo” foi quando o autor acusou o legal representante da ré de ter roubado uma rebarbadora, como referiu este último. Como disseram as referidas testemunhas, chegavam muitas vezes ao local da obra e eram mandados embora, apenas porque nesses dias o autor não os queria lá, sendo demonstrativo disso o que disse a testemunha GG: «Por várias vezes a gente chegou lá, descarregava o material da carrinha e ele dizia: Não, peguem nas suas coisas e vão embora que hoje eu não vos quero aqui.» Relataram ainda as testemunhas de forma clara e objetiva o que presenciaram, nomeadamente o facto de o autor muitas vezes proferir certos comentários ofensivos e injuriosos tais como “filho da puta, cabrão”; “brasileiro só vem para Portugal para matar a fome”; “vocês não prestam para nada” e frases vexatórias, tais como «o vosso trabalho é uma merda». De igual modo ficou demonstrada, através dos depoimentos das testemunhas e das declarações do legal representante da ré, a matéria fáctica dos pontos 16 e 73, merecendo tais depoimentos e declarações credibilidade na medida do apurado. Do exposto resulta, pois, que deve ser considerada provada a factualidade em causa, sendo que relativamente ao ponto 15, a sua redação será a seguinte: «15. Por variadas vezes o autor apelidou o legal representante da ré e os seus funcionários de incompetentes, aldrabões e filhos da puta.» E quanto ao ponto 16 deve acrescentar-se que foi o facto aí descrito que levou o legal representante da ré e os seus trabalhadores a abandonar a obra, ficando assim a redação daquele ponto: «16. Até que, em meados de março de 2021 o A. acusou o gerente da R. e/ou os seus funcionários de terem retirado da obra uma rebarbadora, o que motivou o abandono da obra por parte daqueles.» MATÉRIA DE FACTO FINALMENTE FIXADA POR ESTA RELAÇÃO[2] Uma vez alterada por esta Relação a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância, os factos finalmente julgados provados e não provados são os seguintes: Factos provados: Da petição 1. O Autor solicitou orçamento à Ré, para realização de obras de fornecimento e colocação de portas e janelas, caixilhos e estores e acessórios necessários. 2. Em 15/02/2019, a Ré apresentou o orçamento, que foi adjudicado pelo Autor, no valor de 14.500,00 euros +Iva de 23% no total de 17835,00 euros. 3. Nesta adjudicação ficou acordado, o pagamento inicial de 8.917,50 Euros, correspondente a 7.250,00 mais 23% de iva. 18. A Ré realizou alguns trabalhos que não estavam no orçamento, nomeadamente algerozes para o telhado e para as chaminés, e uma estrutura para esconder o portão do quintal. 21. E entendeu que assim daria os trabalhos por terminados. Da contestação 9. Desde o início da obra, que o A. teve um comportamento totalmente desadequado para a R. e demais funcionários, apelidando-os, por variadas vezes de incompetentes. 10. Exigindo que a R. apenas concretizasse os trabalhos orçamentados, na presença deste, e quase sempre quando o mesmo se encontrasse em Portugal, já que este reside na ... e aí passa a maior parte do tempo. 12. Motivo pelo qual os trabalhos só avançavam quando o A. assim entendia e conforme queria, nomeadamente ao nível da colocação e montagem da caixilharia, a qual só podia ser montada na presença do A., quando este se encontrasse em Portugal. 13. Sempre num clima de crispação, e ofensas verbais ao gerente da R. e aos seus funcionários, a quem insistentemente apelidava de incompetentes, provocando assim constante um ambiente de hostilização. 15. Por variadas vezes o autor apelidou o legal representante da ré e os seus funcionários de incompetentes, aldrabões e filhos da puta. 16. Até que, em meados de março de 2021 o A. acusou o gerente da R. e/ou os seus funcionários de terem retirado da obra uma rebarbadora, o que motivou o abandono da obra por parte daqueles. 73. De igual modo, e durante a realização dos trabalhos, a R. colocou na obra do A. uma porta de sua propriedade, por forma a salvaguardar a proteção dos bens do A. e cuja devolução não foi efetuada pelo A. Factos não provados: Da petição 5. A Ré realizou os seguintes trabalhos inacabados: 6. Montou um aro para a suporte da porta da rua, aro esse embutido no cimento pelo pedreiro. Mas não colocou a porta, esse aro só dá para certos tipos de porta, nomeadamente as fornecidas pela Ré. 7. O que implica que o Autor tenha que retirar o aro ou encontrar uma porta adequado ao aro. 8. Foram produzidas pedras para as janelas (soleiras e parapeitos) com base na amostra de perfil das janelas fornecido pela Ré, no orçamento aceite. A Ré não colocou as janelas, o Autor ficou na situação de ter que encontrar janelas adequadas ao perfil, ou ter que retirar as pedras das janelas. 9. Foi difícil encontrar outra empresa que quisesse começar onde a Ré terminou. 11. A Ré montou 10 estores, e 3 deles não ficaram terminados de montar, ficou em falta instalar calhas, ajustá-las e testá-las, e a Ré decidiu não realizar esses trabalhos. 12. Um dos estores ficou danificado (riscado), e a Ré recusou-se a repor esse estore. 13. A Ré montou o portão da garagem que era demasiado grande. 14. Este portão foi cortado, mas o corte não foi tratado, foi tapado e colocados parafusos de outras cores. 15. A Ré não montou o motor elétrico do portão da Garagem. 16. A Ré montou o portão do Quintal, que também não ficou completo, pois o Motor elétrico não foi montado. 23. Ficaram os trabalhos todos iniciados e nenhum terminado. Situação que prejudicou o Autor porque teve de contratar nova obra, a outro empreiteiro, com os custos que dai advieram. 26. O novo empreiteiro ter que adaptar e não utilizar alguns trabalhos e materiais já colocados. 27. E teve também prejuízos e danos por despender de tempo especialmente das suas férias para puder tratar do reinício das obras. Da contestação Face à alteração da matéria de facto por esta Relação, não há factos não provados da contestação a considerar, tendo os mesmos transitado para o elenco dos factos provados, sendo os pontos 15 e 16 com a redação acima referida. O DIREITO Não se discute – nunca se discutiu – que as partes celebraram um contrato de empreitada, que, por definição legal, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço - art. 1207º do Código Civil[3]. Contrato que no caso, é sabido, é inteiramente consensual (219º do CC), sendo que no caso concreto existe um orçamento escrito elaborado pela ré (empreiteira), datado de 15.02.2019, junto com a petição inicial, do qual consta uma lista de trabalhos a efetuar e o valor total da obra (€ 14.500,00 +iva de 23% no total de € 1.7835,00), tendo ficado acordado o pagamento inicial de € 8.917,50 Euros, correspondente a € 7.250,00 mais 23% de iva [cfr. pontos 2 e 3 dos factos provados]. Com o quadro factual alcançado pelo tribunal a quo, escreveu-se na sentença recorrida: «A Ré deixou de efetuar a sua prestação em termos adequados, provocando o inadimplemento da obrigação com a consequente responsabilidade. No caso dos autos a obra foi abandonada e, desse modo entregue ao dono da obra em estado de inacabada. De facto, o abandono da obra sem fundamento, deve ser entendido como uma manifestação inequívoca de intenção de não cumprir, de recusa de cumprimento. Consequentemente, assiste ao Autor, o direito a ser indemnizado pelos prejuízos que sofreu com tal incumprimento da Ré empreiteira — artº 798º e 801º, nº 2, do C. Civil Estando em causa danos circa rem, verifica-se, in casu, um desiquilibrio na relação sinalagmática entre o valor e a utilidade das obras contratadas por um lado, que se encontra comprometida pelo incumprimento da ré, e o respectivo preço pago por outro. Nos autos, encontra-se comprovada a existência de danos mas inexistem elementos que permitam fixar o montante indemnizatório devido, por força deste desiquilibrio na relação contratual. Importando, por isso, condenar a Ré no que se vier a liquidar, nos termos do art. 609º do C. Processo Civil que determina que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado. Todavia, encontrando-se já o contrato terminado, como resulta provado, não há que o declarar findo por outra via.» Apreciação com que se concordaria, não fosse ter sido julgada procedente a impugnação da matéria de facto, que alterou de forma significativa a factualidade considerada prova e não provada. Atenta a nova realidade fáctica, e considerando a fase executiva do contrato, ocorreram eventos que, a nosso ver, “marcam” a relação contratual, traçando o desfecho dos autos e a solução do litígio. Estamos naturalmente a referir-nos aos factos descritos nos pontos 10, 12, 13, 14 e, sobretudo, 15 e 16 dos fatos provados por esta Relação, ou seja, à circunstância de, por variadas vezes o autor ter apelidado o legal representante da ré e os seus funcionários de incompetentes, aldrabões e filhos da puta, e de em meados de março de 2021, ter acusado o gerente da ré e/ou os seus funcionários de terem retirado da obra uma rebarbadora. Eventos estes, que por não terem sido acolhidos nos factos provados da sentença, não mereceram nesta qualquer apreciação, o que se impõe agora fazer. Os contratos incluem não só as obrigações deles expressamente constantes, mas também deveres acessórios inerentes à prossecução do resultado por eles visado. Estes deveres resultantes acessoriamente do próprio contrato, em paralelo com a obrigação principal e destinados a assegurar a perfeita execução desta, a ponto de a sua violação poder gerar uma situação de incumprimento, implicam a adoção de procedimentos indispensáveis ao cumprimento exato da prestação, com destaque para o dever de cooperação, sem o qual muitas vezes a utilidade final do contrato não é alcançada. Tais deveres são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma atuação de boa-fé (art. 762º, nº, 2, do CC) entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte – princípio da concretização[4]. A conduta do autor é violadora dos princípios da cooperação e boa-fé contratual, e reveste gravidade suficiente que impede a manutenção da relação contatual. Dada a gravidade do dever acessório incumprido, entendemos que a ré não dispunha de condições para continuar a laborar na obra, pelo que os montantes que poderia haver com a conclusão da mesma e que se traduziriam no cumprimento da parte do contrato de empreitada que faltava nunca justificariam a manutenção do vínculo contratual. Diz a recorrente que a conduta do autor, por ser «violadora dos mais elementares princípios da cooperação e boa-fé contratual» e se afigurar «de tal maneira grave que inquestionavelmente perturba a manutenção do vínculo contratual …justifica a resolução do contrato pela Recorrente, por causa imputável ao Autor» [conclusão XXXV], pelo que «bem teria andado o tribunal recorrido se tivesse reconhecido que assistia à Apelante o direito à extinção da obrigação por impossibilidade superveniente da prestação por facto não imputável ao devedor». Só em parte se concorda com a recorrente. Não cremos que se esteja perante um caso de resolução do contrato. Num caso com contornos idênticos, escreveu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 03.12.2013[5]: «A resolução contratual é um meio de extinção do vínculo contratual através duma declaração unilateral duma parte à contraparte; declaração que, sendo receptícia, produz os seus efeitos quando chega ao poder ou ao conhecimento da contraparte, momento a partir do qual esta já não pode cumprir e a parte declarante deixa de poder exigir o cumprimento. Ou seja, atento o modo como funciona e os efeitos que produz no vínculo contratual, é algo que exige e pressupõe transparência e clareza declarativas; que não pode/deve resultar, em princípio, por interpretação de “silêncios” e/ou outros “tacitismos” comportamentais, designadamente quando estes não são absolutamente concludentes e quando admitem e consentem outras interpretações (que não apenas a declaração resolutiva). (…). Efectivamente, embora se diga que a resolução tem uma dupla função – liberatória e restitutória – os seus efeitos só ganham significado próprio e específico quando se assume e entra na função restitutória, quando se entra na “relação de liquidação” (na verdade, pressupondo a resolução uma prévia situação de incumprimento definitivo, deste resulta – sem necessidade do exercício da faculdade alternativa do art. 801.º/2 do CC – a função liberatória, a eficácia liberatória das obrigações ou prestações ainda não executadas)». Ora, in casu, não há pedidos que se situem no âmbito do que seria a função restitutória (caso a resolução tivesse sido declarada e produzisse os seus efeitos), uma vez que não é necessário reconhecer a resolução contratual para concluir pela exoneração/ desvinculação da ré. Ou seja, as injúrias do autor à ré lesivas da sua honra e o abandono da obra por parte desta, não podem ser configurados como uma resolução contratual, mas podem/devem ser configurados como uma impossibilidade de cumprimento – ou algo com efeitos semelhantes – não imputável à ré ou mais exatamente imputável ao autor, produzindo a exoneração da ré do dever de indemnizar o autor[6]. Assim, quanto à impossibilidade de cumprimento, prescreve o art. 790º do CC que a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível; impossibilidade esta, com efeito exoneratório, em que o padrão legal adotado, não se ignora, é a impossibilidade objetiva, absoluta, definitiva e total[7]. A questão que se coloca é, pois, a de saber se não há casos em que uma impossibilidade subjetiva e relativa não pode/deve ser equiparada à impossibilidade objetiva e absoluta? Entendemos que sim, na esteira do acórdão da Relação de Coimbra a que vimos aludindo, onde a propósito se escreveu: «Há casos em que se verificam elementos estranhos, circunstâncias exteriores, que integram ou condicionam de tal modo a actuação do obrigado que a sua falta ou a sua verificação (conforme o caso) geram uma verdadeira impossibilidade da prestação; há casos, em contratos em que há uma execução/relação continuada, em que a perda de confiança entre os contraentes, a violação de deveres acessórios de conduta (como se refere na sentença recorrida) – de correcção, lealdade e boa fé – a ocorrência de circunstâncias, factos ou situações, em face das quais e segundo a boa fé não é exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, devem ser considerados como integrantes duma “espécie” de justa e legítima causa de falta ao cumprimento, de impossibilidade da prestação». Entendemos, pois, que as reiteradas injúrias do autor ao legal representante da ré e aos seus trabalhadores, lesivas da respetiva honra, consubstancia uma conduta violadora dos mais elementares princípios da cooperação, confiança e boa fé contratuais, sendo grave e perturbadora da manutenção da obrigação contratual da ré/ofendida, justificando, não a resolução contratual, por nem sequer haver sido declarada pela ré à autor, mas sim a extinção da obrigação da ré, por a prestação se tornar impossível por causa que lhe não é imputável, «ou directamente por aplicação do art. 790.º/1 do C. Civil ou por aplicação conjugada dos art. 790.º/1, 762.º/2 e 334.º, todos do C. Civil»[8]. E isto pauta decisivamente o destino dos pedidos formulados na ação e reconvenção. Quanto aos pedidos da ação fica imediatamente (sem necessidade de entrar em detalhadas apreciações sobre a existência ou não de trabalhos em falta e de defeitos) prejudicada a possibilidade de os mesmos poderem ser julgados procedentes. E, deste modo, fica também prejudicado o conhecimento da exceção de caducidade do direito do autor – art. 608º, nº 2. Ex vi art. 663º, nº 2, do CPC Quanto aos pedidos formulados na reconvenção, atento o teor do ponto 73 dos factos provados, procede o de condenação do autor a entregar à ré a porta de sua propriedade colocada no imóvel do autor, mas já não o de condenação do autor no pagamento de € 345,52[9], a título de trabalho/obras a mais, por não encontrar suporte na factualidade provada. Por conseguinte, o recurso merece provimento. Vencido no recurso e na ação, suportará o réu/apelado as respetivas custas, sendo as custas da reconvenção, atento o decaimento no respetivo valor, a cargo da ré – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a sentença recorrida e decidem: a) julgar improcedente a ação, absolvendo a ré dos pedidos; b) julgar parcialmente procedente a reconvenção, condenado o autor a entregar à ré a porta propriedade desta, colocada no imóvel do autor. * As custas da ação e da apelação são cargo do autor e as da reconvenção a cargo da ré.* Évora, 11 de abril de 2024 Manuel Bargado (relator) Francisco Xavier (1º adjunto) José António Moita (2º adjunto) (documento com assinaturas eletrónicas) _________________________________________________ [1] Mantém-se a redação e a numeração dos factos constantes da sentença. [2] Destacam-se a itálico as alterações efetuadas. [3] Doravante abreviadamente designado CC. [4] Cfr. Acórdão do STJ de 07.12.2010, proc. 984/07.8TVLSB.P1.S1, in www.dgsi.pt. [5] Proc. 844/03.1TBMGR.C2, in www.dgsi.pt. [6] Neste sentido, o acima citado acórdão da Relação de Coimbra. [7] «A prestação torna-se impossível quando, por qualquer circunstância (legal, natural ou humana), o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável» - Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 65. [8] Cfr. o citado acórdão da Relação de Coimbra que vimos seguindo de perto. [9] Valor atribuído pela ré à reconvenção. |