Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3494/11.5TBPTM.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: COOPERATIVA DE HABITAÇÃO
DIREITO DE HABITAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No domínio das relações entre a Cooperativa e o seu sócio, não tendo este nunca deixado de ter a sua residência na habitação em causa, a cedência de um quarto, que não se apurou ter sido onerosa, nem por quanto tempo ocorreu, desconhecendo-se o seu termo inicial e final, não constitui, à luz das obrigações contratuais em causa, uma utilização abusiva da habitação.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3494/11.5TBPTM.E1



Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Cooperativa de Construção (…), CRL., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua do (…), Bloco 97, R/C Dt.º, (…), comarca de Portimão, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra:
(…) e esposa (…), residentes no Bairro (…), Lote 53, freguesia e concelho de Lagoa, comarca de Portimão.

Pede que se declare resolvido o contrato promessa de cedência do direito de habitação celebrado entre A. e RR., identificado no artigo 1.º da petição inicial e a condenação dos réus na restituição imediata da habitação identificada no artigo 2.º da petição inicial, no estado em que a mesma se encontraria se tivesse sido feita uma utilização prudente.

Alega que celebrou com os réus, em 10 de Agosto de 1981, um contrato promessa de cedência do direito de habitação, pelo qual as partes prometeram outorgar um contrato de cedência do direito de habitação do fogo denominado por Habitação (Lote) número 53, sito no Bairro (…), n.º 53, concelho de Lagoa. Tal habitação foi cedida pela autora para residência permanente dos ora réus e do seu agregado familiar, que dela se poderiam servir na medida das suas necessidades, sendo que, por agregado familiar, se consideravam os seus parentes ou afins na linha recta ou até 3.º grau da linha colateral e todas as pessoas em relação às quais haja obrigação de alimentos.

Alega também que, nos termos desse contrato, não seria lícito aos réus autorizar que residam permanentemente na habitação pessoas estranhas ao seu agregado familiar. Mais estabeleceram nesse contrato que o direito de habitação extingue-se pela aquisição, a qualquer título, de habitação adequada à satisfação das necessidades do sócio e respectivo agregado familiar na área do âmbito territorial de actuação da Cooperativa e nos concelhos limítrofes. Sendo que ficou acordado que os réus deveriam restituir imediatamente a habitação, em caso de extinção do direito, no estado em que ela se encontraria se fosse feita uma utilização Prudente.

Alega a autora que os réus instalaram na habitação a sede social de uma sociedade constituída pela Ré mulher, sem qualquer consentimento e/ou conhecimento da autora, consubstanciando tal conduta numa comutação do fim do contrato acima referido.

Refere que, em 2003.12.11, os réus adquiriram um apartamento destinado a habitação, capaz de satisfazer as suas necessidades de habitação, tendo passado a lá residir, além que cederam um dos quartos do imóvel referido no art. 2.º da PI a um casal migo.

Os réus, regulamente citados, apresentaram contestação e reconvenção, a fls. 32 e segs., impugnando parcialmente os factos alegados pela autora, admitindo que celebraram com a mesma um contrato pelo qual lhes foi cedido para sua habitação própria permanente o prédio urbano cuja restituição é peticionada pela autora.

Alegam que, ao abrigo desse contrato, pagaram as respectivas quotizações sociais à autora Cooperativa e, por conta do direito à aquisição do prédio urbano em causa, pagaram ainda, mensalmente, o capital e o direito de superfície até perfazer a totalidade do valor que leria de ser pago para adquirir o prédio urbano prometido vender e a adquirir pelos ora réus. Tendo sido pago o valor total de € 9.635,26 € e o último pagamento sido efectuado em 2004.

Referem que, ao abrigo desse contrato-promessa, têm vivido com os seus filhos na habitação em causa, pelo que não tem razão de ser a invocação da falta de residência permanente. E a sociedade de que a ré esposa é sócia tem a sua sede numa outra morada, para além que esse fundamento há muito caducou.

Alegaram também que outros cooperantes, sócios da autora, incumpriram os mesmos deveres contratuais invocados pela autora, no âmbito de contratos similares ao que está em causa nesta acção, e a autora, apesar de ter conhecimento dessas violações, nunca lhes atribuiu qualquer relevância, nem tomou qualquer iniciativa, ao contrário do que se encontra a fazer com a presente acção. Além que a própria Direcção da autora permitiu a utilização da sua sede social para sediar uma outra associação. Os réus questionam também a actuação da Direcção da autora em diversas matérias, acusando-a de prejudicar os interesses da autora. Pelo que existem na Cooperativa, ora autora, dois pesos e duas medidas, que resvalam em perseguição pessoal levada a cabo pela Direcção da autora contra os réus.

Alegam ainda que nunca existiu qualquer processo disciplinar contra eles movido e que a ponderação da gravidade dos factos alegados nesta acção deveria ter sido objecto de deliberação formal pelo órgão próprio da cooperativa, deliberação essa que não existiu. Nunca tendo a Direcção da autora deliberado ou intentado algum processo que culminasse na decisão de extinção do direito à habitação dos réus.

Os réus deduzem ainda pedindo reconvencional, pedindo a condenação da autora a reconhecer como válido e eficaz o contrato-promessa junto com a petição inicial, a outorgar a escritura de compra e venda do prédio urbano cuja restituição é peticionada pela autora, no prazo de noventa dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença. Pedem ainda a condenação da autora no pagamento de uma quantia de € 3.000,00 (três mil euros) por cada mês de atraso na outorga da escritura. E, a título subsidiário, pedem que a Autora/Reconvinda seja condenada a pagar aos Réus, a título de indemnização pelo valor actual do apartamento, a quantia de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).

A autora deduziu réplica, impugnando os factos alegados pelos réus, alegando que, quanto à alegada falta de legitimidade da A. para intentar a presente acção, sem que tivesse havido previamente uma deliberação da Assembleia Geral e o respectivo procedimento disciplinar, a presente acção destina-se a praticar actos necessários à defesa de interesses cooperativos, no que respeita à defesa da sua posição contratual, pelo que a Direcção tem legitimidade para outorgar procurações, quer para intentar, quer para contestar acções judiciais. Sendo que a presente acção tem por objectivo fazer operar a convenção resolutiva expressa inserta no próprio contrato de cedência do direito de habitação outorgado pelas partes e não para fazer perigar a condição de sócio do réu ou para que lhe seja aplicada sanção disciplinar por força da violação dos seus deveres enquanto sócio.

Alega não existir qualquer suporte legal para a alegada caducidade do fundamento alegado pela Autora de que o exercício da actividade social corresponde a urna alteração do fim do contrato, e que, por isso, consubstancia causa de resolução do mesmo.

Alega ainda que só em 2007 houve deslocação da sede social da sociedade referida na petição inicial, cuja sede inicial se situava na habitação em causa nesta acção, para uma outra morada.

Foi proferida sentença, a fls. 268 a qual julgou procedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção.

Tal sentença veio a ser anulada por acórdão da Relação de Évora de 30.1.2014.

A repetição do julgamento foi ordenada para apuramento da matéria de facto alegada nos arts. 7°, 18°, 23°, 24°, 25° e 26° da contestação, com o objectivo de aferir da existência de eventual abuso de direito, por verificação do instituto da «suppressio».

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção procedente e em consequência declarou resolvido o contrato promessa de cedência do direito de habitação celebrado entre A. e RR., identificado no ponto 1 dos factos provados, e condenou os réus a restituírem à autora o prédio urbano objecto do contrato referido, sito no Bairro (…), lote 53, em Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…), da freguesia de Lagoa, no estado em que o mesmo se encontraria se tivesse sido feita uma utilização prudente.

Mais se julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pelos réus e, em consequência, condenou-se a autora/reconvinda a pagar aos réus/reconvintes o montante de € 9.635,26 (nove mil, seiscentos e trinta e cinco euros e vinte e seis cêntimos).

Inconformados recorreram os RR tendo concluído nos seguintes termos:

Os RR contrataram com a Autora em 10 de Agosto de 1981 um “contrato de promessa de cedência do direito de habitação”, cujo prédio objecto do referido contrato, foi cedido aos RR para sua habitação própria permanente e do seu agregado familiar, e é designado por lote 53, sito no Bairro (…), na freguesia e concelho de Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…), com área coberta de 136,40 m2 e descoberta de 66 m2.

Os RR viveram e vivem neste prédio com os seus filhos, mantendo aqui a sua residência fiscal. Havendo cooperantes que nunca viveram nas casas que adquiriram nas mesmas condições contratuais à Cooperativa, vizinhos dos RR.

Este é um facto essencial, decisivo, peremptório e inquestionável, os réus vivem com a sua família na habitação objecto do presente contrato promessa de cedência, nunca tendo sido interpelados sequer para a entrega das respectivas chaves.

Os RR pagaram as respectivas quotizações sociais à Cooperativa e, por conta do direito à aquisição do prédio urbano em causa, pagaram ainda, mensalmente, o capital e o direito de superfície até perfazer a totalidade do valor que teria de ser pago para adquirir o prédio urbano prometido vender e a adquirir pelos ora RR.

Em 2004 ocorreu o último pagamento devido pelos RR à Cooperativa para a aquisição do imóvel em causa, cujo valor da habitação era de 885.716$00 (4.417,93 €) sendo pago até 2004 o valor de 9.635,26 €, pelo que há cerca de nove anos que o preço do imóvel está integralmente pago.

Mas não ocorreu em 2004 o desinteresse, nem deixaram os réus de aguardar pela outorga da escritura, nem nunca desconfiaram que tal não viesse a ocorrer, o que foi, aliás, confirmado pelas testemunhas (…) e (…).

O alojamento de um casal amigo num Quarto desta habitação, consistia apenas em que os mesmos ai pernoitassem, e nada mais, pois até aí viviam num contentar das obras. Casal que há anos que regressou ao seu pais. Não pode pois este facto ser considerado uma violação grave do contrato em causa, quando a cedência configurou um ato de solidariedade social.

Um outro apartamento que o Réu adquiriu, 11.12.2003, nunca foi a morada de família dos RR e filhos. Foi adquirido já quando todos os pagamentos devidos à cooperativa se encontravam efectuados – mais de 13 anos após ser atribuída o lote 53 aos ora Réus, que a construíram e sempre habitaram desde 1981, como consta da matéria provada.

Diz-se na douta sentença “a quo”A relevância da conduta da Direcção da autora em outros casos relativos à vida da cooperativa e a violação de outros contratos por parte de outros sócios da autora, estranhos aos presentes autos que não integram o pedido ou a causa de pedir desta acção, não legitimam, nem justificam a possível violação de deveres contratuais por parte dos réus, contudo a justeza de uma decisão também se obtém do contexto em que é formada, das orientações que subjazem ao modus faciendi das partes. E, por isso, aqui foi e é de grande importância e relevo invocar e informar o Tribunal das várias situações semelhantes e iguais.

Foram situações, algumas idênticas às dos RR, conhecidas por membros da direcção da cooperativa e esta não tomou qualquer iniciativa quanta a estes cooperantes, e outorgou com estes as respectivas escrituras, razão pela qual os RR nunca desconfiaram que a eles não fosse outorgada a respectiva escritura.

Não houve qualquer utilização abusiva do imóvel objecto do contrato em causa, nem violação grave e reiterada das obrigações a que os RR estavam vinculados, pois o alojamento de um casal por algum tempo e a compra de um apartamento em 2003, não podem ser considerados violações graves do contrato em causa, 30 anos depois!

A omissão da actuação da cooperativa do direito de resolver o contrato há 20 anos atrás, constituiu a favor dos RR a confiança de que não o exerceria nunca e constituiu-se assim numa situação que torna, ética e socialmente aceitável/ajustado, o seu sacrifício.

A Cooperativa nunca deliberou no sentido de extinguir o direito de habitação dos RR, e sendo alegada pela A. que se tratava de uma situação de tal modo gravosa – violação grave do contrato – os sócios e cooperantes deveriam ser informados e deliberar sobre tal.

A Cooperativa nunca justificou a sua recusa na outorga da escritura aos ora RR, pelo que violou a cláusula 3.ª, b), do Contrato Promessa.

A Cooperativa nunca enviou nenhuma carta aos RR admonitória que definisse, fundamentasse ou justificasse o incumprimento ou desinteresse de alguma das partes no cumprimento do contrato que permitisse a não realização da escritura a que estava obrigada.

Para que haja a aplicação da penalidade máxima prevista no Código Cooperativo (é que é a exclusão de sócio, com a consequente extinção do direito de aquisição ou da habitação (art.º 10°, alínea a) do Contrato Promessa), tem de ter sido convocada uma Assembleia Geral.

Para além deste abuso dos direitos em si pela direcção da Cooperativa há ainda aqui que invocar, em consequência, o considerado abuso de direito da acção judicial.

A grosseira desproporção entre a gravidade do incumprimento alegado e a gravidade da sanção aplicável, exigiria sempre, face aos princípios cooperativos em questão, pelo menos ao escrutínio da Assembleia Geral, e não tão só e apenas a livre arbítrio da Direcção da Cooperativa, se

Tal conduta da Direcção evidencia um real abuso de poder ao ser dirigida a um cooperante 30 anos depois da outorga do contrato promessa, sem qualquer indício de que a ia fazer, pois a aplicação de sanção tão danosa a um cooperante exigira sempre que tal constasse pelo menos do plano de actividades anual apresentado pela Direcção da Cooperativa a assembleia no início do ano, o que não aconteceu durante mais de 30 anos.

Entendem assim os Réus que não há qualquer incumprimento contratual e que deverá a A. reconhecer coma válido e eficaz o contrato-promessa junto coma Doc. 1 na p. i

Contudo e a cautela, caso proceda o pedido da autora, o que não se crê que aconteça, mas acautelando alguma justiça, face ao facto que já decorreram cerca de 30 anos, sobre a assinatura do contrato promessa aqui em causa, e atento o processo inflacionista vivido ao longo de tantos anos e a consequente erosão dos valores dos pagamentos efectuados, parece de elementar justiça que aos Réus seja atribuída uma indemnização pela extinção do seu direito a habitação, digna desse nome, que permitirá compensar os prejuízos materiais e morais, que computando-se num valor aproximado do valor de mercado, apurado para o referido bem em causa, de 120.000,00 €, conforme provado.

A recorrida apresentou contra alegações pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.


O Tribunal recorrido julgou provados os seguintes factos:

A. e RR. celebraram em 10 de Agosto de 1981, um contrato a que deram a designação de “Contrato promessa de cedência do direito de habitação”, que se encontra junto com a p.i como doc. n.º 1, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos (alínea A) dos factos assentes).

O prédio urbano objecto do contrato referido em 1. tem a tipologia de T4, composto rés do chão e primeiro andar, tendo no rés do chão quintal, garagem, dois quartos, despensa e casa de banho e no primeiro andar dois quartos e uma casa de banho, sito no Bairro (…), lote 53, em Lagoa, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…), da freguesia de Lagoa, com área coberta de 136,40 m2 e descoberta de 66 m2 (alínea B) dos factos assentes).

Neste prédio urbano viveram os RR com os seus filhos (alínea C) dos factos assentes).

Em 27.04.1988 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lagoa, pela apresentação n.º 11, a Sociedade por quotas de responsabilidade limitada “(…) – Propriedades, Lda.”, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva (…), tendo por objecto social a “Construção civil e obras públicas, compra e venda de propriedades rústicas e urbanas e loteamentos” (alínea D) dos factos assentes).

Sociedade cuja sócia maioritária é a Ré mulher, (…), e com sede social na habitação, objecto do contrato promessa referido em 1., Bairro (…), Lote 53, sem que para isso os RR. tivessem solicitado autorização à aqui A., sendo que em 2007 houve deslocação da sede social para a Rua (…), Lote 9, Loja C, em Lagoa (alínea E) dos factos assentes).

Encontra-se registada sob a Ap. 35 de 2003.12.1 1, aquisição por parte dos réus de uma fracção autónoma identificada pela letra M, de um prédio localizado na freguesia e concelho de Lagoa, correspondente a um apartamento destinado a habitação, composto por hall de entrada, corredor, sala comum, cozinha, duas casas de banho, três quartos, duas despensas, varanda e direito ao uso exclusivo de um terraço ao nível da fracção, e arrecadação no sótão, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º (…) (alínea F) dos factos assentes e documento de fls. 19 e 20).

A Cooperativa notificou em 2004 os ora RR para que entregassem a documentação necessária à outorga da escritura, de compra e venda a que se referia o contrato mencionado em I na mesma data em que o fez a outros cooperantes (alínea G) dos factos assentes).

A Cooperativa ainda enviou uma outra carta em 2004 para os RR, solicitando alguns esclarecimentos, que de imediato foram prestados (alínea H) dos factos assentes).

Em 2004 ocorreu o último pagamento devido pelos RR à Cooperativa para a aquisição do imóvel a que se referia o contrato mencionado em 1., cujo valor (da habitação) era de 885.716$00 (i.e. 4.417,93 E), sendo pago até 2004 o valor de 9.635,26 € (alínea I) dos factos assentes).

Foi comunicado, em 13.11.98, aos RR que tinha sido instaurado processo de averiguações, a realizar através de uma Comissão de Inquérito, por se suspeita de incumprimento das obrigações do sócio assumidas no Contrato de Promessa de Cedência de Habitação de 10.08.1981 (alínea J) dos factos assentes).

Na sequência do referido inquérito concluiu-se em Parecer pela possibilidade de extinção da cedência do direito de habitação do Lote 53 pela Cooperativa ao cooperador (…) e agregado familiar, podendo a Direcção deliberar pela extinção, caso assim o entendesse, sendo que os RR não foram ouvidos em tal processo disciplinar (alínea L) dos factos assentes).

A Cooperativa nunca deliberou no sentido de extinguir o direito de habitação dos RR (alínea M) dos factos assentes).

A Cooperativa não deliberou intentar (nem intentou) qualquer processo que culminasse em decisão de extinção do direito à habitação dos RR, nem outorgou a respectiva escritura de compra e venda e nunca justificou a sua recusa na outorga da escritura aos ora RR. (alínea N) dos factos assentes).

A Cooperativa nunca deliberou no sentido de recusar a outorga da escritura (alínea O) dos factos assentes).

Pelas características descritas no ponto 6, o imóvel aí referido é capaz de satisfazer as necessidades de habitação dos réus (resposta ao artigo 1.° da base instrutória).

Os réus cederam um dos quartos da habitação referida no ponto 2. a um casal amigo (resposta ao artigo 2.º da base instrutória).

Todos os placares publicitários relativos à sociedade (…) – Propriedades, Lda., espalhados pelo concelho de lagoa, continuam a referir que a mesma tem sede social no Bairro (…), Lote 53, pelo que a A. desconhecia a mudança de sede (resposta ao artigo 3.º da base instrutória).

Os RR sempre têm vivido com os seus filhos na habitação referida em 2. e ali ainda continuam a viver (resposta ao artigo 4.º da base instrutória).

Os réus aguardaram pela outorga da escritura definitiva de compra e venda, nunca desconfiando de que o seu direito à aquisição lhes fosse eliminado sem mais, até ao ano de 2004 (resposta ao artigo 5.º da base instrutória).

O valor de mercado actual do imóvel referido em 2. não é inferior a € 60.000,00 (sessenta mil euros) – resposta ao artigo 6.° da base instrutória.

A filha de (…), (…), tem sediada no Lote 49 da Urbanização (…), em Lagoa, uma sociedade denominada (…), Sociedade de Construções Turísticas Lda., com nº único de pessoa colectiva e matrícula (…), desde 1990, facto que é do conhecimento da A. e sobre o qual não tomou qualquer iniciativa (resposta ao artigo 8.º da base instrutória).

O Sr. (…), quando adquiriu a habitação da cooperativa já era proprietário de outros imóveis: de um imóvel inscrito na matriz sob o art.º (…), que na sequência de construção originou o artigo urbano (…), fracções A, B e C, correspondentes a um restaurante e dois apartamentos destinados habitação, sendo que estes apartamentos não são suficientes para o mesmo ali residir com a sua família e que o mesmo sempre residiu na (…), e sendo ainda que havia membros da direcção da cooperativa que tinham conhecimento desta situação e que a respeito da mesma a cooperativa não tomou qualquer iniciativa (resposta ao artigo 9.º da base instrutória).

O lote 10, adquirido em 27.09.2000, foi objecto de um contrato de arrendamento a (…), de 1994 a 1999, sendo que havia membros da direcção da cooperativa que tinham conhecimento desta situação e que a respeito da mesma a cooperativa não tomou qualquer iniciativa (resposta ao artigo 10.º da base instrutória).

O cooperante (…) adquiriu a habitação em 25.03.1999, residiu na habitação, mas veio a mudar-se para outra no (…), sendo que havia membros da direcção da cooperativa que tinham conhecimento desta situação e que a respeito da mesma a cooperativa não tomou qualquer iniciativa (resposta ao artigo 11.º da base instrutória).


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigo 639.º, CPC.

Discute-se nuclearmente a verificação de ilícitos contratuais por parte dos RR, susceptíveis de conduzirem à lícita recusa da Autora em celebrar a escritura definitiva.

Autora e RR obrigaram-se contratualmente a outorgar um contrato de cedência do direito de habitação do prédio identificado nos autos logo que se encontrem regularizados os indispensáveis registos e licenças e demais actos necessários à celebração da escritura.

Parece não haver controvérsia quanto à qualificação jurídica do contrato em causa e quanto ao regime jurídico que o rege.

Como refere a decisão recorrida, tendo em conta o teor do contrato acima referido, e a qualidade dos respectivos outorgantes, o mesmo insere-se no âmbito das relações jurídicas estabelecidas entre a Cooperativa e os seus respectivos cooperadores, pelo que não se assume como um típico contrato-promessa que implique a aplicação do seu regime próprio.

Como é referido no artigo 9.º do Código Cooperativo, sob a epígrafe ‘Direito subsidiário’: “Para colmatar as lacunas do presente Código, que não o possam ser pelo recurso à legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo, pode recorrer-se, na medida em que se não desrespeitem os princípios cooperativos, ao Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente aos preceitos aplicáveis às sociedades anónimas”

As relações jurídicas estabelecidas entre a autora e os réus regem-se pelas respectivas cláusulas do contrato acima referido, e em tudo o que nelas não estiver previsto pelo Código Cooperativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/80, de 9 de Outubro e pelo Decreto-Lei n.º 502/99, de 19 de Novembro, respeitante às cooperativas de habitação.

São cooperativas de habitação e construção as que tenham por objecto principal a promoção, construção ou aquisição de fogos para habitação dos seus membros, bem como a sua manutenção, reparação ou remodelação. Constitui igualmente objectivo das cooperativas de habitação e construção contribuir para a melhoria da qualidade habitacional dos espaços em que se integram, promovendo o tratamento das áreas envolventes dos empreendimentos por que são responsáveis, incluindo as zonas de lazer, e assegurando a manutenção permanente das boas condições de habitabilidade dos edifícios (art.º 2.º do Decreto-lei n.º 502/99, de 19 de Novembro).

O direito de habitação é atribuído ao cooperador como morador usuário por escritura Pública donde constem, designadamente, o preço e as condições de modificação e a extinção do direito, regulando-se as omissões do presente diploma, dos estatutos ou do contrato pelo disposto nos artigos 1484,° e seguintes do Código Civil” (art.º 19.º do mencionado diploma).

Dos termos do contrato celebrado entre as partes resultam as seguintes obrigações:
A autora e os réus obrigaram-se a outorgar um contrato de cedência do direito de habitação desse prédio logo que se encontrem regularizados os indispensáveis registos e licenças e demais atas necessários à celebração da escritura. Para a outorga dessa escritura, a autora obrigou-se a notificar o réu, seu sócio, por simples carta registada com a antecedência mínima de oito dias.

A autora não poderá recusar injustificadamente a celebração da escritura definitiva, reconhecendo ao sócio o direito de obter, em caso de recusa injustificada, sentença judicial que produza os efeitos da declaração negocial prometida. Sendo que a recusa da autora só será justificada se o sócio violar algumas das obrigações previstas no contrato (cláusula 3.ª).

Na vigência do contrato o Sócio é havido por possuidor precário em nome da Cooperativa proprietária, regulando-se os direitos e obrigações das partes pelas respectivas cláusulas com as necessárias adaptações.

A habitação objecto do contrato é cedida pela autora para residência permanente do Sócio e do seu agregado familiar, que dela se poderiam servir na medida das respectivas necessidades, sendo que por agregado familiar do Sócio se consideravam os seus parentes ou afins na linha recta ou até 3.º grau da linha colateral e todas as pessoas em relação às quais haja obrigação de alimentos (cláusula 4.ª).

O réu obrigou-se a entregar à autora a importância que esta última fixar, a título de entrada inicial, mas não de sinal, e que será parte do valor do custo da habitação, na parte não financiada pelo Estado e Câmara e a pagar à autora, desde a data em que entre na posse da habitação e até ao dia oito de cada mês, uma prestação a fixar pela autora, tendo em atenção o disposto na alínea a) dessa cláusula (Cláusulas 5.ª e 6.ª).

Uma vez amortizado integralmente o custo do fogo, o sócio continua obrigado nos termos da alínea a) dessa cláusula, ao pagamento dos restantes encargos e despesas, com exclusão dos encargos financeiros inerentes à amortização”.

Ao ora réu marido, não é lícito, nomeadamente:
Emprestar, transmitir, locar ou por qualquer formar onerar o seu direito;
Autorizar que residam permanentemente na habitação pessoas estranhas ao seu agregado familiar;

Deixar de informar a Cooperativa, em caso de aquisição de outra habitação na área do seu âmbito territorial de actuação e concelhos limítrofes, adequada à satisfação das necessidades do sócio e do seu agregado familiar (cláusula 7.ª).

Nos termos da cláusula 9.ª desse contrato, a autora poderá exigir do sócio a restituição da habitação, caso este dela faça uma utilização abusiva, entendendo-se por tal, a violação grave ou reiterada de qualquer dos deveres anunciados na cláusula 7.ª, que os outorgantes desde logo aceitaram ser consideravelmente prejudicial para a Cooperativa e os demais sócios. Caso se verifique essa situação e a autora obtenha a restituição da habitação, as partes acordaram que a autora não se obriga a indemnizar o sócio pela perda do gozo da habitação, apenas se vinculando a pagar-lhe o valor já amortizado, como se o direito se extinguisse.

Fora dos casos previstos na cláusula 9.ª, o direito de habitação extingue-se:
Pela perda da qualidade de Sócio da Cooperativa;
Por falta de residência permanente por tempo superior a seis meses, salvo motivo de força maior devidamente justificado e aceite pela Cooperativa;
Pela aquisição a qualquer título, de habitação adequada à satisfação das necessidades do sócio e respectivo agregado familiar na área do âmbito territorial de actuação da Cooperativa e nos concelhos limítrofes;
Por denúncia;
Por morte do Sócio nos termos da lei.

Extinguindo-se o direito de habitação, terá o Sócio a haver da Cooperativa exclusivamente a parte das prestações que tenham pago para amortização do valor de custo do fogo (cláusula 13.ª).

Suscitam-se, desde logo, as seguintes questões: saber se os réus deram um uso a habitação diverso daquele que foi contratado pelas partes; se existiu uma utilização abusiva do imóvel por parte dos réus, nos termos previstos no contrato celebrado entre as partes que fundamente a resolução do contrato; se ocorreu alguma causa de extinção do direito à habitação.

Nesta sede resultou provado que em 27.04.1988 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lagoa, a Sociedade por quotas de responsabilidade limitada (…) – Propriedades, Lda.’, tendo por objecto social a “Construção civil e obras públicas, compra e venda de propriedades rústicas e urbanas e loteamentos”, cuja sócia maioritária é a Ré mulher, (…), e com sede social na habitação que está em discussão nos presentes autos, sem que para isso os réus tivessem solicitado autorização à aqui A., sendo que em 2007 houve deslocação da sede social para uma outra morada, em Lagoa.

Os RR sempre têm vivido na habitação em causa e ali ainda continuam a viver.

Os réus cederam um dos quartos da habitação referida no Ponto 2. a um casal amigo.

Encontra-se registada sob a Ap. 35 de 2003.12.11, a aquisição por parte dos réus de uma fracção autónoma identificada pela letra M, de um prédio localizado na freguesia e concelho de Lagoa, correspondente a um apartamento destinado a habitação, composto por hall de entrada, corredor, sala comum, cozinha, duas casas de banho, três quartos, duas despensas, varanda e direito ao uso exclusivo de um terraço ao nível da fracção, e arrecadação no sótão, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º (…). Tendo resultado igualmente provado que, por essas características, o imóvel é capaz de satisfazer as necessidades de habitação dos réus.

Do exposto resulta que os RR cederam a fruição do prédio em causa, quer permitindo que a Sociedade por quotas de responsabilidade limitada (…) – Propriedades, Lda. tivesse ali a sua sede social, quer cedendo um quarto a um casal amigo.

Ficou, no entanto, provado que os RR sempre têm vivido com os seus filhos na habitação referida em 2. e ali ainda continuam a viver.

A sentença recorrida sustenta (argumentação com a qual concordamos) que a constituição da mencionada sociedade com sede social na habitação em causa não constitui violação grave e reiterada dos deveres contratuais que impendem sobre os RR, essencialmente com o fundamento em que não tendo a habitação em causa deixado nunca de ser a sua residência permanente, não ocorreu nunca alteração da finalidade do contrato.

O que se nos afigura e que o quadro factual apurado também não permite conferir força resolutiva do contrato, no que respeita à cedência de um quarto a um amigo.

Vale aqui o mesmo argumento. Os RR nunca deixaram de ter a sua residência na habitação em causa. A cedência de um quarto, cedência essa que não se apurou ter sido onerosa nem por quanto tempo ocorreu, desconhecendo-se o seu termo inicial e final, não constitui à luz das obrigações contratuais em causa uma utilização abusiva da habitação.

Estamos no domínio das relações entre cooperativa e seus sócios e a qualificação das condutas previstas na cláusula 7.ª como ilícitos contratuais encontra a sua razão de ser na necessidade de evitar a obtenção de benefícios a quem acede `a satisfação da necessidade de habitação com recurso a meios vantajosos e por vezes também comparticipados, por várias formas com recursos públicos.

Nos termos da cláusula 10.ª supra mencionada que o direito da habitação se extingue, para alem do mais, pela aquisição a qualquer título, de habitação adequada à satisfação das necessidades do sócio e respectivo agregado familiar na área do âmbito territorial de actuação da Cooperativa e nos concelhos limítrofes.

Tendo ficado provado que se encontra registada sob a Ap. 35 de 2003.12.11, a aquisição por parte dos réus de uma fracção autónoma identificada pela letra M. de um prédio localizado na freguesia e concelho de Lagoa, correspondente a um apartamento destinado a habitação, composto por hall de entrada, corredor, sala comum, cozinha, duas casas de banho, três quartos, duas despensas, varanda e direito ao uso exclusivo de um terraço ao nível da fracção, e arrecadação no sótão, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º (…) e que, por essas características, o imóvel é capaz de satisfazer as necessidades de habitação dos réus está verificada a causa de resolução prevista na clausula 10.ª, alínea c), do contrato em causa nos autos.

Os recorrentes trazem à colação a figura do abuso de direito.

A figura do abuso de direito está na lei para tornar mais ético o nosso ordenamento jurídico, com vista a impedir a conjugação de forças antijurídicas que, por vezes, a imposição fria e rígida da lei possa levar a cabo, em confronto com o ideal de justiça que sempre deve andar, indissoluvelmente ligado, à aplicação do direito e dentro da máxima “perde o direito quem dele abusa” e em oposição ao velho adágio romano “qui suo jure utitur neminem laedit” (Ac. do STJ, de 18 de Março de 2010, in www.dgsi.pt).

Por outras palavras, o instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresenta-se como verdadeira válvula de segurança vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer ato ilícito.

Existe abuso do direito “(…) quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apoditicamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado (Ac. STJ, de 15 de Dezembro de 2011, in www.dgsi.pt).

Como figura integradora de comportamento típico de abuso do direito poderá mencionar-se (…) a do “venire contra factum proprium”. Na sua estrutura, o venire pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciados no tempo, em que a primeira (o factum proprium) e contraditada pela segunda (o venire).

Conduta enquadrável, ainda, no instituto em causa é a da “suppressio” – “o direito que não foi exercido em certas condições, durante certo lapso de tempo, não pode mais sê-lo: faz desaparecer um direito que não corresponda a efectividade social.

E certo que os RR, em 11-12-2003 adquiriram uma habitação localizada no concelho de Lagoa que corresponde à área territorial de actuação da autora.

O contrato celebrado entre as partes remonta a 1981e na data da aquisição do imóvel tipo T3 localizado em Lagoa a quase totalidade das contraprestações a que os RR se obrigaram estavam pagas com excepção de um último pagamento ocorrido em 2004.

Os RR adquiriram um apartamento, tipo T3 onde nunca tiveram a sua residência própria permanente.

Tal como alegam os recorridos, esta situação até poderia ter sido objecto de oposição da Cooperativa aos réus para a outorga da escritura, mas em 2004, não em 2012.

A Cooperativa nunca o invocou, e desde 2004, quando convocou os réus para entregarem a documentação necessária para a outorga da escritura, assim como os esclarecimentos que os réus prestaram por lhes serem solicitados (Doc. 4 junto à p. i. da autora), a mesma nunca informou, notificou ou expressou que não outorgava a escritura, nem os motivos pelo qual não o fazia, fazendo-o agora após cerca de 8 anos.

Não basta o mero decurso do tempo para se fazer apelo à suppressio.

Como refere Menezes Cordeiro (Da Boa-Fé no Direito Civil, obra também citada na decisao recorrida) é necessário que do conjunto de circunstâncias presentes decorra que o credor tenha dado ao devedor a impressão de que não mais fazia valer o seu direito.

Ao decurso do tempo supra mencionado acresce que outros cooperantes, sócios, da A. incumpriram os mesmos deveres contratuais invocados pela autora, no âmbito de contratos similares ao que está em causa nesta acção, e a autora, apesar de ter conhecimento dessas violações, nunca lhes atribuiu qualquer relevância, nem tomou qualquer iniciativa.

A A relaciona-se contratualmente com uma pluralidade de sócios, mantendo com eles relações contratuais que se prolongam no tempo. Num quadro de execução contratual com estas características o modus faciendi das partes assume grande relevo quando se trata de apurar se a conduta integra ou não um ilícito contratualmente previsto, sobretudo nos casos em que contratualmente se atribui a esse ilícito eficácia resolutiva da relação contratual.

No quadro factual apurado afigura-se-nos que do ponto de vista de um declaratário normal (art.º 236.º, CC) o sentido a retirar da totalidade da conduta do A é o de que esta nunca considerou que condutas como as dos RR consubstanciassem uma utilização abusiva ou uma violação grave e reiterada dos deveres de sócio com força resolutiva da promessa de contratar.

A conduta da A. enquadra-se pois no instituto em causa (art.º 334.º, CC), sendo que as consequências de exercício abusivo do direito terão que ser as mesmas de qualquer actuação sem direito o que, no caso, equivale a afirmar a improcedência do pedido da Autora.

Ora inexistindo fundamento para declarar a resolução do contrato promessa celebrado entre as partes e consequente condenação dos RR a restituírem à A. a habitação identificada nos autos, importa afirmar a validade e eficácia desse mesmo contrato impendendo sobre a A. a obrigação de celebrar o contrato prometido, já que se encontram cumpridas as obrigações contratuais dos RR.

Pediram ainda os RR a condenação da A. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de três mil Euros por cada mês de atraso na outorga da escritura, sendo que o prazo que reputam razoável, para o efeito, é o de noventa dias.

Dispõe-se no art.º 829°-A, do CC, introduzido pelo Dec-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, que nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades cientificas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente as circunstancias do caso (n.º 1).

A sanção pecuniária compulsória visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução especifica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.

Esta sanção tem assim em vista, não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.

Ao juiz são reconhecidos amplos poderes quer na escolha da modalidade, quer na fixação do seu montante, confiando-se no seu prudente arbítrio, sentido de medida e de proporcionalidade.

Dependendo das circunstâncias do caso concreto o tribunal pode condenar o devedor no pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção.

Fazendo apelo a critérios de razoabilidade o Tribunal fixará “livremente” um montante que possa impressionar e intimidar eficazmente o obrigado a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito tendo em conta as suas possibilidades económicas, mas também a sua capacidade de «resistência», sem esquecer o interesse do credor em ver cessada a situação de incumprimento.

Tendo em conta estes critérios de eficácia dissuasora bem como a necessidade de prevenir a sua eventual resistência em cumprir o decidido, afigura-se-nos que o montante peticionado ´e excessivo, devendo-se antes fixar o seu quantum em cinquenta euros diários.

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida substituindo-a por outra que julga improcedente o pedido da Autora e procedente o pedido reconvencional formulado a título principal e, em consequência, condenam a Autora a reconhecer como valido e eficaz o contrato-promessa celebrado com os RR e identificado no n.º 1 da fundamentação de facto da sentença recorrida, bem como a outorgar a escritura pública relativa ao contrato prometido, no prazo de noventa dias.

Mais condenam a Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a pagar aos RR a quantia de cinquenta Euros por cada dia de atraso na outorga da escritura.

Custas a cargo da Autora/recorrida.

Évora, 28 de Maio de 2015

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso