Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
293/20.7GCSTB.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
COAUTORIA
EXAME CRÍTICO
PROVA POR PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Está condenada ao malogro a impugnação da matéria de facto que mais não consignou do que o entendimento segundo o qual a conduta do recorrente deveria ter sido dada como não provada, em termos que apenas espelham a mera discordância insustentada – uma vez que não se encontra concretizada por referência específica às provas – relativamente à convicção dos julgadores.
II - Nada impede que, com as devidas justificações, se valorem diferentemente as diversas partes de uma mesma declaração, podendo as mesmas ser tidas em conta para sustentar a prova de alguns factos, e não lhes reconhecida credibilidade para justificar a prova de outros.
III - Assumida que foi pelos arguidos a vontade de matar e a concretização de tal vontade, a análise global da prova, que incluiu a valoração da prova pericial, demonstrou que a execução do crime não poderia ter ocorrido nos termos declarados pelos arguidos. Perante tal constatação, o tribunal fez o que se lhe impunha fazer, ou seja, conjugou as declarações dos arguidos – que quanto à autoria da morte se revelaram confessórias – com o que resultou do rigor científico da prova pericial no que tange ao modo de execução do ato de matar, modo que os arguidos deliberadamente não terão querido confessar.
IV - A convicção probatória não se sustenta apenas na prova direta. A prova indireta ou por presunção é legítima, realizando-se por ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil). E foi precisamente dos factos de teor objetivo relativos às lesões encontradas no corpo da vítima e relativos às causas da morte atestados pelo relatório de autópsia e pela demais prova pericial constante dos autos, que o tribunal “a quo” extraiu as inferências relativas à execução do ato de matar que descreveu nos factos provados.
V - O planeamento de um crime por duas ou mais pessoas, constituindo uma decisão conjunta, é da responsabilidade de todos os decisores. E havendo execução por todos do plano previamente traçado, tal execução conjunta, que assume a forma de comparticipação, responsabiliza cada um dos executantes como coautores. Assim se delimitam os contornos normativos da coautoria
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal de júri que correm termos no Juízo Central Criminal de … - Juiz … do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o nº. 293/20.7GCSTB, foram os arguidos AA, filho de BB e de CC, nascido no dia … de … de 2003 em …, solteiro, estudante, residente em …; DD, filho de EE e de FF, nascido no dia … de … de 2004 em …, estudante, institucionalizado em … e com residência em … e GG, filho de HH e de II, nascido no dia … de … de 2004 em …, solteiro, gerente no ramo da restauração, com domicílio profissional no … e residente em …, condenados e absolvidos da seguinte forma:

A) O arguido foi AA:

a) Foi absolvido da prática de 2 (dois) crimes de maus tratos a animal de companhia p. e p. pelo artigo 387.º n.º 3, com referência ao artigo 389.º n.º 1 do Código Penal;

b) Foi condenado:

- Pela prática, coautoria material, no dia 15 de outubro de 2020, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2 alínea j) do CP, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão.

- Pela prática, coautoria material, a partir do dia 15 de outubro de 2020, de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artigo 254.º n.º 1 alínea a) do CP, na pena de 1(um) ano e 2 (dois) meses de prisão.

- Pela prática, coautoria material, no dia 23 de fevereiro de 2021 de um crime de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 alínea a) do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão.

B) O arguido DD foi condenado:

- Pela prática, em coautoria material, no dia 15 de outubro de 2020, de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2 alínea j) do CP, na pena de 15 (quinze) anos de prisão.

- Pela prática, em coautoria material, a partir do dia de 15 outubro de 2020, de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artigo 254.º n.º 1 alínea a) do CP, na pena de 1(um) ano de prisão.

- Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, na pena única de 15 (quinze) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

C) O arguido GG foi condenado pela prática, no dia 25 de fevereiro de 2021, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 alínea a), ambos do CP, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 10,00€ (dez euros), perfazendo um total de 800,00€ (oitocentos euros).

***

Inconformados com tal decisão, vieram os arguidos AA e DD interpor recursos da mesma, tendo apresentado, após as motivações, as conclusões que passamos a transcrever:

Recurso do arguido AA

“1- A pena aplicada ao arguido mostra-se excessiva, tendo em conta os parâmeros legais que deverão ser considerados aquando da aplicação concreta da sanção, violando o disposto nos art.º s 40ºe 71º do C. Penal devendo, por isso serem reduzidas.

2- 02- A não aplicação ao arguido do Dec. Lei n.º 401/82, Regime Geral para Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, viola a reintegração do arguido/recorrente na sociedade.

3- 03- Pelo tocante à determinação da medida concreta da pena, foi feita uma incursão teórico-jurídica, a abranger, além do mais o seguinte: a culpa e prevenção: as finalidades das penas: e as exigências de prevenção de futuros crimes.

4- 04- Interessa aqui ponderar, a conduta do arguido a personalidade positiva do arguido; a circunstância de se mostrar inserido social e familiarmente;

5- 05- Diante disso. Deve ser aplicada ao arguido/recorrente uma pena mais próxima do mínimo legalmente estabelecido.

6- 06 - Nas relações entre os vetores básicos do citado artigo (culpa e prevenção), a culpa assume-se como limite inultrapassável das exigências de prevenção – daí o primado do direito penal da culpa –,sendo aquela que fornece o grau máximo da pena, todavia não a medida da pena; dito de outra maneira: a medida da pena não pode jamais ultrapassar a medida da culpa (cf. o artigo 40.º, n.º 2, do citado Código), que se conjuga com considerações de prevenção.01

7- 01 - Por outro turno, o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a propósito das finalidades das penas, dispõe que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

8- No âmbito das exigências de prevenção, incluem-se aqui as vertentes da prevenção geral e da prevenção especial. Anote-se que “a proteção dos bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva).

9- A proteção dos bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial.

10- De outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena”02 – nesse ponto, configura-se a prevenção especial de socialização.03

11- Veja-se o Acórdão do STJ de 25/11/1987, no BMJ, n.º 371, pág. 255.

12- 02 - Cf. Maria Fernanda Palma, “As alterações reformadoras da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, nas Jornadas sobre a revisão do Código Penal, A.A.F.D.L., Lisboa, 1998, pág. 27.

13-03 - Veja-se Adelino Robalo Cordeiro, A Determinação da Pena, nas Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Lisboa, 1998, pag,48.

14- A fixação da pena há de, pois, cumprir uma função repressiva, aferida pela intensidade ou grau de culpabilidade, e satisfazer finalidades preventivas, de proteção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade.

15- Vale sinalizar que os fins das penas “só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa –, não natureza retributiva”04.

16- A respeito da conexão que deve interceder entre a culpa e a prevenção, Anabela Rodrigues 05 expendeu o seguinte:

17- “É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal – a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena – e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas”.

18- Mais à frente, a mesma autora acrescenta: “a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. É este também o modelo que deve ser seguido à luz das injunções normativas avançadas pelo legislador ordinário. É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada – que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquela expectativas sentidas pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da oena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: O limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da sociedade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa.

19- Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas -até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas .

20- Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral.

21- Por fim, Anabela Rodrigues desfecha: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas

22- É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, diretamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

23- - A pena tem finalidades exclusivamente preventivas (de prevenção geral ou especial, positiva ou negativa) – e nunca puramente retributivas.

24- - O ponto de partida para a determinação da medida da pena são as exigências de prevenção geral positiva ou de integração, que representam as necessidades de tutela dos bens jurídico-penais no caso concreto, de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. As exigências de prevenção geral positiva estabelecem uma moldura situada entre um limiar máximo, que coincide com o ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos, e um limite mínimo, condizente com as imposições mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

25- - No ponto de chegada, firmam-se as exigências de prevenção especial, designadamente as de prevenção especial positiva ou de socialização. A medida da pena há de, pois, corresponder, em regra, às necessidades de socialização do condenado. Em situações em que não se verifiquem necessidades de socialização, a pena terá uma função de mera advertência e deverá aproximar-se do limite mínimo da moldura fornecida pela prevenção geral positiva, em simetria com o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico.

26- - Por fim, deve atender-se ao princípio de que a culpa é o limite inultrapassável da pena. Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em nenhum caso, extrapassar a medida da culpa. A culpa é condição necessária, posto que não suficiente, da aplicação da pena.

27- No atinente às exigências de prevenção geral, a pena deve satisfazer aqui necessidades de fortalecimento da consciência jurídica comunitária, isto é, visa a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, sendo certo que, na órbita dos crimes aqui em pauta, se fazem sentir necessidades de prevenção.

28- No parâmetro das exigências de prevenção especial, a pena deve ser usada na sua função primordial de socialização, a fim de se obter uma maior conformação do arguido com os padrões axiológicos vigentes.

29- De outro lado, interessa ponderar:

30-- a conduta do arguido e o facto de ele ser unicamente responsável pelo facto – e não pelo excesso;

31- - a personalidade positiva do arguido;

32- - a circunstância de se mostrar inserido social e familiarmente;

33-Diante disso, deve ser aplicada ao arguido/recorrente deve ver diminuída a medida da pena aplicada para o mínimo legal exigido

34- Normas Jurídicas violadas art.º 40 e 71.º ambos do Código Penal.

35- O presente recurso tem por objeto: medida da pena.

36- O arguido/recorrente deve ver diminuída a medida da pena aplicada para o mínimo legal exigido por Lei.

37-O arguido entende que a pena única aplicada em cúmulo jurídico de 17 (dezassete) anos de prisão, é exagerada.

38- Pelo tocante à determinação da medida concreta da pena, foi feito um percurso teórico-jurídico, a abranger, além do mais, o seguinte: a culpa e a prevenção; as finalidades das penas; e as exigências de prevenção.

39-Interessa aqui ponderar: a conduta do arguido e o facto de ele ser unicamente responsável pelo facto em que supostamente quis cooperar – e não pelo excesso; a personalidade positiva do arguido; a circunstância de se mostrar inserido social e familiarmente;

40–O arguido/recorrente deve ver diminuída a medida da pena aplicada para o mínimo legal exigido por Lei.

41- Normas Jurídicas violadas, artigos 40.º e 71.º do Código Penal.”

Recurso do arguido DD

“A) Entendeu Tribunal a quo que as declarações confessórias dos arguidos, conjugadas com o relatório pericial de identificação genética individual levam à conclusão que foram os arguidos os autores da morte do JJ;

B) O Tribunal a quo não especificou nem destrinçou nas declarações dos arguidos, aquilo que cada um deles admite ter feito, antes encarando ambas as declarações como um todo e entendeu-as como uma confissão da morte da vítima, quando efectivamente não foi assim que sucedeu e não é isso que resulta das referidas declarações;

C) É impossível ignorar que nas versões apresentadas por ambos os arguidos são relatados os actos e actuações de cada um deles, não sendo de todo verdade que o arguido DD tenha confessado em algum momento ter perpetrado ou causado a morte do JJ, tal como o arguido AA nunca referiu em momento algum das suas declarações que o arguido DD tenha perpetrado ou causado a morte do JJ ou praticado qualquer acto com esse fim;

D) O Tribunal a quo concluiu que o arguido DD confessou ter participado na morte de JJ, a partir de uma presunção sem qualquer base factual;

E) Competia ao Tribunal a quo apurar os factos em que ocorreu a morte da vítima, dando-os como provados;

F) No que concerne aos factos relativos à participação de cada um dos arguidos e aos elementos objectivo e subjectivo do crime de homicídio, errou o Tribunal a quo;

G) O Tribunal a quo entendeu que ambos os arguidos mentiram quanto ao modo de execução da morte e, por isso, desvalorizou totalmente as suas declarações entendendo que não eram credíveis, não restando qualquer prova quanto ao que foi a participação e actuação efectiva de cada um dos arguidos;

H) Perante isso, a solução do Tribunal a quo foi bastar-se pela presunção de que se ambos os arguidos estiveram presentes no momento da morte da vítima, então foram os dois autores do respectivo crime de homícidio, de igual modo;

I) O que não resulta de qualquer declaração ou depoimento produzido em sede de audiência de discussão e julgamento, muito pelo contrário;

J) Mesmo concluindo o Tribunal a quo de que os arguidos terão mentido quanto à execução da morte, tal não podia implicar de per si a conclusão de que o arguido DD tenha morto o JJ, tenha participado na morte deste ou contribuído para que a mesma acontecesse;

K) Mas foi isso que aconteceu, admitido pelo próprio Tribunal a quo, como conta a fls. 32 do douto Acórdão recorrido e se transcreveu supra;

L) O Tribunal a quo admitiu que, estando - em sua opinião - impossibilitado de concretizar quem é que fez o quê, concluiu que ambos os arguidos quiseram e contribuíram para a morte do JJ;

M) Mais, entendeu o Tribunal a quo que ambos os arguidos desferiram forte pancada na cabeça do JJ com objeto contundente e plano, porventura com o apoio de superfície também ela plana e dura e após a inconsciência/morte cerebral da vítima, aplicação de pressão no pescoço com intensidade suficiente para provocar asfixia, apesar de, mesmo em relação à asfixia da vítima ter resultado de ambas as declarações dos arguidos que o arguido DD não teve qualquer participação ou actuação na mesma;

N) Ao dar como provados os pontos 6. a 11. (fls. 05 a 07 do douto Acórdão recorrido), no que ao arguido DD diz respeito, o Tribunal a quo fê-lo sem ter matéria suficiente para assim decidir e apreciando erroneamente a prova produzida, já que o facto dos arguidos terem eventualmente mentido quanto à factualidade da execução da morte do JJ não significa, automática e necessariamente, que a participação do arguido DD tenha sido causadora, motivadora ou influenciadora da referida morte, contrariamente à conclusão do Tribunal a quo;

O) Não foi produzida nenhuma prova em sede de audiência de discussão e julgamento em como o arguido DD tenha decidido matar o JJ, iniciado, desenvolvido ou ultimado qualquer plano para o fazer, fosse de que modo fosse, que tenha obtido, guardado ou tido na sua posse um pedaço de corda de nylon e/ou outro instrumento contundente, qualquer que ele fosse;

P) Também não foi produzida nenhuma prova em sede de audiência de discussão e julgamento em como o arguido DD tenha desferido forte pancada na cabeça de JJ e/ou atado qualquer corda à volta do pescoço de JJ, asfixiando o mesmo;

Q) Não foi ainda produzida em sede de audiência de discussão e julgamento nenhuma prova em como o arguido DD tenha provocado lesões traumáticas cranianas, designadamente diástases das linhas articulares e fraturas de ambas as apófises estiloides que foram causa direta e necessária da morte de JJ;

R) Nem que o arguido DD previu quis, em comunhão de esforços com o arguido AA, tirar a vida a JJ, sabendo que o mesmo, porque se encontrava deprimido e fragilizado não iria conseguir opor-se;

S) O que resultou da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, no que ao arguido DD diz respeito é que a sua actuação resumiu-se a acompanhar a infeliz vítima mortal e o arguido AA ao local dos factos, e a presenciar o que aí se passou, até ao momento em que efectivamente interveio, já após a asfixia e morte do JJ;

T) Resultou claro da prova pericial que a morte do JJ aconteceu por asfixia, que foi o que causou a paragem da circulação do sangue;

U) No que respeita à asfixia, dúvidas não existem da prova produzida de que o arguido DD não teve qualquer participação na mesma;

V) Ainda que o Tribunal a quo entendesse, como entendeu que os arguidos mentiram quanto à não existência de uma pancada na cabeça da vítima, tal não implica necessariamente, antes pelo contrário, que tenham mentido quanto à asfixia, já que a mesma foi comprovada pela prova pericial e considerada pelos peritos como sendo a causa da morte;

W) A referida pancada na cabeça da vítima, para além de não ser a causa da morte, pode ter ocorrido num momento que antecedeu a mesma em segundos ou até uma hora;

X) Não existe qualquer prova produzida que o arguido DD tenha desferido ou ajudado a desferir uma pancada na cabeça do JJ naquele espaço de tempo, como nem sequer há qualquer prova que tal pancada tenha ocorrido na sua presença e no momento que antecedeu imediatamente a sua morte, dado que como referiu o sr. perito, tal pode ter acontecido até uma hora antes da asfixia;

Y) Não foi produzida qualquer prova ou evidência em sede de audiência de discussão e julgamento de que o arguido DD tenha tido o domínio do facto, entenda-se a morte do JJ, nada tendo resultado em como a morte do JJ não teria ocorrido sem a participação do arguido DD;

Z) Nem sequer existe factualidade provada para concluir que estamos perante um auxílio moral da parte do arguido DD ao arguido AA, pelo que tal conclusão é errada;

AA)O conceito de auxílio moral pressupõe uma contribuição de natureza não material para o facto, uma contribuição que faz aumentar as hipóteses de realização do facto típico por parte do autor ou uma contribuição que implique favorecimento ou fortalecimento do autor na sua decisão;

BB) O arguido DD não prestou qualquer auxílio moral, em nada contribuindo para que a morte do JJ tivesse acontecido, sendo que com toda a certeza a mesma ocorreria de igual modo, com ou sem a presença do arguido DD, já que nada em contrário resultou provado em sede de audiência de discussão e julgamento;

CC) Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não resultou que tivessem existido actos praticados pelo arguido DD que fossem determinantes para a prática do crime de homícidio;

DD) Mesmo que se cogitasse enquadrar a participação do arguido DD no conceito de auxilio moral, sendo consabido que este pressupõe uma contribuição de natureza não material para o facto, em que se aumenta as hipóteses de realização típica por parte do autor ou a criação ou potenciação de um risco não permitido que ultrapasse a medida admissível, isto é, uma contribuição que implique favorecimento ou fortalecimento do autor na sua decisão, a verdade é que não resultou provado que o arguido DD tenha praticado actos materiais tendentes e conducentes à morte de JJ;

EE) Aquilo que o Tribunal a quo dá como provado, no que respeita ao arguido DD, nos pontos 6. a 11. e 21. e 22. da matéria de facto dada como provada não tem efectivamente qualquer suporte factual, resultando apenas e só de uma presunção do próprio Tribunal a quo, em face da impossibilidade de apurar com certeza aquilo que foi a actuação de cada um dos arguidos, por entender que todas as declarações destes para além daquilo que foi admitirem estar presentes no momento da morte do JJ, carecerem de credibilidade;

FF) O Tribunal a quo não conseguiu apurar qual foi a actuação de cada um dos arguidos, o que cada um deles fez, simplesmente porque entendeu desvalorizar totalmente as declarações daqueles, com excepção para o facto de estarem presentes no local e momento da ocorrência da morte do JJ;

GG) Entendeu o Tribunal a quo imputar a ambos os arguidos a práctica do crime de homicídio, sem ter certeza para tanto, apenas concluindo, sem qualquer base factual, que as actuações de ambos os arguido foram exactamente iguais;

HH) O Tribunal a quo decidiu quanto à matéria de facto provada, nos pontos 6., 7., 8., 9.,10., 11., 21. e 22., sem que exista prova para tanto e com o erro na apreciação da prova produzida;

II) No crime em causa - homicídio - temos que o bem jurídico protegido pela incriminação é, sem qualquer dúvida a vida humana, estando-se perante um crime de dano contra esse bem jurídico e, naturalmente, de resultado, já que a morte tem de resultar directa e necessariamente da conduta do arguido;

JJ) Resultou claro que, in casu, o arguido DD não preencheu com a sua conduta o elemento objetivo do tipo de crime de homicídio, uma vez que não desferiu qualquer pancada na cabeça de JJ e/ou atou qualquer corda à volta do pescoço deste, não o tendo asfixiado, nem lhe provocou lesões traumáticas cranianas, designadamente diástases das linhas articulares e fraturas de ambas as apófises estiloides, em nada contribuindo para o que tenha sido a causa direta e necessária da morte de JJ, não tendo este falecido em consequência de qualquer actuação do DD;

KK) Não poderia o arguido DD ser condenado pela práctica de um crime de homicídio, como sucedeu, apenas e só porque o Tribunal a quo não conseguiu apurar com certeza qual foi a actuação concreta deste arguido entendendo que a mesma teria de ser necessariamente igual à do arguido AA, e vice-versa;

LL) Não tendo o Tribunal a quo conseguido apurar qual dos dois arguidos efectivamente desferiu a alegada pancada na cabeça de JJ provocando-lhe lesões traumáticas cranianas, designadamente diástases das linhas articulares e fraturas de ambas as apófises estiloides e/ou atou a corda à volta do pescoço da vítima e a asfixiou, causando ou contribuindo para o que tenha sido a causa direta e necessária da morte de JJ, devia ter, no mínimo, decidido pela absolvição do arguido DD da práctica do crime de homicídio, mais que não fosse pela aplicação dos princípios da presunção da inocência e de in dúbio pro reo, que teriam forçosamente de ser aplicados e de beneficiar o arguido a quem directamente se aplicam e protegem;

MM) No que se refere ao crime de homicídio, e atento os já referidos pontos dados como provados e a decisão final proferida, é claro e notório que o Tribunal a quo perante a existência de dúvida que não poderia deixar de existir quanto a qual dos arguidos teria efectivamente praticado actos conducentes à morte do JJ, optou erradamente, por condenar ambos os arguidos pela prática do referido crime quando, por força da aplicação do princípio da presunção da inocência e do princípio in dúbio pro reo, podia e devia ter decidido de outra forma;

NN) Não o tendo feito, o Tribunal a quo violou, para além dos referidos princípios de direito, os art.os 131º e 132º n.º 1 e 2 alínea j) do Código Penal;

Sem prescindir:

OO) A aplicação de penas - como resulta do art.º 40º, n.º 1 do Código Penal - visa não só a protecção de bens jurídicos, como a reintegração do agente na sociedade;

PP) Logo, deveria ser fortemente considerado na medida da pena aplicada, por via dos art.os 70º e 71º do Código Penal, o facto de o recorrente ser primário, quer em crime desta natureza, quer em quaisquer outros;

QQ) Assim não sucedeu, tendo o Tribunal a quo sido, com o devido respeito, incompreensivelmente excessivo na punição do recorrente, o que fica claramente demonstrado com as penas aplicadas a um arguido jovem que não tem qualquer antecedente criminal seja de que natureza for;

RR) Não se consegue vislumbrar em que medida é que penas assaz gravosas para o arguido, que culminam com a pena única de quinze anos e quatro meses de prisão – igualmente gravosa – podem ter qualquer efeito de ressocialização de um arguido jovem que é, até à data, completamente primário;

SS) Tais punições são demasiado gravosas e vão contra a equidade e o próprio fim das penas, podendo até, eventualmente, produzir um efeito nefasto e desfavorável à ressocialização do arguido que, apesar de todo o processo, mantém a sua integração familiar e social, com bom aproveitamento e resultados escolares e com objectivos de vida, mostrando até uma evolução claramente favorável nos seus comportamentos, socialização e integração na sociedade;

TT) Atendendo a tudo o exposto, bem como à personalidade do recorrente, às suas condições de vida e à sua conduta na sociedade, tudo devidamente ponderado, seria suficiente a aplicação de uma pena não tão pesada e gravosa, dentro daquilo que é efectivamente suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção gerais e especiais, e permitir ao mesmo tempo a futura reabilitação do arguido na sociedade, sendo uma pessoa perfeitamente capaz de estar integrada em sociedade, sendo ainda esforçado, cumpridor, trabalhador e capaz de transmitir aos outros as suas experiências, quer positivas quer menos positivas, contribuindo também assim para uma melhor vida em sociedade, tudo conforme consta do relatório social junto aos autos;

UU) Como o próprio Tribunal a quo refere, não deverá aplicar-se uma pena demasiado elevada que limite drasticamente as possibilidades de reinserção social do arguido e de concretização dos respetivos projetos de vida, assegurando-se, ao mesmo tempo, a satisfação suficiente das necessidades de prevenção geral, transmitindo-se à sociedade que os jovens imputáveis não podem atentar contra o bem jurídico vida, sendo as consequências muito nefastas para as suas esferas jurídicas, caso o façam;

VV) Considerando a idade do arguido DD, as demonstrações evidentes e claras do seu comportamento positivo desde a data dos factos em causa e a sua reintegração na sociedade com possibilidade de alcançar e cumprir os seus objectivos de vida, será adequada e suficiente a aplicação de uma pena fixada no seu limite mínimo.”

*

Os recursos foram admitidos.

Na 1.ª instância, o Ministério Público e a assistente pugnaram pelas respetivas improcedências e pela consequente manutenção do acórdão recorrido, tendo apresentado as seguintes conclusões:

Conclusões da resposta do Ministério Público ao recurso do arguido AA

“1.Concordamos na íntegra com o acórdão recorrido, na parte em que decidiu não aplicar a atenuação especial da pena prevista no artigo 4.º do DL n.º 401/82, de 23/09 (Regime Especial para Jovens), regime que não é de aplicação automática, conforme decorre do ponto 7. do respectivo Preâmbulo, devendo tal juízo de prognose favorável assentar em factos, não em presunções ou deduções, valorando-se a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza, o modo de execução do ilícito e os motivos que determinaram a sua prática, tendo o Tribunal de ter elementos para concluir que o risco de cometimento de novos crimes é reduzido.

Que no caso vertente, não existem.

2. Tendo em conta as molduras penais previstas para os crimes em que o arguido AA foi condenado – e cuja qualificação jurídica não questionou -, o grau de ilicitude muito elevado, o dolo directo e intenso, o modo de execução, particularmente violento, as graves consequências e o grau de violação dos deveres impostos, as condições pessoais desfavoráveis, o grau elevado de culpa, as condutas anterior e posterior não positivas, as elevadas exigências de prevenção geral e especial, cremos justas e adequadas as penas parcelares e a pena única encontradas para a sua punição.

3. Reiterando a fundamentação plasmada no acórdão recorrido, entendemos deverem improceder, na íntegra, os fundamentos do recurso interposto pelo arguido, não tendo sido ultrapassada a medida da culpa que, no caso vertente, atinge um patamar muito elevado.

Estamos perante o crime mais grave do nosso ordenamento jurídico: uma vida humana foi ceifada e de forma precoce.

4. Não se tratou de um homicídio praticado no calor do momento: foi antes cuidadosamente planeado, para que nada fosse deixado ao acaso, tendo ambos os arguidos agido perante um jovem desarmado, indefeso e psicologicamente vulnerável, porque emocionalmente fragilizado.

5. Não se mostram violadas quaisquer disposições legais, mormente as invocadas.”

Conclusões da resposta do Ministério Público ao recurso do arguido DD

“1. Não obstante a evidente falta de concisão das conclusões apresentadas e o não cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, entendemos não se justificar o convite ao aperfeiçoamento, nos termos do preceituado no artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, já que, com algum esforço, é possível sumariar as questões suscitadas.

2. No caso vertente, o recorrente questionou os pontos6. a11. Da factualidade dada como assente apelando, quer às declarações por si prestadas, quer às prestadas pelo arguido AA, quer ainda, a outras declarações produzidas em sede de audiência de julgamento, que não especificou, não cumprindo o preceituado no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, nem no seu n.º 4.

3. Ainda que não formalmente, invocou o vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, línea a), do Código de Processo Penal, apelando a um pequeno excerto, que transcreveu, das declarações prestadas pelo senhor perito médico, indicando até o segmento da respectiva gravação no sistema Citius Media Studio, no intuito de comprovar que a morte de JJ ocorreu devido a asfixia.

4. Cremos que o recorrente incorreu num equívoco, ao misturar vícios decisórios com a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto e que, ao invocar o aludido vício e no contexto em que o fez, pretendeu aludir afinal à insuficiência da prova para os factos, censurando a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal, que deu como provados factos, sem prova para tal, manifestando afinal a sua discordância quanto à apreciação da prova feita pelo Tribunal - que o recorrente contrapõe à sua perspectiva de enfoque e de apreciação -, olvidando as regras processuais nesse domínio, mormente a da livre apreciação da prova.

5. Não nos merece qualquer reparo a fundamentação da convicção alcançada, plasmada de forma exaustiva no texto decisório – mormente a subjacente à factualidade plasmada nos pontos 6. a 11. e nos pontos 21. e 22., dados como provados -, porque decorrente da concatenação de toda a prova produzida com as processuais nesse domínio, tendo o Tribunal demonstrado a falta de credibilidade das declarações prestadas pelos arguidos – porque contrariadas pela prova pericial produzida e pelas regras da experiência e da lógica -, a razão pela qual foram tratadas em conjunto (embora até onde foi possível, tivesse sido especificada a actuação de cada um).

6. A co-autoria pressupõe uma decisão conjunta e uma execução conjunta, não se exigindo a participação de ambos os arguidos na elaboração do plano comum de execução do facto; e, no que tange à execução propriamente dita, não é exigível que cada agente intervenha em todos os actos necessários à produção do resultado, bastando que a actuação de cada um seja indispensável à produção do resultado global.

Concatenando toda a prova produzida, cremos inexistirem dúvidas sobre a responsabilidade do recorrente, como co-autor nos factos pelos quais foi sancionado, não se mostrando verificado o vício decisório invocado.

7. De igual modo, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo, não se estando perante uma situação de non liquet em matéria de prova, a ser resolvida a favor do recorrente arguida, já que da leitura da motivação de facto não resulta que o Tribunal tivesse ficado com dúvidas sobre a intervenção da mesma nos factos que lhe eram imputados e que, apesar disso, os tivesse dado por assentes.

8. Tendo em conta as molduras penais previstas para os crimes em que o recorrente foi condenado, o grau de ilicitude muito elevado, o dolo directo e intenso, o modo de execução, particularmente violento, as graves consequências e o grau de violação dos deveres impostos, as condições pessoais desfavoráveis, o grau elevado de culpa, as condutas anterior e posterior não positivas, as elevadas exigências de prevenção geral e especial, cremos justas e adequadas as penas parcelares e a pena única encontradas para a sua punição.

9. Reiterando a fundamentação plasmada no acórdão recorrido, entendemos deverem improceder, na íntegra, os fundamentos do recurso interposto pelo arguido, não tendo sido ultrapassada a medida da culpa que, no caso vertente, atinge um patamar muito elevado.

Estamos perante o crime mais grave do nosso ordenamento jurídico: uma vida humana foi ceifada e de forma precoce.

10. Não se tratou de um homicídio praticado no calor do momento: foi antes cuidadosamente planeado, para que nada fosse deixado ao acaso, tendo ambos os arguidos agido perante um jovem desarmado, indefeso e psicologicamente vulnerável, porque emocionalmente fragilizado.

11. Não se mostram violadas quaisquer disposições legais, mormente as invocadas.”

Conclusões da resposta da assistente ao recurso do arguido DD

“Acabando a concluir:

(…)

No caso concreto, todos os elementos probatórios identificados nas alíneas a) a ff) da prova pericial, que foram devidamente especificados no Acórdão recorrido, conjugados com as declarações dos Arguidos, foram ponderados pelo tribunal recorrido e impõem a correta conclusão no sentido de que ambos os arguidos estavam conluiados e juntos no momento em que foram cometidos os crimes e que houve entre eles concertação de movimentos, de atitudes e de vontades, permitindo os aludidos meios de prova retirar a conclusão segura no sentido de que ambos os Arguidos agiram concertadamente e em conjugação de esforços na concretização do mesmo objetivo comum, que era tirarem a vida a JJ e ocultarem o respetivo corpo.

Por essa razão, não incorreu o Tribunal a quo em violação do princípio da presunção de inocência, da mesma forma que também não violou os artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea j) do Código Penal, como conclui o Recorrente, antes sim fez a devida (e exigida) subsunção dos factos ao Direito, devendo ser julgado improcedente o recurso interposto, com as legais consequências.”

*

A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência dos recursos.

*

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

Nos presentes recursos e considerando as conclusões extraídas pelos recorrentes das respetivas motivações, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:

A) Verificar:

- Se a decisão recorrida enferma do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão consagrado no artigo 410º nº 2, alíneas a) e c) do CPP;

- Caso tenham sido cumpridos os respetivos pressupostos formais previstos no artigo 412º do CPP, verificar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, com desrespeito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP e do princípio do in dúbio pro reo.

B) Determinar se existiu erro de julgamento da matéria de direito: - Em virtude de os factos que o recorrente entende deverem ser tidos por provados não integrarem os elementos objetivos e subjetivos do crime de homicídio qualificado; -

Relativamente aos princípios e regras legalmente previstos para a determinação das medidas das penas.

* II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final com intervenção do Tribunal de Júri, foi proferido acórdão que deu como provados e não provados, os seguintes factos:

“II – MATÉRIA DE FACTO

A) Resultaram provados os seguintes factos com relevância para a deliberação da causa:

1. Os arguidos encontravam-se, em outubro de 2020, institucionalizados no … em ….

2. No dia 02 de outubro do mesmo, ano, foi ali colocado, contra a sua vontade e por decisão de sua mãe, JJ.

3. O que motivou inconformismo e tristeza por parte deste, por se sentir rejeitado, sentimentos que se traduziram em 3 fugas com a sua localização e ulterior recondução à Instituição, no período compreendido entre o dia 2 de outubro e 15 de outubro de 2020, mais concretamente, fuga no dia 6 com regresso a 7, fuga a 8 com regresso a 9 e fuga a 10 com regresso a 13 de outubro.

4. JJ, pelo menos a partir de 07 de outubro de 2020, verbalizou em número de vezes e contexto não apurados, perante outros jovens acolhidos naquela Instituição, que estava farto da sua vida e que queria morrer.

5. Os jovens daquela Instituição, com exceção dos arguidos AA e DD, não levaram a sério os seus desabafos, aconselhando-o a colocar de lado esse tipo de pensamentos.

6. Pelo contrário, AA e DD, por motivos não concretamente apurados, conscientes da fragilidade psicológica em que se encontrava JJ, decidiram no dia 13 de outubro de 2020, matá-lo, iniciando naquela data a elaboração de um plano com vista a concretizar o objetivo.

7. No dia 14 de outubro de 2020 os arguidos AA e DD ultimaram o plano que previa pelo menos, a morte por asfixia mecânica, guardando um pedaço de corda de nylon dos muitos que existiam junto ao armazém onde eram acondicionadas as ferramentas, alfaias e demais objetos utilizados na instituição para as atividades hortícolas e de exterior.

8. No dia 15 de outubro de 2020, cerca das 09h00m, depois de terem tomado o pequeno almoço, DD e AA, já na posse do pedaço de corda descrito em 7 e de outro instrumento contundente não concretamente apurado, saíram das instalações na companhia de JJ, através de um buraco que existia na rede, em direção a uma zona de mato contígua ao ….

9. Após caminharem durante alguns minutos no exterior da instituição e a coberto das árvores e vegetação ali existente, com recurso à conjugação de objeto/instrumento plano e contundente não concretamente apurado e, superfície plana e dura não apurada, foi desferida forte pancada na cabeça de JJ que ficou inanimado.

10. Após, em moldes e ordem cronológica não concretamente apurada, foi atada a corda à volta do pescoço de JJ, mediante a utilização de um nó fixo e exercida força no pescoço da vítima que, já inconsciente, asfixiou.

11. A conduta dos arguidos descrita nos pontos 9 e 10 da matéria de facto, provocou lesões traumáticas cranianas, designadamente diástases das linhas articulares e fraturas de ambas as apófises estiloides que foram causa direta e necessária da morte de JJ.

*

12. Em momento posterior não concretamente apurado, mas situado entre o momento da morte na manhã do dia 15 de outubro de 2020 e o dia 17 de outubro de 2020, ambos os arguidos decidiram ocultar o corpo de JJ.

13. Para tanto, em momento e contexto não concretamente apurados, retiraram da instituição …, lençóis que utilizaram para enrolar o corpo de JJ, dando um nó em ambas as extremidades do lençol.

14. Em seguida transportaram o corpo JJ para junto de um poço seco envolto em silvas, localizado nas imediações e, exercendo força conjunta, introduziram-no no seu interior.

15. No próprio dia e ao longo dos dias seguintes, os arguidos foram cobrindo o corpo com detritos e terra que recolhiam e escavavam nas imediações.

*

16. No dia 23 de fevereiro de 2021, cerca das 19h40m, o arguido AA, no interior da instituição …, dirigiu-se a KK, que ali exerce funções como psicóloga, em termos que lhe valeram condenação por decisão transitada em julgado pela prática do crime de coação na forma tentada e, após ser advertido por esta, de que a conduta que estava a praticar seria reportada à Diretora da Instituição, LL, o arguido AA respondeu que “a essa dou-lhe duas facadas”.

17. KK amedrontada pela credibilidade que deu às expressões proferidas, imediatamente reportou a LL, que AA manifestou o propósito de lhe dar duas facadas.

18. LL levou a sério o mal futuro que lhe foi anunciado, ficando receosa.

*

19. No dia 25 de fevereiro de 2021, MM, encontrava-se institucionalizado no … tal como os arguidos AA e GG.

20. Cerca das 20h00, após altercação física entre AA e MM, o arguido GG, dirigiu-se a este último e proferiu de forma séria, a seguinte expressão: “a próxima vez que chibares mais alguma coisa, dou-te uma navalhada no pescoço”, amedrontando MM que levou a sério a expressão que lhe foi dirigida.

*

21. Ao agirem conforme descrito nos pontos 6 a 11 da matéria de facto, os arguidos AA e DD previram e quiseram em comunhão de esforços tirar a vida a JJ, sabendo que o mesmo, porque se encontrava deprimido e fragilizado não iria conseguir opor-se eficazmente;

22. Mais sabiam que a forte pancada desferida na cabeça, bem assim como a pressão a que o sujeitaram na zona do pescoço eram aptos a provocar a morte daquele.

23. Ao agirem conforme descrito nos pontos 12 a 15, quiseram os arguidos AA e DD, em comunhão de esforços, esconder o corpo de JJ, com o propósito de impedir a sua localização e, consequentemente evitar a responsabilização penal de ambos pela sua morte.

24. Mais sabiam que ao agirem dessa forma, o faziam sem autorização dos pais de JJ e que faltavam ao respeito que é devido aos mortos e à pessoa de JJ.

25. Ao agir conforme descrito nos pontos 16 a 18 da matéria de facto quis e conseguiu o arguido AA, de forma séria e convincente, fazer crer a LL, através de KK, que lhe poderia tirar a vida, desferindo duas facadas.

26. Sabia que a expressão por si proferida era apta a provocar, como efetivamente provocou, o receio na visada de que poderia atentar contra a vida da mesma num futuro incerto.

27. Mais sabia que LL tomaria conhecimento da expressão que proferiu por intermédio de KK, pois esta tinha acabado de o advertir que lhe reportaria a sua conduta.

28. Ao proferir a expressão descrita no ponto 20 da matéria de facto, quis e conseguiu o arguido GG, fazer crer de forma séria e convincente a MM que, num futuro incerto, lhe poderia tirar a vida espetando-lhe uma navalha no pescoço.

29. Sabia que a expressão em causa, no contexto em que foi proferida, era apta a provocar receio no visado, de que poderia efetivamente atentar contra a vida daquele.

30. Em tudo agiram os arguidos de forma livre deliberada e consciente, sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, podiam determinar-se em sentido contrário de acordo com essa avaliação que efetivamente fizeram e, ainda assim, não se abstiveram de as praticar.

Mais se provou:

31. Nos dias que antecederam a morte, a namorada de JJ de nome NN terminou o namoro, o que entristeceu e deprimiu ainda mais JJ, fragilizando-o.

32. Na sequência da forte pancada na cabeça a que foi sujeito, JJ, para além de perder os sentidos, evacuou e urinou.

33. AA e DD, após a prática dos factos descritos nos pontos 9 a 11, repartiram entre si objetos propriedade de JJ, designadamente uns chinelos e uns ténis.

34. Nos dias seguintes à descoberta e remoção do corpo de JJ, ocorridas no dia 17 de fevereiro de 2021, o arguido DD adoeceu, não saindo do quarto e o arguido AA ficou destabilizado e agressivo.

Factos atinentes às perícias sobre a personalidade e relatório social

AA

35. Em sede de perícia sobre a personalidade concluiu-se que AA na escala de avaliação de psicopatia de Hare, versão Jovens pontua totalmente nos parâmetros de procura de estimulação, ausência de remorsos, frieza/ausência de empatia, fraco controlo da raiva, problemas precoces de comportamento, impulsividade, irresponsabilidade, comportamentos delinquentes graves e versatilidade criminal, pontuando parcialmente nos parâmetros sentido grandioso do valor de si próprio, mentira patológica, manipulação para benefício pessoal, superficialidade afetiva, orientação parasítica, comportamento sexual impessoal, falta de objetivos, não aceitar responsabilidades pelas suas ações e relações interpessoais instáveis, tendo sido diagnosticado com perturbação antissocial da personalidade.

36. AA nasceu em …, tento um irmão uterino de 21 anos e uma irmã germana de 14 anos.

37. Com 07 anos de idade na sequência da reclusão dos progenitores passou a integrar o agregado familiar da avó paterna com a irmã mais nova.

38. Viveu em contexto de violência doméstica em virtude de agressões perpetradas pelo avô aos restantes elementos do agregado familiar, incluindo aos próprios o que levou a que a irmã fosse retirada do agregado familiar e institucionalizada.

39. Continuou a residir com os avós até que o pai foi libertado e levou-o para o …, tendo ao fim de pouco tempo sido novamente preso, o que levou a que AA fosse institucionalizado.

40. Estudou sem percalços até ao 4.º ano em escolas sitas no …, … e …, sendo que a partir do 5.º ano começou a revelar absentismo e a adotar comportamentos agressivos envolvendo-se em discussões verbais e lutas físicas iniciadas por si.

41. Trabalhou na apanha da pinha, tiragem de cortiça, vindima e construção civil.

42. Começou a consumir haxixe aos 14 anos, tendo consumido pela última vez em dezembro de 2020 quando estava no ….

43. Em sede de projetos de futuro, AA pretende terminar o 9.º ano e ter emprego na área da pastelaria, ajudar o pai, a irmã e a avó, tirar um curso de gestão empresarial, viver com a namorada e ter filhos após os 25 anos.

44. AA esteve no período compreendido entre 31 de março de 2021 a maio de 2023 no …, onde a sua estadia foi caracterizada como “fantástica”na medida em que “faz tudo o que é pedido, nem é preciso repetir, é muito trabalhador e aplicado. Na escola também está bem, está a completar o 6.º ano, com boas notas. Está na jardinagem, colabora e é trabalhador.”

DD

45. Em sede de perícia à personalidade, concluiu-se que “DD possui um funcionamento cognitivo global muito superior à média esperada para a população em geral, o que lhe proporciona capacidade para pensar em termos racionais, atuar finalizadamente e de forma eficaz em relação ao meio envolvente, garantindo-lhe estratégias de resolução de problemas.”

46. É um jovem que “tende a apresentar problemas de conduta, mostrando-se impulsivo, com baixa tolerância à frustração e rebelde perante as figuras de autoridade, sente-se incompreendido, podendo demonstrar carência de respostas emocionais profundas, pouco empático, é rígido e desconfiado.

47. Concluiu-se anda que DD “não apresenta sintomatologia psicopatológica invalidante, o que se reflete no atual funcionamento emocional saudável, apresentando um autoconceito acima da média.

48. DD nasceu em …, sendo o segundo de uma fratria de 5 irmãos, residindo o agregado familiar, desde sempre, na …, sendo o pai serralheiro civil e a mãe doméstica.

49. Estudou de forma regular até ao 7.º ano, onde teve 2 retenções, iniciando com 13 anos os comportamentos desviantes que levaram ao absentismo escolar, consumo de estupefacientes, haxixe e álcool e que determinaram a sua institucionalização.

50. Como projeto de futuro, DD refere que pretende trabalhar na área da eletrónica.

51. Encontra-se acolhido no …, desde o dia 12 de março de 2021.

52. Ao nível das regras e normas da instituição, o jovem compreendeu-as e tem-se esforçado por ser cumpridor, apresentando uma higiene pessoal cuidada, mantendo o seu quarto limpo e organizado de forma meticulosa.

53. É-lhe reconhecido esforço de contenção e empenho escolar, sendo reflexo disso a média de 17 com que se encontra, manifestando-se motivado para acabar o curso.

54. Integrou atividades desportivas extracurriculares de futsal e bodyboard, destacando-se pelo bom desempenho em ambas.

55. DD beneficia do suporte da família que o apoia, intercalando a sua permanência na … e na família, sendo contactado telefonicamente com regularidade pela família quando está na …

56. Beneficia ainda de acompanhamento psicológico na …, uma vez por semana.

57. Da informação remetida pela instituição consta ainda o seguinte com relevo:

“De realçar que o jovem partilhou com os colegas as razões pelas quais foi transferido para a …, tendo-se emocionado e demonstrado arrependimento pelo que sucedeu, aproveitando para se utilizar como exemplo para que os outros não sejam impulsivos e confiem nos adultos para com eles partilharem o que se passa. Alertou-os igualmente para a importância de saber escolher os amigos, ficar «longe de confusões» e não experimentarem drogas. Assumiu aos colegas que já tinha tido consumos exagerados de droga e que nessa fase, sem que tivesse perceção, não sentia nada e era tudo indiferente. Os restantes colegas emocionaram-se ao saber da situação, grande maioria dos miúdos choraram, mas manifestaram o seu apoio ao DD por sentirem que ele estava a sofrer. Todos têm noção da gravidade da situação e do risco do colega poder ser privado da liberdade, no entanto, mantêm-se solidários com o DD.”

(…)

67. Por factos praticados em outubro de 2020 foi o arguido AA condenado por decisão datada de 14 de outubro de 2022, já transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 05 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa à taxa diária de 05,00€

68. Por factos praticados no dia 23 de fevereiro de 2021, foi o arguido AA condenado por decisão datada de 27 de fevereiro de 2023 transitada em julgado no dia 16 de março de 2023, pela prática de um crime de coação na forma tentada na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 5,00€.

69. O arguido DD não tem antecedentes criminais.

70. O arguido GG não tem antecedentes criminais.

Antecedentes tutelares:

71. Por factos datados de 05 de junho de 2018, foi aplicada ao arguido AA, por decisão datada de 18 de maio de 2021, transitada em julgado no dia 31 de maio de 2021, medida tutelar educativa de 2 anos e 2 meses de internamento em Centro Tutelar educativo, pela prática de um crime de ameaça.

72. Por factos datados de 15 de novembro de 2018, foi aplicada ao arguido AA, por decisão datada de 27 de maio de 2021, transitada em julgado no dia 01 de junho de 2021, medida tutelar educativa de acompanhamento pelo período de 18 meses, pela prática de 1 crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de dano.

73. Por factos datados de 11 de janeiro de 2019, foi ao arguido DD, por decisão datada de 20 de junho de 2020, transitada em julgado no dia 06 de julho de 2020, aplicada medida tutelar educativa de acompanhamento educativo pelo período de um ano, pela prática de um crime de furto simples.

*

B) Factos não provados com relevância para a decisão da causa.

a) Que AA, na data e contexto descrito no ponto 6 dos factos provados, diante de vários jovens no interior do …, tenha efetuado um movimento de mata-leão a JJ, a pedido deste, para experimentar a sensação de perder os sentidos e melhor decidir se queria morrer.

b) Que JJ tenha desmaiado e que ao recuperar os sentidos, AA e DD tenham perguntado se tinha a certeza de que queria mesmo morrer, tendo JJ respondido afirmativamente.

c) Que no dia 14 de outubro de 2020, JJ tenha procurado AA reafirmando a sua vontade em morrer.

d) Que AA, DD e JJ tenham nesse dia planeado em conjunto a morte deste, decidindo que seria por enforcamento, simulando um suicídio.

e) Que à 21h50m desse dia 14 de outubro de 2020 tenham saído das instalações do … pelo buraco na rede e se dirigido para a zona de mato, no intuito de matar JJ de acordo com o planeado e que este tenha desistido com medo do escuro, alegando que precisava de pensar melhor durante a noite.

f) Que no dia 15 de outubro, pelas 09h00 tenha sido JJ a procurar DD, afirmando ter a certeza de que queria morrer e que pretendia que fossem os arguidos DD e AA a matá-lo de acordo com o planeado.

g) Que tenha sido por esse motivo que JJ acompanhou os arguidos DD e AA nos termos descritos no ponto 8 dos factos provados.

h) Que JJ tenha morrido porque, a seu pedido, AA fez um movimento de mata-leão fazendo-o perder os sentidos, tendo AA continuado a apertar o pescoço para se certificar que JJ morria.

i) Que após o arguido AA tenha ordenado ao arguido DD que o ajudasse a pendurar o cadáver pelo pescoço no laço de uma corda que previamente penduraram num sobreiro ali existente.

j) Que DD tenha obedecido agarrando o cadáver pela cintura, levantando-o e que o arguido AA tenha enfiado o laço pela cabeça de JJ ajustando-o ao pescoço.

k) Que tenham deixado o cadáver pendurado e tenham regressado ao ….

l) Que tenham voltado ao local no dia seguinte, que tenham visto o cadáver a chegar com os pés ao chão e que, por causa disso tivessem receado que quem encontrasse o corpo, não considerasse o suicídio como a causa da morte e que só nessa altura e por esse motivo, tenham decidido ocultar o corpo de JJ.

m) Que tenham tirado o corpo que se encontrava pendurado, cortando a corda com um isqueiro, que tenham escondido o corpo nas ervas altas e que só no dia seguinte, a 17 de outubro de 2020, tenham enrolado o corpo num lençol e o lançado para dentro do poço.

n) Que JJ desejasse morrer no momento em que foi morto por AA e DD, e que não tenha oferecido resistência em momento algum aquando da ocorrência dos factos descritos nos pontos 8 e 9.

o) Que os arguidos AA e DD, ao matarem JJ, tenham agido unicamente motivados pela necessidade que sentiram de satisfazerem a última vontade daquele.

p) Que AA tenha maltratado animais no interior do …, quais e em que termos.”

***

II.III - Apreciação do mérito dos recursos.

A) Do invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão previsto no artigo 410º nº 2, alínea a) do mesmo Código e do deficiente cumprimento dos requisitos da impugnação da matéria de facto estabelecidos pelo artigo 412.º, nºs 3 e 4 também do CPP.

(recurso do arguido DD)

Conhecendo os Tribunais da Relação não só da matéria de direito, mas também da matéria de facto, conforme expressamente estatui o artigo 428.º do CPP, importa, porém, distinguir a impugnação da matéria de facto em sentido amplo ou a invocação de um erro de julgamento, realizada com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, e a impugnação restrita, que se traduz na invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP. Não obstante estarmos em presença de duas formas de questionar a decisão da matéria de facto, as mesmas não se confundem. Assim, na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Conforme decorre do disposto no artigo 412.º, nº 3.º do CPP, o erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso. (1)

Quanto ao recurso que constitui o objeto da nossa análise, não podemos deixar de assinalar, primeiramente, as imprecisões ostentadas na sua motivação e nas respetivas conclusões. De facto, quer o corpo da motivação do recurso, quer as suas conclusões, revelam uma incontornável confusão de conceitos e de institutos, com invocação indistinta do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão e do erro de julgamento da matéria de facto.

Assinaladas as sobreditas imprecisões, clarificamos que, para viabilizar o conhecimento da pretensão recursória, optamos por supri-las, convocando os regimes processuais adequados ao conhecimento de cada uma das questões colocadas no recurso, não deixando, porém, de atender aos concretos fundamentos aí invocados.

*

Alega o recorrente que o acórdão recorrido valorou erradamente as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas produzidos em julgamento, solicitando a este tribunal que proceda à reapreciação da prova. Fê-lo, porém, sem dar cabal cumprimento ao regime processual estabelecido pelo artigo 412º do CPP para a invocação do erro de julgamento da matéria de facto. O que se constata é que o recorrente, a mais de confundir, nos termos acima referidos, os vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão e de erro notório na apreciação da prova com a impugnação da matéria de facto propriamente dita, a que se reporta o artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP, como se aqueles vícios fossem uma espécie do mesmo género desta, e não obstante ter identificado os factos que, a seu ver, foram incorretamente tidos por provados – pontos 6. a 11. e 21. e 22. da matéria de facto provada – não cuidou de indicar as provas que, no seu entendimento, imporiam decisão diversa, não tendo indicado as concretas passagens das declarações e dos depoimentos, por referência ao início e termo das mesmas na respetiva gravação, que sustentariam o seu entendimento. O que se verifica, de outra sorte, é que o recorrente DD se limitou a afirmar que, escrutinados todos os depoimentos e declarações prestados em audiência de julgamento e analisada a prova pericial e toda a documentação existente nos autos, se constata, a seu ver, que os factos com relevância criminal que lhe foram imputados e que sustentaram a condenação pelo crime de homicídio qualificado não resultaram demonstrados. Solicita, pois, o recorrente, a este tribunal que proceda à reapreciação da prova produzida que considera erradamente valorada. Fê-lo, porém, sem dar cabal cumprimento ao regime processual estabelecido pelo artigo 412º do CPP, uma vez que – a mais de confundir o erro de julgamento a que se reporta o artigo 412.º, nºs 3 e 4 do CPP com o vício insuficiência da matéria de facto para decisão previsto no artigo 410º, nº 2 alínea a) do CPP, tendo-os invocado indistintamente – questiona a valoração da prova, mas não cuidou de indicar os segmentos do suporte técnico, por referência ao registo da gravação áudio, em que se encontram os depoimentos que, alegadamente, imporiam decisão diversa da recorrida (2), não tendo igualmente explicitado com clareza o raciocínio lógico no qual fez assentar o seu juízo de incorreta apreciação da prova, pois que não rebateu concretamente a argumentação claramente explicitada na decisão recorrida no que tange à motivação da convicção probatória relativa aos factos impugnados. Como é sabido, o recurso da matéria de facto não visa a reapreciação de toda a prova produzida nos autos, como se de um segundo julgamento se tratasse, mas apenas a deteção e correção de erros de julgamento, que incidirão sobre pontos determinados da matéria de facto e que o recorrente deverá indicar claramente na motivação e nas conclusões do seu recurso. Ora, o que se verifica verdadeiramente quanto à impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente DD, é que na motivação e nas conclusões do recurso mais não se consignou do que o entendimento segundo o qual a sua conduta deveria ter sido dada como não provada, em termos que apenas espelham a mera discordância, insustentada, relativamente à convicção dos julgadores. Ora, como se antevê, tal tipo de argumentação está condenado ao malogro.

Sempre diremos, porém, que nenhuma razão assiste ao recorrente no que diz respeito ao alegado erro na apreciação da prova, pois que, ao invés do que propugna na sua motivação de recurso, os autos contêm prova bastante de todos os factos tidos por provados, conforme claramente resulta da motivação da convicção probatória constante do acórdão. Aí se explicita, em termos que integralmente sufragamos, que a conjugação das declarações dos arguidos com a prova pericial, testemunhal e documental, não deixou margem para qualquer dúvida relativamente à coautoria dos factos pelo arguido DD.

Atentemos nos seus termos:

“(…) C) Convicção do Tribunal

O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente no depoimento maioritariamente confessório prestado pelos arguidos, com relevância essencial para os esclarecimentos prestados pelo perito médico-legal em audiência Dr. OO. Com relevância meramente instrumental e corroborativa, baseou-se o tribunal do júri, nas declarações dos assistentes PP e QQ, no depoimento das testemunhas LL, RR, SS, KK, NN, TT, tudo conjugado com a demais prova pericial e documental, essencialmente instrumental junta aos autos, nomeadamente a seguinte e que ao longo da fundamentação de facto se fará menção por reporte às alíneas infra indicadas:

Prova identificada como pericial

a. Relatório pericial de identificação genética individual de fls. 782 a 787;

b. relatório de autópsia médico-legal de fls. 997 a 1000 e 1072,1073;

c. resposta apresentada pela senhora perita, Dra. UU, aos quesitos elaborados a fls. 1880 e 881 por despacho datado de 22 de julho de 2022 – fls. 1915 e verso.

d. resposta apresenta pelo senhor perito, Dr. OO, aos quesitos elaborados a fls. 1880 e 881 por despacho datado de 22 de julho de 2022 – fls. 1920 e verso.

e. relatório de medicina dentária de fls. 1001 a 1008 verso;

f. relatório de exame toxicológico de fls. 1074;

g. relatório de exame pericial (PJ) de fls. 112 a 125 – reportagem fotográfica da remoção do cadáver;

h. relatório de exame pericial (PJ) de fls. 415 a 417 – reportagem fotográfica da recolha de objetos da vítima para comparação de ADN.

i. reportagem fotográfica da corda e vestuário encontrados juntos ao cadáver a fls. 433 a 434,

j. relatório de exame pericial (PJ) de fls. 460 a 462, observações e análises comparativa a dois lençóis

k. relatório de exame pericial (PJ) de fls. 500 a 502 – observação e análise comparativa entre a corda encontrada junto ao cadáver e outra semelhante.

l. Relatório de exame pericial (PJ) de fls. 578 a 592 – reportagem fotográfica e observação do … no dia 04 de março de 2021,

m. Relatório de exame pericial (PJ) de fls. 790 a 800 – elaboração de quesito e envio ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) para comparação de amostras de solo recolhidas do interior do poço e no terreno circundante, devidamente identificado mediante reportagem fotográfica.

n. relatório de exame pericial (PJ) de fls. 803 a 805 – nova análise comparativa entre a corda encontrada junto ao cadáver e outra similar, bem assim como de 1 lençol encontrado na imediações do poço e outros dois entregues pelo … à investigação;

o. relatório de exame pericial de fls. 1076 a 1080 e 1106 e 1107 – análise e observação das peças de roupa encontradas junto ao cadáver e respetivo aditamento;

p. relatório de exame pericial de fls. 1434 a 1435 – reportagem fotográfica de um blusão encontrado junto ao cadáver.

q. relatório da perícia médico-legal de psicologia (INML) de fls. 1606 a 1625 verso, quanto ao arguido AA;

r. relatório da perícia médico-legal de psicologia (INML) de fls. 1645 a 1654, quanto ao arguido DD;

s. relatório de exame pericial (PJ) de fls. 1682 a 1692 e DVD-R anexo – perícia informática aos telemóveis.

Prova documental

t. informação de desaparecimento, de fls. 3 a 5 e expediente de fls. 6 a 12 e 25-26;

u. Documentos enviados pela assistente à Polícia Judiciária - Relatório de acontecimentos elaborado pela assistente e cópia de escritos enviados pela mesma às instituições incluindo o …, fotografias de redes sociais, atestado e foto de braço do JJ com ferimentos autoinfligidos - fls. 38 a 63.

v. autos de apreensão de fls. 75, 186, 270, 418, 423, 563, 565, 576, 577, 788, 986, 1433 - reportagem fotográfica de fls. 187 a 195;

w. autos de diligência de fls. 107 a 111, 148, 354 a 363 (com fotografia do crânio assinalando-se a marca das diástases das linhas articulares e fraturas das apófises estiloides), 425-426 e reportagem fotográfica de fls. 427 a 432

x. registo dentário de fls. 154 a 156;

y. mapa de fugas/saídas não autorizadas - fls. 207;

z. Pedido manuscrito, redigido por JJ e datado de 6 de outubro de 2020 – Fls. 208

aa. Processo de JJ no … – fls. 220 a 268

bb. resumos diários do … a fls. 301 a 317;

cc. Informações prestadas pela testemunha e irmã RR com fotografias do JJ em 10 de outubro de 2020 (fls. 321 e 322), fotos das redes sociais com JJ ostentado ténis e bolsa (fls. 328 a 332), e fotografias de mensagens escritas trocadas entre ambos no período compreendido entre 05 de outubro de 2020 e 12 de outubro de 2020 (fls. 333 a 350) e mensagens trocadas na véspera da morte em 14 de outubro de 2020 (fls. 323 e 326) – data certificada pela própria em auto de declarações a fls. 295, linhas 113 a 116.

dd. relatório social elaborado a GG pela DGRSP.

ee. Prints de mensagens escritas trocadas entre JJ e VV, pai da ex-namorada NN a fls. 969 a 974

ff. Certificados de registo criminal – fls. 2136 a 2139 verso

gg. Certificados de registo tutelar educativos 2252 a 2258.

hh. Informação remetida pela Associação …, relativa a DD – fls. 2238 a 2239 verso.

Genericamente, foram essenciais as declarações confessórias dos arguidos, conjugadas com o relatório pericial de identificação genética individual, identificado em supra alínea a) e que comprova que o corpo encontrado no fundo do poço é o de JJ, para concluir que foram os arguidos os autores da sua morte. Confissões que, na ausência de mais prova testemunhal presencial, tiveram de ser devidamente balizadas pelo relatório de autópsia médico legal, exame de antropologia forense (alínea b), esclarecimentos escritos prestados pelos senhores peritos (alíneas c e d) e esclarecimentos presenciais prestados em audiência pelo senhor perito médico-legal. Esta prova pericial balizou e moldou as confissões, pois que pese embora tenha corroborado a morte provocada que os arguidos livremente confessaram, comprovou igualmente que mentiram quanto ao modo de execução do ato de matar. Tendo os arguidos mentido neste ponto que se afigurou fulcral, inquinaram a sua credibilidade perante o tribunal do júri que se convenceu de que os mesmos montaram a sua estratégia de defesa no sentido de confessarem o essencial e que é a morte, mas apresentando uma versão não coincidente com a realidade, mas credível, no intuito de minimizar ao máximo as consequências penais na sua esfera jurídica. Reflexo desta estratégia digno de realce, é o facto dos arguidos terem prestado declarações na ausência um do outro, mas o seu conteúdo ter sido exatamente igual. Não se trata de declarações coincidentes prestadas através de formulações e perspetivas diversas, mas não contraditórias, como são por norma todas as declarações coincidentes com a realidade proferidas por mais do que uma pessoa. Os arguidos prestaram declarações na sua grande maioria iguais no que concerne à ação e cronologia, através das mesmas formulações, próprias de declarações ensaiadas e não totalmente coincidentes com a realidade, porque contrariadas por prova pericial científica.

Neste contexto, o tribunal foi forçado a corroborar as declarações dos arguidos com outros meios de prova, mesmo quando sobre essa factualidade não tenha recaído prova pericial e a versão tenha apresentado verosimilhança em abstrato, sob pena de julgar a matéria de facto em causa como não provada.

A demais prova produzida, fosse ela testemunhal e/ou documental, com maior ou menor relevância, afigurou-se meramente instrumental e corroborativa da convicção do tribunal quanto à prática dos dois crimes mais graves, designadamente para efeitos de dar ou não como provada factualidade alicerçada nas declarações dos arguidos.

As testemunhas no geral prestaram depoimentos sinceros e espontâneos. Com exceção da temática relacionada com o facto de JJ ter ou não verbalizado pretender morrer. Por entenderem certamente que tais apelos não seriam sérios, revelaram as testemunhas contenção, porventura com receio que o tribunal entendesse o contrário. São disso exemplo os assistentes e RR. Já LL, Diretora Técnica do …, KK, psicóloga na mesma instituição e SS, técnica de serviço social na mesma instituição, foram um pouco mais longe na contenção. Denotou-se um esforço para não mentir que deverá ser salientado, mas um condicionamento claro quanto a tudo o que pudessem dizer e que pudesse prejudicar o …, o que apenas se compreende pelo conhecimento que terão do pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes contra a instituição e que este Tribunal remeteu para os meios comuns. Tal condicionamento foi claro quanto à matéria relacionada com o facto de terem ouvido ou tido conhecimento de que JJ terá verbalizado pretender morrer, chegando a ser desconforme ao que declararam em sede de inquérito, e quanto ao controlo que faziam das fugas/saídas dos jovens do interior da instituição e poder/dever que poderiam ou não ter exercido para o evitar. Nas matérias em que não percecionaram qualquer risco para a esfera jurídica da instituição prestaram um depoimento igualmente claro e convincente, como por exemplo, quanto a toda a factualidade ocorrida após a descoberta do corpo de JJ.

Concretizando:

A matéria descrita nos pontos 1 a 3 da matéria de facto é consensual e foi provada em julgamento por basta prova testemunhal e documental. Da documentação junta pelo … confirma-se a institucionalização à data de todos os arguidos, pese embora GG tenha estado em fuga durante todo o mês de outubro. Veja-se a título de exemplo o mapa de fugas saídas não autorizadas (alínea y), mas igualmente o processo de JJ na instituição (alínea aa) ou os resumos diários da mesma (alínea bb). A contrariedade de JJ no ingresso na instituição, seu inconformismo, tristeza e sentimento de rejeição foi atestado por todas as testemunhas incluindo os assistentes, pais adotivos, pelos arguidos e encontra-se documentalmente comprovada pelos escritos remetidos pela mãe ao processo, pelo próprio JJ à instituição (alíneas u e z), pela quantidade de fugas que concretizou na instituição, comprovada pelo mapa de fugas (alínea y) e pelos prints de mensagens escritas enviadas por JJ a sua irmã RR (alínea cc).

O tribunal formou a convicção na prova do ponto 4 da matéria de facto provada com base nas declarações dos arguidos que o atestaram e que se encontra corroborada por outros elementos de prova. Pese embora as testemunhas não o tenham assumido perentoriamente em julgamento, ao contrário do ocorrido na fase de inquérito, presumindo-se de acordo com regras de experiência comum, que pelos motivos já supra evidenciados, não pode deixar o tribunal de dar como provado que em contexto e número de vezes não apurados tal tenha sido verbalizado, pelo menos a partir de 07 de outubro de 2020. Em sede de prova documental veja-se um dos elementos probatórios descritos na alínea aa), relativo ao processo de JJ no … junto pela Diretora Técnica LL, designadamente a fls. 260 em que se encontra impressão de documento destinado a ser enviado por correio eletrónico, datado de 13 de outubro de 2020, identificada a autora e técnica de serviço social SS e dirigido à CPCJ do …, ao cuidado do Dr. XX, dando conta, que “(…) o jovem demonstrou muita instabilidade emocional, tendo aumentado as atitudes agressivas, verbais e físicas nos últimos dias. Ameaça matar-se ou automutilar-se, tendo inclusivamente ameaçado «partir isto tudo», «não me chateiem muito», revelando muita resistência à medida de acolhimento”. Veja-se igualmente o elemento probatório descrito na alínea cc), relativo às mensagens trocadas entre JJ e RR, no período compreendido entre 05 de outubro de 2020 e 12 de outubro de 2020, mais concretamente no dia 07 de outubro de 2020 a fls. 344, à pergunta de como é que te tens sentido, JJ respondeu “Só a querer morrer, fora de brincadeiras” e a fls. 345, à afirmação de que a partir dos 16 anos poderá ser preso pelos crimes que praticar, respondeu: “Será” “E que eu pretendo esta noite não estar vivo”. Por fim, ainda a fls. 345, ao apelo para não desistir, respondeu “Desisti” “Já”, após o que a irmã escreveu a mensagem sinistramente premonitória afirmando saber como é chegar a fundo do poço, mas incentivando-o a animar-se. Neste contexto, a que acrescerá as declarações de NN, ex-namorada de JJ e que afirmou ter terminado o namoro com o mesmo pouco tempo antes, num contexto em que o mesmo verbalizava que a mesma era tudo para ele e que chorava só de pensar que a podia perder, como fez em mensagem escrita dirigida no dia 01 de outubro de 2020 ao pai desta, VV. Veja-se elemento probatório descrito na alínea ee), mais concretamente a mensagem de texto constante a fls. 971. No contexto de frustração e sentimento de rejeição quer pela institucionalização, quer ainda pelo termo do namoro com NN, é forçoso concluir que JJ estaria nos dias que antecederam a sua morte, profundamente deprimido e, conforme declararam os arguidos, terá verbalizado em algum momento, no interior da instituição, que pretenderia morrer. Termos em que por se encontrar corroborado por outros elementos de prova e ser o mais credível em termos de regras de experiência comum e normalidade da vida, atento o contexto vivido na última semana de vida do JJ, o tribunal convenceu-se da prova do facto nos termos em que se encontra descrito no ponto 4.

O tribunal alicerçou a convicção na prova do facto descrito no ponto 5, como corolário lógico da prova dos pontos anteriores. JJ, demonstrou a partir de certa altura e verbalizou a sua tristeza e inconformismos, o que naturalmente terá sido percecionado pelos restantes jovens institucionalizados no … que com ele conviveram. No que concerne à reação dos outros jovens por contraponto à que os arguidos decidiram ter, encontra-se confessada pelos próprios, que assistiram e descreveram em tribunal como os colegas reagiram. Tal desvalorização e aconselhamento no sentido de JJ colocar de lado tais pensamentos é igualmente o mais lógico. Isto porque pese embora o estado depressivo de JJ, tal contexto psicológico com eventual pensamento na morte era muito recente. O tribunal convenceu-se que apenas a partir de 07 de outubro de 2020, poderá ser dado como provada, com certeza e segurança jurídicas, a possibilidade de JJ ter verbalizado na instituição pretender morrer. Veja-se que no dia 01 de outubro de 2020, 14 dias antes da morte, nas mensagens que JJ enviou a VV a propósito da filha deste, transparece uma vontade notória de viver, e de o fazer próximo e na companhia de NN. A fls. 971 escreveu “Só não proíba a NN de me ver” “Eu vou cativar a NN por motivos de mais valores”, a fls. 974 escreveu “Mas nos separar agr não ia ser melhor para ninguém, mas vou-lhe dizer oq disse a mãe da NN, a minha vida vai mudar a partir de hoje…” Por fim, veja-se elemento probatório da alínea z), fls. 208 em que JJ dirige pedido manuscrito no dia 06 de outubro de 2020, apenas 9 dias antes de morrer, para mudar de instituição, revelando planos para o futuro “(…) gostava de continuar a tirar o curso de desporto na escola … e continuar a jogar futebol. (…) eu estava a tirar um curso que sempre quis tirar e gostava de poder continuar a tirar, a ir ao futebol que é o meu sonho. (…) quero uma vida boa, uma vida estável, quero ter uma família, mulher, filhos, longe disso tudo que me possa fazer mal. E assim estou a fazer esta carta para pedir transferência desta instituição para a casa dos rapazes no … se fosse possível. E mais uma vez em relação às companhias, nunca mais quero andar com eles, porque eles nunca se preocuparam comigo. E eu quero pessoas do bem que se preocupem comigo e que me levem para caminhos do bem.” Não se trata de aferir da credibilidade de uma qualquer testemunha, foi o próprio JJ quem o disse, deixando registo escrito. Nos dias 01 de outubro de 2020 e 06 de outubro de 2020, JJ não só não queria morrer, como tinha projetos bem definidos para o seu futuro e que poderá igualmente, por maioria de razão, ter verbalizado junto dos restantes jovens do …. Ora, segundo o registo de fugas a fls. 207, após 06 de outubro de 2020, JJ só esteve na instituição no dia 8 em que regressou de uma fuga no dia 07, dia 10 em que regressou de uma fuga no dia 09 e dias 13, 14 e manhã do dia 15, após fuga nos dias 11 e 12. São apenas 4 dias. Não é tempo suficiente para adquirir confiança junto dos jovens e consolidar junto dos mesmos, de forma séria, credível e atendível, uma eventual vontade de morrer. É consabido que o ingresso nas instituições não é fácil e que a aceitação pelo grupo de pares leva o seu tempo, podendo estar sujeita a rituais que resultam plasmados no processo em mensagens escritas – veja-se fls. 449, mensagem entregue por ZZ. Não é crível que em tão curto espaço de tempo, a que acrescem os primeiros 5 dias que JJ esteve na instituição sem fugir, um qualquer jovem da instituição que antes não conhecia JJ, desenvolvesse amizade suficiente para, imbuído de um sentimento de compaixão, o auxiliasse a morrer. Revelando-se assim, o facto descrito em 5, o único a fazer sentido neste contexto, atentas regras de experiência comum, o tribunal validou nesta parte as declarações dos arguidos.

A factualidade descrita nos pontos 6 a 11, 21, 22 e 32, relativa ao crime de homicídio, evidencia o que foi possível extrair das declarações dos arguidos sem colidir frontalmente com a prova material pericial que as balizou e moldou, designadamente os relatórios de autópsia médico-legal e exame de antropologia (alínea b), esclarecimentos dos peritos por escrito (alíneas c) e d) e em audiência, reportagem fotográfica da remoção do corpo (alínea g) e análise e observação da corda e roupa que se encontrava junto ao cadáver (alínea i), k) e w) e, consequentemente, determinou que fossem julgados não provados a factualidade descrita nas alíneas f) a k), n ) e o) dos factos julgados não provados. Da conjugação da autópsia, exame de antropologia, esclarecimentos por escrito e em audiência, pelos peritos, resulta certo e seguro queJJ sofreu uma violentíssima pancada na cabeça antes da morte, que lhe provocou inconsciência e que provavelmente lhe terá provocado morte cerebral, sendo expectável que viesse a morrer só da pancada. Que ainda assim terá sido asfixiado em momento posterior. E só em momento posterior à morte terá sido introduzido no interior do poço. A existência e violência da pancada está perfeitamente marcada no crânio de JJ, designadamente as diástases das linhas articulares e fraturas de ambas as apófises estiloides. Visualmente, veja-se o auto de diligência com reportagem fotográfica (alínea w), mais concretamente as fotografias do crânio de JJ com as fraturas das apófises estiloides assinaladas a fls. 362 e as diástases das linhas articulares assinaladas a fls. 363. Para a explicação mais detalhada da cronologia e causas/efeitos destas lesões traumáticas, pela sua clareza, tecnicidade e assertividade é fundamental ouvir os esclarecimentos do senhor perito médico-legal OO em audiência de julgamento, remetendo-se para os mesmos.

Os arguidos ao negarem qualquer pancada na cabeça de JJ mentiram.

Não foi só neste aspeto que mentiram. A alegada simulação do suicídio não poderá ter ocorrido, ou pelo menos não poderá ter ocorrido da forma descrita. Os arguidos, como que lendo um guião concertado afirmaram em tribunal que AA efetuou com a conivência e a pedido de JJ um movimento de mata-leão a que DD terá presenciado de frente. Momento em que JJ terá urinado e evacuado, facto que detetaram pela humidade à frente e pelo som e cheiro que sentiram. Que após o desfalecimento da vítima, DD terá erguido o corpo, abraçando-o pela cintura e AA terá enfiado o laço, previamente feito, da corda que transportaram e que já teriam pendurado na pernada de um sobreiro. Tal não é possível. O nó na corda é fixo e o diâmetro do laço é demasiado pequeno para a cabeça da vítima poder passar pelo seu interior conforme descrito. Vejam-se elementos probatórios descritos nas alíneas g), i), k), n), em particular no elemento g) a fotografia a fls. 122 e 123 em que se visualiza a corda tal como foi encontrada junto ao corpo. O nó só pode ter sido feito diretamente no pescoço. Ainda que qualquer comum homem médio possa chegar à mesma conclusão, o perito médico-legal foi questionado sobre esta matéria tendo a resposta mantido a clareza, assertividade e tecnicidade que caracterizaram todos os esclarecimentos prestados, recomendando-se uma vez mais a sua audição.

Mas os arguidos não mentiram em tudo, salpicando as suas declarações com pormenores verdadeiros aptos a conferir credibilidade à versão apresentada, como seja o facto do arguido ter evacuado e urinado, tendo inclusivamente afirmado que DD se sujou ao pegar no corpo. É um pormenor inusitado que dificilmente seria inventado. Em primeiro lugar porque os arguidos não têm conhecimentos que lhes permitam conhecer este tipo de reação do corpo humano, em segundo, porque de acordo com o perito médico-legal esta é uma reação comum do corpo humano à lesão sofrida. Mas relativamente ao traumatismo craniano e não relativamente ao estrangulamento. O perito médico foi perentório. Pode ter evacuado e/ou urinado, mas a ter acontecido foi em consequência da forte pancada na cabeça que sofreu e de eventual convulsão que possa ter tido associada e não do estrangulamento. Outro pormenor relevante nesta matéria, foi o facto de ambos terem dito que quando estava a ser estrangulado com um mata-leão, os braços de JJ estavam caídos e inertes. Mesmo num contexto, que não se provou, em que JJ tivesse pedido para morrer e consentisse num estrangulamento, é tão provável que durante o mesmo no período que antecedesse a sua perda de consciência, os seus braços estivessem caídos e inertes, como seria enfiar um qualquer objeto bicudo no olho de JJ sem que ele fechasse o olho em movimento reflexo de defesa. JJ, ainda que não resistisse, apoiaria reflexamente as suas mãos no braço de AA que lhe estivesse a apertar o pescoço. Assim, no pormenor referente aos braços caídos, os arguidos também falaram verdade, mas apenas porque, tal como referiu o perito médico, em momento anterior lhe desferiram uma fortíssima pancada na cabeça que lhe provocou um estado de inconsciência imediata, assim se justificando a prostração e inércia descrita. Saliente-se que não é sequer possível concluir com certeza que JJ não terá tentado sobreviver oferecendo resistência em momento próximo mas anterior a sofrer a pancada na cabeça. Isto porque o vestuário apresenta marcas que levantam a suspeita sobre um hipotético confronto físico. Veja-se elemento probatório w), reportagem fotográfica a fls. 430 e 431, por reporte a fls. 329 onde se vê um casaco propriedade de JJ e que tinha vestido no dia do falecimento e se encontrava junto ao cadáver com rasgões compatíveis com puxões. Termos em que o tribunal julgou não provada a factualidade descrita na alínea n) dos factos não provados.

Analisando toda a prova, conclui-se que os arguidos AA e DD mentiram em aspetos fundamentais quanto ao modo de execução na prática dos factos que levaram à morte de JJ.

Ao fazerem-no comprometeram irremediavelmente a credibilidade da versão que apresentaram e que assim deixou de fazer sentido. Acresce que confrontados com os esclarecimentos do perito que ouviram atentamente sem esboçar um único gesto afirmativo ou de negação, não conseguiram ou não quiseram apresentar qualquer justificação para as incongruências entre a versão apresentada e os resultados da perícia e demais elementos de prova.

Aqui chegados e abalada irremediavelmente a credibilidade da versão apresentada pelos arguidos, ficou impossibilitado o tribunal de concretizar quem é que fez o quê, concluindo inevitavelmente que ambos desejaram o desfecho morte e contribuíram para o mesmo, por terem estado no local, no momento da prática dos factos e com o propósito admitido de matar JJ, tendo desferido forte pancada na cabeça com objeto contundente e plano, porventura com o apoio de superfície também ela plana e dura e após a inconsciência/morte cerebral da vítima, aplicação de pressão no pescoço com intensidade suficiente para provocar asfixia. No mais, só os arguidos saberão o que realmente aconteceu.

No que concerne à motivação, não se convenceu o tribunal da versão apresentada, pelos motivos que alicerçaram a convicção que os demais jovens da instituição não levaram a sério eventuais verbalizações referentes ao desejo de morrer, aconselhando JJ a colocar de lado esses pensamentos. Não havia afinidade suficiente. Falta de afinidade que AA admitiu em julgamento “Não tínhamos proximidade nenhuma”. Ora não se pede a um estranho que o mate e, mais improvável é que alguém aceite o pedido de um estranho para o matar e que o faça num espírito de compaixão e altruísmo. E ainda que por algum motivo os arguidos tivessem efetivamente desenvolvido amizade suficiente para tornar em abstrato possível a versão que construíram e apresentaram em tribunal, jamais teriam partilhado os bens de JJ como se dum saque se tratasse, pois que incompatível com o contexto de sofrimento, compaixão e altruísmo relatados. Até porque se a intenção inicial era simular um suicídio, bem saberiam, mesmo sem conhecimentos específicos em matéria de direito das sucessões que manifestamente não tinham, que os bens de JJ pertenceriam aos familiares mais próximos.

Daí que todo o planeamento e intenções relatados não tenham sido dados como provados, assim se justificando a matéria de facto não provada descrita nas alíneas a) a d) e f) a k), n) e o).

No que concerne à alínea e) a factualidade descrita pelos arguidos em abstrato conjuga-se com o estado de espírito de JJ evidenciado no elemento probatório cc), relativo às mensagens trocadas com RR na véspera da morte, constante a fls. 323 e 324. Por um lado, despede-se implicitamente dizendo que gostou muito de os conhecer, mas por outro, pede por favor para irem à sua procura e para levarem o INEM. Presume-se que antevia que algo de mal lhe pudesse acontecer, mas manifestamente pretendia ser encontrado e salvo. É insuficiente para concluir por uma concretização fáctica similar à descrita pelos arguidos e plasmada na acusação. Por outro lado, é mais do que suficiente para concluir que JJ não quereria viver nos termos em que se encontrava, mas manifestamente também não queria morrer. Pretendia tão só, que as pessoas que lhe fossem mais próximas o retirassem do … e, com exceção da mãe, o acolhessem no seu agregado familiar. Num contexto já inúmeras vezes salientado de perda de credibilidade da versão apresentada pelos arguidos, o tribunal julgou não provada a factualidade conforme descrito nas alíneas e) e n) da matéria de facto não provada.

O tribunal alicerçou a convicção na prova da factualidade descrita nos pontos 12 a 15, relativa ao crime de profanação de cadáver, com base no mesmo princípio. Comprometida a credibilidade dos arguidos, julgou-se a factualidade de acordo com as suas declarações desde que corroboradas por outros elementos probatórios e, no mais, alicerçada na prova pericial e documental junta aos autos.

Na versão dos arguidos, em tudo idêntica, deixaram o corpo pendurado regressando ao local no dia seguinte e constatando que estava a chegar com os pés ao chão, temeram que não acreditassem no suicídio que tentaram simular, pelo que decidiram ocultar o corpo, retirando-o do sobreiro em que o penduraram. Para tanto, de acordo com a descrição igual que fizeram, DD cortou a corda com um isqueiro junto ao nó que se encontrava na parte de trás do pescoço de JJ. Ou seja, queimaram a corda na extremidade que se encontra junto ao nó do laço. Atente-se no elemento de prova n) exame pericial, realizado pelo laboratório de polícia científica da Polícia Judiciária de observação da corda e laço que esteve atado no pescoço de JJ e foi encontrado junto ao cadáver. A fls. 804 refere o seguinte quanto ao item 1 “a corda de cor verde encontrada junto do cadáver apresentava cerca de 3m de comprimento, um nó com laçada num dos extremos e vestígios de solo ao longo de todo o comprimento. O extremo mais próximo da laçada apresentava os extremos das fibras com características que sugeriam ter sido obtidos por corte e possivelmente tração. O outro extremo apresentava extremidades de fibras de comprimentos aproximadamente iguais e fundidos, sugerindo ter sido cortado com lâmina e sujeito à ação de uma chama.” Em suma, a extremidade da corda que pode ter sido cortada por ação da chama de um isqueiro não foi a próxima da laçada e do pescoço de JJ, conforme relatado pelos arguidos, mas a extremidade oposta, inviabilizando também nesta parte a versão apresentada. Assim o tribunal julgou a matéria de facto provada de acordo com o que resultou evidente da remoção do corpo. Que o mesmo foi introduzido no interior do poço e tapado com terra nos dias seguintes. Vejam-se fotografias mais próximas de ambas as extremidades da corda em elemento de prova w), mais concretamente fls. 429. No mais, não se convenceu pela prova dos factos descritos nas alíneas l) e m) dos factos não provados.

O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita nos pontos 16 a 18, com base no depoimento de LL e KK que nesta parte prestaram um depoimento credível e espontâneo. Veja-se inclusivamente que a data dos factos coincide com os dias seguintes à descoberta do corpo (6 dias) e com o dia seguinte à prestação de declarações neste processo de LL, compatibilizando-se com a instabilidade emocional e agressividade de AA relatadas à data pelo … e em julgamento por esta testemunha.

No que concerne à factualidade descrita nos pontos 19 e 20 o tribunal formou a convicção nas declarações do arguido GG que o admitiu, justificando que estava enraivecido e que factos similares aconteciam naquela instituição todos os dias.

A factualidade descrita nos pontos 21 a 30, relativa ao processo de intenções com que todos os arguidos atuaram na prática dos factos resulta necessária da conjugação de toda a restante prova com regras básicas de experiência comum e normalidade da vida num contexto em que nenhum dos arguidos padece de défice cognitivo que lhes limite a capacidade de distinguir o certo do errado, o lícito do ilícito e, acima de tudo, a capacidade de se determinarem de acordo com essa avaliação. Saliente-se quanto ao crime de homicídio, que a simples prática do crime de profanação de cadáver é sintomático do conhecimento pelos arguidos AA e DD da ilicitude dos factos que praticaram contra JJ e das suas reais consequências. Os parâmetros de psicopatia em que ambos pontuaram nas respetivas perícias à personalidade não lhes limita nem a capacidade de avaliação do ilícito, nem de se determinarem de acordo com essa avaliação. A fraca capacidade de tolerar a frustração de que ambos efetivamente padecem, com maior incidência para AA, poderá ser limitativa em reações a estímulos inesperados e repentinos, não interferindo nos casos, como nos presentes autos, em que os arguidos refletiram no ato de matar por mais de 24 horas.

O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita no ponto 31 com base no depoimento de NN, conjugada a discrepância anímica evidenciada entre as mensagens enviadas para o pai de NN no dia 01 de outubro de 2020 e do pedido manuscrito para mudança de instituição datado de 06 de outubro, com as mensagens trocadas com a irmã a partir de 07 de outubro e, especialmente, na véspera da morte.

A factualidade descrita no ponto 33 dos factos provados foi confessada pelos arguidos.

O tribunal formou a convicção na prova da factualidade descrita no ponto 34 com base no depoimento prestado pela testemunha LL que de forma convicta e credível o afirmou. Os próprios arguidos, não contrariaram esta factualidade.

Os pontos 35 a 66 da matéria de facto encontram-se alicerçados nas perícias psicológicas realizadas aos arguidos AA e DD, na informação remetida pela Associação … sobre DD e no relatório social realizado ao arguido GG que expressamente consentiram na utilização do respetivo teor para efeitos de prova.

Os antecedentes criminais e de medidas tutelares educativas foram julgados provados com base nos respetivos certificados juntos aos autos, assim se fundamentando a prova dos pontos 67 a 73 da matéria de facto.

Por fim a total ausência de prova sobre a matéria em causa, determinou a não prova da factualidade descrita na alínea p) da factualidade não provada. (…)”

*

A análise da motivação da convicção probatória que acabámos transcrever não só revela que os julgadores valoraram as declarações dos arguidos, a prova pericial, os documentos juntos aos autos e todos os depoimentos produzidos em audiência, o que lhe permitiu formar convicção segura relativamente ao acervo factológico tido por provado, mas também que a alegação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alíneas a) do nº 2 do artigo 410º do CPP é totalmente insustentada.

Consignamos que absolutamente nenhuma razão assiste ao recorrente ao pôr em causa e pretender infirmar o juízo probatório com base na circunstância de as declarações dos arguidos terem sido simultaneamente tidas em conta para sustentar a prova de alguns factos, não lhes tendo sido reconhecida credibilidade para justificar a prova de outros, conquanto, obviamente, nada impede que, com as devidas justificações – como se verifica ter sucedido na situação dos autos – se valorem diferentemente as diversas partes de uma mesma declaração. Com efeito, o tribunal recorrido explicou muito bem as razões pelas quais decidiu descredibilizar determinadas partes das declarações dos arguidos. Desde logo porquanto, assumida que foi pelos mesmo a vontade de matar e a concretização de tal vontade, a análise global da prova, que incluiu a valoração da prova pericial, demonstrou que a execução do crime não poderia ter ocorrido nos termos declarados pelos arguidos. Perante tal constatação, o tribunal fez, a nosso ver, o que se lhe impunha fazer, ou seja, conjugou as declarações dos arguidos – que quanto à autoria da morte se revelaram confessórias – com o que resultou do rigor científico da prova pericial no que tange ao modo de execução do ato de matar, modo que os arguidos deliberadamente não terão querido confessar. (3)

Por outro lado, parece-nos evidente ser o recorrente quem – fazendo uma leitura sincopada das declarações dos arguidos – tenta branquear o facto incontornável de por ambos ter sido admitida a sua participação na morte da vítima. Afigura-se-nos, aliás, absolutamente destituída de razoabilidade a alegação do recorrente no sentido de que “(…) a solução do Tribunal a quo foi simples e, naturalmente, meritória da nossa discordância, pois que bastou-se pela presunção de que se ambos os arguidos estiveram presentes no momento da morte da vítima, então foram os dois autores do respectivo crime de homícidio.

No entanto, não só tal não resulta de qualquer declaração ou depoimento produzido em sede de audiência de discussão e julgamento, como o que resulta é exactamente o contrário, ou seja, que a actuação do arguido DD não contribuiu em nada para a morte do JJ.(…)” ou ainda quando refere que “(…) O que resulta da prova produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento, no que a este arguido diz respeito, é que a sua actuação resumiu-se a acompanhar a infeliz vítima mortal e o arguido AA ao local dos factos, e a presenciar o que aí se passou, até ao momento em que efectivamente interveio, já após a asfixia e morte do JJ.(…)”. Essa sim se nos afigura ser uma apreciação discricionária da prova por oposição à análise objetiva e contextualizada da mesma revelada na decisão recorrida, conquanto se apresenta como insofismável que – não obstante terem referido que o fizeram a pedido da vítima – ambos os arguidos assumiram nas suas declarações terem decidido matá-la e terem atuado concertadamente no sentido de lograr alcançar tal propósito.

Registamos ainda que o recorrente teceu várias considerações sobre a prova indireta ou por presunção, defendendo que o tribunal recorrido recorreu à mesma sem respeito dos respetivos pressupostos legais, nenhum mérito se reconhecendo a tal argumentação.

Consabidamente, a convicção probatória não se sustenta apenas na prova direta. A prova indireta ou por presunção é legítima, realizando-se por ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil). Assim tem sido reconhecido por várias instâncias superiores, designadamente pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Com efeito, pese embora o CPP não contenha normas específicas reguladoras da prova por presunção, a mesma é pacificamente aceite como um meio legítimo para chegar ao facto probando a partir da prova de outros factos que a ele conduzem com segurança, o que deverá ser feito sempre com auxílio das regras da lógica e da experiência comum.

A respeito de tal prova, pela sua relevância na doutrina recente, citamos Susana Aires de Sousa que, a tal respeito, escreveu que «a prova indireta de um facto consiste em dar esse facto como provado sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova. O factum probandum presume-se e dá-se como provado. Sendo o facto presumido contrário ao arguido, é dever do juiz objetivar o juízo de inferência por si realizado, superando, por essa via, a presunção de inocência de que é titular um arguido em processo penal (…) Na medida em que o facto conhecido (base da presunção) não prova mas antes indicia o facto presumido, a convicção probatória do julgador, admitida pelo artigo 127.º está sujeita ao dever acrescido de fundamentação nos termos do artigo 374.º, n.º 2.» (4)

É, pois, através da motivação que o julgador torna clara a razão pela qual se convenceu da verificação dos factos que teve por provados através do juízo de inferência lógica, para além de qualquer dúvida razoável, legitimando desse modo a sua decisão. E foi isso que fez o tribunal “a quo” no acórdão recorrido. Todas as questões colocadas pelo recorrente DD encontram na fundamentação da decisão de facto constante do acórdão recorrido resposta cabal, lógica, convincente e alinhada as regras da experiência comum. Naturalmente que as explicações constantes do acórdão não se mostram do agrado do recorrente. É certo que, conforme o mesmo refere na sua motivação, nenhum dos arguidos atestou o modo de execução do crime descrito nos factos provados, inexistindo, por isso, prova direta de tais factos em concreto. Porém, consabidamente e reiterando o que acima deixámos já explanado, a convicção probatória não se sustenta apenas em tal tipo de prova. Outras formas, igualmente válidas, existem e deverão ser tidas em consideração no processo de convencimento do julgador, tais como a valoração da prova indireta, que o recorrente parece não valorar.

No caso dos autos, foi precisamente dos factos de teor objetivo relativos às lesões encontradas no corpo da vítima e relativos às causas da morte atestados pelo relatório de autópsia e pela demais prova pericial constante dos autos, que o tribunal “a quo” extraiu as inferências relativas à execução do ato de matar que descreveu nos factos provados. E pensamos que bem, pelas razões atinentes à valoração da prova indireta que, de forma clarividente, explicitou na motivação do seu juízo probatório, que acima transcrevemos, e que aqui novamente convocamos. A este propósito, revelaram-se muito relevantes os esclarecimentos prestados em audiência pelo senhor perito médico, analisados em conjugação com os relatórios da autópsia médico-legal de fls. 997 e 1072, que permitiram concluir que, não obstante a morte de JJ se ter ficado a dever a asfixia mecânica, o seu corpo ostentava lesões traumáticas cranianas, que foram provocadas de forma violenta no período que antecedeu aquela asfixia. (5)

*

A propósito da invocação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previstos na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do CPP, descortinamos na motivação do recurso as seguintes alegações (6):

“(…)a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro na apreciação da prova.

(…)Como se vê, entendeu o Tribunal a quo que as declarações confessórias dos arguidos, conjugadas com o relatório pericial de identificação genética individual levam à conclusão que foram os arguidos os autores da morte do JJ.

Ora, desde logo cumpre dizer que o Tribunal a quo não especifica nem destrinça nas declarações dos arguidos, aquilo que cada um deles admite ter feito, antes encarando ambas as declarações como um todo e entendendo-as como uma confissão da morte da vítima, quando efectivamente não foi assim que sucedeu e não é isso que resulta das declarações.

De facto, e previamente à análise da veracidade ou não das declarações dos arguidos, não é possível ignorar que nas versões apresentadas por ambos os arguidos são relatados os actos e actuações de cada um deles, não sendo de todo verdade que o arguido DD tenha confessado em algum momento ter perpetrado ou causado a morte do JJ, tal como o arguido AA nunca referiu em momento algum das suas declarações que o arguido DD tenha perpetrado ou causado a morte do JJ ou praticado qualquer acto com esse fim.

No entanto, o Tribunal a quo chegou a essa conclusão - mal, salvo o devido respeito e em nossa opinião - e a partir daí fez uma interpretação totalmente presumida e sem qualquer base factual, diga-se, daquilo que foi a actuação do arguido DD.

Com efeito, e passando agora a um momento posterior da análise das declarações dos arguidos, já contrapostas com os elementos de prova periciais, o Tribunal a quo concluiu, como já visto, que ambos mentiram quanto ao modo de execução do acto de matar.

Ora, perante tal conclusão, competia necessariamente ao Tribunal a quo apurar os factos em que ocorreu a morte da vítima, dando-os como provados. Se, em relação aos factos dados como provados com base na prova pericial nada haja a apontar, dada a natureza técnica dessa prova, já quanto aos factos relativos à participação de cada um dos arguidos e ao elemento subjectivo do crime de homicídio, não se pode deixar de apontar ao Tribunal a quo os erros aí cometidos, salvo o devido respeito.

Concretamente, e como já supra referido, o Tribunal a quo entendeu que ambos os arguidos mentiram quanto ao modo de execução da morte e desvalorizou totalmente as suas declarações quanto a isso, por entender que não eram credíveis, não restando qualquer prova quanto ao que foi a participação e actuação efectiva de cada um dos arguidos. Perante isso, a solução do Tribunal a quo foi simples e, naturalmente, meritória da nossa discordância, pois que bastou-se pela presunção de que se ambos os arguidos estiveram presentes no momento da morte da vítima, então foram os dois autores do respectivo crime de homícidio.

No entanto, não só tal não resulta de qualquer declaração ou depoimento produzido em sede de audiência de discussão e julgamento, como o que resulta é exactamente o contrário, ou seja, que a actuação do arguido DD não contribuiu em nada para a morte do JJ.

Mesmo admitindo o entendimento do Tribunal a quo de que os arguidos terão mentido quanto à execução da morte, tal não significa de per si que o arguido DD tenha morto o JJ, tenha participado na morte deste ou contribuído para que a mesma acontecesse.

(…)

Portanto, é o próprio Tribunal a quo a admitir que, estando - em sua opinião - impossibilitado de concretizar quem é que fez o quê, concluiu que ambos os arguidos quiseram e contribuíram para a morte do JJ, sendo suficiente para tal conclusão o facto de estarem no local no momento da práctica dos factos e com o propósito admitido de matar o JJ. E segue o Tribunal a quo, conforme supra citado, entendendo que ambos os arguidos desferiram forte pancada na cabeça com objeto contundente e plano, porventura com o apoio de superfície também ela plana e dura e após a inconsciência/morte cerebral da vítima, aplicação de pressão no pescoço com intensidade suficiente para provocar asfixia, apesar de, mesmo em relação à asfixia da vítima ter resultado de ambas as declarações dos arguidos que o arguido DD não teve qualquer participação ou actuação na mesma.

Ora, aqui, quanto à asfixia, tal como quanto ao demais da factualidade conducente à morte do JJ, o Tribunal a quo, ignorou em absoluto as declarações dos arguidos e as relatadas diferenças na actuação de cada um deles, optando expressamente por considerar que ambos terão praticado os actos que levaram à morte da infeliz vítima. Desse modo, ao dar como provados os pontos 6. a 11. (fls. 05 a 07 do douto Acórdão recorrido), no que ao arguido DD diz respeito, o Tribunal a quo fê-lo sem ter matéria suficiente para assim decidir e apreciando erroneamente a prova produzida, já que o facto dos arguidos terem eventualmente mentido quanto à factualidade da execução da morte do JJ não significa, automática e necessariamente, que a participação do arguido DD tenha sido causadora, motivadora ou influenciadora da referida morte, contrariamente à conclusão do Tribunal a quo.(…).”

Salvo o devido respeito, carece absolutamente de sentido a alegação transcrita. O vício imputado ao acórdão recorrido previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ocorre nas situações em que a simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir que a matéria de facto provada na sentença não suporta a decisão de direito, quer quanto à culpabilidade quer quanto à determinação da pena. Ou seja, dito de outro modo, tal vício verifica-se quando a conclusão a que se chega não é suportada pelas respetivas premissas, isto é, quando a matéria de facto apurada não é a suficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. E tal sucede não só quando os factos dados como provados não permitem concluir se o arguido praticou ou não um crime, mas também quando de tais factos não constam todos aqueles que foram tidos em consideração para a verificação de causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da imputabilidade do arguido ou para a graduação da medida da pena. (7) Vertendo ao caso concreto, diremos que, considerando o elenco dos factos provados e a sua subsunção ao direito, não descortinamos a existência do aludido vício, uma vez que a matéria de facto apurada se revela absolutamente suficiente para fundamentar a decisão final. Efetivamente, a decisão recorrida deu como provados todos os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito penal de homicídio qualificado pelo qual o arguido foi condenado e que se encontra questionado no recurso. Nem compreendemos, aliás, a alegação do recorrente acima transcrita para fundamentar o vício que agora apreciamos. A discordância do recorrente quanto aos factos tidos por provados poderia eventualmente sustentar a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º do CPP, que, conforme acima explanámos, nos encontramos impedidos de conhecer atendendo à preterição dos requisitos formais estabelecidos por tal preceito, não suportando, de todo, a alegação da existência do vício previsto ao artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP. (8) Improcede, pois, claramente o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado pelo recorrente.

* Invoca ainda o recorrente que no acórdão recorrido o tribunal “a quo” desrespeitou os princípios do “in dubio pro reo” e da presunção de inocência. Como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu artigo 1.º, estabelece a Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais o direito à liberdade (artigo 27.º, nº 1) e o princípio da presunção de inocência dos arguidos, plasmado nos artigos 32.º, nº 2.º e 27.º, nº 1.º. O princípio da livre apreciação da prova a que se refere o artigo 127.º CPP, constitui uma concretização do princípio da presunção de inocência – maxime na sua dimensão in dubio por reo – que encontra referência normativa expressa no artigo 6.º, nº 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 14.º, nº 2.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Retenhamos, porém, que «o princípio da presunção de inocência excede em significado e consequências o princípio in dubio pro reo, constituindo este apenas um critério de decisão em caso de dúvida quanto à verificação dos factos» ou seja, uma «regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos».

De acordo com tal regra, que inevitavelmente se conexiona com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, determina-se que a dúvida seja resolvida a favor do réu. O seu âmbito reconduz-se, pois, à valoração pelo julgador de toda a prova produzida. Se o resultado desse processo de valoração for uma dúvida – uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos – o juiz terá que decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável. Voltando ao caso em apreciação nos presentes autos, verificamos que os princípios explanados se mostram devidamente observados. Efetivamente, analisado o acórdão recorrido, constata-se que, após o processo de valoração da prova não subsistiu aos julgadores qualquer dúvida razoável que impusesse a aplicação do princípio do in dubio pro reo. Levando em conta as razões descritas na motivação da decisão recorrida e as considerações que deixámos expostas, somos a concluir que da valoração da prova produzida não surgiu o non liquet, que, por aplicação do aludido princípio, determinaria que alguns dos factos considerados provados devessem ser julgados não provados, pelo que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não foi desaplicado o princípio do in dubio pro reo, nem vulnerado o artigo 32º da CRP.

*** B) Do erro de julgamento em matéria de direito

- Da qualificação jurídica dos factos e da sua subsunção ao crime de homicídio qualificado pelo qual o recorrente foi condenado. (recurso do arguido DD)

Propugna o recorrente que a factualidade a seu ver apurada nos autos não permite concluir pela prática do crime de homicídio qualificado pelo qual foi condenado, pelo que deveria ter sido absolvido. Ora, considerando que tal argumentação assenta na impugnação da decisão quanto à matéria de facto, a improcedência de tal impugnação, nos termos sobreditos, prejudica, obviamente, a sua apreciação.

Não podemos, porém, deixar de registar que a convocação no recurso da figura do “auxílio moral” se nos apresenta totalmente injustificada e insustentada, conquanto os factos provados nos colocam no plano da coautoria, que pressupõe uma decisão conjunta e uma execução conjunta. Vejamos.

Encontramos a previsão do crime de homicídio qualificado pelo qual o recorrente foi condenado nos artigos 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2 alínea j) do CP, que dispõem da seguinte forma:

“Artigo 131.º

Homicídio

Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.

Artigo 132.º

Homicídio qualificado

1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.

2 - É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

(…)

j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;”

Por seu turno, a regulamentação das formas de autoria, entre as quais se inclui a coautoria, tem assento legal no artigo 26º do CP, que estatui:

“Artigo 26.º

Autoria

É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”

*

Ora, como está bom de ver, as considerações do recorrente atinentes à qualificação jurídica dos factos como “auxílio moral” pressuporiam uma alteração factológica, que, face à improcedência da impugnação da matéria de facto tida por provada, manifestamente não ocorre. Com efeito, a sequência dos factos provados evidencia que o recorrente DD não só decidiu conjuntamente o arguido AA praticar o crime de homicídio qualificado pelo qual foi condenado, como o executou em conjunto com aquele, conforme resulta em particular dos factos que, por facilidade de exposição, passamos a transcrever, assinalando a negrito os que concretamente descrevem os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal praticado sempre sob a forma de coautoria:

“6. Pelo contrário, AA e DD, por motivos não concretamente apurados, conscientes da fragilidade psicológica em que se encontrava JJ, decidiram no dia 13 de outubro de 2020, matá-lo, iniciando naquela data a elaboração de um plano com vista a concretizar o objetivo.

7. No dia 14 de outubro de 2020 os arguidos AA e DD ultimaram o plano que previa pelo menos, a morte por asfixia mecânica, guardando um pedaço de corda de nylon dos muitos que existiam junto ao armazém onde eram acondicionadas as ferramentas, alfaias e demais objetos utilizados na instituição para as atividades hortícolas e de exterior.

8. No dia 15 de outubro de 2020, cerca das 09h00m, depois de terem tomado o pequeno almoço, DD e AA, já na posse do pedaço de corda descrito em 7 e de outro instrumento contundente não concretamente apurado, saíram das instalações na companhia de JJ, através de um buraco que existia na rede, em direção a uma zona de mato contígua ao ….

9. Após caminharem durante alguns minutos no exterior da instituição e a coberto das árvores e vegetação ali existente, com recurso à conjugação de objeto/instrumento plano e contundente não concretamente apurado e, superfície plana e dura não apurada, foi desferida forte pancada na cabeça de JJ que ficou inanimado.

10. Após, em moldes e ordem cronológica não concretamente apurada, foi atada a corda à volta do pescoço de JJ, mediante a utilização de um nó fixo e exercida força no pescoço da vítima que, já inconsciente, asfixiou.

11. A conduta dos arguidos descrita nos pontos 9 e 10 da matéria de facto, provocou lesões traumáticas cranianas, designadamente diástases das linhas articulares e fraturas de ambas as apófises estiloides que foram causa direta e necessária da morte de JJ.”

Perante tal descrição factual, contrariamente ao defendido no recurso, nenhuma dúvida poderá restar de que a atuação do recorrente DD, em conjunto com o coarguido AA, se traduz numa coautoria, definindo-se esta justamente – conforme se extrai da sua base normativa plasmada no artigo 26.º do CP – por ser também punido como autor quem “tomar parte direta na execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outros”. De tal previsão legal resulta serem elementos da coautoria a decisão conjunta e a execução conjunta dos factos, identificando-se a primeira como a componente subjetiva e a segunda como a componente objetiva.

Sobre estas componentes refere Figueiredo Dias (9), que a primeira “(…) não pode bastar-se – apesar das palavras equívocas usadas pela nossa lei – com o mero acordo dos comparticipantes, tendo todavia ele, naturalmente, de existir (…) Tudo acaba por recair, em suma no significado externo de que a realização acordada se reveste, nomeadamente nas características do papel ou da função que a cada autor é distribuído na execução total do facto. Este deve surgir por forma que o contributo de cada um para o facto apareça não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como uma parte da atividade total. E, correspondentemente, as ações dos outros se revelem como um complemento da sua participação própria. Nesta medida não ficará a priori excluído que o referido acordo possa ser apenas “implícito” – sempre que a situação externo-objetiva só possa ser interpretada como ajuste espontâneo num comportamento comum (…) Essencial é a ideia segundo a qual o princípio do domínio do facto se combina aqui com a exigência de uma repartição de tarefas, que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição.” O planeamento de um crime por duas ou mais pessoas, constituindo uma decisão conjunta, é da responsabilidade de todos os decisores. E havendo execução por todos do plano previamente traçado, tal execução conjunta, que assume a forma de comparticipação, responsabiliza cada um dos executantes como coautores. Assim se delimitam os contornos normativos da coautoria nos quais inteiramente se enquadram as condutas imputadas ao recorrente DD na decisão recorrida e que se encontram claramente descritas no acervo factológico tido por provado. Resta concluir que, com as suas condutas, o recorrente preencheu todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º n.º 1 e 2 alínea j) do CP, crime que praticou em coautoria com o arguido AA, pelo que se manterá a sua condenação por tal crime, improcedendo o recurso também nesta parte.

*

Quanto aos princípios e regras legalmente previstos para a determinação das medidas das penas.

(recursos de ambos os arguidos)

Ambos os recorrentes põem em causa as medidas concretas das penas de prisão que lhes foram aplicadas, alegando a sua excessividade (10). Analisemos então se lhes assiste razão. Conforme é amplamente aceite pela jurisprudência dos tribunais superiores, o sistema de recursos no processo penal português tem como escopo a correção dos erros ocorridos na primeira apreciação judicial dos factos e na sua subsunção ao direito. Daqui resulta que no caso dos recursos sobre a pena ou sobre a medida da pena aplicada na decisão recorrida, ao tribunal ad quem caberá tão somente verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam tal matéria, só devendo intervir na escolha da pena e da sua medida concreta quando detetar incorreções no processo da sua determinação, quer ao nível da valoração factual, quer no que diz respeito à aplicação das normas legais que regem a matéria em causa. Tal sindicância não abrange, pois, a fiscalização do quantum exato de pena, na perspetiva da realização de uma nova determinação da mesma, devendo manter-se a pena concretamente aplicada sempre que se verifique que a sua fixação assentou numa correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais e que, consequentemente, não se revela desajustada, nem desproporcionada. Estabelecida a margem de atuação deste tribunal da Relação no presente recurso, será importante recordar os princípios basilares e orientadores da matéria que temos em análise. Assim, estabelece o artigo 40º do CP que a finalidade das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator. A medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP. Tendo como balizas a culpa – que constitui o limite máximo – e a prevenção geral – que coincide com o limite mínimo – a medida concreta da pena determinar-se-á de acordo com as necessidades de prevenção especial. A determinação da medida da pena deverá, pois, ser feita tendo em conta a culpa do agente, observadas as exigências de proporcionalidade entre a pena e o crime, o princípio de necessidade e dignidade penal, bem como as finalidades de prevenção específica e geral, tutelando de forma efetiva o bem jurídico. Realizado o enquadramento normativo, analisemos então as circunstâncias do caso em apreço e, bem assim, o processo de determinação das penas concretas realizado pelo tribunal a quo, na perspetiva da realização da sindicância com a abrangência acima delineada. Devemos em primeiro lugar atentar na factualidade provada, na qual se descrevem as várias atuações do recorrente, as consequências das mesmas, o contexto em que ocorreram e as suas motivações e, bem assim, os elementos relativos às condições pessoais daqueles. Alegam os recorrentes neste temário, nas conclusões dos seus recursos (11) que: (recurso do arguido AA ) “(…)“1- A pena aplicada ao arguido mostra-se excessiva, tendo em conta os parâmeros legais que deverão ser considerados aquando da aplicação concreta da sanção, violando o disposto nos art.º s 40ºe 71º do C. Penal devendo, por isso serem reduzidas.

2- 02- A não aplicação ao arguido do Dec. Lei n.º 401/82, Regime Geral para Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, viola a reintegração do arguido/recorrente na sociedade. (…)

37-O arguido entende que a pena única aplicada em cúmulo jurídico de 17 (dezassete) anos de prisão, é exagerada.

38- Pelo tocante à determinação da medida concreta da pena, foi feito um percurso teórico-jurídico, a abranger, além do mais, o seguinte: a culpa e a prevenção; as finalidades das penas; e as exigências de prevenção.

39-Interessa aqui ponderar: a conduta do arguido e o facto de ele ser unicamente responsável pelo facto em que supostamente quis cooperar – e não pelo excesso; a personalidade positiva do arguido; a circunstância de se mostrar inserido social e familiarmente;

40-O arguido/recorrente deve ver diminuída a medida da pena aplicada para o mínimo legal exigido por Lei.

41- Normas Jurídicas violadas, artigos 40.º e 71.º do Código Penal. (…)”

(recurso do arguido DD) “(…) PP) Logo, deveria ser fortemente considerado na medida da pena aplicada, por via dos art.os 70º e 71º do Código Penal, o facto de o recorrente ser primário, quer em crime desta natureza, quer em quaisquer outros;

QQ) Assim não sucedeu, tendo o Tribunal a quo sido, com o devido respeito, incompreensivelmente excessivo na punição do recorrente, o que fica claramente demonstrado com as penas aplicadas a um arguido jovem que não tem qualquer antecedente criminal seja de que natureza for;

RR) Não se consegue vislumbrar em que medida é que penas assaz gravosas para o arguido, que culminam com a pena única de quinze anos e quatro meses de prisão – igualmente gravosa – podem ter qualquer efeito de ressocialização de um arguido jovem que é, até à data, completamente primário;

SS) Tais punições são demasiado gravosas e vão contra a equidade e o próprio fim das penas, podendo até, eventualmente, produzir um efeito nefasto e desfavorável à ressocialização do arguido que, apesar de todo o processo, mantém a sua integração familiar e social, com bom aproveitamento e resultados escolares e com objectivos de vida, mostrando até uma evolução claramente favorável nos seus comportamentos, socialização e integração na sociedade;

TT) Atendendo a tudo o exposto, bem como à personalidade do recorrente, às suas condições de vida e à sua conduta na sociedade, tudo devidamente ponderado, seria suficiente a aplicação de uma pena não tão pesada e gravosa, dentro daquilo que é efectivamente suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção gerais e especiais, e permitir ao mesmo tempo a futura reabilitação do arguido na sociedade, sendo uma pessoa perfeitamente capaz de estar integrada em sociedade, sendo ainda esforçado, cumpridor, trabalhador e capaz de transmitir aos outros as suas experiências, quer positivas quer menos positivas, contribuindo também assim para uma melhor vida em sociedade, tudo conforme consta do relatório social junto aos autos;

UU) Como o próprio Tribunal a quo refere, não deverá aplicar-se uma pena demasiado elevada que limite drasticamente as possibilidades de reinserção social do arguido e de concretização dos respetivos projetos de vida, assegurando-se, ao mesmo tempo, a satisfação suficiente das necessidades de prevenção geral, transmitindo-se à sociedade que os jovens imputáveis não podem atentar contra o bem jurídico vida, sendo as consequências muito nefastas para as suas esferas jurídicas, caso o façam;

VV) Considerando a idade do arguido DD, as demonstrações evidentes e claras do seu comportamento positivo desde a data dos factos em causa e a sua reintegração na sociedade com possibilidade de alcançar e cumprir os seus objectivos de vida, será adequada e suficiente a aplicação de uma pena fixada no seu limite mínimo.”

* Não lhes assiste, porém, a nosso ver, razão. Efetivamente, ao contrário do que os recorrentes pretendes fazer crer, todas as circunstâncias acima enunciadas, foram tidas em conta o acórdão recorrido, quer para justificar a não aplicação do regime especial para jovens previsto no Decreto-lei 401/82 de 23 de setembro, quer para determinar as penas parcelares e a as penas únicas aplicadas a ambos os recorrentes, conforme claramente se atesta pela leitura das considerações aí tecidas no que tange à determinação das medidas das penas e que passamos a transcrever: “(…) Quanto ao crime de ameaça agravada imputado a AA, é de concluir por necessidades de prevenção geral muito elevadas e de prevenção especial elevadas. Apesar do aparente distanciamento, o crime encontra-se conectado com o homicídio de JJ, pois foi praticado poucos dias depois da descoberta do corpo, em que ao invés de se conter, interiorizando a culpa, o arguido teve manifestações de agressividade e instabilidade. Olhando os factos à data de hoje, conjugando-os com os praticados no mesmo momento e julgados no processo 62/21.7…J… do Juízo Local Criminal de …, cuja apensação se determinou, percebe-se que o arguido fez uma alusão implícita ao homicídio de JJ, ao referir a KK que a atiraria pela janela e diria que foi ela que pediu. Alusão que à data as ofendidas ainda não conheciam que iria fazer parte da versão dos factos apresentada pelos arguidos, mas poderá indiciar os foros de seriedade com que foi pelo arguido proferida. O mesmo se referindo à ofendida nestes autos que tinha prestado as suas declarações no processo, apenas no dia anterior. Dado o contexto apontado na prática dos factos, deverá o arguido AA ser condenado em pena de prisão pela prática do crime de ameaça agravada.

* No que concerne ao crime de profanação de cadáver, praticado por AA e DD, o mesmo foi feito num intuito de ocultação de um crime de homicídio qualificado. Acresce que persistiram na conduta por vários dias na tentativa de eliminarem o efeito do cheiro que percecionaram como denunciador da localização do cadáver que queriam ocultar e do crime de homicídio que praticaram. As necessidades de prevenção geral são muito altas, sendo socialmente intolerável a aplicação de uma pena de multa neste contexto. As necessidades de prevenção especial são mais baixas, mas ainda elevadas, atenta a colaboração mitigada dos arguidos e perceção de uma recente adoção de condutas conformes ao direito, sem prejuízo de ambos apresentarem características de personalidade impulsivas e de baixa tolerância à frustração, com especial incidência para AA. Deverão ambos os arguidos AA e DD ser condenados pela prática de um crime de profanação de cadáver em penas de prisão.

* V – REGIME ESPECIAL PARA JOVENS Dispõe o artigo 1.º do Decreto-lei 401/82 de 23 de setembro que o diploma se aplica a jovens que tenham cometido facto qualificado como crime, sendo que nos termos do n.º 2 do aludido diploma é considerado jovem quem à data da prática do crime tiver completado 16 anos sem ter atingido os 21 anos. Os arguidos AA, DD e GG à data da prática dos factos que lhes foram imputados encontravam-se nesta faixa etária. Conclui-se que atendendo à idade dos arguidos, deve o tribunal ponderar a sua eventual aplicação. O artigo 4.º dispõe que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º (…) do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Temos por isso dois critérios objetivos de aplicação: 1. Ser aplicável pena de prisão. 2. O tribunal tiver sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. É de afastar ab initio a aplicação do regime ao arguido GG, uma vez que ao mesmo não será aplicada pena de prisão. Os arguidos AA e DD preenchem o primeiro critério objetivo de aplicação pois que serão ambos condenados em penas de prisão. A verificação do segundo requisito impõe à priori um juízo de prognose relativo à conduta futura dos arguidos, estando por isso assente em necessidades de prevenção especial. Aplica-se este instituto quando a mera aplicação deste regime mais favorável possa contribuir para a ressocialização do arguido, incentivando-o a adotar no futuro condutas conforme ao direito. Tal só será possível nos casos em que o arguido, por iniciativa própria demonstre em sede de julgamento ter verdadeiramente interiorizado o desvalor da sua conduta e iniciado o caminho da ressocialização. Em suma, é necessário antes de mais que o arguido manifeste genuinamente estar arrependido. A final importa que a aplicação deste regime especial, atendendo à gravidade do ilícito, não frustre de forma socialmente intolerável as necessidades de prevenção geral e/ou crie na comunidade um sentimento generalizado de impunidade e insegurança. Nos presentes autos, pese embora se verifiquem indicadores positivos quanto a ambos os arguidos, em especial no tocante a DD, certo é que os arguidos ao confessarem não manifestaram arrependimento totalmente sincero, pois que não foi acompanhado de uma confissão integral quanto a todos os factos praticados na execução da morte de JJ. Construíram uma narrativa que chegou ao mesmo resultado morte, mas por um caminho distinto daquele que efetivamente se terá verificado. Ambos os arguidos mentiram quanto a uma parte muito relevante dos factos, o que impediu o tribunal de apurar qual a motivação subjacente à prática dos factos e que seria essencial à ponderação deste instituto mais favorável. Por outro lado, o crime de homicídio qualificado praticado é muito grave e, conforme se plasmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18 de junho de 2014, processo 578/12.6JABRG.G1, Conselheiro Santos Cabral, consultável no sítio www.dgsi.pt “Quando a culpa e a ilicitude são densas e graves, trazendo à colação a inevitável necessidade dum efeito intimidatório, dificilmente se pode compaginar tal circunstância com uma crença na natural vantagem para a ressocialização” Denote-se ainda que a postura de colaboração que primeiramente o arguido DD ainda na fase de inquérito adotou e, já na fase de julgamento, também o arguido AA, apenas ocorreu após a descoberta pelas autoridades do corpo de JJ que ambos os arguidos tentaram ocultar. Descoberta que ocorreu vários meses após a lesão do bem jurídico-vida, sem que nenhum dos arguidos se tivesse prestado a colaborar em momento anterior, confessando e mostrando onde estava o corpo. Pormenor que assume especial relevância neste caso, na medida em que foi conferido forte mediatismo ao caso, sendo divulgado pelos meios de comunicação social o desaparecimento de JJ. Mesmo após a descoberta do corpo, a colaboração apenas inicia com a confrontação direta dos arguidos com alguns indícios que já apontavam para a sua intervenção e culpa. Os arguidos mostraram maturidade, frieza e inteligência suficientes para pôr termo à vida da vítima, ocultar o corpo e agir ao longo do processo com grande capacidade de adaptação ao desenvolvimento dos acontecimentos, ocultando a intervenção até serem descobertos e, colaborando a partir daí, construindo a narrativa que dentro da assunção do ato de matar entenderam ser-lhes mais benéfica e que inclusivamente acabou por ser acolhida pela acusação. Por fim, as fortíssimas necessidades de prevenção geral impedem que se transmita à sociedade que o homicídio praticado por um jovem menor, mas imputável nos termos da lei, poderá ou deverá por regra, ser sancionado com moldura penal substancialmente inferior. O efeito poderia ser devastadoramente perverso e potenciar, quer um sentimento de impunidade destes jovens, quer uma prática de recrutamento de menores, para a prática de crimes contra o bem jurídico-vida e, consequentemente, um sentimento generalizado de insegurança na comunidade.

Em suma, a aplicação do regime especial para jovens não só não traria vantagens de grande monta na ressocialização dos arguidos em sede de prevenção especial, como passaria à sociedade uma imagem contrária ao efeito pretendido pelo legislador ao estabelecer uma moldura penal mais reduzida, frustrando de forma intolerável as necessidades de prevenção geral, bem assim como as legítimas expectativas dos titulares dos bens jurídicos violados pelos arguidos. Termos em que não se aplicará o Regime Especial para Jovens aos arguidos AA e DD. * VI – DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA ESCOLHIDA Dispõe o artigo 71.º n.º 1 do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Já o n.º 2 dispõe que: “na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente. b) A intensidade do dolo ou da negligência c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram. d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica. e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Vejamos então. Quanto ao crime de homicídio qualificado. O crime é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos nos termos do artigo 132.º n.º 1 do Código Penal. O grau de ilicitude foi muito elevado. Provou-se que a vítima estava deprimida e fragilizada, tendo os arguidos agido com esse conhecimento. O modo de execução da morte foi muito violento, balizado pelo grau de violência da pancada que teve de sofrer para apresentar as lesões cranianas verificadas na autópsia médico-legal e exame de antropologia forense. As consequências não poderiam ser mais graves e o grau de violação dos deveres impostos foram relevantes, pois que ao invés de apoiarem emocionalmente JJ, decidiram matá-lo, ainda que não tivessem qualquer relação de amizade ou inimizade assumida. O dolo foi direto e intenso, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os motivos que o determinaram não foram apurados.

As condições pessoais dos arguidos são débeis, tendo estado institucionalizados em grande parte do seu percurso de vida. O suporte familiar de DD é ainda assim, francamente mais favorável que o de AA, pese embora ambos denotem no último ano uma evolução muito positiva do comportamento que carece de consolidação em face da impulsividade e fraca tolerância à frustração que ambos apresentam, com especial incidência para AA a quem foi diagnosticada em sede de perícia uma perturbação antissocial da personalidade que lhe agrava a culpa. A conduta anterior não é positiva na medida em que estavam institucionalizados e tinham averbadas medidas tutelares educativas no seu certificado de medidas tutelares educativas. A conduta posterior ao homicídio foi evolutiva. De início especialmente censurável, pois que praticaram outro crime pelo qual serão condenados para ocultarem este. Após a descoberta do corpo, a conduta de DD é mais favorável, pois que não voltou a praticar crimes e colaborou na fase de inquérito assumindo a sua participação no crime com as nuances já exaustivamente descritas. A conduta posterior de AA é mais negativa, pois que para além de praticar o crime de profanação de cadáver pelo qual será aqui também condenado, praticou pelo menos, um crime de coação na forma tentada e um crime de ameaça agravada pelo qual será aqui condenado. Sem prejuízo, demonstrou no último ano uma evolução positiva no seu comportamento, designadamente no …. O arguido dirigiu um pedido de desculpas em audiência à assistente PP, pese sem ressonância afetiva e nenhuma ação de relevo tenham praticado os arguidos com vista a mitigar as consequências do crime. No que concerne à preparação para manter uma conduta conforme ao direito, ambos os arguidos demonstraram no último ano uma evolução positiva, que não se encontra suficientemente consolidada. Ambos apresentam impulsividade e fraca tolerância à frustração, sendo que o arguido AA pontua em todos os parâmetros para a psicopatia, pontuando o máximo em parâmetros como a impulsividade, falta de arrependimento e frieza/ausência de empatia, apresentando maior risco em abstrato de voltar a praticar crimes. Tudo ponderado, no contexto de tantos elementos desfavoráveis, seria de concluir pela impossibilidade de aplicação de uma pena concreta abaixo da metade da moldura penal. Não obstante, o fator idade, não tendo servido para determinar a aplicação do regime especial para jovens que estabelece moldura penal substancialmente inferior, não deverá deixar de ser tido em conta na determinação concreta da medida da pena. Não deverá o tribunal aplicar uma pena demasiado elevada que limite drasticamente as possibilidades de reinserção social dos arguidos e de concretização dos respetivos projetos de vida. Por outro lado, não poderá deixar de aplicar uma pena que satisfaça suficientemente as necessidades de prevenção geral, transmitindo à sociedade que os jovens imputáveis não podem atentar contra o bem jurídico-vida e que as consequências se o fizerem serão muito nefastas para as suas esferas jurídicas. É essencial nos tempos que correm salvaguardar o efeito dissuasor da pena no crime de homicídio e, essencialmente, a confiança dos cidadãos na aplicação da justiça aos homicidas. Por esse motivo se afastou o regime especial para jovens e se conclui que na ponderação de todos os fatores, que são essencialmente negativos, não poderão os arguidos ser condenados em pena próxima do limite mínimo, mas afigura-se ainda possível a aplicação de penas concretas abaixo do primeiro terço da moldura penal aplicável. Para tanto concorre essencialmente a idade e o sinal positivo que o comportamento de ambos evidencia no último ano. De salientar ainda que na ponderação da conduta futura e respetiva preparação para a adequar conforme ao direito, bem assim como na ponderação da conduta passada, mas posterior aos factos, DD apresenta elementos mais favoráveis do que AA, afigurando-se justo que beneficie de pena ligeiramente mais favorável. Em suma, deverá o arguido AA ser condenado pena concreta, próxima, mas ainda inferior ao primeiro terço da moldura e o arguido DD em pena próxima, mas ainda assim, inferior ao primeiro quarto da moldura penal. Termos em que se afiguram proporcionais à gravidade dos factos e adequadas à personalidade atual dos arguidos, a aplicação pela prática do crime de homicídio qualificado contra a pessoa de JJ, as penas de 16 anos de prisão ao arguido AA e de 15 anos de prisão ao arguido DD. *

Quanto ao crime de profanação de cadáver O crime é punido com pena de prisão de 30 dias a 2 anos de prisão nos termos dos artigos 254.º n.º 1 e 41.º n.º 1 do Código Penal. O grau de ilicitude é elevado, pois o crime foi praticado para encobrir o crime mais grave do ordenamento jurídico português. Acresce que os arguidos persistiram na prática do crime por vários dias. A conduta dos arguidos não respeitou a memória da vítima e impediu os familiares de, no tempo certo, fazerem o velório, funeral e respetivo luto, prolongando o sofrimento provocado pela angústia da incerteza da morte/paradeiro. O dolo foi direto e intenso e os sentimentos manifestados na prática do crime não abonam a favor dos arguidos, pois que agiram numa perspetiva egoísta de se salvaguardarem e evitarem a responsabilização penal pela prática do crime de homicídio. As restantes circunstâncias ínsitas no artigo 71.º n.º 2 do Código Penal são as mesmas pelo que se dão por reproduzidas. Neste caso em concreto, a moldura penal não é desproporcional à idade dos arguidos, pelo que na conjugação de todos os fatores essencialmente negativos, é de concluir pela impossibilidade de aplicação de uma pena concreta abaixo da metade da moldura penal, podendo DD beneficiar de uma pena na exata medida da metade e AA, pelos mesmos motivos apontados para o crime de homicídio, deverá ser condenado em pena ligeiramente superior. Termos em que deverá o arguido AA ser condenado na pena de 1 ano e 2 meses de prisão e o arguido DD na pena de 1 ano de prisão, ambos pela prática do crime de profanação de cadáver.

* Quanto ao crime de ameaça agravada

Arguido AA

O crime é punido com pena de prisão de 30 dias a 2 anos nos termos dos artigos 41.º n.º 1, 153.º e 155.º n.º 1 alínea a), todos do Código Penal. Considerando o contexto da prática dos factos, 6 dias após a descoberta do corpo de JJ, no dia seguinte à prestação de declarações da ofendida no processo, a alusão a um mal futuro que pudesse envolver a morte da ofendida é especialmente censurável, graduando-se o grau de ilicitude, consequências materializadas no receio causado à ofendida e na intensidade do dolo, como elevados. Os sentimentos manifestados, assentam na perversidade do arguido traduzida no desejo de causar receio na ofendida. As restantes circunstâncias a ponderar são idênticas, com exceção da conduta posterior ao crime que é ligeiramente mais favorável, por se desconhecerem novas práticas delituosas, a partir deste momento. Este contexto mais favorável permite a aplicação de uma pena concreta inferior à metade da moldura penal, mas ainda assim superior ao primeiro terço da moldura. Tudo ponderado deverá o arguido AA ser condenado pela prática contra a pessoa de LL de um crime de ameaça agravada, na pena de 10 meses de prisão. (…)

* VII - CÚMULO JURÍDICO O artigo 77.º n.º 1 do Código Penal, dispõe que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo de considerar em conjunto, os factos e a personalidade do agente. O n.º 2 do referido normativo estabelece que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão. Já como limite mínimo, impõe a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. No presente caso, importa efetuar operação de cúmulo jurídico quanto aos arguidos AA e DD. *

Do arguido AA

Temos como limite máximo uma pena de 18 anos de prisão e como limite mínimo uma pena de 16 anos de prisão. No âmbito da personalidade do agente há que ponderar a seu favor a informação constante na sua perícia à personalidade e trazida pela técnica tutora do …, Dra. YY e que permite ambicionar uma vontade e uma capacidade para combater no futuro todos os parâmetros em que pontua na escala de avaliação da psicopatia e que lhe determinou o diagnóstico de perturbação antissocial da personalidade que por sua vez dilata o risco em abstrato de cometimento de novos crimes no futuro, se por algum modo for impulsionado para a sua prática. Assim, porque a sua conduta em concreto contraria o diagnóstico que permite prever o futuro em abstrato, dar-se-á um voto de confiança não indo além da metade da moldura penal do cúmulo jurídico. Termos em que se afigura proporcional à gravidade dos ilícitos e adequado à personalidade do arguido, a aplicação em cúmulo jurídico de uma pena única de 17 anos de prisão ao arguido AA.

* Do arguido DD

De acordo com o mesmo critério estabelecido no artigo 77.º n.º 2 do Código Penal, temos como limite máximo uma pena de 16 anos de prisão e como limite mínimo uma pena de 15 anos de prisão. Neste caso em concreto há a ponderar a seu favor as recentes informações remetidas ao processo pela Associação …, que deixam antever um princípio de ressocialização em sede de inserção profissional e social dentro do grupo de pares e que deverá ser consolidado. Acresce uma melhor base de apoio familiar que poderá proporcionar-lhe um contexto mais favorável autodeterminar-se no futuro de acordo com o direito e as regras vigentes. Em suma, revelando bom comportamento no último ano e melhor estrutura familiar de apoio, poderá beneficiar de uma pena situada dentro do primeiro terço da moldura penal. Tudo ponderado, afigura-se proporcional à gravidade dos factos e adequado à personalidade do arguido a aplicação em cúmulo jurídico de uma pena única de 15 anos e 4 meses de prisão ao arguido DD. (…)” Subscrevemos integralmente todas as considerações transcritas, que se nos afiguram exaustivas, acertadas e respeitadoras dos critérios legais. Numa breve referência à censura feita no recurso apresentado pelo arguido AA à não aplicação do regime especial para jovens constante do D.L. nº 401/82 de 23 de setembro, diremos que, não obstante a aplicação de tal regime, a jovens entre os 16 e os 21 anos, não constituir uma faculdade – assumindo antes a natureza de um poder-dever vinculado que o julgador se encontra obrigado a aplicar sempre que no caso concreto se verifiquem os respetivos pressupostos de aplicação – tal não significa, porém, que o mesmo seja de aplicação obrigatória. Ao invés, o tribunal deverá averiguar se existem razões de facto que, nos termos do referido regime legal, justifiquem e determinem a sua aplicação, pois caso entenda que a situação que tem em apreciação não preenche os mencionados pressupostos legais, não deverá aplicá-lo. E foi o que fez o tribunal “a quo”.

Assim, conforme resulta do excerto do acórdão transcrito, com vista a aferir da verificação dos aludidos pressupostos, ou seja, visando determinar se poderia ser formulado um juízo de prognose favorável quanto às expectativas de reinserção dos arguidos, o tribunal fez uma avaliação global da factualidade apurada no caso concreto, considerou a natureza, a gravidade e o modo de execução dos crimes, a personalidade dos agentes, a sua conduta anterior e posterior aos factos, bem como o seu percurso de vida. Feita tal ponderação, concluiu – e, a nosso ver, concluiu com acerto – que a gravidade dos crimes praticados, o seu modo de execução e, bem assim, as condutas dos arguidos anteriores aos factos e os sentimentos manifestados posteriormente – que nunca foram reveladores de total arrependimento – levam a crer que da atenuação especial das penas de prisão não resultariam quaisquer vantagens para a reinserção social dos recorrentes. Estas as razões pelas quais nenhuma dúvida temos de que bem andou o tribunal “a quo” ao considerar que não se encontram reunidos os pressupostos para aplicar aos arguidos o regime especial para jovens constante do D.L. nº 401/82 de 23 de setembro, inexistindo qualquer erro de julgamento a tal respeito. No que concerne às medidas concretas das penas, ao contrário do que propugnam os recorrentes, a censurabilidade que nos merecem as suas condutas – as suas culpas, que funcionam como limite máximo inultrapassável – associada à gravidade dos crimes, à intensidade do dolo, à elevada ilicitude dos factos e às necessidades de prevenção geral e especial, que se mostram corretamente avaliadas pelo tribunal a quo, sustentam totalmente as penas de prisão aplicadas no acórdão sob recurso, que de forma alguma se nos afiguram excessivas. Com efeito, sopesadas todas as circunstâncias enunciadas, entendemos mostrarem-se justas e proporcionais, quer as penas parcelares, quer as penas únicas de 17 anos e de 15 anos 4 meses de prisão de prisão, aplicadas, respetivamente, aos recorrentes AA e DD, consignando-se o acerto do processo aplicativo desenvolvido na decisão, no qual avulta uma ponderação correta dos factos e uma adequada valoração dos mesmos à luz das regras e dos princípios que regem a determinação da medida concreta das penas acima enunciados.

Somos, pois, a concluir que o acórdão recorrido realizou uma correta e equilibrada ponderação de todas as circunstâncias relevantes, tendo cumprido os critérios legalmente estabelecidos para a determinação das medidas das penas, encontrando-se adequadamente fundamentado também nesta parte.

*

Nesta conformidade, não se reconhecendo razão ao recorrente relativamente a nenhum dos fundamentos do recurso, o mesmo improcederá na sua totalidade.

***

III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 6 de fevereiro de 2024

Maria Clara Figueiredo

Artur Vargues

Laura Goulart Maurício

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1 Preceitua o art.º 412.º, nº 3 e 4 do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso que.

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

2 A vários passos da sua motivação, o recorrente reporta-se às provas produzidas, alegando que as mesmas foram erradamente valoradas, tal como se verifica nos seguintes segmentos:“(…) não só tal não resulta de qualquer declaração ou depoimento produzido em sede de audiência de discussão e julgamento, como o que resulta é exactamente o contrário, ou seja, que a actuação do arguido DD não contribuiu em nada para a morte do JJ.(…) Ora, aqui, quanto à asfixia, tal como quanto ao demais da factualidade conducente à morte do JJ, o Tribunal a quo, ignorou em absoluto as declarações dos arguidos e as relatadas diferenças na actuação de cada um deles” (…) O que resulta da prova produzida, em sede de audiência de discussão e julgamento, no que a este arguido diz respeito, é que a sua actuação resumiu-se a acompanhar a infeliz vítima mortal e o arguido AA ao local dos factos, e a presenciar o que aí se passou, até ao momento em que efectivamente interveio, já após a asfixia e morte do JJ.”. Não cuidou, porém, de identificar em concreto as provas a que se reporta por referência ao registo da gravação.

3 A este propósito, consignou-se no acórdão recorrido que “(…) os mesmos montaram a sua estratégia de defesa no sentido de confessarem o essencial e que é a morte, mas apresentando uma versão não coincidente com a realidade, mas credível, no intuito de minimizar ao máximo as consequências penais na sua esfera jurídica. Reflexo desta estratégia digno de realce, é o facto dos arguidos terem prestado declarações na ausência um do outro, mas o seu conteúdo ter sido exatamente igual. Não se trata de declarações coincidentes prestadas através de formulações e perspetivas diversas, mas não contraditórias, como são por norma todas as declarações coincidentes com a realidade proferidas por mais do que uma pessoa. Os arguidos prestaram declarações na sua grande maioria iguais no que concerne à ação e cronologia, através das mesmas formulações, próprias de declarações ensaiadas e não totalmente coincidentes com a realidade, porque contrariadas por prova pericial científica.(…)”

4 Susana Aires de Sousa, Prova Indireta e Dever Acrescido de Fundamentação da Sentença Penal, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, Universidade Católica Editora, Vol. IV, pp. 2272.

5 Fez-se notar no acórdão quanto a este concreto ponto da motivação da convicção probatória que “(…) a factualidade descrita nos pontos 6 a 11, 21, 22 e 32, relativa ao crime de homicídio, evidencia o que foi possível extrair das declarações dos arguidos sem colidir frontalmente com a prova material pericial que as balizou e moldou, designadamente os relatórios de autópsia médico-legal e exame de antropologia (alínea b), esclarecimentos dos peritos por escrito (alíneas c) e d) e em audiência, reportagem fotográfica da remoção do corpo (alínea g) e análise e observação da corda e roupa que se encontrava junto ao cadáver (alínea i), k) e w) e, consequentemente, determinou que fossem julgados não provados a factualidade descrita nas alíneas f) a k), n ) e o) dos factos julgados não provados. Da conjugação da autópsia, exame de antropologia, esclarecimentos por escrito e em audiência, pelos peritos, resulta certo e seguro que JJ sofreu uma violentíssima pancada na cabeça antes da morte, que lhe provocou inconsciência e que provavelmente lhe terá provocado morte cerebral, sendo expectável que viesse a morrer só da pancada. Que ainda assim terá sido asfixiado em momento posterior. E só em momento posterior à morte terá sido introduzido no interior do poço. A existência e violência da pancada está perfeitamente marcada no crânio de JJ, designadamente as diástases das linhas articulares e fraturas de ambas as apófises estiloides. Visualmente, veja-se o auto de diligência com reportagem fotográfica (alínea w), mais concretamente as fotografias do crânio de JJ com as fraturas das apófises estiloides assinaladas a fls. 362 e as diástases das linhas articulares assinaladas a fls. 363.(…)”

6 As quais, reiteramos, ostentam a confusão entre o vício que agora analisamos, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP e o erro de julgamento da matéria de facto.

7 Neste sentido decidiram, entre muitos outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 29.01.2020, proferido no proc. nº 5824/18.0T9LSB-3, o acórdão da Relação do Porto, de 09.01.2020, proferido no proc. nº 1204/19.8T8OAZ.P1 e o acórdão da Relação de Évora, de 07.05.2019, prolatado no proc. nº 112/14.3TAVNO.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

8 Reiteramos que se revela totalmente despropositado e incongruente a alusão declarações e depoimentos para sustentar os invocados vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP, quando é sabido que tais vícios deverão resultar exclusivamente da própria decisão sem recurso à análise da prova.

9 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral, tomo I, 3.ª Edição, Gestlegal, 2019, pp. 924/925 e 927.

10 Fazendo-o o recorrente DD subsidiariamente.

11 Expurgando-se a transcrição das considerações estritamente teóricas sobre a determinação da medida da pena.