Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
33/14.0TTPTG.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE DE TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
JUNTA MÉDICA
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não assistindo ao tribunal de recurso os princípios da oralidade e da imediação, a impugnação da decisão de facto, motivada em erro de julgamento, só deverá ser julgada procedente se a avaliação conjunta da prova produzida, designadamente testemunhal, evidenciar de forma clara que o juiz acolheu uma versão dos factos que não encontra qualquer apoio naqueles meios probatórios.
2. Ficando por demonstrar o nexo causal entre o acidente e a lesão, e não tendo esta tido manifestação imediata, não pode ser reconhecido o direito à reparação reclamado pelo trabalhador sinistrado.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 33.14.0TTPTG.E1

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal do Trabalho de Portalegre, BB participou acidente de trabalho, pelo mesmo sofrido no dia 28/2/2013, quando, mediante o salário de 5,00 X 22 dias X 11 meses/ano, e de € 3.539,03 de gratificação anual, desempenhava funções de trabalhador agrícola para CC, com sede em Elvas, cuja responsabilidade se encontrava transferida para a DD, S.A., mediante contrato de seguro. Alegadamente, no referido dia o participante foi atingido no olho esquerdo por gotas de um produto corrosivo, que aplicava num conjunto de árvores onde procedia a podas, e que lhe provocou lesões na visão.
Iniciando-se assim a fase conciliatória do competente processo, que entretanto transitou para a Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, no âmbito do mesmo foi o sinistrado submetido a perícia médica, que lhe atribuiu uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25%, desde 28/10/2013. Na tentativa de conciliação subsequente, no entanto, não foi possível obter acordo das partes, uma vez que ambas as presumíveis responsáveis, seguradora e entidade empregadora, alegaram desconhecer a existência do acidente, que não lhes teria sido oportunamente participado pela vítima, discordando também do nexo de causalidade supostamente existente entre esse acidente e as lesões apresentadas pelo sinistrado.
Patrocinado por advogado constituído, o sinistrado instaurou então a competente ação, contra aquelas duas entidades, pedindo a condenação das demandadas no pagamento da pensão obrigatoriamente remível de € 18.050,97, da quantia de € 1.408,69 de indemnização por incapacidade temporária, e ainda do valor de € 10.472,80 por danos não patrimoniais.
Contestaram as RR. para reafirmar a posição que haviam assumido na tentativa de conciliação, daí concluíndo pela improcedência da ação e consequente absolvição, e requerendo ainda a seguradora a realização de exame por junta médica.
Foi proferido despacho saneador, em cujo âmbito ficaram consignados os factos assentes e foi organizada a base instrutória, sendo ainda determinada a abertura de apenso para fixação da incapacidade.
Neste apenso foi o A. submetido a exame por junta médica, da especialidade de oftalmologia, sendo depois proferida decisão que o considerou definitivamente afetado com 37,5% de IPP, para o efeito considerando o fator de bonificação de 1,5 previsto na Tabela Nacional de Incapacidades, em função da idade.
No processo principal teve depois lugar a audiência final, com gravação da prova nela produzida, sendo por fim proferida sentença, que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo ambas as RR. dos pedidos contra elas formulados.
*
Inconformado com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar o A.. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
1ª- Os Senhores da Junta Médica Colegial no apenso apenas deviam pronunciar-se no sentido da fixação da natureza e grau da incapacidade do sinistrado.
2ª- Com exclusão de se reportarem à ausência de nexo de causalidade quanto ao sinistro decorrente dos salpicos do Arbokol.
3ª- Aspecto que só tem lugar no processo principal.
4ª- A 1ª Ré não tomou posição definida sobre os factos alegados na sua contestação, que razoavelmente tinha obrigação de conhecer e que configuram a causa de pedir.
5ª- Nem a 2ª Ré reclamou da colocação como Matéria Assente a opinião do perito médico-legal, tornando desnecessário o desdobramento determinado, face à qualidade técnica que o seu parecer reveste. Não obstante
6ª- O A. foi contratado em 26/12/12 para conforme clausulas supra executar as tarefas necessárias a actividade de Trabalhador Agrícola.
7ª- A poda e outras tarefas acessórias estavam incluídas nas funções a desempenhar.
8ª- “Tudo” sob a autoridade e direcção legais dos representantes da 1ª Outorgante - (1ª Ré).
9ª- A resposta aos quesitos 4º e 5º devia ser no sentido de se dar por PROVADO sem quaisquer restrições.
10ª- A resposta de NÃO PROVADO à matéria dos quesitos 10º a 17º deve ser alterada no sentido contrário perante a relevância e veracidade das declarações de parte do A.
11ª- Mau grado as insuficiências de verbalização e reacção às perguntas a ele colocadas.
12ª- O A., não podia apresentar como testemunha uma pessoa que apenas conhecia como Fernando, e mais ninguém junto de si se encontrava.
13ª- Era de ter sido deferido o pedido constante na parte final da p.i., como prova essencial por funcionar a norma do artº 417º do NCPC.
14ª- Por a sua finalidade ser a descoberta da verdade.
15ª- A ficha de aptidão pelo médico do trabalho é ineficaz por o resultado do exame feito não ter sido comunicado ao sinistrado.
16ª- A testemunha oferecida pela 1ª Ré – Chefe dos Recursos Humanos desconhecia a obrigação legal que tal impunha, daí dever se dado como NÃO PROVADO a resposta ao quesito 28.
17ª- A mesma testemunha assegura haver instruções da chefia para o A. prestar serviços diferenciados e menos perigosos, como varrer.
18ª- Ignorava se essas instruções chegaram ao conhecimento do manajeiro e outros.
19ª- O A. devia ter sido objecto de prestação de Primeiros Socorros Médicos a cargo de quem representava o empregador na altura da ocorrência.
20ª- As consultas hospitalares anteriores efectuada pela A. não eram de foro oftalmológico.
21ª- Também deve ser alterada e refeita a resposta dada ao quesito 20º pois as observações na Clinica Trancon já tinham tido inicio em 2010.
22ª- E feito diagnóstico dando como quase perdido o campo visual do olho esquerdo lesionado.
23ª- De tal órgão o A. via vultos e uma visão ao longe face ao glaucoma mais reduzida.
24ª- Devia ser dado como NÃO PROVADO o quesito 27 face às particularidades dos componentes químicos e corrosivos do Arbokol Resina descritos ao pormenor na Ficha Técnica oferecida com a p.i.
25ª- A resposta negativa aos quesitos 22, 23 e 24 deve ser alterada.
26ª- A prova dos mesmos cabia à 1ª R. pois a Senhora Magistrada ordenou DEVER ser esta a fazer a respectiva prova testemunhal e não o fez.
27ª- No âmbito das normas da repartição (inversão) do ónus da prova ficando esta a cargo de quem melhor apto esteja em conhecimentos adequados como era o caso da 1ª R. por intermédio dos seus responsáveis ou peritos.
28ª- Ficando demonstrada a ausência pela R. de informação e formação aos trabalhadores da perigosidade do produto e ausência dos Equipamentos de Protecção Individual, que lhe competia facultar.
29ª- Existe assim por tais motivos nexo de causalidade entre o acidente e a lesão.
30º- Houve também agravamento da lesão sofrida em 2010 que o configurava com a incapacidade detectada tudo resultante do acidente em apreço.
31ª- O desleixo do representante da R. junto do A. no desempenho das tarefas que prestava representam violação do dever geral do cuidado que aquela competia observar, recaindo sobre ela a culpa do acidente e suas consequências.
*
Notificadas as RR. da interposição do recurso, apenas a ‘DD’ veio contra-alegar, aí pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
E decidindo, recordemos antes de mais a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, que foi a seguinte:
1 - Em 28 de Fevereiro de 2013, entre a Ré seguradora e a Ré CC, existia um contrato de seguro de acidentes de trabalho ocorridos com os trabalhadores ao serviço da 1ª Ré, titulado pela apólice nº… e celebrado na modalidade de seguro de prémio variável a folha de férias.
2 - À Ré Seguradora não foi participado qualquer acidente ocorrido com o Autor, tendo aquela tomado conhecimento do acidente em causa neste processo apenas com a notificação que lhe foi dirigida, com data do registo do correio de 24/02/2014, recebida no dia 25 seguinte, no âmbito dos presentes autos.
3 - Submetido a exame médico no Gabinete Médico – Legal de Portalegre o Sr. Perito Médico atribuiu ao Autor:
- Incapacidade Temporária Parcial de 25% durante 242 dias (entre 2.02.2013 e 28.10.013);
-Incapacidade Permanente Parcial de 25% a partir do dia 28 de Outubro de 2013.
4 - Em 28.02.2013 o Autor trabalhava, sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª Ré, no âmbito de um contrato de trabalho a termo incerto celebrado a 26/12/2012, auferindo a remuneração de €528,00 x 14 meses + € 5,00 x 22 dias x 11 meses + € 3.539,03 x 1 de gratificações, no total anual de € 12.141,03 (doze mil cento e quarenta e um euros e três cêntimos).
5 - E tinha a categoria profissional de trabalhador agrícola.
6 - Na referida data o Autor trabalhava numa das parcelas agrícolas da 1ª Ré, designada Herdade da ….
7 - No dia referido no ponto 1º, o Autor encontrava-se a plicar, na “ferida” causada em cada ramagem que era cortada nos pessegueiros, um produto adquirido pela 1ª R designado arbocol resina.
8 - Tal produto contém na sua composição cloreto de benzelcónio.
9 - A aplicação do produto era feita com uma trincha atada a uma vara, molhando-a o Autor, repetidamente, numa lata de 5 Kg, que lhe fora facultada pelo encarregado, à qual fora junta uma pequena porção de água, por ordem deste, para tornar mais rápida e fluída a aplicação do referido produto.
10 - Ao proceder à pincelagem dos cotos das ramagens podadas num tronco mais alto, saltaram-lhe para o olho esquerdo um ou dois pingos da calda produzida pela mistura referida no ponto anterior.
11 - Tendo o Autor sentido ardor e irritação nesse olho.
12 - A relação laboral do Autor com a 1º Ré cessou em Maio de 2013.
13 - O Autor, em 23.10.2013, deslocou-se à Clínica …, em Badajoz, onde foi observado.
14 - Aí, em 5.05.2014, foi-lhe passada uma informação clínica referindo as condições e estado do seu olho esquerdo, onde se diagnosticaram cicatrizes lineares na córnea e esclerose do cristalino, com a pupila do olho totalmente escavada e atrófica, tendo, na mesma informação, sido recomendados os medicamentos Lumigan e Ganfort, que o Autor aplicou.
15 - O produto Arbocol em contacto com os olhos, apenas pode causar irritações, nunca cegueira.
16 - O trabalhador foi sujeito a uma consulta de medicina no trabalho, cerca de um mês depois da data do evento referido no ponto 10, na qual foi examinado, tendo o médico concluído que estava tudo bem com o trabalhador.
17 - O Autor sofre há alguns anos, desde data anterior a 28.02.2013, de uma patologia nos olhos, que, com o tempo, pode causar cegueira.
18 - O Autor sofre actualmente de Incapacidade Temporária Parcial de 25%, à qual acresce o factor de bonificação 1,5, atenta idade do sinistrado, incapacidade resultante da integração na TNI das sequelas observadas no seu olho esquerdo.
19 – Tais sequelas consubstanciam-se na ausência de visão do olho esquerdo, causada pela existência de um glaucoma com escavação total e atrofia do nervo óptico.
*
A discordância manifestada pelo apelante relativamente ao sentido absolutório da sentença recorrida prende-se no essencial com a decisão de facto proferida pela 1ª instância, que o recurso ora interposto veio impugnar, nos concretos pontos que, tal como estão decididos, afastam a existência duma relação causa/efeito entre o acidente sofrido, e a incapacidade para o trabalho que afeta o sinistrado.
Na prática, pretende o recorrente que seja agora acolhida a versão da realidade que por ele foi alegada na ação, assim revertendo, em seu favor, a factualidade que o tribunal a quo julgou como provada e como não provada.
De acordo com as conclusões da sua alegação, que como se sabe delimitam o objeto do recurso (cfr. arts.º 635º, nsº 3 e 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – C.P.C.), são vários os pontos de facto que o apelante vem questionar, sustentando, ainda que não duma forma sequencial, ou que não há prova bastante quanto a alguns dos factos que a 1ª instância considerou como estando provados, ou que a prova produzida deveria determinar que fossem julgados provados outros factos, que o não foram, ou ainda que deveriam ser alteradas respostas a diversos quesitos da base instrutória.
No primeiro caso, defende o recorrente que devem ser considerados como não provados os pontos 15 e 16 da decisão de facto, supra referida, que na base instrutória correspondiam aos respetivos nsº 27 e 28, e que receberam resposta afirmativa do tribunal recorrido.
Em sentido inverso, pretende o apelante que os pontos 10 a 17 da base instrutória[2], que traduziam a sua versão sobre factos que teriam ocorrido imediatamente após o acidente de 28/2/2013, sejam todos considerados como provados, ao invés da resposta negativa que lhes deu a Ex.ª Juíza a quo. Outrossim, na tese do recurso deverá ser também alterado o julgamento de ‘não provado’ relativo aos quesitos 22, 23, e 24, que respeitavam a factos relacionados com equipamentos de proteção individual, e a instruções para manuseamento do produto ‘arbocol resina’.
Finalmente, pugna ainda o A. por que sejam plenamente julgados provados os quesitos 4 e 5, respondidos restritivamente na 1ª instância no ponto 7 da decisão de facto, o mesmo sucedendo como o quesito 20, que naquele decisão corresponde ao ponto 13.
Ora, antes de apreciarmos se a impugnação de facto deduzida pelo recorrente é, ou não, pertinente e procedente, convirá relembrar como funciona, neste domínio e em linhas gerais, o nosso sistema processual, por forma a que melhor se compreenda a solução a dar ao caso dos autos.
Assumindo aquele que é um dos seus princípios estruturantes – a dupla jurisdição em matéria de facto - a lei de processo permite que se impugne, por via de recurso, a decisão proferida sobre matéria de facto, mas exige que para tal efeito sejam observados os ónus de alegação que se acham consignados no art.º 640º, nsº 1 e 2, do C.P.C.. Nesse sentido, à parte recorrente cumpre referir, designadamente, e sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre cada um desses pontos de facto, e bem assim qual a decisão que deveria então ser proferida sobre cada uma das questões impugnadas.
Não basta portanto que a parte recorrente afirme uma discordância genérica quanto à decisão sobre matéria de facto, ou mesmo que ilustre essa discordância com a alusão a segmentos da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento. É necessário que a alegação de recurso identifique os concretos pontos de facto que se impugnam, que indique qual a decisão que quanto a cada um deles deveria ser acolhida pela Relação, e que justifique essa sua pretensão com os meios de prova que, nessa lógica, evidenciarão que foi errada a decisão da 1ª instância, impondo uma decisão diversa.
Por outro lado, importa também sublinhar que, havendo uma impugnação devidamente deduzida, a hipotética alteração da decisão de facto, pela Relação, se encontra no mesmo sentido delimitada pela regra do art.º 662º, nº 1, do C.P.C..
Ou seja: não estando obviamente em causa a repetição da audiência de julgamento realizada, mas apenas a reapreciação dum segmento da decisão da 1ª instância, só deverá ocorrer semelhante alteração, quanto aos concretos pontos de facto que foram objeto de impugnação, se os factos assentes, a prova produzida, ou um documento superveniente, caso seja admissível, impuserem decisão diversa.
Significa isto, para além do mais, que não assistindo ao tribunal de recurso os princípios da imediação e da oralidade, apenas em situações em que se evidencie a existência de um erro de julgamento deverá a decisão de facto ser modificada. É esse o necessário sentido do termo ‘impuserem’, acolhido naquele art.º 662º, nº 1, que por sua vez afasta também os casos em que se suscitem meras dúvidas quanto ao sentido das provas produzidas. As dúvidas, caso sejam ‘sérias’ ou ‘fundadas’, poderão porventura determinar o uso dos poderes oficiosos que à Relação são conferidos pelo nº 2 do mesmo art.º 662º, mas em caso algum poderão redundar numa imediata e direta alteração da decisão impugnada.
*
Alinhadas estas considerações genéricas, não será difícil concluir-se que a hipótese dos autos, pelo menos nalguns dos concretos pontos de facto que mereceram a discordância do apelante, está longe de satisfazer as exigências formais e substanciais que se referiram.
Com efeito, a alegação do recorrente, e as respetivas conclusões, corporizam-se numa série de afirmações que supostamente infirmariam a decisão de facto proferida nos autos, mas não constitui, como seria exigível, a explanação duma lógica argumentativa sistematizada e coerente, que quanto a cada um dos concretos pontos que se pretendem impugnar procure demonstrar, de acordo com a lei de processo, que houve erro de julgamento e que se impõe decisão diversa.
Senão vejamos:
Quanto aos pontos 10 a 17 da base instrutória, que como se referiu o tribunal a quo julgou como ‘não provados’, a discordância manifestada pelo apelante está motivada, apenas, nas declarações de parte do A., prestadas na audiência final. Porém, ao invés de fazer a indicação exigida pelo referido art.º 640º, nº 2, al. a), o recorrente limitou-se a explanar, em abstrato, sobre a força probatória de semelhante meio de prova.
Nesta parte cabe portanto de imediato rejeitar o recurso, em conformidade com a regra do citado preceito legal.
Conclusão idêntica impõe-se quanto à resposta afirmativa ao quesito 28º, correspondente ao ponto 16 da decisão de facto, que o tribunal recorrido fundamentou no doc. junto a fls. 140 (ficha de aptidão, prevista na Portaria nº 299/2007, de 16/3).
Para contrariar tal julgamento, o recorrente invocou o depoimento da testemunha EE (comum ao A. e às RR., e aliás a única a ser inquirida na audiência final, até em duas diferentes sessões), mas também não indicou com exatidão as passagens da gravação em que fundaria tal pretensão.
No que toca à resposta negativa aos quesitos 22, 23 e 24, também nada há a apontar. É o próprio recorrente que reconhece que quanto a eles não foi efetuada qualquer prova, sendo por isso de todo desnecessário discutir-se a quem incumbiria o respetivo ónus.
Quanto ao nº 27 da base instrutória, a que se refere o ponto 15 da factualidade em causa, nenhuma prova documental contraria, de maneira perentória, o conteúdo da decisão, no sentido de estar demonstrado que o produto ‘arbocol’, em contacto com os olhos, poder provocar cegueira.
Por outro lado, e no que se refere à resposta restritiva aos quesitos 4 e 5, traduzida no ponto 7 da decisão de facto, este contém já o que de essencial constava daquela parte da base instrutória, nada mais se tendo provado de relevante a tal respeito. Trata-se aliás de matéria que não é pessoal da R. seguradora, a quem alegadamente o acidente não foi participado, sobre a qual era por isso admissível uma impugnação genérica, como aquela que consta do art.º 10º da respetiva contestação (cfr. art.º 574º, nº 3, do C.P.C.).
Por fim, também a resposta restritiva ao quesito 20[3], vertida no ponto 13 da decisão de facto, acaba por ser corroborada pela própria posição assumida pelo recorrente.
Com efeito, se a quase cegueira do olho esquerdo era preexistente ao acidente aqui em causa, e já antes tinha levado o A. a ser observado naquela clínica, não terá sido o facto de ter deixado de ver totalmente, que aliás não está comprovado, a única razão que levou o recorrente a li voltar no dia 23/10/2013.
*
De todas as considerações que se expenderam concluímos pois nada haver a alterar na decisão sobre a matéria de facto relevante, tal como a mesma foi proferida pelo tribunal recorrido.
A propósito do julgamento de facto faremos porém três referências suplementares, que se nos afiguram pertinentes.
A primeira tem a ver com uma questão, também aflorada pelo recorrente na sua alegação, e que respeita aos limites da intervenção da junta médica que examina o sinistrado na fase contenciosa dos processos emergentes de acidente de trabalho.
Como é sabido, trata-se de uma diligência probatória, de natureza pericial, que é obrigatória quando na ação está em causa e é controvertida a questão da fixação da incapacidade para o trabalho (cfr. arts.º 138º e ss do Código de Processo do Trabalho – C.P.T.), que correrá no respetivo apenso quando houver outras questões a decidir (cfr. arts.º 126º, nº 1, e 132º, nº1, do mesmo código).
Significa isto, para além do mais, que qualquer outra questão em aberto, de entre aquelas a que se refere o art.º 112º, nº 1, do mesmo C.P.T., e designadamente o nexo causal entre a lesão e o acidente, é matéria que deve ser tratada e decidida no processo principal, máxime em sede da audiência de discussão e julgamento que nele venha a ter lugar.
E foi assim que sucedeu no caso dos autos. No apenso aberto para o efeito, a Ex.ª Juiz, por decisão de 7/5/2015 veio a declarar estar o ora recorrente afetado duma IPP de 37,5%, nada referindo porém quanto àquele nexo causal, como não poderia fazê-lo.
É certo que, com frequência, os peritos intervenientes na junta tecem considerações sobre a questão do nexo de causalidade que seja controvertido, muitas vezes em resposta a quesitos a que devem responder. Mas esse conteúdo do laudo pericial, havendo-o, constitui apenas um meio probatório, a par de outros, a considerar depois, e apenas, aquando do julgamento dos factos pertinentes à decisão sobre o mérito da causa. Será de resto para aí prestar os esclarecimentos científicos que se mostrem necessários que os peritos deverão comparecer naquela audiência, sempre que o juiz assim o determinar (cfr. art.º 134º do C.P.T.).
Outro princípio elementar de direito probatório, que por vezes parece ser subalternizado quando se impugna uma decisão de facto, é aquele que se acha acolhido no art.º 413º do C.P.C.: o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.
Daí que a questão de saber a quem incumbia o ónus de provar determinado facto, ou de ilidir certa presunção, seja assunto de relevância menor quando se discute, apenas, qual a matéria de facto que está ou não provada, e é pertinente à decisão de mérito.
Finalmente, importa ainda sublinhar que, na concreta hipótese dos autos, a motivação da decisão de facto, que o recorrente aliás não questionou diretamente, se mostra elaborada pela Ex.ª Juíza de forma detalhada, e fazendo uma análise crítica das provas produzidas, em termos que não deixam dúvidas quanto ao modo ponderado como foi adquirida a convicção do tribunal.
Pela sua óbvia pertinência, não podemos deixar de aqui reproduzir um passo dessa motivação:
… Por que razão só em 23 de Outubro decidiu deslocar-se a tal clínica para pedir ajuda relativamente ao acidente que, alegadamente, sofrera em 28 de Fevereiro do mesmo ano, foi uma pergunta que ficou sem resposta. Apesar de tal questão lhe ter sido várias vezes formulada em julgamento, o Autor não logrou apresentar qualquer explicação cabal para ao sucedido.
Sabemos que o Autor continuou a trabalhar depois do dia 28 de Fevereiro de 2013 e ainda que, tendo sido consultado pelo médico do trabalho cerca de um mês depois, o mesmo concluiu que aquele não tinha qualquer problema de saúde.’
*
Mantida que está a decisão de facto proferida pela 1ª instância, nada há a alterar no julgamento de direito constante da sentença recorrida, que de resto não foi autonomamente questionado.
Estão provados factos que configuram a ocorrência de um acidente de que o A. foi vítima, no dia 28/2/2013, mas não há elementos que o caracterizem como acidente de trabalho indemnizável.
Ficou com efeito por demonstrar a relação de causa/efeito entre o acidente e as lesões que se traduzem na IPP de 37,5% que afeta o recorrente. E porque tais lesões não tiveram manifestação imediata após o acidente, (desde logo porque também não há incapacidades temporárias a considerar), ao caso dos autos não pode aproveitar a presunção prevista no art.º 10º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4/9, antes cabendo sim no respetivo nº 2.
Não há portanto fundamento bastante para reconhecer ao apelante o direito à reparação do acidente que por ele vem peticionada.
*
Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Évora, 07-12-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes
__________________________________________________
[1] (…)
[2] 10 – Logo de seguida o Autor, verbalmente, deu conta do ocorrido ao manajeiro?
11 – Tendo-lhe o manajeiro dito que aquilo não era nada e que continuasse o trabalho que estava a fazer?
12 – A tarefa descrita nos pontos anteriores era realizada pelo Autor sem quaisquer óculos de proteção ou viseira ou anteparos de proteção?
13 – O Autor tentou atenuar o ardor no olho e a acuidade visual do mesmo lavando-o com água, mas não melhorou?
14 – O A. é uma pessoa de reduzida instrução e, porque precisava do emprego, conformou-se na altura com a indiferença evidenciada pelo manajeiro?
15 – Passada pouco mais de uma hora dos factos descritos no ponto 7º e porque o ardor e o incómodo no olho não passavam, o Autor dirigiu-se à nave onde se encontra instalado o encarregado de serviço, de nome …, de nacionalidade espanhola a quem contou o ocorrido?
16 – Tendo ouvido como resposta que aquilo não era nada, que passava, sendo que, quando o Autor lhe sugeriu ir ao hospital, o referido encarregado lhe disse que não valia a pena e que fosse trabalhar?
17 – O A. obedeceu, tendo, após o intervalo de refeição, voltado ao trabalho, notando progressivamente a ausência de visão no olho atingido, com a decorrente redução da capacidade de trabalho?
[3] 20 – Tendo deixado de ver totalmente, em 23/10/2013 o Autor deslocou-se à Clínica … em Badajoz, onde foi observado?