Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
722/12.3TBBJA-A.E1
Relator: ACÁCIO NEVES
Descritores: DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO PARCIAL
MÚTUO
HIPOTECA
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário: Tendo a entrega, pelos réus ao Banco autor, do imóvel adquirido com recurso ao crédito, sido efectuada através de escritura pública denominada “dação em cumprimento” na qual se declarou expressamente que tal dação apenas visava o “cumprimento parcial das responsabilidades anteriormente assumidas” e tendo os réus ali reconhecido que continuavam devedores de determinadas quantias, não constitui abuso de direito ou enriquecimento sem causa, o facto de o Banco vir exigir dos réus o pagamento de tais quantias.
É para o efeito irrelevante o facto de o valor do imóvel, aceite naquela escritura, por ambas as partes, como sendo o valor do imóvel, poder ser inferior ao valor da avaliação feita aquando da concessão do crédito, na medida em que, para além de estar em causa um valor expressamente aceite pelos réus, a primeira avaliação pode ter sido feito de forma incorrecta e nada impedia que o valor do imóvel se tivesse desvalorizado entretanto, mormente pelo seu uso, sendo certo que, conforme é público e notório, mercê da crise financeira e do imobiliário, os imóveis têm vindo a ser objecto de acentuada desvalorização.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

J... e M... vieram, por apenso à execução comum que lhes foi movida pelo exequente Banco, deduzir oposição à execução, pedindo que os valores indevidamente peticionados sejam deduzidos, condenando-se os executados em quantia não superior a € 16.253,15, a melhor apurar em execução de sentença, absolvendo-se do pagamento dos juros remuneratórios e dos juros contratuais peticionados.

Alegou, para tanto e em resumo que pugnando na execução pelo pagamento do valor remanescente de € 36.056,15, após dação em cumprimento, resultante de crédito à habitação celebrado com os executados, tal pedido configura abuso e direito e enriquecimento ilícito na medida em que a exequente obteve para si, através de um contrato de dação em cumprimento, a titularidade plena do imóvel que era pertença dos executados por um valor inferior ao valor patrimonial, pretendendo ainda obter o ressarcimento do valor obtido através da diferença entre a avaliação e o valor em dívida;
Mais alegou que os juros remuneratórios no valor de € 1.446,02 referidos na escritura de dação em cumprimento não são devidos porque o capital está vencido e apenas são devidos juros de mora à taxa legal.

Admitida a oposição e sem que a mesma tivesse sido objecto de contestação, veio a ser proferida sentença, nos termos da qual a oposição à execução foi julgada totalmente improcedente.

Inconformados, interpuseram os executados/oponentes o presente recurso de apelação, em cujas alegações, pedindo que sejam parcialmente absolvidos do pedido, deduzindo-se os valores indevidamente peticionados e condenando-se aos executados em quantia não superior a € 16.253,15, a melhor apurar em execução de sentença, sendo os mesmos absolvidos do pagamento dos juros remuneratórios e dos juros contratuais peticionados, apresentaram as seguintes conclusões:

A) A douta sentença, ora recorrida, viola as normas constantes nos Art.º 659.º do Código de Processo Civil (C.P.C.) e art.º 9.º, art.º 334.º e 473.º do Código Civil(C.C.)
B) Quer a sentença ora recorrida, quer a execução dos autos apenas atendem à letra da lei e não ao seu espírito, fazendo “tábua rasa “ da unidade do sistema jurídico”, princípio basilar do ordenamento jurídico português.
C) O pedido formulado pelo exequente constituí abuso de direito e enriquecimento ilícito, por parte da entidade bancária credora, ora exequente - art.º 334.º e 473.º do C.C., pois, o exequente através de um contrato de dação, obteve para si a titularidade plena do imóvel que anteriormente era pertença dos executados por um valor (€ 61.110,00) bastante inferior ao valor patrimonial (€78.331,25).
D) E, vem pedir, ainda o pagamento do remanescente valor que contabilizou através da diferença entre o valor em divida, a saber € 96.030,00, e a avaliação (€61.110,00) cuja autoria é da própria exequente.
E) Na verdade, ao extinguir-se o mútuo de escopo para a garantia do pagamento do bem e cujo montante apenas serviu para financiar o pagamento do bem, cuja titularidade já não é sua mas da entidade credora, deixa de fazer sentido obrigar os executados a pagar duplamente algo que já não possuem.
F) Assim, o banco obtém uma dupla vantagem, absolutamente contrária ao direito e dele abusivo: adquire o bem por um valor inferior àquele que avaliou para concessão do mútuo e obriga os credores a pagar, outra vez, um empréstimo de cujo objeto não vão usufruir…
G) Consegue, pois, ao abrigo da lei fazer valer a sua preponderância jurídica, emocional e económica sobre uma parte (devedor) que, pelo contrário, se encontra em clara posição de desvantagem porque em incumprimento e ávida para tentar resolver a sua débil situação financeira.
H) Tal situação não pode deixar de configurar o alegado enriquecimento sem causa!-art.º 473.º do C.C.
I) Nestes termos o defende Menezes Cordeiro, (Tratado de direito civil português,2.º edição, 2000, Almedina, pag.265),:
“a obrigação de pagamento do simples remanescente da dívida após valor da adjudicação (in casu da dação em cumprimento), configuraria uma situação de abuso de direito nas modalidades de desequilíbrio no exercício do direito porquanto, sendo titular de um direito de crédito, formal e aparentemente exigível por incumprimento contratual, a sua executoriedade e reconhecimento judicial desencadearia resultados totalmente alheios ao que o sistema poderia admitir em consequência do seu normal e regular exercício.”- Sentença citada in Jus Jornal n.º 1462, 14/05/2012.
J) Deverão os recorrentes ser absolvidos do pagamento dos juros remuneratórios pois que face á redação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 7/2009 de 25/03, a sua cobrança foi liminarmente proibida, por ilegal e excessiva, face a um capital já vencido e indisponível para os mutuários.
K) Na sua senda, destacamos o brilhante Ac. TRE, cujo excerto é exímio:
“Mas, como facilmente se intui, essa cláusula contratual foi estabelecida pelo próprio Banco credor, não porque a lei lha impusesse - que não impõe, como se viu -, mas precisamente para colmatar a falta de norma nesse sentido na lei e, contornando-a, se defender, assim, daquela linha jurisprudencial que está assente no mencionado Acórdão uniformizador.
Por isso que ela é nula e de nenhum efeito.
[Estaria, com efeito, a Acão dos Tribunais bem limitada na prossecução que deve fazer da justiça se, em face de decisões anteriores – e designadamente constantes de Acórdão uniformizador da jurisprudência -pudessem instituições com responsabilidade que tem um Banco na sociedade vir criar cláusulas nos seus contratos, inteiramente a seu favor, e precisamente contrárias àquela linha jurisprudencial definida, no intuito de a contornar, e invocá-las com sucesso em Juízo só porque a contraparte (os consumidores) as assinou. Seria um caminho que tais instituições não deixariam de prosseguir, inexoravelmente, se lhe o permitissem, como, pelos vistos, se vê que já estão a tentar trilhar.”
L) O passivo não poderá ser superior a € 94.584,44, salvo melhor valor que se vier a apurar em execução de sentença, sendo a partir deste valor (€ 94.584,44) e tendo por base o valor patrimonial do imóvel que deve ser apurado o remanescente efetivo da dívida dos executados: € 94.584,44 - € 78.331,25 = €16.253,15.
M) É devida ao exequente a quantia de €16.253,15.
N) Também só são devidos os juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento pois que os juros de mora peticionados só teriam fundamento legal no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca que lhe deu origem, e que deixou de existir por falta de objeto.
O) Ao contrário do insinuado na douta sentença, não podiam os ora apelantes recorrer ao regime consignado na Lei 58/2012 de 9/11, porque a oposição á execução apresentada nos autos é datada de 13/09/2012, logo, anterior á publicação e entrada em vigor da própria Lei.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir:

Em face do conteúdo das conclusões das alegações dos apelantes, enquanto delimitadores do objecto do recurso, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer: - abuso de direito e enriquecimento ilícito;
- juros.
- impossibilidade de recorrer ao regime consignado na Lei nº 58/2012, de 09 de Novembro.


Factualidade assente, dada por provada na 1ª instância:

1) No âmbito da execução comum com o nº 722/12.3TBBJA, de que estes autos são apenso, Banco, S.A., apresentou à execução uma escritura pública de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, outorgada em 22 de Dezembro de 2005, para compra da fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua…, concelho de Beja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o número 765 e inscrito na matriz sob o artigo 2109, com o valor patrimonial correspondente à fracção autónoma de € 27.460,84.
2. No escritura pública referida em 1., consta, para além do mais, que os executados “se confessam devedores ao Banco, S.A. (…) da importância de cem mil euros, que do mesmo Banco receberam a título de empréstimo e que vai ser aplicada na precedente aquisição” e que “constituem a favor daquele Banco hipoteca sobre a fracção autónoma acima identificada e ora adquirida, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, e bem assim dos respectivos juros à taxa anual de três vírgula sessenta e três por cento, acrescidos de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano, em caso de mora, a título de cláusula penal, e despesas judiciais e extrajudiciais fixadas para efeitos de registo em quatro mil euros.”
3) No documento complementar que faz parte integrante da escritura referida em 1. consta, para além do mais, que “o empréstimo é concedido pelo prazo de trezentos e vinte e quatro meses a contar do próximo dia vinte e cinco (…) e será amortizado em trezentos e vinte e quatro prestações mensais, de capital e juros, a primeira com vencimento no mesmo dia do mês seguinte e as restantes em igual dia dos meses subsequentes”, que “o empréstimo vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, à taxa resultante da EURIBOR (European Interbank Offer Rate) a noventa dias, que vigore no segundo dia útil anterior ao inicio do período de contagem de juros, acrescida um vírgula três pontos percentuais, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior (…)” e que “em caso de mora, os juros serão contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal. (…)”
4) Por escritura pública denominada “dação em cumprimento”, outorgada no dia 28 de Março de 2012, J… e mulher M…, na qualidade de primeiros outorgantes, declaram dar ao Banco, S.A., na qualidade de segundo outorgante, em cumprimento parcial das responsabilidades anteriormente assumidas, pelo valor de sessenta e um mil cento e dez euros, a fracção autónoma indicada em 1., livre de quaisquer ónus ou encargos e não sujeita a arrendamento ou a qualquer obrigação ou oneração, que não seja a hipoteca voluntária, registada a favor do Banco, S.A., pela apresentação treze de sete de Novembro de dois mil e cinco.
5) Na escritura pública referida em 4. consta, para além do mais, que as responsabilidades anteriormente assumidas pelos executados consistem no seguinte:
- um descoberto na conta de depósito à ordem contabilizado no Banco sob a referência DDA 4530318134, no montante de capital de € 2.966,77, a que acrescem € 323,64 de juros de mora, e € 12,91 de imposto de selo;
- um empréstimo hipotecário, identificado pela referência MLS 976073183, no montante de capital de € 90.710,96, a que acrescem € 1.446,42 de juros remuneratórios e € 44,07 de juros de mora;
- despesas e encargos com a operação de dação em cumprimento, estimadas em € 1.126,65.

Quanto ao abuso de direito e ao enriquecimento ilícito:

Dizem os apelantes que o pedido formulado pelo exequente constituí abuso de direito e enriquecimento ilícito, por parte da entidade bancária credora, ora exequente, uma vez que o exequente através de um contrato de dação, obteve para si a titularidade plena do imóvel que anteriormente era pertença dos executados por um valor (€ 61.110,00) bastante inferior ao valor patrimonial (€ 78.331,25) e ainda vem pedir o pagamento do remanescente, valor que contabilizou através da diferença entre o valor em dívida (€ 96.030,00), e a avaliação (€ 61.110,00) cuja autoria é da própria exequente.

Os apelantes não questionam o valor da dívida resultante do incumprimento do contrato de mútuo celebrado com o apelado, pela escritura pública de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, outorgada em 22 de Dezembro de 2005 (a que se alude nos nºs 1, 2 e 3 dos factos provados).
O que eles questionam é o valor da dívida para com o apelado, em resultado da dação em cumprimento do imóvel adquirido com recurso a tal crédito (e que havia sido dado de garantia hipotecária).

Mas o certo é que ao entregar ao apelado, em “dação em cumprimento”, o imóvel que haviam adquirido com recuso ao crédito, perante o apelado, no âmbito do contrato de mútuo, através da escritura pública denominada “dação em cumprimento”, outorgada no dia 28 de Março de 2012 (referida nos nºs 4 e 5 dos factos provados), os apelantes sabiam (o que de resto foi expressamente declarado na escritura) que essa dação não extinguia o crédito do apelado na sua totalidade e que se tratava de um mero “cumprimento parcial das responsabilidades anteriormente assumidas”.
Para além disso, e sendo certo que, ao outorgar a referida escritura, de forma livre e responsável (nada sendo sequer alegado em contrário), de acordo com o princípio da liberdade contratual estabelecido no art. 405º do C. Civil, os ora apelantes concordaram com o seu conteúdo, assumindo as obrigações daí decorrentes (só assim se explicando, de resto, que o ora apelado tenha aceite outorgar tal escritura, nos termos dela constantes) – em tal escritura as partes ainda concordaram:
- por um lado, que o imóvel era dado em “dação em cumprimento” “pelo valor de sessenta e um mil cento e dez euros”;
- e, por outro, que as responsabilidades dos executados (ora apelantes) anteriormente assumidas consistiam em:
- um descoberto na conta de depósito à ordem contabilizado no Banco sob a referência DDA 4530318134, no montante de capital de € 2.966,77, a que acrescem € 323,64 de juros de mora, e € 12,91 de imposto de selo;
- um empréstimo hipotecário, identificado pela referência MLS 976073183, no montante de capital de € 90.710,96, a que acrescem € 1.446,42 de juros remuneratórios e € 44,07 de juros de mora;
- despesas e encargos com a operação de dação em cumprimento, estimadas em € 1.126,65.

Ora, perante tudo isso (montantes em dívida e cumprimento parcial - por via da dação do imóvel, pelo valor de € 61.110,00) o apelado limitou-se a exigir dos apelados da dívida dos apelantes, por estes expressamente reconhecida, a parte restante, cujo incumprimento se manteve.

Conforme bem se salienta na sentença sendo a escritura pública um documento autêntico, com força probatória plena e não tendo sido alegado qualquer vício na formação da vontade por parte dos executados, ora apelantes, e uma vez que ambas as partes acordaram quer no valor do imóvel, quer no fim a que destinava aquela entrega (o pagamento parcial da dívida, na qual se incluía o valor de capital, juros remuneratórios sobre as prestações vencidas e juros de mora do empréstimo hipotecário) não estamos perante qualquer situação de abuso de direito ou enriquecimento ilícito por parte do exequente.

Dizem ainda os apelantes que o banco obtém uma dupla vantagem, absolutamente contrária ao direito e dele abusivo: adquire o bem por um valor inferior àquele que avaliou para concessão do mútuo e obriga os credores a pagar, outra vez, um empréstimo de cujo objeto não vão usufruir.
Todavia, sem razão.
Desde logo porque da factualidade provada (a qual, não tendo sido objecto de impugnação deve ser tida como definitivamente assente), nada resulta sobre o valor da avaliação do imóvel que terá sido feita pelo apelado, supostamente no âmbito e para efeitos da concessão do empréstimo.
Da factualidade provada, sobre o valor do imóvel, apenas se mostra provado que o valor patrimonial do imóvel, para efeitos fiscais é de € 27.460,84 (nº 1) e que, na escritura de “dação em cumprimento” ambas as partes declaram que o imóvel foi “dado” pelo valor de € 61.110,00 – desconhecendo-se se este valor resultou de avaliação, designadamente do apelado.
Todavia, o certo é que este foi o valor que as partes aceitaram como sendo o valor do imóvel.

De resto, a ter sido o imóvel avaliado pelo apelante, na fase da concessão do mútuo, pelo valor de € 78.331,25, conforme referem os apelantes, tal não significa que fosse esse o valor real do imóvel à data da “dação em cumprimento”. Com efeito, para além de aquela avaliação poder ter sido feito de forma incorrecta (por esta ou aquela razão, designadamente no interesse de qualquer das partes), nada impedia que o valor do imóvel se tivesse desvalorizado entretanto, mormente pelo seu uso (e toda a gente sabe que um imóvel novo é mais valioso que um imóvel idêntico mas já usado), sendo certo que, conforme é público e notório, mercê da crise financeira e do imobiliário, os imóveis têm vindo a ser objecto de acentuada desvalorização.

Ademais, tendo-se os apelantes se comprometido, pela escritura de mútuo, a pagar o capital mutuado (€ 100.000,00), com juros e demais encargos, nos termos ali estabelecidos, o imóvel em causa apenas foi dado de garantia, e não como a única garantia, sendo certo que aquele valor até é superior ao alegado valor da avaliação feita pelo apelante.

Não está assim sequer provado que o apelado, com a dação em cumprimento, nos termos e circunstâncias em que a mesma foi efectuada, tenha obtido alguma vantagem especial ou excessiva, para além do mero pagamento parcial do que lhe era devido.
E, a haver abuso de direito, o mesmo apenas se poderia situar no âmbito da pretensão dos apelantes, que após reconhecerem o que reconheceram (nos termos supra enunciados), perante o apelado, ou seja após reconhecerem que só pagaram uma parte específica do reconhecido valor da sua dívida, pretendem agora que se considere extinta a obrigação resultante do contrato de mútuo.
Nestes termos, contrariamente ao que defendem os apelantes, não há que abater à dívida, o por eles indicado, valor de € 78.331,25 em vez do valor que, na escritura de dação em cumprimento, foi atribuído (pelas duas partes) ao imóvel.

Improcedem assim, nesta parte, as conclusões do recurso.

Quanto aos juros:

Consideram os apelantes que só são devidos juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento pois que os juros de mora peticionados só teriam fundamento legal no âmbito do contrato de mútuo com hipoteca que lhe deu origem, e que deixou de existir por falta de objeto.
Todavia sem razão.

Com efeito, contrariamente ao que defendem os apelantes, o que está neste momento em execução é efectivamente o contrato de mútuo, sendo certo que, conforme já supra referimos e bem se salienta na sentença, a dação em cumprimento do imóvel não determinou a extinção do contrato de mútuo e das correspondentes obrigações, pois que a entrega do imóvel apenas visou a liquidação parcial da dívida.

Improcedem assim também nesta parte as conclusões do recurso.

Quanto à impossibilidade de recorrer ao regime consignado na Lei nº 58/2012, de 09 de Novembro:

Dizem por último os apelantes, na última conclusão, que ao contrário do insinuado na douta sentença, não podiam os ora apelantes recorrer ao regime consignado na Lei 58/2012 de 9/11, porque a oposição á execução apresentada nos autos é datada de 13/09/2012, logo, anterior á publicação e entrada em vigor da própria Lei.
Muito embora não se trate propriamente de uma verdadeira questão, com relevância para o julgamento do recurso – uma vez que daí não pretendem apelantes os apelantes quaisquer efeitos, sempre se dirá que tal leitura nada tem a ver com o que, a propósito, se consignou na sentença.
Com efeito, o que ali se consignou foi precisamente o contrário, ou seja, que os apelantes não podiam recorrer ao referido regime.

Para além de ali se referir que tal regime ao permitir que a dação em cumprimento, na sequência de incumprimento do empréstimo pelo mutuário, possa “exonerar integralmente o mutuário e extinguir as respectivas obrigações no âmbito do contrato de empréstimo, independentemente do produto da venda executiva ou do valor atribuído ao imóvel para efeitos da dação em cumprimento ou negócio alternativo –, exige igualmente o acordo entre a instituição de crédito mutuante e o mutuário” – o que, in casu, se não verifica, ainda se consignou que esse regime “não é aplicável ao caso dos autos pois, segundo o respectivo regime transitório (artigo 3.º da Lei nº 59/2012) e o diploma legal que estabelece o regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação (Lei nº 58/2012, de 9/11), o pedido para beneficiar da aplicação do mencionado regime teria de ser solicitado até ao final do prazo para a oposição à execução ou até à venda executiva do imóvel (artigo 8.º, nº 2)”.
Improcedem também aqui as conclusões do recurso.
Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Évora, 5.2.2014
Acácio Neves
Bernardo Domingos
Silva Rato