Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
558/20.8T8TMR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS
ELEMENTO SUBJECTIVO
PRESUNÇÃO
SEGURANÇA
HIGIENE E SAÚDE NO TRABALHO
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Nas contra-ordenações laborais, sempre puníveis a título de negligência, o elemento subjectivo da conduta pode presumir-se da descrição do elemento objectivo.
2. Tratando-se a arguida de empresa que se dedica à exploração de uma pedreira, onde operam trabalhadores e máquinas, presume-se o comportamento negligente se não implementa as medidas de segurança que ela mesmo estabeleceu para protecção dos seus trabalhadores no plano de segurança e saúde.
3. No art. 15.º n.º 10 da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, está em causa a implementação das medidas de segurança, envolvendo não apenas a organização dos serviços do empregador, mas igualmente a mobilização dos meios e dos equipamentos de protecção necessários à efectiva implementação de tais medidas de segurança. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, F…, S.A. e R… deduziram impugnação judicial da decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho que condenou a primeira, e declarou o segundo responsável solidário, na coima de € 6.000,00, pela prática de uma contra-ordenação muito grave ao disposto no art. 15.º n.º 10 da Lei 102/2009, de 10 de Setembro.
Na impugnação, invoca-se a nulidade da decisão da autoridade administrativa, por não descrição das normas que imporiam um comportamento diverso à arguida e falta de descrição do elemento subjectivo; e afirma-se que inexiste nexo causal entre a ausência de protecções colectivas e a queda do trabalhador.
Recebida a impugnação judicial, os sujeitos processuais foram notificados para manifestarem a sua oposição à decisão mediante simples despacho, tendo os arguidos apresentado requerimento informando que não se opunham a essa forma de decisão.
Após foi proferida a decisão recorrida, julgando improcedente a impugnação judicial.

Recorrem os arguidos, concluindo:
I – Quanto à decisão recorrida:
a) A decisão recorrida é nula, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 379º do CPP, quer por excesso de pronúncia, ao dar à decisão condenatória um substrato fáctico que lhe faltava (reconhecendo implicitamente a insuficiência da matéria de facto, naquela, plasmada!), quer por omissão de pronúncia, ao olvidar debater os fundamentos apresentados pela F no recurso, quanto à questão de saber se a colocação dos muretes seriam meio suficiente para acautelar a ocorrência de acidentes como o que ocorreu, e bem assim, não ter sido a falta de tais muretes que deu causa a tal acidente, não se pronunciando, sequer superficialmente, quanto à inexistência de factos susceptíveis de integrarem o tipo subjectivo.
b) A decisão recorrida é também nula, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 379º do CPP, não só por fixar os factos provados sem qualquer referência a qualquer meio de prova – quanto mais à respectiva análise crítica – como ainda (e não é menos grave), por não fundamentar a conclusão de que a F está, ou estaria habilitada (?) a “perceber” «as razões da aludida decisão para o apontado ilícito», naquilo que constitui um “não silogismo”, circunstanciado num pressuposto conjectural, sinceramente, hermético, olvidando olimpicamente qualquer análise do tipo, da imputação fáctica, e subsunção da segunda, ao primeiro!
II – Quanto à decisão da A.C.T.,
c) A “fundamentação” plasmada na decisão impugnada é constituída por premissas apressadamente estabelecidas, a que se segue uma conclusão ilógica, num silogismo verdadeiramente inaceitável.
d) A decisão recorrida é objectivamente omissa quanto à indicação de qual fosse o equipamento de protecção colectiva que pudesse prevenir a ocorrência do acidente e bem assim, quanto à concretização das medidas preventivas/correctivas previstas nas pág. 11.40 e 11.54 da avaliação de riscos não estavam implementadas, nomeadamente a colocação lateral de muretes, ou outros, de modo a eliminar/controlar o risco de queda em altura» e como e em que medida poderiam «Essas medidas, ou outras» (que nem sequer estão portanto concretizadas: “ou outros”?) «prevenir os riscos profissionais decorrentes da circulação de viaturas junto ao bordo da bancada, onde existia o risco de queda em altura”,
e) A EA conclui que tais medidas teriam sido imprescindíveis para evitar o acidente, com fundamento em meras suposições, hipóteses, enfim, recorrendo à imaginação, sem aludir a quaisquer normas que imponham ou impusessem à F diferente conduta diligente daquela que, ali, perfunctoriamente, é considerada, limitando-se à conclusão, desprovida de premissas, de que a F não cumpriu «a obrigação de cumprir com as medidas preventivas enunciadas na avaliação dos riscos profissionais», sem sequer se enunciar a disposição legal da qual decorrerá tal “obrigação”, e referindo que «tanto mais estarmos perante uma actividade cujos riscos são elevados», nada refere quanto a qual qualificação da referida actividade.
f) Também quanto à imputação subjectiva, a decisão condenatória apenas refere que os factos são imputados à F a título negligente, sem se imputarem quaisquer factos concretos a partir dos quais se possa inferir tal culpa, sem sequer se mencionar o nome do legal representante, ou de qualquer T responsável por “diferente actuação” (fosse ela qual fosse…), omitindo menção à sua actuação, no interesse e por conta desta, de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que tinha o dever de cuidado e que tinha a obrigação de o cumprir, e que ao não cumprir tal dever poderia praticar uma conduta proibida e punida por lei, sendo que, não obstante, actuou confiando que nada iria acontecer.
g) Enfim, a decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação. É insusceptível de valer como acusação e levar à condenação, impondo-se aplicar o disposto nos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO e artigo 60.º do RPACOLSS.
III – Quanto à “pretensa” contra-ordenação:
h) Na decisão impugnada, não resulta provada a existência de nexo causal entre a queda do T e a falta de protecção colectiva, pois o que decorre da decisão recorrida é que, após o acidente, a F colocou no local blocos de pedra, conjecturando-se, a partir de tal facto, que se tais blocos tivessem sido previamente colocados no local, o acidente não teria ocorrido – afirmação que não apresenta qualquer verosimilhança ao nível da probabilidade e que não respalda qualquer actuação normativamente determinada.
i) O caso dos autos é em tudo semelhante ao decidido por sentença proferida em 13.09.2018, também no Tribunal do Trabalho de Tomar, e da autoria do mesmo Juiz, que absolveu a F. da “infracção” que lhe foi “imputada”, por factos ocorridos em 2013, aí se concluindo que não ocorreu inobservância de regras aplicáveis ao exercício da actividade sendo que, como refere o acórdão do STJ de 8/1/2013, citado nessa sentença: "A implementação de medidas de protecção contra quedas em altura só é obrigatória quando esse risco efectivamente existir face a um juízo de prognose a formular no quadro do circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento, ou de que se possa aperceber e, não, face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado".
j) No caso dos autos, não é possível estabelecer um juízo de prognose entre a falta de implementação de quaisquer medidas de segurança para prevenir o risco de queda do dumper, porque tal queda não se afigurava minimamente expectável, tendo ficado aliás por demonstrar a existência de nexo causal que permita afirmar, com um grau de verosimilhança mínimo, que o acidente não teria ocorrido se existissem, no local, blocos de pedra a assinalar o desnível.
k) O T que sofreu o acidente exerceu sempre as funções de condutor manobrador. Tinha “formação para a condução dessas maquinas (Dumper) e praticamente sempre foi essa a sua função desde que chegou à empresa Filstone” e “é portador da carteira de aptidão profissional de condutor/manobrador de equipamentos movimentação de terras, emitido em 24.01.2015”. Foi-lhe ministrada formação profissional relativa às regras de segurança e saúde no trabalho.
l) Quanto ao acidente, o T estava a trabalhar juntamente com outro T, que também transportava resíduos de pedreira para o vazadouro, conhecia perfeitamente a via de circulação que utilizou para transportar os resíduos, sabia onde se localizava a bancada, da qual posteriormente ocorreu a queda.
m) Ou seja, o T realizou uma manobra perigosa, em condições de limitada visibilidade (durante a marcha atrás), no local, onde sabia existir um desnível que poderia provocar uma queda em altura. O acidente ocorreu porque o T não tomou a devida atenção, negligenciando as regras relativas à segurança da circulação. A queda em altura nunca teria ocorrido se estivesse com atenção à posição da máquina na via.
n) A punição da F constituiria uma afronta ao princípio da culpa, tendo em conta que a F agiu de forma diligente, contratando uma entidade com competência legal e técnica para efectuar a avaliação dos riscos da actividade e implementado todas as recomendações dessa entidade.

Na resposta sustenta-se a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

A primeira instância estabeleceu como provada a seguinte matéria de facto:
A) A arguida F… desenvolve a actividade de extracção de calcário e cré, numa pedreira sita em C…;
B) A arguida previu o risco de queda e consagrou no seu “Plano de Segurança e Saúde” que “Nas vias de circulação que possuam risco de queda em altura devem ser protegidas lateralmente com muretes” e ainda que na bordadura da escavação se devia “Proteger quedas com pequenos muretes de terras”;
C) A arguida não implementou plenamente tais medidas impostas pelo seu “Plano de Segurança e Saúde”, nomeadamente os muretes ou outros elementos de protecção;
D) Tanto mais que, no dia 2/1/2017, o trabalhador Ca… conduzia um camião “dumper” basculante em marcha atrás e caiu de uma altura de sete metros com a viatura, de que resultou para o mesmo incapacidade absoluta de cerca de um ano;
E) A arguida é capaz de assegurar aos seus trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho;
F) A arguida não agiu de forma diligente e prudente, tendo omitido tal dever de cuidado (implementação de muretes ou outros elementos de protecção contra quedas em altura);
G) A arguida conhece a lei, nomeadamente quanto ao exercício da sua actividade, e sabe que a mesma sanciona as omissões das empregadoras.

Aplicando o Direito
Face ao art. 51.º n.º 1 da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, ressalvando-se a apreciação de questões de natureza oficiosa, e certo é que não se vislumbra na decisão recorrida qualquer insuficiência ou contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou, sequer, erro notório na apreciação da prova, que imponha o uso dos poderes consignados no art. 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Começa a arguida por arguir a nulidade da decisão recorrida, por violação do art. 379.º n.º 1 als. a) e c) do Código de Processo Penal, quer ao dar à decisão da ACT um substrato fáctico que lhe faltava, quer ao não debater a questão da ausência de nexo causal entre a ausência dos muretes e a produção do acidente, quer ao não analisar a ausência de factos susceptíveis de integrarem o elemento subjectivo.
Porém, estes argumentos são inexactos. A decisão da autoridade recorrida contém a descrição dos factos imputados à arguida, com indicação (e análise) das provas obtidas, tal como imposto pelo art. 25.º n.º 1 al. b) da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, e a sentença limita-se a reproduzir os factos essenciais que se mostram relevantes para a decisão, sem introduzir quaisquer factos novos (que os Recorrentes não cuidam sequer de indicar quais seriam).
Por outro lado, a sentença discute expressamente a necessidade de colocação de muretes e outros elementos de protecção aptos a evitar quedas em altura de equipamentos e cargas, porque é nesse nível que a imputação está realizada: saber se foram empregues os equipamentos de protecção cuja utilização estava prevista. Finalmente, quanto ao elemento subjectivo, essa análise consta igualmente da decisão recorrida, afirmando-se “a mera circunstância da mesma ter consagrado tais medidas no seu Plano de Segurança e Saúde e de ter a obrigação de conhecer as condições em que era desenvolvida a sua actividade, faz presumir a negligência, traduzida no desleixo, descuido ou inconsideração relativamente à forma como decorria o trabalho com a circulação de veículos naquele local e condições. Na verdade, a não implementação dos meios preconizados no Plano de Segurança e Saúde, como era dever imposto à arguida pela Lei, traduz-se numa conduta omissiva, censurável a título negligente, porque a mesma podia e devia ter implementado o que advogava em tal Plano.”
Argumentam os Recorrentes, que a sentença é nula por fixar os factos sem referência a qualquer meio de prova nem efectuar a respectiva análise crítica. Porém, tendo a decisão sido proferida por simples despacho, a fundamentação podia obedecer às regras expressas no art. 39.º n.º 4 da Lei 107/2009, baseando-se em mera declaração de concordância com a decisão da autoridade administrativa.
Analisando esta norma, Paula Leal de Carvalho[1] escreve o seguinte: “pronunciando-se a sentença sobre a matéria de facto (elencando a provada e a não provada, tanto da acusação, como da defesa) e se esta for idêntica à da decisão administrativa e/ou não implicar a necessidade de considerações adicionais sobre questões suscitadas pela defesa de que o juiz deva apreciar e se a decisão administrativa se encontrar devidamente fundamentada, parece que nada obstará à decisão por adesão.”
No caso, analisando a impugnação judicial que os Recorrentes apresentaram, verifica-se que não estava em causa a matéria de facto essencial apurada na fase administrativa: o plano de segurança e saúde previa a colocação de determinados meios de protecção, estes não estavam colocados e na data assinalada nos autos um veículo “dumper” operado por trabalhador da arguida caiu no local, quando executava uma manobra de marcha atrás. As questões que os Recorrentes colocaram na sua impugnação judicial prendiam-se com ilações jurídicas a retirar desses factos, não alegando outros que importassem específica produção de prova, pelo que a opção realizada na sentença recorrida, de aderir à fundamentação de facto constante da decisão da autoridade administrativa, está devidamente enquadrada na permissão legal contida no citado art. 39.º n.º 4 da Lei 107/2009.
Argumentam os Recorrentes que a decisão da autoridade administrativa é nula por falta de fundamentação, violando o disposto no art. 374.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
Porém, a decisão condenatória da autoridade administrativa obedece às regras estabelecidas no art. 25.º n.º 1 da Lei 107/2009. Em especial, nota-se que a al. b) da mencionada norma apenas exige “a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas”, e não a enumeração dos factos provados e não provados, bem como os demais requisitos previstos no art. 374.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
A lei não define qual o âmbito ou rigor de fundamentação que deve presidir à decisão condenatória da autoridade administrativa, mas certo é que não impõe uma fundamentação com o formalismo e rigor que se exige na elaboração de uma sentença judicial, quer porque se trata de decisão administrativa assente em mero ilícito contra-ordenacional e não em ilícito penal, quer porque tal decisão, quando impugnada judicialmente, se converte, para todos os efeitos, em mera acusação. Não faz sentido, pois, que uma decisão possa adquirir a função de acusação e, simultaneamente, deva obedecer aos requisitos da sentença penal.[2]
De todo o modo, teremos a referir que a decisão administrativa satisfaz plenamente os requisitos previstos no art. 25.º n.º 1 al. b) da Lei 107/2009, na medida em que identifica os factos imputados e indica quais as provas obtidas, realizando até a respectiva análise, e tanto basta para estar satisfeita a exigência legal, improcedendo esta arguição de nulidade.
Quanto ao elemento subjectivo, referia Eduardo Correia[3] que “a contra-ordenação é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal.”
Daí que a culpa nas contra-ordenações não se baseie em qualquer censura ético-penal, mas tão só na violação de certo procedimento imposto ao agente, bastando-se por isso com a imputação do facto ao mesmo agente, podendo o elemento subjectivo da conduta presumir-se da descrição do elemento objectivo.[4]
Note-se, de todo o modo, que as contra-ordenações laborais são sempre puníveis a título de negligência – art. 550.º do Código do Trabalho. Tratando-se a arguida de uma empresa que se dedica à exploração de uma pedreira, onde operam trabalhadores e máquinas, era-lhe exigível não apenas que elaborasse um plano de segurança e saúde, mas acima de tudo que implementasse as medidas de segurança que ela mesmo estabeleceu para protecção dos seus trabalhadores.
Acresce que a decisão da autoridade administrativa revela-se correctamente estruturada, face aos requisitos exigidos pelo art. 25.º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, não encerrando apenas juízos de valor, mas igualmente factos materiais, concretos e precisos, apontando no sentido do cometimento da infracção e da sua imputação à empregadora e responsável pelas condições de segurança na sua pedreira.
Entrando agora na discussão do tipo legal, está imputada à arguida a violação do art. 15.º n.º 10 da Lei 102/2009, de 10 de Setembro, dispondo que, na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das actividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar.
Está em causa a implementação das medidas de segurança, envolvendo não apenas a organização dos seus serviços, mas igualmente a mobilização dos meios e dos equipamentos de protecção necessários à efectiva implementação de tais medidas de segurança.
No caso, está apurado que o plano de segurança e saúde previa, expressamente, que “Nas vias de circulação que possuam risco de queda em altura devem ser protegidas lateralmente com muretes” e ainda que na bordadura da escavação se devia “Proteger quedas com pequenos muretes de terras”. Apesar disso, tais muretes ou outros elementos de protecção não existiam, em especial no local onde o “dumper” caiu de uma altura de sete metros.
Para o preenchimento da norma imputada, é irrelevante apurar se a máquina caiu por negligência ou desatenção do respectivo operador. Basta apurar que o plano previa a existência de muretes nas vias de circulação com risco de queda em altura, e certo é que estes não existiam num local onde existe um desnível de sete metros.
Mas não se argumente que, existindo tais muretes, o acidente ocorreria de qualquer maneira. Se tais muretes foram previstos no plano de segurança e saúde elaborado pela própria arguida, ou a seu mando, foi porque assumiu que os mesmos constituíam meio eficaz de prevenir o tipo de acidente retratado nos autos – quer porque impediriam a aproximação indevida da máquina ao local com risco de queda, quer porque alertariam o operador para esse facto, permitindo-lhe corrigir a manobra da máquina.
Enfim, como muito ajustadamente se refere na decisão recorrida, «nada se vislumbra em termos de factualidade que evidencie qualquer surpresa ou imprevisibilidade na presente situação, pois facilmente qualquer empresa pode prever o risco de queda quando uma máquina trabalha junto a um desnível de sete metros de altura. E tanto assim sucedeu que a empresa soube prever tal risco e soube gizar uma medida de prevenção adequada: implementação de muretes. O que falhou foi a execução ou, como refere a lei, a mobilização dos meios adequados.»
A falta de implementação de tais meios de protecção demonstra, igualmente, o comportamento negligente da arguida: não basta prever medidas de segurança, acima de tudo estas têm de ser implementadas no terreno, e a arguida, dedicando-se à exploração de uma pedreira, com intuito lucrativo, podia e devia implementá-las. Se não o fez, a responsabilidade não é de terceiros ou dos trabalhadores, é da arguida pois o local de trabalho é por si controlado e explorado, e é ela quem tem o dever de providenciar pela segurança e saúde dos seus trabalhadores.
Conclui-se, pois, que a conduta da arguida é, pelo menos, negligente, e bem procedeu a decisão recorrida ao considerar que esta preencheu o tipo contra-ordenacional imputado.

Decisão
Destarte, nega-se provimento ao recurso interposto.
A taxa de justiça nesta Relação fixa-se em 5 UC.
Évora, 14 de Janeiro de 2021
Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
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[1] In Contra-Ordenações Laborais: Questões Práticas, artigo publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, n.ºs 91 e 92, págs. 143 e segs.
[2] Assim se decidiu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 24.01.2013 (Proc. 704/12.5TBCLD.L1-9), e de 23.06.2015 (Proc. 124/14.7T9RGR.L1-5), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] In Direito Penal e de Mera Ordenação Social, no BFDUC, n.º XLIX (1973), pág. 268.
[4] Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação do Porto de 11.04.2012 (Proc. 2122/11.3TBPVZ.P1), da Relação de Guimarães de 05.04.2018 (Proc. 4016/17.0T8VNF.G1), da Relação de Coimbra de 15.06.2018 (Proc. 1208/17.5T8LMG.C1), e da Relação de Guimarães de 05.03.2020 (Proc. 2481/19.0T8GMR.G1), todos em www.dgsi.pt.