Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6569/21.9T8STB-B.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DILIGÊNCIAS DE PROVA
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O objecto do incidente de incumprimento da regulação do exercício de responsabilidades parentais, não é a obtenção de nova regulação, mas a realização das diligências necessárias ao cumprimento coercivo da regulação já fixada, a condenação do remisso em multa e a eventual fixação de indemnização – art. 41.º n.º 1 do RGPTC.
2. Tal decisão apenas pode ser tomada após produção de prova que demonstre o incumprimento, qual a culpa do remisso, e permita apurar quais as exactas diligências aptas o cumprimento coercivo do regime fixado.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Família e Menores de Setúbal, AA deduziu acção para regulação dos convívios entre ela (avó materna) e os seus netos:
- BB, nascida a …/…/2016; e,
- CC, nascido a …/…/2019.
Na acção figuram como requeridos os pais dos menores, DD e EE (filha da Requerente).
Em conferência realizada no dia 27.01.2022, face à ausência de acordo, foi fixado o seguinte: “regime provisório de visitas dos avós maternos aos netos BB e CC durante duas horas às sextas-feiras à tarde quinzenalmente das 17 horas às 19 horas, podendo os pais, querendo estar presentes. Os avós irão buscar os menores a casa dos progenitores.”
Foi ainda determinada a remessa das partes para audição técnica especializada.
Produzida esta, foi proferido despacho alterando “o regime provisório de convívios no sentido de os convívios passarem a ocorrer às quintas-feiras, quinzenalmente, entre as 17:00 e as 19:00.”
Foi ainda determinada a realização de perícia psicológica à Requerente no IML e, junto o respectivo relatório, foram solicitados diversos esclarecimentos, aos quais aquele Instituto respondeu.
Foi proferido outro despacho, em 26.06.2022, indeferindo a pretensão da Requerente no sentido dos pais não poderem estar presentes no convívio entre a avó e os netos.
A avó e os pais produziram as suas alegações e ofereceram a sua prova.
Está designada data para julgamento.

Entretanto, a Requerente deduziu incidente de “incumprimento dos convívios entre avó e netos”, alegando a ocorrência de incumprimentos pontuais dos convívios, em diversas datas, e ainda que estes cessaram definitivamente em 20.10.2022.
No respectivo requerimento inicial, a Requerente pediu que o tribunal, com carácter de urgência, procedesse “ao restabelecimento imediato da convivência familiar avós-netos, e ainda:
a) Sejam os requeridos condenados em sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento,
b) Sejam os requeridos condenados em multa pelos incumprimentos já verificados;
c) Sejam solenemente advertidos do dever de cumprir o regime judicialmente decretado.”
Designada data para conferência entre Requerente e Requeridos, mais uma vez foi constatada a impossibilidade de acordo entre as partes.
Nessa conferência, a Requerente pediu que se fixasse um regime provisório no presente incidente de incumprimento.
Este requerimento foi indeferido por despacho, e dele vem o presente recurso.

As conclusões da Requerente não são um modelo da capacidade de síntese exigida pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil – longe disso – e certo é que não existe qualquer obrigação legal de proceder à cópia acrítica das mesmas.
Quanto às questões que ali são enunciadas – art. 663.º n.º 2 do Código de Processo Civil – são as seguintes:
1.ª Se devem ser restaurados os convívios entre a avó e os netos, por serem do interesse destes?
2.ª Se os elementos de prova demonstram a ocorrência de boicote dos progenitores a tais convívios?
3.ª Se o estado dos autos permitia ao tribunal proferir decisão provisória de restauro da convivência entre a avó e os netos?

Os pais contra-alegaram, no sentido de ao recurso ser negado provimento.
No mesmo sentido se pronunciou a Digna Magistrada do Ministério Público.
O recurso foi admitido, a subir de imediato e em separado.

Dispensados os vistos, com a concordância dos Adjuntos, cumpre-nos decidir.
Os factos relevantes são os descritos no relatório.

Aplicando o Direito.
Da fixação de novo regime provisório
O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais, regulado no art. 41.º do RGPTC – Lei 141/2015, de 8 de Setembro – é um incidente autuado por apenso ao processo principal de regulação, no qual a parte requer “as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.”
Se na conferência não for possível o acordo, “o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decide” – art. 41.º n.º 7 do RGPTC.
Sendo este o regime legal, o seu objecto não é a obtenção de nova regulação, mas apenas a realização das diligências necessárias ao cumprimento coercivo da regulação já fixada, a condenação do remisso em multa e a eventual fixação de indemnização.
Como já se escreveu, “trata-se de procedimentos diversos, com distinta natureza e finalidade: um (incumprimento) direccionado para a correcção de situações em que o regime fixado se encontra em incumprimento, tendo por objecto e função a determinação quanto ao âmbito desse incumprimento e o estabelecimento de medidas tendentes ao cumprimento, designadamente através de meios coercivos; outro (alteração de regime) destinado a obter nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, por a anterior não ser cumprida (por ambos os pais, ou por outra pessoa a quem a criança esteja confiada), ou por terem ocorrido circunstâncias supervenientes que imponham alteração ao já estabelecido, no escopo do aperfeiçoamento e actualização do regime de regulação.”[1]
No caso, permitia o estado dos autos concluir desde já que ocorria um incumprimento definitivo, imputável aos Requeridos, e que era absolutamente necessário retomar de imediato o regime de convívios entre a avó e os netos?
A resposta é negativa.
O incidente está ainda na sua fase inicial, não foi produzida ainda qualquer prova, e ainda se ignoram os factos essenciais à decisão: ignora-se se ocorreu incumprimento dos Requeridos, qual a sua culpa, e quais as exactas diligências aptas ao cumprimento coercivo do regime de convívios entre a avó e os seus netos.
E tanto basta para o desatendimento do recurso.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

Évora, 25 de Janeiro de 2024

Mário Branco Coelho (relator)
Ana Pessoa
Graça Araújo
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[1] No Acórdão da Relação de Coimbra de 08.07.2021 (Proc. 1545/18.1T8FIG-J.C1), em www.dgsi.pt.